Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1012/15.5T8VRL-BD.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EM INSOLVÊNCIA
CONTRATO PROMESSA
DIREITO DE RETENÇÃO
TRADIÇÃO DA COISA
CONSUMIDOR
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. - Segundo o acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 20.03.2014, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, o promitente-comprador apenas goza do direito de retenção, previsto no art. 755º, n.º 1, al. f), do Código Civil, caso detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.

II. - A doutrina da jurisprudência uniformizadora do AUJ n.º 4/2014 deve ser entendida no seu sentido estrito, tomando como referencial a noção de consumidor prevista no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31/07, correspondente à pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais, familiares ou domésticas.

III – E não abrange as pessoas colectivas, às quais não é reconhecido o direito de retenção, ainda que sejam promitentes-compradoras retentoras.

IV - Ao destinar a fração prometida comprar à residência do seu gerente, essa afetação não deixa de traduzir a satisfação de um interesse societário da própria sociedade comercial.

V - Acresce não se verificar no caso uma situação em que a necessidade de tutela efetiva do consumidor-pessoa humana imponha uma tutela alargada às pessoas colectivas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

No apenso de reclamação de créditos, na sequência da declaração de insolvência de “M. R., Lda.”, a correr termos Juízo Local Cível de ... – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de ..., veio o credor “Banco ..., SA”, atualmente substituído processualmente por “X, SA” e “Banco ..., SA”, impugnar o crédito (no montante de € 161.124,87) reconhecido a Y - Montagens Eléctricas, Lda.

Impugna o aludido crédito, quer quanto à sua existência, quer quanto à natureza garantida do mesmo, por direito de retenção referente à fracção autónoma designada pela letra “I”, integrante do prédio urbano sito na freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....
*
Exercendo a faculdade prevista no artigo 131º,1 C.I.R.E., a Y - Montagens Eléctricas, Lda reafirmou a posição sustentada no articulado de reclamação de créditos e pugnou pela improcedência da impugnação.
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Dispensada a realização de audiência preliminar, em 16/10/2018 foi proferido despacho saneador (ref.ª n.º 32644064), prosseguindo os autos para apreciação da impugnação do crédito reconhecido a Y - Montagens Eléctricas, Lda.
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Realizou-se audiência de julgamento.
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu decisão final, datada de 30/01/2019, nos termos da qual decidiu (na parte que ora releva):

a) julgar parcialmente procedente a impugnação suscitada pelo Banco ... – , S.A. relativamente ao crédito reconhecido sob o n.º 22, a Y - Montagens Eléctricas, Lda., na lista da ref. n.º 625549 (cfr. artigo 129.º, n.º 1, do C.I.R.E.), e, consequentemente,
b) reconhecer o crédito reclamado por Y - Montagens Eléctricas, Lda., no montante de € 161.124,87, que qualificou como comum;
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Inconformada, a impugnante Y - Montagens Eléctricas, Lda interpôs recurso da sentença e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos, páginas 66 a 90, a qual, em suma, considerou como matéria de facto provada, os factos constantes na sentença de 1 a 24, e como matéria de facto não provada, um único facto, todos supra transcritos para o presente recurso.
2. Tendo proferido a seguinte decisão: (…)

Ora,
3. A Recorrente não se conforma com a decisão supra proferida, porquanto a mesma fez incorrecta interpretação e aplicação do direito e da jurisprudência ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar, nos termos do artigo 639º do CPC.

Posto isto, sempre se dirá:
4. ln casu, o Sr. Administrador da Insolvência reconheceu à aqui Recorrente um crédito no montante de €161.124,87, e o concomitante direito de retenção que lhe foi reconhecido com fundamento no contrato promessa celebrado em 27.09.2012.
5. Na sentença da qual se recorre, provou-se a validade do contrato promessa de compra e venda celebrado em 27.09.2012, no qual foi convencionado que a Insolvente prometia vender, livre de quaisquer ónus e encargos, à Y, que por sua vez prometia comprar a fracção autónoma "I", habitação tipo T4, situada no 3.° andar esquerdo e andar recuado, com acesso pela entrada A, da qual fazem parte integrante dois lugares de garagem designados pelos números um e dois, situados na Cave, em regime de propriedade horizontal, do prédio urbano edificado no lote 18 do Loteamento do ..., da Freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../200901 e inscrito na matriz sob o artigo …; (ressalvando-se que por lapso constava a descrição ..., que entretanto foi explicado na sentença de que se trata de um lapso de escrita).
6. Ajustando-se como preço o montante de €235.000,00 (englobando €161.124,87 a título de sinal e princípio de pagamento, "correspondente ao saldo devedor da primeira outorgante, na conta corrente dos serviços prestados pela Segunda Outorgante" e o montante de €73.875,13 a pagar no acto da outorga do contrato prometido), estipulando-se que caberia à insolvente a marcação do negócio definitivo;
7. Convencionando-se ainda que "( ... ) a Segunda Outorgante entra de imediato no uso, gozo e fruição do imóvel, exercendo sobre a fracção e seus lugares de garagem todos os actos de domínio e posse, obrigando-se a promitente compradora a liquidar as despesas de condomínio, contribuição autárquica ou outros impostos, para o que ficam com as chaves do imóvel", bem como que H (. . .) no caso de incumprimento do presente contrato, por parte da Primeira Outorgante, designadamente na outorga do contrato prometido, tem a Segunda Outorgante a faculdade de exigir em dobro do que prestou a titulo de sinal", e nos demais termos apostos no documento (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); - Conforme decorre também dos factos dados como provados.
8. Assim, decorre da sentença da qual se recorre, de que não existem dúvidas de que estamos perante um contrato promessa, nos termos do preceituado no artigo 410.° do Código Civil.
9. Tendo-se também apurado que a Recorrente prestou serviços de electricidade à Insolvente, no montante de €161.124,87, tendo as partes convencionado que o valor de tais trabalhos corresponderia à prestação de sinal a cargo da Recorrente.
10. Operando por via disso a compensação, que se deve entender pela entrega do promitente comprador ao promitente vendedor.
11. Provando-se ainda que em 27.09.2012 o gerente da insolvente entregou aos representantes da Recorrente as chaves de acesso ao edifício e ao apartamento correspondente à fracção autónoma designada pela letra "I".
12. E que a partir do ano 2013 o Sr. N. S., gerente da Recorrente, passou a residir com a sua família no apartamento.
13. Assim, a partir do ano 2013 a Recorrente, passou a ter o controlo de facto da coisa, apesar de não ter sido celebrado negócio definitivo, que deveria ter sido marcado pela Insolvente.
14. Logo, a entrega das chaves visou uma efectiva "traditio rei", sendo a Recorrente desde essa data a detentora do imóvel;
15. Com efeito, em 2013 a Recorrente entrou na posse do imóvel e o seu gerente habita-o desde essa data, até aos dias que correm.

Isto Posto,
16. Se é certo e assente o reconhecimento do crédito no montante de €161.124,87, também deveria o Tribunal a quo ter fixado o direito de retenção da Recorrente sobre o imóvel,
17. Porquanto o promitente comprador que não obteve o cumprimento do negócio, goza de direito de retenção nos termos do estatuído nos artigos 754º e 755º, nº 1 al. f) do Código Civil.
18. O artigo 754.° do código civil estabelece que: "o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados."
19. Consagrando o artigo 755º nº 1 al f) que gozam ainda do direito de retenção:

