Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
46/13.9TCGMR-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PROVA PERICIAL
OBJECTO
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Definido o objeto da perícia, os peritos estão obrigados a dar resposta a todas as questões formuladas.
2 – Caso não disponham do equipamento técnico necessário, devem os peritos socorrer-se de todos os meios necessários ao bom desempenho da sua função, nos termos do artigo 481.º, n.º 1 do CPC, designadamente, recorrendo à colaboração de entidade especializada.
3 – Não o tendo feito e não tendo respondido ao quesito em virtude dessa incapacidade, podem as partes reclamar do mesmo por deficiência – artigo 485.º n.º 2 do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Na presente acção com processo ordinário que J… e M… movem a “R…, Lda.”, tendo por base a aquisição de um imóvel alegadamente com defeitos e anomalias de construção, foi requerida e deferida a realização de prova pericial.
Junto o Relatório Pericial, ambas as partes deduziram pedidos de esclarecimentos, que foram prestados pelos peritos.
Ainda insatisfeitos, os autores deduziram novo pedido de esclarecimentos e reclamação.
Notificada, a ré pugnou pelo seu indeferimento.
Foi proferido despacho que, ordenando a comparência dos peritos em audiência de julgamento para prestação de esclarecimentos, indeferiu o requerido.
Deste despacho recorrem os autores, finalizando a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1-0 Tribunal a quo, salvo o devido respeito, decidiu erradamente, quando indeferiu o Requerimento dos AA do dia 21.05.2014, quando rejeitou a produção daquela prova.
2-Impõe-se a modificação da decisão do Tribunal "a quo" no sentido de admitir tudo o requerido naquele requerimento, pelos seguintes fundamentos:
3-É precisamente por deficiência na resposta por parte dos Srs Peritos, que os AA reclamaram a necessidade de medições para resposta aos quesitos - direito que lhe está a ser negado pelo presente despacho, pela simples razão que os peritos não têm capacidade técnica para o efeito.
4- A questão dos valores e violação ou não das normas legais, já por si já caracteriza e baliza o que se pretende ver respondido: para prova do deficiente isolamento acústico - situação que se os AA aludem em todo o processado.
5- Alusão que se faz em todo o processado, entre outros:
- Na Petição Inicial (art. 4.5°; 37°; 38°; 39° e 40°),
- na Réplica (9° e 10°),
- na Ata da Audiência preliminar, mais concretamente na Base Instrutória (4° e 19),
- no Requerimento dos AA do dia 15.07.2013 nos quesitos para os srs Peritos (4°),
- sobretudo, e em consequência da deficiente resposta dos Srs Peritos, o Requerimento dos AA do dia 04.02.2014, do dia 27.02.2014;
- em face de nova notificação de relatório pericial dos mesmos Srs Peritos, veja-se, por último o Requerimento dos AA de 05.05.2014, que se pretende ver deferido e respondido, em consequência da modificação do despacho do douto Tribunal a quo.
6-Deveria o Tribunal à quo decidir pelo deferimento do peticionado.
7-A não ser assim, vêm os AA o seu direito - que se pretende fazer valer pela presente acção - nomeadamente de verem reparados os defeitos do imóvel (incluindo o deficiente isolamento acústico) e pagos os danos morais (em consequência daqueles defeitos) completamente precludidos.
8-Quando, na verdade, desde o início se prevaleceram dele, incluindo a sua menção na PI, na Réplica, na Base Instrutória, nos Quesitos para os Srs Peritos, Reclamações ao relatório pericial, requerimentos, etc.
9- Pois que o isolamento acústico não é feito apenas pelas paredes mas também pelas caixilharias (portas/janelas).
10-Com a menção da questão por todo o processado, deveriam as reclamações requeridas pelos AA serem atendidas, porquanto nos termos de fundamentação usado pelo próprio Tribunal a quo, sic :
"a reclamação às respostas dos peritos e os pedidos de esclarecimento, pois aquela só é possível por deficiência ou obscuridade das respostas e estes últimos têm de incidir sobre aspectos compreendidos nos quesitos feitos(assim, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/11193, processo n.o0075702, n.º convencional JTRL00012763, documento n.oRLI99311180075702, Relator Dr. Eduardo Baptista, disponível para consulta em www.dgsi.pt).••
11- Por sua vez, tal fundamentação do próprio Tribunal a guo, levaria a um deferimento e não ao indeferimento, por se revelar por demais pertinente.
12-Por tudo o exposto, certamente se impõe uma modificação ao despacho do dia 21.05.2014 na parte C) 1 a parte, proferido pelo Tribunal quo, na medida em que deveria deferir o demais peticinado pelos AA por se revelar pertinente para a boa decisão da causa, e em consequência, terminando pela deferimento do peticionado no requerimento dos AA do dia 05.05.2014
Termos em que alterando o despacho proferido pelo Tribunal recorrido, conforme o atrás definido e revogando, em todo o caso, parcialmente o despacho, por aquele proferido, na parte recorrida, substituindo-a por outra que defira ao recorrente o peticionado nos termos do Requerimento do dia 05.05.2014, se fará a esperada JUSTIÇA.