"O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442º ".
20. Até a este ponto, é do entendimento do Tribunal a quo que existe um crédito, existe a tradição da coisa, assim como existe o incumprimento definitivo culposo por parte da Insolvente, logo, deveria ter sido considerado o supra referido direito de retenção.
21. No entanto, a sentença da qual se recorre plasma ainda o seguinte: "Ainda de acordo com o AUJ N° 4/2014 o reconhecimento do direito de retenção pressupõe que o promitente comprador possua a qualidade de consumidor: "O AUJ nº 04/2014 não define na sua fundamentação o que se deve entender por consumidor, pelo que tem sido debatida na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores a significância de tal exigência, vindo a prevalecer o entendimento segundo o qual se deve atender ao "(, . .) conceito restrito, funcional, segundo o qual consumidor é a pessoa singular, destinatário final do bem transaccionado, ou do serviço adquirido, sendo-lhe alheio qualquer propósito de revenda lucrativa ", ou, noutra formulação, a "(. . .) pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa", independentemente de se destinar a habitação permanente do promitente-comprador, tomando como referencial a noção de consumidor do artigo 2º nº 1 da Lei nº 24/96 de 31 de Julho ("considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios")."
Entendendo o Tribunal que: "encontram-se assim excluídas quer as pessoas colectivas, uma vez que estas só existem "( ... ) em função da prossecução de um determinado objectivo, seja ele económico, político, social, filantrópico ou recreativo, que é a sua "profissão ", não tendo outra vida para além da prossecução da finalidade que é a razão da sua existencial . . .), quer as pessoas singulares, quando actuem para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa, ainda que não tenham pretendido a revenda do imóvel, sem que tal exclusão revele um desrespeito pelo princípio da igualdade, pois os consumidores na acepção restrita não se encontram numa situação materialmente idêntica à daqueles que intervêm no exercício da sua actividade profissional, para além de que o direito de retenção tem natureza excepcional".
22. Considerando o Tribunal que no caso em apreço "a reclamante constitui uma sociedade comercial que por conseguinte actuou por inerência na prossecução do seu objecto social (cfr. artigo 6º, nº 1 do C.S.C) e, nessa medida, não se lhe deve reconhecer a qualidade de consumidora, por não agir no âmbito do quadro finalístico expectável num promitente comprador consumidor, e isto apesar do apartamento ter sido utilizado para o gerente da reclamante residir e da promitente vendedora ter actuado no exercício profissional de uma actividade económica a que se dedicava (cfr. facto provado n. o 13), como é pressuposto pela parte final do nº 1 do artigo 10º da Lei nº 24/96 de 31 de Julho."
23. Decidindo assim o Tribunal a quo qualificar como comum o crédito da aqui Recorrente, tendo em conta que considerou que estamos perante a "ausência de verificação de um dos pressupostos exigidos pela jurisprudência uniformizada através do AUJ nº 4/2014".
24. Decisão essa com a qual não se conforma a Recorrente": ora vejamos:
25. De acordo com o AUJ n.º 4/2014: «No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência. goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 7550 n" 1 alínea f) do Código Civil.»
25 . Conforme supra referido o Tribunal a quo deu como provado que a Recorrente celebrou um contrato promessa de compra e venda com entrega da coisa e com pagamento do sinal, tendo também considerado provado que a Recorrente obteve as chaves da Fracção e que desde o ano 2013 o gerente da Y, N. S., passou a residir no apartamento com a sua família.
26. Assim, atendendo ao supra exposto, jamais poderia o douto Tribunal a quo ter decidido da forma como decidiu, ou seja, jamais poderia ter recusado conceder à Recorrente o direito de retenção sobre a fracção, violando claramente o disposto no artigo 754º e 755º do Código Civil, o artigo 102° do CIRE e artigo 2º da Lei nº 24/06 de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor).