Não foram oferecidas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se deveria ter sido deferida a reclamação com pedido de esclarecimentos a prestar pelos peritos por escrito.

II. FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“Reclamações/respostas às reclamações:
A fls, 242 - despacho referência electrónica 1636227- foi admitida a perícia a realizar em moldes colegiais.
Foi junto o relatório pericial.
Ambas as partes vieram reclamar - a Ré apresentando dois requerimentos - e pedir esclarecimentos.
A Ré veio responder ao requerimento apresentado pelos Autores ... "e os Autores aos requerimentos apresentados pela Ré .... Por seu turno, a Ré veio responder ao requerimento apresentado pelos Autores.
Apresentado o relatório de fls, 429 e seguintes, os Autores vieram reclamar e peticionar mais esclarecimentos. A Ré veio responder ao requerimento apresentado pelo Autores.
De cumprimento em cumprimento do princípio do contraditório - ambas - vão apresentando sucessivos requerimentos.
Vejamos.
Nos termos do art. 485.º, n.º2, do CPC, as partes podem reclamar dos relatórios por deficiência (quando o mesmo não apresenta todos os pontos que devia ou não os considera tão completamente como devia), obscuridade (não se vislumbra o sentido de alguma passagem ou esta pode ter mais de um sentido), contradição (entre os vários pontos focados ou entre as posições tomadas pelos peritos), ou, ainda, por falta de fundamentação suficiente. Em qualquer caso, não se pode confundir a reclamação às respostas dos peritos e os pedidos de esclarecimento, pois aquela só é possível por deficiência ou obscuridade das respostas e estes últimos têm de incidir sobre aspectos compreendidos nos quesitos feitos (assim, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/11/93, processo n.º0075702, n." convencional JTRL00012763, documento n.ºRL199311180075702, Relator Dr. Eduardo Baptista, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Pois bem.
Com excepção da ausência de resposta pelos Sr Peritos quanto ao aditamento sugerido a fIs. 205 e já entendido como pertinente no despacho de fIs. 242:" a moradia foi construída de acordo com o caderno de encargos e especialidades aprovadas no respectivo processo de licenciamento?" - '" na verdade, do requerimento apresentado não se encontra nenhuma reclamação contra as respostas constantes dos relatórios, com fundamento na falta de resposta a qualquer quesito, ou parte de quesito, ou seja, não há reclamações por deficiência ou obscuridade das respostas. Os Autores e - também já o fez a Ré - pretendem vários esclarecimentos sobre as alegadas contradições entre os juízos formulados e, na sequência, sobre as respostas não coincidentes - pontos de discordância que se verificaram entre os mesmos ali justificadas - dadas pelos Peritos; ... pretendem que seja dadas "respostas" a outras questões que ali não foram colocadas ...
Aproveitam o ensejo e solicitam - reiterando o já peticionado a indicação pelos Peritos de entidade, por si escolhida, tecnicamente capaz e certificada para verificar a correspondência do ruído existente ("constância e valores que não caracterizou na petição inicial, nem referiu, de forma expressa, - ainda que de forma conclusiva - se o aludido ruído é "superior ao legalmente previsto" - art.s 38.º e seg. da p.i) com as normas aplicáveis; que essas entidades "combinem" dia e hora no local para as devidas medições"
Pois bem.
No limite, de "reclamação em reclamação", "de resposta em resposta" supririam eventuais ausências de alegação nos articulados correspondentes dos respectivos factos (os Autores, dos que servem de fundamento à acção - os factos que constituem a causa de pedir, e os Réus, à defesa), sujeitariam ao juízo técnico dos Peritos factos para os quais não têm conhecimentos - como, aliás, já o disseram em resposta a alguns dos quesitos, (transformando-os nomeadamente em testemunhas ... ) e mesmo antecipariam, reduzindo a escrito, o que eventualmente pretendem referir em sede de alegações orais (art. 604.º, n.º3, alínea e), do CPC).
Pelo exposto:
A) Defiro parcialmente a reclamação dos Autores, e, na sequência do já decidido a fls. 242 (despacho datado de 01/11/2013), determino a notificação dos Srs Peritos para, no prazo de dez dias, responderem apenas ao seguinte: “a moradia foi construída de acordo com o caderno de encargos e especialidades aprovadas no respectivo processo de licenciamento?";
B) Sem prejuízo do aludido em A), face ademais à falta de clareza - já anotada a fls. 242 - no que vem sucessivamente a ser referido/questionado, à necessidade de simplificação processual, ao objecto do presente litígio, da perícia, à justa composição do mesmo, determino a comparência de todos os Peritos na data que vier a ser designada para audiência final para prestação de esclarecimentos (art.s 6.º, n.ºl, e 486.º do CPC);
C) Porque não se revela pertinente, indefiro o demais requerido (sem prejuízo de, em sede de audiência final, se assegurar que os Srs Peritos, com os propósitos aludidos em B), prestem os esclarecimentos pertinentes).
Sem custas face à manifesta simplicidade
Notifique”