Pois que,
27. O gerente da Recorrente reside, com a sua família, na fracção autónoma desde o ano 2013;
28. Em 02.09.2015 a Y solicitou a colocação de um contador de água provisório para a fracção "I" e em 12/6/2018 foi instalado um contador de electricidade em nome da Y para esse imóvel;
29. Quando foi entregue à Recorrente, a fracção "I" encontrava-se em condições de ser habitada;
30. Com a celebração do contrato-promessa a Recorrente pretendeu a futura aquisição do imóvel, para aí viver o seu gerente, N. S.. (Ressalvando-se que todos estes factos constam da matéria de facto dada como provada).
31. Aliás, conforme ficou provado nos autos, aquando a celebração do contrato promessa de compra e venda, o gerente da Recorrente entrou de imediato no gozo e fruição do imóvel, como se o imóvel fosse seu, com as legítimas expectativas de celebrar a escritura definitiva.
32. Importa por isso referir que o Tribunal a quo se encontra equivocado quando alega que a Recorrente não assume a qualidade de consumidora, decidindo que: "a reclamante constitui uma sociedade comercial que por conseguinte actuou por inerência na prossecução do seu objecto social (cfr. artigo 6º, nº 1 do CSC) e, nessa medida, não se lhe deve reconhecer a qualidade de consumidora, promitente comprador consumidor, e isto apesar do apartamento ter sido utilizado para o gerente da reclamante residir e da promitente vendedora ter actuado no exercício profissional de uma actividade económica a que se dedicava (cfr. facto provado nº 13), como é pressuposto pela parte final do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 24/96 de 31 de Julho";
33. Sendo até uma conclusão contraditória, pois se a Recorrente utilizou o apartamento para o gerente residir, não actuou por isso na prossecução do seu objecto social,
34. Aliás, o objecto social da Recorrente é o seguinte: "instalações eléctricas, montagem de redes eléctricas de baixa, média e alta tensão, instalações de iluminação, sinalização e segurança, telecomunicações, ventilação, aquecimento e condicionamento de ar, reparação de artigos eléctricos e electrodomésticos", não sendo a compra e venda de imóveis ou qualquer negócio relacionado com o mercado imobiliário."
35. ln casu, a Recorrente sendo uma pessoa colectiva, fez prova bastante, resultando da matéria de facto provada que a aquisição da fracção se destinou a uso próprio, pessoal, e não para uso profissional com o fito de obter benefícios.
36. A Recorrente não se dedica à compra e venda de imóveis, nem ao mercado do arrendamento imobiliário, não sendo uma empresa do ramo imobiliário, nem profissional de tal ramo.
37. A fracção objecto de discussão, sempre teve como destino a habitação por parte de um dos gerentes da Recorrente e pela sua família,
38. Ou seja, dúvidas não podem restar ao Tribunal ad quem de que o imóvel em causa se destina a habitação de um gerente da Recorrente, sendo por via disso a Recorrente um consumidor final.
39. Diz-se naquele Acórdão Uniformizador que o que se entende por consumidor é no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com o escopo de revenda.
40. Também é essa a posição defendida por Miguel Pestana de Vasconcelos em "Direito de Retenção Contrato Promessa e Insolvência", in "Cadernos de Direito Privado", 3 páginas 8 e ss.
41. Pretendendo-se assim que o imóvel seja para uso próprio e sem objectivo de revenda.
42. ln casu, é exactamente isso que sucede, devendo por via disso a Recorrente ser considerada consumidora final.
43. Acresce que o Tribunal a quo entende como matéria de facto dada como provada que a Recorrente não actuou com intenção de obter qualquer benefício, tendo ao invés adoptado um comportamento de verdadeiro consumidor.
44. O AUJ nº 4/2014 fixou que, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, o promitente comprador apenas goza do direito de retenção prevista no citado art. 755°, n° 1, aI. f), do CC se tiver a qualidade de consumidor.
45. Apesar desta exigência, é patente, porém, que o conceito de consumidor não foi objecto de uniformização. Assim, da análise da legislação e da jurisprudência, concluímos que:
46. Dispõe o artigo 2.° nº 1 da Lei nº 24/96 de 31 de Julho que: "considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios."
47. Ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n." 1097/04.0TBLLE.E1.S1: "O conceito de consumidor, constante da Lei nº 29/81, de 22-08, da Lei nº 24/96, de 31-07, do DL nº 359/91, de 21-09, da Directiva 1999/44/CE, de 25-05, e do DL nº 67/2003, de 08-04 (entretanto reformulado pelo DL nº 84/2008, de 21-05) tem um sentido restrito, mas coincidente, em todos esse diplomas: consumidor é a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados exclusivamente a uso não profissional, por pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios".
48. O anteprojecto do Código do Consumidor, consagrou que "considera-se consumidor a pessoa singular que actue para a prossecução de fins alheios ao âmbito da sua actividade profissional, através do estabelecimento de relações jurídicas com quem, pessoa singular ou colectiva, se apresenta como profissional."
49. Sendo que: "As pessoas colectivas só beneficiam do regime que este diploma reserva ao consumidor se provarem que não dispõem nem devem dispor de competência específica para a transacção”
50. No caso em apreço, a Recorrente provou que não actuou no âmbito da sua actividade profissional, tendo em conta que a fracção se destinava à habitação do gerente da Recorrente, devendo por via disso ser considerada Consumidora,
51. Cremos que é esta a solução, ponderada e equilibrada, ( .. .) que parte do núcleo restrito, permitindo o seu alargamento, em certos termos, e com as devidas cautelas, às pessoas colectivas e a outras pessoas singulares, aquela que deverá orientar o intérprete na concretização de consumidor para este efeito, dando inteiro cumprimento, no caso concreto, à ratio da disposição, o que vale dizer, só tutelando quem efectivamente é carente de tutela".
52. Esta finalidade de uso - o elemento teleológico do conceito de consumidor - pode ser revelado por forma positiva ou por via negativa".
53. No primeiro caso, o uso a que o bem se destina é o uso privado: para Calvão da Silva, consumidor é a ''pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado - uso pessoal, familiar ou doméstico-, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares".
54. No segundo caso, o uso a que o bem se destina é o uso não profissional, estranho ao comércio ou profissão do adquirente do bem ou serviço, que é o seu destinatário final.
55. Nesta formulação, que é a que se encontra literalmente consagrada no art. 2°, nº 1 da LDC, há, na prática, uma ampliação do conceito de consumidor.
56. Será assim consumidor aquele que adquirir bens ou serviços para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) e para outros fins que não se integrem numa actividade económica levada a cabo de forma continuada, regular e estável.
57. No caso sub judice, ficou provado que a Recorrente prometeu adquirir, em 2012, à (agora) Insolvente uma fracção autónoma para habitação.
58. A Insolvente transmitiu para a Recorrente a posse da referida fracção que esta passou a fruir, como habitação de um dos gerentes, desde 2013.
59. Tal como define o Prof. Calvão da Silva, in «Venda de Bem de Consumo», 2010, Almedina, pág. 55 e segs., consumidor é a pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado - uso pessoal, familiar ou doméstico - de modo a satisfazer necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens ou serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.
60. Não se desconhece que, por vezes, partindo-se da fundamentação do AUJ 4/2014, tem sido entendido, mas para situações diferentes, que a noção de consumidor "acentua a qualidade de sujeito final na transacção do bem, excluindo apenas os comerciantes e aqueles que destinam o imóvel a revenda para obtenção de lucro".
61. Ora o relevante é que não seja dado ao bem adquirido um uso profissional, como sucedeu no caso em apreço, tendo em conta que a fracção autónoma se destinou e ainda hoje é, a casa de morada de família de um dos gerentes da Recorrente.
62. Assim, se a Recorrente não atribuiu à fracção um uso profissional, deveria pois ter sido considerada consumidora.
63. Sendo a aquisição do imóvel, uma satisfação de necessidades privadas, não visando a obtenção de qualquer lucro ou rendimento.
64. Ainda, no sentido de um conceito mais amplo de consumidor pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.5.2014 (proc. nº 1092/10.0TBLSD-G.P1.S1).
65. Aí constando o seguinte: "A inclusão do consumidor no texto uniformizante apoiou-se, como da fundamentação consta, no que defende Miguel Pestana de Vasconcelos, em Cadernos de Direito Privado, nº 33, 3 e seguintes. Este autor dedica ali a extensa nota de pé de página nº 25 à noção de consumidor, sustentando que é ponderada e equilibrada, devendo «orientar o intérprete na concretização do consumidor para este efeito», a definição resultante dos artigos 10.º, nº 1, e 11º, nº 1 e 2, do anteprojecto do Código do Consumidor.
66. É, então, «consumidor a pessoa singular que actue para a prossecução de fins alheios ao âmbito da sua actividade profissional, através do estabelecimento de relações jurídicas com quem, pessoa singular ou colectiva, se apresenta como profissional».
67. Podendo estender-se o conceito às pessoas colectivas, se provarem que não dispõem nem deveriam dispor de competência específica para a transacção em causa e desde que a solução se pertençam ao âmbito da sua actividade profissional, se provarem o que acaba de ser referido relativamente às pessoas colectivas.
68. O próprio texto do Acórdão Uniformizador fornece na nota 10, elementos que permitem vislumbrar o que se quis incluir e excluir quando se inseriu o conceito na parte da uniformização: « ... não sofre dúvida que o promitente-vendedor é in casu um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para o seu uso próprio e não com escopo de revenda»
69. E no acórdão do STJ de 29.5.2014, conclui-se: «Deste texto, conjugado com o que vimos referindo em abstracto, cremos poder concluir que [do] conceito de consumidor inserto no texto da uniformização só está excluído aquele que adquire o bem no exercício da sua actividade profissional de comerciante de imóveis»;
70. O que não sucedeu no caso em apreço, porquanto tal como supra referido a aquisição do imóvel não surgiu para desenvolvimento de qualquer actividade profissional, mas apenas para uso privado.
71. Acresce ainda que, a própria definição de consumidor no dicionário, ensina-nos: "Consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire bens de consumo, sejam produtos ou serviços; alguém que faz compras; aquele que consome."
72. Como verificamos da análise da diversa jurisprudência, o cerne da questão aqui é qual o destino a dar ao imóvel, isto é, para a pessoa singular ou colectiva, não ser considerada consumidora, é imperativo que vise obter o lucro decorrente do exercício de uma actividade.
73. Neste caso, provou-se perante o Tribunal a quo, que mesmo sendo pessoa colectiva, a Recorrente agiu em prol de um interesse particular, para habitação de um dos gerentes.
74. É 'consumidor', mesmo considerando o seu conceito restrito, aquele que destina o bem adquirido predominantemente ao seu "uso pessoal, familiar ou doméstico", sendo meramente instrumental ou acidental o seu aproveitamento para uso profissional.
75. A qualificação do sujeito como consumidor depende assim, essencialmente, da finalidade do acto de consumo, detendo tal qualidade aquele "que adquire um bem ou serviço para uso privado -uso pessoal, familiar ou doméstico na fórmula da al. a) do art. 10º da Convenção de Viena de 1980-, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.
76. A qualificação de 'consumidor' não é uma questão estritamente jurídica; ela envolve também uma componente factual que o pretenso beneficiário do direito de retenção deverá alegar e provar, conforme sucedeu no caso em apreço. Acresce também que:
77. De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do Processo nº 2097/08-1: o termo "consumidores" de que fala o DL 32/03, de 17-02 não tem um sentido económico rigoroso, aparecendo, antes, como termo antinómico de empresa, e referindo-se, por exclusão de partes, a pessoas singulares, ou colectivas de direito privado (associações ou fundações, por exemplo), não empresariais, em ambos os casos. A questão gira em tomo da aplicação, ao caso sujeito, do disposto no art. 2º. a) do DL 32/03, de 17-02, que exclui da possibilidade de serem cobradas através do processo de injunção as dívidas de transacções comerciais em que intervenham consumidores.
78. Ou seja, este Decreto Lei, reconhece a qualidade de consumidora, a uma pessoa colectiva. Interpretadas literalmente, delas resultaria que as empresas que fossem consumidores estariam excluídas da aplicação do diploma, por força daquele art. 2º, 2,a), que se refere a consumidores, sem distinguir entre empresas ou entidades não empresariais. E que uma empresa pode ser - dir-se-ia que, forçosamente, é - consumidor, resulta da mais simples observação da realidade de todos os dias - seja uma grande empresa da construção civil, seja uma pequena empresa de prestação de um serviço básico, qualquer delas consome, tijolos e cimento, por exemplo, no caso da primeira, papel para impressão, v.g., no caso da segunda. Devendo ter sido esse o entendimento do Tribunal a quo.
79. Ademais, para Luis Miguel Pestana de Vasconcelos, o conceito de consumidor do Anteprojecto de Código de Consumidor é o conceito que deve ser adoptado, que como já vimos supra, engloba as pessoas colectivas.
80. Deveria por isso o Tribunal a quo considerado o elemento teleológico do conceito de consumidor "destinados a uso não profissional". Com efeito qualquer uso não profissional deve ser qualificado como uso privado, como no caso em apreço.
81. Incluindo-se, de acordo com o elemento teleológico, no conceito de consumidor as pessoas colectivas que não destinem o bem a uma actividade profissional.
82. A Jurisprudência já considerou que o uso é "não profissional" no caso de o adquirente do bem ter ajudado, como trabalhador, na sua construção e no caso de ter sido adquirido para uso pessoal do filho. Conclui-se também que o facto de o objecto do contrato ser um terreno destinado à construção urbana não afasta a qualificação como consumidor, se o promitente-comprador não exerce qualquer actividade profissional relacionada com o mercado imobiliário'. Importa ainda referir que:
83. A qualificação como consumidor é matéria de direito, pelo que não tem de ser alegada (nem, muito menos, provada, porque não é matéria de facto).
O ónus da alegação dos factos que consubstanciam a noção de consumidor, nos casos em que o consumidor pretende exerce os seus direitos enquanto tal, é seu, por se tratar de factos que o direito material consagra como constitutivos do direito que pretende fazer valer.
84. Já relativamente ao ónus da prova este cabe ao consumidor relativamente aos factos, referentes aos elementos indicados, que sustentam a qualificação como consumidor, nomeadamente o "uso não profissional". É no elemento teleológico que a propósito dos elementos da noção de consumidor relativos a este (excluindo, portanto, o elemento relacional), mais provavelmente se poderá colocar a questão da dúvida quanto aos factos que a fundamentam.
85. Assim, em jeito de conclusão e de acordo com os ensinamentos de Jorge Morais Carvalho in o conceito de consumidor no direito português: "Em Portugal, a definição central de consumidor é a que consta do art. 2º,1 da Lei de Defesa do Consumidor, que qualifica como tal "todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por uma pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios. O elemento subjectivo é bastante amplo, abrangendo todas as pessoas, singulares e colectivas. O elemento objectivo é igualmente amplo, abarcando qualquer relação contratual (ou até não contratual) estabelecida entre as partes. O elemento teleológico assenta no uso não profissional que a pessoa pretende dar ao bem, ao serviço ou ao direito. Todas as pessoas que agem no âmbito de uma actividade profissional são excluídas do conceito, independentemente de terem ou não conhecimentos específicos no que respeita ao negócio em causa. Já as pessoas colectivas que não destinem o bem a uma actividade profissional, podem ser incluídas no conceito. O elemento relacional impõe que a contraparte do consumidor seja um profissional. Este pode ter natureza privada ou pública, desse que exerça uma actividade económica com vista a obtenção de benefícios.
A qualificação como consumidor é matéria de direito, pelo que não tem de ser alegada ou provada. O consumidor tem, no entanto, o ónus da alegação dos factos que consubstanciam essa qualificação, (. . .). Ao consumidor cabe fazer prova dos factos relativos ao preenchimento dos elementos subjectivo, objectivo e teleológico, enquanto a prova dos factos relativos ao elemento relacional cabe ao profissional. "
86. Tal como sucedeu no caso em apreço.
87. Pelo que, entende a Recorrente que o Tribunal a quo, deveria ter reconhecido à Recorrente a qualidade de consumidora.
88. O Tribunal recorrido, com a decisão que proferiu, incorreu em errada interpretação e aplicação do direito. concretamente os artigos 754º e 755º aI. f) do CC, artigo 2º da LDC e artigo 102º do CIRE e sobretudo errónea interpretação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência no 4/2014.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa…
JUSTIÇA!».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido por despacho de 21 de março de 2019 como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com meramente efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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O Exmo. Relator a quem o processo foi distribuído veio a ficar vencido relativamente à decisão, pelo que o presente acórdão passou a ser lavrado pelo 1º adjunto, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 663º, do Cód. de Processo Civil.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) se a recorrente/promitente-compradora reveste a qualidade de consumidora; e,
ii) na afirmativa à questão antecedente, o reconhecimento do direito de retenção da recorrente sobre o prédio objeto do contrato prometido e a qualificação como garantido do crédito reclamado.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. Por sentença proferida em 10/07/2015, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de M. R., Lda.
2. Consta dos autos um documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, na qual intervieram M. R. (na qualidade de gerente da insolvente) e A. S. e N. S. (na qualidade de gerentes da Y), datado de 27/09/2012, no qual foi declarado que a insolvente prometia vender, livre de quaisquer ónus e encargos, à Y, que por sua vez prometia comprar, «(…) a fracção autónoma “I”, habitação tipo T4, situada no 3.º andar esquerdo e andar recuado, com acesso pela entrada A, da qual fazem parte integrante dois lugares de garagem designados pelos números um e dois, situados na Cave, em regime de propriedade horizontal, do prédio urbano edificado no lote 18 do Loteamento do ..., da Freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../200901 e inscrito na matriz sob o artigo ....º», ajustando-se como preço o montante de € 235.000,00 (englobando € 161.124,87, a título de sinal e princípio de pagamento, “correspondente ao saldo devedor da primeira outorgante, na Conta Corrente dos serviços prestados pela Segunda Outorgante” e o montante de € 73.875,13, a pagar no acto da outorga do contrato prometido), estipulando-se que caberia à insolvente a marcação do negócio definitivo, convencionando-se ainda que “(…) a Segunda Outorgantes entra de imediato, no uso, gozo e fruição do imóvel, exercendo sobre a fracção e seus lugares de garagem todos os actos de domínio e posse, obrigando-se a promitente compradora a liquidar as despesas de condomínio, contribuição autárquica ou outros impostos, para o que ficam com as chaves do imóvel”, bem como que “(…) no caso de incumprimento do presente contrato, por parte da Primeira Outorgante, designadamente na outorga do contrato prometido, tem a Segunda Outorgante a faculdade de exigir em dobro do que prestou a título de sinal”, e nos demais termos apostos no documento (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
3. Em 15/10/2015 o Sr. Administrador da Insolvência outorgou título de constituição de propriedade horizontal na Conservatória do Registo Predial de ..., relativamente ao prédio urbano sito na freguesia e concelho de ..., descrito Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial sob o artigo 21.º, daí resultando a constituição das fracções autónomas A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P, nos termos vertidos nesse acto (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. Em 14/10/2015 o Sr. Administrador da Insolvência outorgou título de constituição de propriedade horizontal na Conservatória do Registo Predial de ..., relativamente ao prédio urbano sito na freguesia e concelho de ..., descrito Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial sob o artigo 22.º, daí resultando a constituição das fracções autónomas A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P, nos termos apostos nesse acto (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5. Em 15/09/2014 os prédios descritos sob os n.ºs ... e ... foram penhorados no processo executivo n.º 414/14.9TBVRL, que correu termos no Juízo de Execução de Chaves.
6. Após as penhoras efectuadas no processo n.º 414/14.9TBVRL a Y instaurou embargos de terceiro, liminarmente admitidos, cuja instância foi posteriormente julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide.
7. As fracções autónomas integrantes do prédio descrito sob o n.º ... foram apreendidas para a massa insolvente sob as verbas n.ºs 20 a 35.
8. As fracções autónomas integrantes do prédio descrito sob o n.º ... foram apreendidas para a massa insolvente sob as verbas n.ºs 36 a 51.
9. Foram inscritos no registo relativo às fracções autónomas integrantes do prédio descrito sob o n.º ... os seguintes factos, com relevo para a boa decisão da causa:
-aquisição do direito de propriedade a favor da insolvente – cfr. ap. n.º 1, de 09/12/1991.
-hipoteca para garantia de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades, que existam ou venham a existir em nome da insolvente até ao limite de € 5.906.630,00, e emergentes de ou resultantes de operações de crédito que lhe tenham sido concedidas, ou venham a sê-lo pelo Banco ..., por contratos de empréstimo ou de abertura de crédito, por financiamentos por livranças, por descontos de papel comercial, por crédito por assinatura, por descoberto em conta de depósitos à ordem e por créditos documentários de importação. Taxa de juro anual de 4,135 %, acrescida de 4 % em caso de mora a título de cláusula penal e despesas € 184.000,00 – cfr. ap. n.º 3043, de 07/04/2009.
10. Foram inscritos no registo relativo às fracções autónomas integrantes do prédio descrito sob o n.º ... os seguintes factos, com relevo para a boa decisão da causa:
-aquisição do direito de propriedade a favor da insolvente – cfr. ap. n.º 1, de 09/12/1991.
-hipoteca para garantia de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades, que existam ou venham a existir em nome da insolvente até ao limite de € 5.906.630,00, e emergentes de ou resultantes de operações de crédito que lhe tenham sido concedidas, ou venham a sê-lo pelo Banco ..., por contratos de empréstimo ou de abertura de crédito, por financiamentos por livranças, por descontos de papel comercial, por crédito por assinatura, por descoberto em conta de depósitos à ordem e por créditos documentários de importação. Taxa de juro anual de 4,135 %, acrescida de 4 % em caso de mora a título de cláusula penal e despesas € 184.000,00 – cfr. ap. n.º 3043, de 07/04/2009.
11. Em 23/09/2015 realizou-se assembleia de apreciação de relatório, decorrendo da acta respectiva que no decurso da diligência o Sr. Administrador da Insolvência declarou:
“(…) quanto à primeira questão, do cumprimento dos contratos o Sr. Administrador de Insolvência só cumpre contratos que estejam, de acordo com o art. 106º do CIRE que demonstrem eficácia real; quanto à questão de direitos de crédito com direito de retenção, só poderá fazê-lo depois de existir a propriedade horizontal do lote 17 em lote 18, e caso entenda que se verifiquem todos os pressupostos que fundamente a reclamação de crédito garantido por direito de retenção. Aquando a entrada no processo da relação definitiva de credores (…).”
12. A insolvente possui como objecto social a exploração de construção civil.
13. A Y possui como objecto social a realização de instalações eléctricas, montagem de redes eléctricas de baixa, média e alta tensão, instalações de iluminação, sinalização e segurança, telecomunicações, ventilação, aquecimento e condicionamento de ar, reparação de artigos eléctricos e electrodomésticos.
14. A Y realizou todos os serviços de electricidade nas obras executadas pela insolvente no período compreendido entre os anos de 2007 e 2012.
15. (…) daí resultando na conta-corrente das relações entre a insolvente e a Y um saldo a favor desta no montante de € 161.124,87, por referência a 25/09/2012.
16. Em 27/09/2012 as chaves de acesso ao edifício e ao apartamento correspondente à fracção autónoma designada pela letra “I”, integrante do prédio urbano sito na freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., foram entregues pelo gerente da insolvente aos representantes da Y.
17. (…) embora tenham ainda sido efectuados alguns ajustes no apartamento posteriormente pelos colaboradores da insolvente.
18. A partir do ano de 2013 o gerente da Y, N. S., passou a residir no apartamento com a sua família.
19. (…) utilizando para o efeito, numa fase inicial, uma ligação à electricidade de obra e a água de um poço utilizado pela insolvente no decurso das obras de construção dos edifícios implantados nos prédios descritos sob os n.ºs ... e ....
20. (…) deixando os colaboradores da insolvente de ter acesso ao apartamento a partir do ano de 2013.
21. Em 02/09/2015 a Y solicitou a colocação de um contador de água provisório para a fracção “I” e em 12/06/2018 foi instalado um contador de electricidade em nome da Y para esse imóvel.
22. Quando foi entregue à Y a fracção “I” encontrava-se em condições de ser habitada.
23. Com a celebração do contrato-promessa a Y pretendeu a futura aquisição do imóvel, para aí viver o seu gerente, N. S..
24. Em 06/10/2014 o Sr. Agente de Execução nomeado no processo n.º 414/14.9TBVRL procedeu ao arrombamento e mudança de fechaduras das portas de acesso aos edifícios implantados nos prédios descritos sob os n.ºs ... e ....
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V. Fundamentação de Direito.

1. Da qualidade de consumidora da promitente-compradora.

A sentença recorrida não qualificou como garantido, por direito de retenção, o crédito da recorrente, basicamente com o fundamento de que as pessoas colectivas, como é o caso da recorrente, não podem incluir-se no conceito de “consumidor”, que a doutrina derivada do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/ 2014 de 20-03-2014 (DR, nº 95, I série-A, de 19-05-2014) exige para que o promitente-comprador possa valer-se, em reclamação de créditos em processo de insolvência, nos termos do art. 755º, n.º 1, al. f) do Código Civil (doravante, abreviadamente, CC).
Entendeu o Mm.º Juiz “a quo” que numa reclamação de créditos em processo de insolvência, o promitente-comprador que queira valer-se da garantia do direito de retenção, nos termos do art. 755º, n.º 1, al. f) do Cód. Civil, tem de revestir a qualidade de consumidor no contrato promessa incumprido em causa.
A recorrente aceita tal entendimento, mas discorda do segmento da decisão em que se decidiu que no caso em apreço, por ser uma pessoa coletiva, ela não tinha essa qualidade de consumidora no negócio de que deriva o crédito reclamado.
Desta forma, impõe-se apreciar se a recorrente detêm ou não a qualidade de consumidora no negócio em causa.
Antes, propriamente, de nos debruçarmos sobre a densificação do conceito de consumidor, afigura-se-nos relevante, para efeitos de mero enquadramento jurídico, atentar, ainda que muito brevemente, nos requisitos do direito de retenção, tendo sobretudo em conta o caso especial do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC.
O direito de retenção regulado nos artigos 754º e ss. do CC traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na detenção de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela.
Mas, para além desse caráter compulsório que está na origem do instituto, atento o escopo de garantia desse direito – posto que constitui um verdadeiro direito real de garantia – o seu titular pode executar a coisa nos mesmos termos que um credor pignoratício ou hipotecário, a que a lei o equipara, consoante a coisa seja móvel ou imóvel. Tem assim o direito a pagar-se à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores do devedor (arts. 758º, 759º e 604º do CC).
Desempenha, pois, uma função coercitiva (como meio de compelir o devedor a cumprir a prestação) e uma função de garantia (1).

O art. 755º, n.º 1, do CC consagra casos especiais de direito de retenção, reconhecendo-o na al. f) ao “beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º” do CC.

São três os pressupostos do reconhecimento deste direito de retenção:

a) – a existência de promessa de transmissão ou de constituição de um direito real;
b) – a entrega ou tradição da coisa objecto do contrato-promessa;
c) – a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa.

Temos, assim, que o direito de retenção como direito real de garantia é invocável pelo promitente-comprador que obteve a tradição da coisa, visando garantir os créditos indemnizatórios previstos no art. 442º, n.º 2, do CC, em caso de incumprimento definitivo do contrato pelo promitente-vendedor (2).

No caso especial do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC, a concessão do direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa justifica-se no facto de o crédito garantido emergir do incumprimento da obrigação da contraparte (promitente vendedor) e de aquele estar impedido de recorrer à exceção de não cumprimento do contrato, uma vez que inexiste relação sinalagmática entre a obrigação de restituição da coisa e o crédito do promitente-comprador (3).

A propósito da controvérsia jurídica de saber se, num contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, o promitente-comprador, que tendo entregue o sinal e obtido a tradição da coisa objecto do contrato-prometido, goza ou não do direito de retenção sobre ela, caso o administrador de insolvência opte por não cumprir o contrato-promessa, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2014, de 20/03/2014, in D.R., 1.ª série, n.º 95, de 19/05/2014, págs. 2882 sgs., acabou por firmar jurisprudência, tirada por maioria, nos seguintes termos:

No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil”.

Decorre deste segmento uniformizador que, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, o promitente comprador apenas goza do direito de retenção previsto no citado art. 755º, n.º 1, al. f), do CC se detiver, simultaneamente, a qualidade de consumidor (4). De facto, interpretando restritivamente o art. 755º, n.º 1, al. f) do CC, o Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ referido, pronunciou-se em termos de só atribuir o direito de retenção ao promitente-comprador consumidor, recusando, expressamente, tal garantia aos demais (5).
Assim, se tiver havido tradição da coisa e o promissário da transmissão for um consumidor, o direito à restituição do sinal em duplicado será um crédito garantido pelo direito de retenção do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC; se for um profissional será só um crédito comum (6).

Apesar dessa exigência (quanto à qualidade do promitente-comprador consumidor), o conceito de consumidor não foi, porém, objeto do âmbito da uniformização.

Todavia, na fundamentação do AUJ o conceito de consumidor adotado corresponde à visão mais restrita (7) (8), constante da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que é, também, a do Dec. Lei n.º 24/2014, mostrando-se definido, na nota 10, da seguinte forma: «o promitente comprador é, in casu, um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com escopo de revenda» (9) (10).

Daí que, ulteriormente, sucessivos arestos dos Tribunais Superiores vieram esclarecer que a solução jurisprudencial colhida no AUJ deve ser alvo de uma aplicação restritiva, fundada no escopo da solução legal em questão, nos termos da qual, para que se reconheça o direito de retenção do promitente-comprador, se tem de exigir que este, além de ter obtido a tradição do imóvel negociado, revista a qualidade de consumidor prevista no n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31-07, excluindo, portanto, o promitente-comprador que não seja consumidor e competindo ao credor reclamante (promitente-comprador) a alegação e prova dessa qualidade de consumidor, por aplicação da regra geral do art. 342º, n.º 1 do C. Civil, visto a qualidade de consumidor ser um elemento constitutivo essencial da garantia real/direito de retenção (11).

Tomando, pois, como referencial a noção de consumidor prescrita no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96 – dado se tratar do diploma que incorpora os princípios gerais do direito do consumo –, «considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios» (12).

Por sua vez, o Dec. Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a Directiva 2011/83/EU do Parlamento e do Conselho, define como consumidor a pessoa singular que actue com fins que não se integrem no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional – art. 3º, alínea c).

Partindo daquela conceção legal, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que se deve atender ao «conceito restrito, funcional, segundo o qual consumidor é a pessoa singular, destinatário final do bem transaccionado, ou do serviço adquirido, sendo-lhe alheio qualquer propósito de revenda lucrativa» (13), ou, noutra formulação, a «pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa» (14) ou, ainda noutra enunciação, consumidor é “aquele que adquirir bens ou serviços para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) e para outros fins que não se integrem numa actividade económica levada a cabo de forma continuada, regular e estável” (15).
Numa síntese desse entendimento maioritário, diz-nos o recente Ac. do STJ de 9/04/2019 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt., que consumidor para tal efeito é o promitente-comprador que destina o imóvel a uso particular no sentido de não o comprar para revenda nem o afectar a uma actividade profissional ou lucrativa.
Há, no entanto, vários acórdãos do STJ que têm perfilhado conceções mais amplas do conceito de consumidor.

Entre outros, permitimo-nos destacar três deles (16):

1º - O acórdão de 29.05.2014 (relator João Bernardo), no qual se decidiu que deve ser considerado consumidor o promitente-comprador que, na fracção prometida comprar, tem um estabelecimento de venda ao público de artigos para o lar, que explora através duma sua sociedade com sede na mesma fracção.
Concluiu-se no citado aresto que do conceito de “consumidor” inserto no texto da uniformização só está excluído aquele que adquire o bem no exercício da sua atividade profissional de comerciante de imóveis.
2º - O acórdão de 16.02.2016 (relatora Clara Sottomayor), no qual, após salientar que a noção de consumidor adotada no STJ acentua a qualidade de sujeito final na transação do bem, excluindo apenas os comerciantes e aqueles que destinam o imóvel a revenda para obtenção de lucro, se confirmou o acórdão recorrido na parte em que reconheceu a qualidade de consumidor aos promitentes-compradores, sendo que os imóveis objeto da promessa correspondiam a um prédio urbano e a um prédio rústico e se estava perante uma ação de condenação interposta pelos promitentes-compradores contra os promitentes-vendedores e o Banco, credor hipotecário, sem que tenha havido qualquer declaração de insolvência do promitente-vendedor.
3º - O acórdão de 3.10.2017 (relator Júlio Gomes), onde se concluiu que o conceito de consumidor deve ser entendido no sentido de utilizador final, assim se considerando pessoas que “instalaram nas respectivas fracções que prometeram comprar uma agência de seguros e um salão de cabeleireiro”, visto não agirem “como profissionais do ramo imobiliário, mas sim (…) como consumidores, na acepção de utilizadores finais”.

Ao nível da doutrina, Calvão da Silva (17), depois de postular que o n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96 representa a consagração da noção de consumidor em sentido estrito, como sendo a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias, define o consumidor como a “pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico (…) – de modo a satisfazer necessidade pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens ou serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa”. Continuando: razão pela qual “todo aquele que adquira bens ou serviços destinados a uso não profissional – ao seu uso privado, pessoal, familiar ou doméstico, portanto, por oposição a uso profissional – será uma pessoa humana ou pessoa singular, com exclusão das pessoas jurídicas ou pessoas colectivas, as quais adquirem bens ou serviços no âmbito da sua actividade, segundo o princípio da especialidade do escopo, para a prossecução dos seus fins, actividades ou objectivos profissionais (art. 160º do CC e art. 6º do CSCom”. A referida necessidade de proteção, como sublinha o mesmo Autor, tem subjacente a "ideia básica do consumidor como parte fraca, leiga, profana, a parte débil economicamente ou menos preparada tecnicamente de uma relação de consumo concluída com um contraente profissional, uma empresa". Acrescenta o citado Autor que "a ratio do direito do consumo repousa na assimetria formação-informação-poder, com desvantagem para o consumidor; a sua aplicação não pode nem deve conduzir à protecção especial de (…) alguém que, conquanto formalmente actue in casu na veste de consumidor, materialmente seja pessoa dotada de competência técnico-profissional" (18). Rematando, finalmente, que a «noção estrita de consumidor – pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional –, que defendemos em geral e temos por consagrada no nº1 do art. 2º da LDC (…) impõe-se pertinente e inquestionavelmente in casu à luz do princípio da interpretação conforme à Directiva, em que se define consumidor como “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente Directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional” (al. a) do nº 2 do art. 1º)».

Carlos Ferreira de Almeida (19) explicita, por sua vez, que: “(...) parece, em princípio, mais ajustado que, quando se adopte um conceito genérico e supletivo de consumidor, ele se contenha em limites restritos, relacionados apenas com o uso pessoal ou familiar de bens fornecidos (ou disponíveis para fornecer) por quem exerça uma actividade profissional”.

Por fim, Jorge Morais de Carvalho (20), depois de sublinhar que o conceito de consumidor pode ser analisado com referência a quatro elementos (subjetivo, objetivo, teleológico e relacional), explicita que, relativamente ao elemento teleológico, a finalidade pode ser revelada por forma positiva (“uso privado”) ou por via negativa (“uso não profissional”), sendo que o conceito de “uso não profissional” se afasta da noção de “destinatário final” mais ampla utilizada em ordenamentos jurídicos de outros países. Acrescenta o citado autor que o nosso ordenamento jurídico acolheu a doutrina finalista (“interpretação mais restritiva do conceito, não podendo o objeto ter uso profissional”), e não a doutrina maximalista (“interpretação ampla do conceito, estando em causa a retirada do bem do circuito de produção”) e que “o elemento teleológico exclui do conceito todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que atuam no âmbito de uma atividade profissional, independentemente de terem ou não conhecimentos específicos no que respeita ao negócio em causa”.

Adverte, igualmente, para o facto de, em alguns domínios, se assistir a um fenómeno de equiparação das empresas, nomeadamente as microempresas, aos consumidores para efeitos de proteção, concluindo que essas pessoas não são, no entanto, qualificadas como consumidores.
Dito isto, e tendo por suporte tais posições jurisprudenciais e doutrinais e o quadro legal aplicável, na dicotomia supra enunciada a respeito do preenchimento do conceito de consumidor, julgamos que do citado AUJ n.º 4/2014 do S.T.J. é legítimo retirar um argumento contrário ao entendimento propugnado pela apelante no recurso, já que no âmbito da graduação de créditos em insolvência apenas se refere ao consumidor, que se identifica com a pessoa singular, pelo que tendemos a considerar que às pessoas colectivas não é reconhecido o direito de retenção, consagrado na alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do C.C., ainda que sejam promitentes-compradoras retentoras (21).
De outro modo, lograr-se-iam soluções que manifestamente não se subsumem às razões que justificam uma tutela exclusivamente de natureza consumerística.
Pense-se, por exemplo, no caso de uma sociedade que se dedique à actividade bancária e que celebra um contrato-promessa de compra e venda para instalação da sua nova sede. A sufragar-se o entendimento que declara ser consumidor, para estes efeitos, a pessoa singular ou coletiva que haja adquirido sem intenção de revenda, seríamos levados a concluir que aquela sociedade deveria ser considerada consumidora para efeitos do direito de retenção, porquanto o imóvel objecto da promessa se não dirige a revenda.

Ora, como bem evidenciam Margarida Costa Andrade/Afonso Patrão (22), “soçobram muitas dúvidas de que, caso fosse exacta a conclusão de que o direito de retenção apenas serve para tutelar os adquirentes débeis, devesse proteger um beneficiário de promessa como este”.
Mas mesmo que se admitisse que as pessoas coletivas podem também beneficiar do regime do consumidor, sempre seria indispensável que o bem ou serviço prestado não se destinasse ao uso profissional ou comercial, mas sim a uso privado.

Como se aduziu no citado Ac. do STJ de 13/07/2017 (relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt., “[r]elevante é que não seja dado ao bem adquirido um uso profissional”.
Feitos estes considerandos teóricos, verifica-se, no caso sub júdice, que a recorrente possui como objeto social a realização de instalações elétricas, montagem de redes elétricas de baixa, média e alta tensão, instalações de iluminação, sinalização e segurança, telecomunicações, ventilação, aquecimento e condicionamento de ar, reparação de artigos elétricos e eletrodomésticos.
Mais se provou que, com a celebração do contrato-promessa, a recorrente pretendeu a futura aquisição do imóvel para aí viver o seu gerente.
Poder-se-ia daqui inferir que a promitente-compradora não destinou a fração prometida comprar a uma finalidade comercial, nem atuou na prossecução do seu objeto social, o que legitimaria a sua subsunção à qualidade de sujeito final na transação do bem, ou seja, ao preenchimento da noção de consumidor.
Todavia, ao alocar a fração prometida comprar à residência do seu gerente, essa afetação não deixa de traduzir a satisfação de um interesse societário da própria empresa, o que não se compagina com um mero uso privado ou um uso não profissional da coisa objeto do contrato prometido.
Reconhecendo que a questão não é pacífica, mas tendo presente a noção estrita de consumidor acolhida no AUJ n.º 4/2014, tendemos a considerar que, no caso ajuizado, não é possível abstrair da natureza jurídica da entidade que outorgou no contrato promessa, enquanto promitente compradora, que é uma pessoa coletiva e não uma pessoa singular.
Acresce não se verificar no caso em apreço uma situação em que a necessidade de tutela efetiva do consumidor-pessoa humana «imponha uma tutela alargada às pessoas colectivas, por estas serem um mero interposto jurídico que não pode afastar a necessidade de tutela de pessoas humanas» (23) (24).
De todo o modo, como se disse, a promitente-compradora, sendo uma sociedade por quotas, e ainda que tenha atuado fora do domínio da sua atividade profissional, não é um consumidor, tal como este é definido no art. 2º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, sendo que a opção legislativa foi a de conferir primazia à tutela dos interesses dos consumidores na proteção da confiança na consolidação de negócios jurídicos, no confronto com os direitos das instituições de crédito e inerente confiança do registo predial, o que não se coloca no caso em presença.
Assim, a situação provada não preenche o interesse do legislador na proteção dos consumidores consubstanciado nas normas de proteção acima referidas.

Concorda-se, por isso, com o Tribunal “a quo”, quando afirma que:

«Encontram-se assim excluídas quer as pessoas colectivas, uma vez que estas só existem “(…) em função da prossecução de um determinado objectivo, seja ele económico, político, social, filantrópico ou recreativo, que é a sua «profissão», não tendo outra vida para além da prossecução da finalidade que é a razão da sua existência (…)”(…), quer as pessoas singulares, quando actuem para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa, ainda que não tenham pretendido a revenda do imóvel(…), sem que tal exclusão revele um desrespeito pelo princípio da igualdade, pois os consumidores na acepção restrita não se encontram numa situação materialmente idêntica à daqueles que intervêm no exercício da sua actividade profissional, para além de que o direito de retenção tem natureza excepcional.

“In casu”, a reclamante constitui uma sociedade comercial, que por conseguinte actuou por inerência na prossecução do seu objecto social (cfr. artigo 6.º, n.º 1, do C.S.C.), e, nessa medida, não se lhe deve reconhecer a qualidade de consumidora, por não agir no âmbito do quadro finalístico expectável num promitente comprador consumidor, e isto apesar do apartamento ter sido utilizado para o gerente da reclamante residir e da promitente vendedora ter actuado no exercício profissional de uma actividade económica a que se dedicava (cfr. facto provado n.º 13), como é pressuposto pela parte final do nº 1 do artigo 10º da Lei nº 24/96 de 31 de Julho».

Não detendo, pois, a recorrente e promitente-compradora a qualidade de consumidora, não pode a mesma, nos termos expostos, beneficiar, no âmbito do processo de insolvência em que nos situamos, do direito de retenção previsto no art. 755º, n.º 1, al. f) do CC, interpretado em conformidade com a jurisprudência firmada no AUJ n.º 4/2014, para satisfação do seu reconhecido crédito de € 161.124,87, o qual tem, pois, a natureza de crédito comum, como bem decidiu a 1ª instância.
A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I. - Segundo o acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 20.03.2014, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, o promitente-comprador apenas goza do direito de retenção, previsto no art. 755º, n.º 1, al. f), do Código Civil, caso detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.
II. - A doutrina da jurisprudência uniformizadora do AUJ n.º 4/2014 deve ser entendida no seu sentido estrito, tomando como referencial a noção de consumidor prevista no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31/07, correspondente à pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais, familiares ou domésticas.
III – E não abrange as pessoas colectivas, às quais não é reconhecido o direito de retenção, ainda que sejam promitentes-compradoras retentoras.
IV - Ao destinar a fração prometida comprar à residência do seu gerente, essa afetação não deixa de traduzir a satisfação de um interesse societário da própria sociedade comercial.
V - Acresce não se verificar no caso uma situação em que a necessidade de tutela efetiva do consumidor-pessoa humana imponha uma tutela alargada às pessoas colectivas.
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VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 30 de maio de 2019

Alcides Rodrigues (relator, nos termos do n.º 3 do art. 663º do CPC)
Joaquim Boavida (2º adjunto)
Afonso Cabral de Andrade (Relator originário) – (junta voto de vencido).

Voto vencido:

Teria julgado procedente o recurso, pelo seguinte:

a) Em primeiro lugar, por já me ter pronunciado no mesmo sentido em questão em tudo semelhante no P. 8872/12.0TBBRG-C.G1, desta Relação.
b) a questão sobre a qual incide a divergência é a de saber se uma pessoa colectiva, como a recorrente, pode gozar do direito de retenção relativamente a fracção autónoma objecto mediato de contrato-promessa que celebrou, para garantia do crédito reclamado e reconhecido, com base no preceituado no artigo 755º,1,f do Código Civil.
c) O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 20/03/2014 teve na sua base a questão de saber se em contrato promessa incumprido pela promitente vendedora insolvente, o promitente-comprador que seja consumidor e a quem foram transmitidos os imóveis objecto do contrato meramente obrigacional, goza do “direito de retenção” sobre os mesmos para pagamento dos seus créditos, prevalecendo assim sobre o crédito hipotecário da Caixa … que sobre eles incidia, questão que não obteve resposta uniforme das instâncias.
d) Mas esse Acórdão não definiu o que se deva entender por “consumidor”, para esse desiderato.
e) A noção de consumidor resultava da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, com as alterações decorrentes do DL nº 67/2003, de 08 de Abril, do DL nº 84/2008, de 21 de Maio e da Lei nº 10/2013, de 28 de Janeiro), mais concretamente no seu art. 2º,1: “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios".
f) Da jurisprudência do STJ que recenseámos, podemos retirar as várias características que têm vindo a ser consideradas essenciais para surpreender a figura do consumidor, no sentido estrito do termo: 1. aquisição de bens ou serviços para fins não profissionais; 2. vendedor tem de ser pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios; 3. utilizador final; 4. ausência de intenção de revenda lucrativa; 5. satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) 6. fins que não sejam uma actividade económica levada a cabo de forma continuada, regular e estável.
g) Nestes autos, estão reunidas todas essas características: a promitente-vendedora é uma sociedade comercial que tem como objecto social a exploração de construção civil; a promitente compradora tem como objecto social a realização de instalações eléctricas; com a celebração do contrato-promessa a recorrente pretendeu a futura aquisição do imóvel, para aí viver o seu gerente; as chaves do apartamento correspondente à fracção autónoma prometida vender foram entregues aos representantes da recorrente; a partir do ano de 2013 o gerente desta sociedade passou a residir no apartamento com a sua família.
h) O argumento de que, mesmo preenchendo todos estes requisitos, as pessoas colectivas se encontram excluídas do conceito restrito de consumidor, uma vez que estas só existem “(…) em função da prossecução de um determinado objectivo, seja ele económico, político, social, filantrópico ou recreativo, que é a sua «profissão», não tendo outra vida para além da prossecução da finalidade que é a razão da sua existência (…)”, salvo o devido respeito, não nos convence.
i) Tal argumentação peca por excessivo formalismo, fechando por completo os olhos à substância.
j) Uma pessoa colectiva é uma ficção jurídica. Mas é talvez a mais bem sucedida ficção jurídica de todos os tempos (basta pensar em empresas como Apple, Microsoft, Google, etc, que são mais poderosas que muitos Estados, e certamente mais poderosas que qualquer pessoa singular).
l) a Ordem Jurídica não pode fechar os olhos à realidade: todos os dias as pessoas singulares, aos mais diversos níveis, actuam por intermédio dessa ficção jurídica: pessoas colectivas celebram contratos de aquisição de géneros alimentícios, apesar de não terem aparelho digestivo; pessoas colectivas compram títulos de transporte, apesar delas próprias não se deslocarem; pessoas colectivas reservam estadias em hotéis, apesar de não irem de férias; e pessoas colectivas arrendam ou compram imóveis, apesar de não precisarem de uma casa para morar nem uma cama para dormir.
m) Só não podem fazer o que for proibido por lei.
n) Neste caso concreto, não foi invocado nem resulta dos factos provados que o contrato-promessa deva ser considerado inválido (nulo).
o) Foi a empresa que juridicamente actuou, é certo, celebrando o contrato-promessa. Mas fê-lo para habitação própria e permanente do seu sócio-gerente. Não vemos qualquer impedimento legal a esta actuação.
p) O que releva não é a natureza de pessoa colectiva ou singular de quem celebra o contrato promessa, mas sim a finalidade para que o contrato foi celebrado.
q) Se o contrato-promessa fosse celebrado pelo cidadão A, comerciante de profissão, para estabelecer a sua residência na fracção, nenhuma dúvida se levantaria.
r) Porquê alterar a solução só porque o contrato foi celebrado pela empresa familiar de A ?
s) E um eventual litígio sobre a questão de saber se aquele negócio jurídico em concreto cabe no objecto social da sociedade, e deveria ou não ter sido praticado, só faz sentido a nível interno, ou seja, ao nível dos sócios, e não a nível externo, como condição para beneficiar do direito de retenção, no confronto com outros credores. A posição jurídica destes está salvaguardada a partir do momento em que eles podem impugnar o acto em si mesmo, dizendo, por exemplo, que a coisa foi comprada para revenda, ou para instalar um dos estabelecimentos comerciais da empresa, etc.
t) Vejam-se ainda, no mesmo sentido, os Acórdãos do S.T.J. de 29/05/2014, rel. João Bernardo, proc. n.º 1092/10.0TBLSD-G.P1.S1 e o Acórdão do S.T.J. de 03/10/2017, rel. Júlio Gomes, proc. n.º 212/11.1T2AVR-B.P1.S1, in www.dgsi.pt).
u) Em conclusão teríamos dado razão à recorrente, qualificando o crédito por esta reclamado como privilegiado, por gozar de direito de retenção, conferido pelo art. 755º,1,f CC.



1. Cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e sanção compulsória, pp. 345 e ss. e L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 2017, 2ª ed., Almedina, p.359.
2. Cfr. Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 3ª ed., Coimbra, 1993, 120.
3. Cfr. Mariana Coimbra Piçarra, O direito de retenção do promitente-comprador: algumas reflexões, in Julgar, n.º 34, 2018, janeiro-abril, pp. 20/21 e 26.
4. O mesmo é dizer que se entendeu que a declaração de insolvência do promitente vendedor mantém intocado o direito de retenção conferido pelo citado art. 755º, n.º 1, al. f) quando o promitente-comprador revestir a qualidade de consumidor - cfr. Filipe Albuquerque de Matos, Os efeitos da Declaração de insolvência sobre os negócios em curso, IV Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação Catarina Serra, Almedina, p. 61.
5. Cfr. Margarida Costa Andrade/Afonso Patrão, “A posição jurídica do beneficiário de promessa de alienação no caso de insolvência do promitente-vendedor - Comentário ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, de 19 de Maio”, Julgar online, setembro de 2016, disponível in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/09/20160915-ARTIGO-JULGAR-A-posição-jurídica-do-beneficiário-de-promessa-de-alienação-Margarida-C-Andrade-e-Afonso-Patrão.pdf, Mariana Coimbra Piçarra, in estudo citado, p. 32 e o Ac. do STJ de 24/05/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. Como salienta o acórdão do STJ de 11-05-2017, o AUJ 4/2014 fez instituir um regime especial em sede insolvencial, por forma a que apenas os promitentes-compradores consumidores cujo contrato tenha sido resolvido após a declaração de insolvência, pudessem gozar de privilégio em relação à hipoteca, em sede de graduação de créditos (cfr. processo n.º 1308/10.2T2AVR-R.P1.S1, relatora Ana Paula Boularot, a cujo sumário se pode aceder através de https://www.stj.pt/?page_id=4471).
6. Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pp. 240/241, Adelaide Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2017, AAFDL, p. 152 e Mariana Coimbra Piçarra, in estudo citado, p. 32.
7. Que, de acordo com a maioria da doutrina, corresponde ao entendimento adotado no nosso ordenamento jurídico.
8. Como se ponderou no Ac. do STJ de 09/07/14 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt., trata-se de “entendimento que, muito embora não integre o segmento de uniformização, encerra o valor de premissa lógica necessária que o antecede e, nessa medida, deverá assumir o mesmo carácter vinculativo”.
9. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 13/07/2017 (relator Pinto de Almeida) e de 17/04/2018 (relator Henrique Araújo), in www.dgsi.pt. e Jorge Morais de Carvalho, Manuel de Direito de Consumo, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 25.
10. O AUJ confortou-se na posição de Miguel Pestana de Vasconcelos, “Direito de Retenção Contrato promessa e Insolvência”, in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 33, p. 3 e ss., para restringir a manutenção do direito de retenção em processo de insolvência aos casos em que o promitente comprador tenha a qualidade de consumidor.
11. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 3/10/2016 (relator Júlio Gomes), 29/07/2016 (relator Júlio Gomes), 14-10-2014 (Relator João Camilo) e de 25 /11/2014 (Relator Fernandes do Vale), Ac. da RP de 25/10/2016 (relator Rui Moreira), Ac. RC de 02/02/2016 (Relatora Maria Catarina Gonçalves), Ac. da RC de 08-09-2015 (Relatora Maria Domingas Simões), Ac RC 3/11/2015 (relator Jorge Arcanjo), todos consultáveis in www.dgsi.pt.
12. De acordo com a opinião maioritária da doutrina, para efeitos da Lei n.º 24/96 o consumidor pode (também) ser uma pessoa jurídica (colectiva), desde que esteja a actuar fora da sua actividade própria (cfr., neste sentido, Paulo Duarte, “O conceito Jurídico de consumidor, segundo o art. 2.º/1 da Lei da Defesa do Consumidor”, in Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXV, 1999, pp. 661ss., Paulo Mota Pinto, “Conformidade e garantias na venda de bens de consumo/A Directiva 1999/44/CE e o direito português”, in Estudos de Direito do Consumidor, 2 (2000), Coimbra, Centro de Direito do Consumo, p. 214, António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil português, I, t. I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 214), Em sentido contrário, a jurisprudência maioritária tende a limitar a noção de consumidor às pessoas singulares.
13. Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 17.11.2015, (relator Fonseca Ramos), disponível in www.dgsi.pt.
14. Cfr., Ac. do STJ de 25.11.2014, (relator Fernandes do Vale), disponível in www.dgsi.pt.
15. Cfr. Ac. do STJ de 13/07/2017 (relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt.
16. Todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt
17. Cfr. Venda de Bens de Consumo”, 4ª Ed. (2010), Almedina, p. 55 e segs. e Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 2001, Almedina, pp. 112/114.
18. Cfr. obra citada, p. 114.
19. Cfr. Direito do Consumo, Almedina, 2005, p. 50.
20. Cfr. obra citada, pp. 25/27.
21. Em sentido similar: - Ac. do STJ de 17/04/2018 (relator Henrique Araújo), in www.dgsi.pt., no qual estava em causa uma pessoa coletiva do ramo imobiliário que confessadamente, em relação à fracção predial apreendida, havia promovido “a venda a terceiros, potenciais clientes, na prossecução do seu objetivo comercial”, não tendo a qualidade de consumidora, pelo que se decidiu que não se podia qualificar de garantido o seu crédito – AUJ do STJ n.º 4/2004, de 20-03-2004; - Ac. do STJ de 14/02/2017 (relator João Camilo), in www.dgsi.pt., no qual se decidiu que não reveste o conceito de consumidor aquele que celebra como promitente comprador um contrato promessa de aquisição de loja que destina a nela instalar uma loja comercial que efetivamente instala, constituindo, para o efeito, uma sociedade comercial; e também não reveste essa qualidade o credor que celebra contrato promessa, como promitente comprador de três frações prediais, sendo duas lojas comercias e a restante um aparcamento na cave de apoio, lojas essas que o referido credor destina, uma, a nela instalar um estabelecimento comercial que efetivamente veio a instalar, por sua conta, e a outra a dar de arrendamento a uma instituição bancária, recebendo as respetivas rendas. - Ac. do STJ de 31/10/2017 (relator Henrique Araújo), in www.dgsi.pt., no qual estava em causa uma pessoa coletiva do ramo imobiliário, que se dedicava à compra ou promessa de compra de imóveis para o mercado imobiliário de arrendamento ou de revenda, tendo concluído que não se incluía na figura do consumidor. - Ac. do STJ de 14/06/2011 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt., no qual se decidiu que o promitente-comprador, sendo uma sociedade por quotas, não é um consumidor