Nos presentes autos, após apresentação do Relatório Pericial, deduziram as partes reclamações e pedidos de esclarecimentos, oportunamente deferidos, tendo os Senhores peritos apresentado os esclarecimentos que entenderam adequados quanto aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º e 8.º, 9.º e 35.º, bem como correcção dos pontos cardeais e orientação do prédio que, por lapso haviam indicado incorretamente no relatório (bem como esclarecimentos a dúvidas suscitadas pela ré que não têm relevância para o presente recurso).
Verifica-se, assim, que, do primitivo pedido de esclarecimentos e reclamação dos autores – apresentado a 04/02/2014 – deram os peritos resposta a todos os pontos à exceção da reclamação produzida quanto às respostas dadas ao quesito 4.º, sendo certo que é exatamente esse pedido que se reitera no requerimento que obteve o despacho sob recurso.
É certo que o requerimento em questão refere ainda outros pedidos de esclarecimentos, mas nada dizem os recorrentes quanto aos mesmos, limitando-se a levantar a questão do indeferimento da reclamação relativa ao quesito 4.º e, por isso mesmo, é essa a questão em análise no presente recurso – artigo 639.º do CPC.
O referido quesito 4.º prende-se com o “insuficiente isolamento acústico da moradia, notório pelo ruído permanente provocado pela levada das águas corredias do rio, sobretudo durante as épocas chuvosas”, aí se perguntando aos peritos se:
a) Dentro da habitação sente-se o ruído permanente provocado pela levada de águas corredias do rio?
b) Que dizer nas épocas chuvosas? Explique
c) Em caso afirmativo, qual/quais as divisões da habitação mais afetadas?
d) Relativamente ao isolamento acústico, quais os valores/medições de ruído permanente provocado pela levada das águas corredias do rio, no verão? Ultrapassam os limites legais? Explique
e) Em face da construção da habitação dos autores, qual/quais as possíveis causas? Explique
f) Qual/quais as soluções?
g) Qual o custo associado a esta reparação?

Este quesito foi incluído no objeto da perícia, no despacho que ordenou a mesma – artigo 476.º, n.º 2 do CPC

A este quesito os peritos responderam:
a) Os peritos constataram na visita que há ruído (devido à movimentação e queda das águas do rio), que se propaga ao interior da habitação. Não possuem, no entanto, equipamentos técnicos que permitam verificar a correspondência do ruído existente com as normas aplicáveis, embora a existência do rio, que é bem visível no local, seja anterior à aquisição da casa
b) e c) O ruído aumenta com o caudal da água. A divisão mais afetada é o quarto voltado a norte
d), e), g) e g) Prejudicado pela resposta ao quesito 4.º a).

Ou seja, apesar de ter sido ordenada a perícia com o objeto definido naquele quesito 4.º, os peritos não foram capazes de responder por não possuírem equipamentos técnicos adequados.
Daí que não pareça correto dizer-se, como se diz no despacho recorrido, que as partes “pretendem que sejam dadas respostas a outras questões que ali não foram colocadas” e que “no limite, de reclamações em reclamações, de resposta em resposta, supririam eventuais ausências de alegação nos articulados correspondentes dos respetivos factos”.
Não é disso que se trata, nem tal argumentação tem algo de jurídico. Por vezes a instrução de um processo, com várias diligências de prova, é mais demorada do que gostaríamos que fosse. Mas não pode ser esse o argumento para se rejeitar uma diligência de prova.
O que acontece é que foi requerida e deferida a perícia, em determinados moldes e com um determinado objeto e que, em face dos equipamentos técnicos de que dispõem, os peritos não foram capazes de dar resposta ao solicitado.
Ora, como é sabido, nos termos do disposto no artigo 481.º, n.º 1 do CPC, “os peritos podem socorrer-se de todos os meios necessários ao bom desempenho da sua função, podendo solicitar a realização de diligências ou a prestação de esclarecimentos, ou que lhes sejam facultados quaisquer elementos constantes do processo”.
Daí que, impossibilitados pela ausência de meios técnicos, de responder ao que lhes foi perguntado, deveriam os peritos ter diligenciado pela obtenção de tais meios técnicos ou pela colaboração de entidade especializada, de modo a poderem responder com exatidão aos quesitos formulados.
Não o tendo feito, ocorre deficiência do relatório pericial – quando o mesmo não apresenta todos os pontos que devia ou não os considera tão completamente como devia -, deficiência essa que, como bem se salienta na decisão recorrida (sem se retirar a necessária ilação) é fundamento de reclamação, nos termos do disposto no artigo 485.º, n.º 2 do CPC.

Daí que deva ser deferida a reclamação apresentada pelos autores no seu requerimento de 05/05/2014, designadamente, o seu artigo 2.º, uma vez que o que consta do artigo 1.º já foi deferido pela alínea A) do despacho sob recurso e o que consta dos artigos 3.º e 4.º não é objecto deste recurso.

Nestes termos, a apelação terá que proceder, revogando-se a alínea C) do despacho recorrido, que se substitui por outra que, deferindo a reclamação apresentada pelos autores sob o artigo 2.º do seu requerimento, relativa ao quesito 4.º (Acústica), determine que os peritos se socorram dos meios técnicos necessários para dar resposta ao quesitado, nomeadamente, recorrendo a entidade externa, especializada, caso não o possam fazer por meios próprios.

Sumário:
1 - Definido o objeto da perícia, os peritos estão obrigados a dar resposta a todas as questões formuladas.
2 – Caso não disponham do equipamento técnico necessário, devem os peritos socorrer-se de todos os meios necessários ao bom desempenho da sua função, nos termos do artigo 481.º, n.º 1 do CPC, designadamente, recorrendo à colaboração de entidade especializada.
3 – Não o tendo feito e não tendo respondido ao quesito em virtude dessa incapacidade, podem as partes reclamar do mesmo por deficiência – artigo 485.º n.º 2 do CPC.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido – alínea C) – que se substitui por outro que, deferindo a reclamação dos autores, determina que os peritos completem o seu relatório pericial, no sentido de dar resposta ao perguntado sob o quesito 4.º (acústica), socorrendo-se dos meios necessários para o efeito, designadamente, caso não disponham do equipamento técnico, recorrendo à colaboração de entidade especializada
Sem custas.
Guimarães, 10 de novembro de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho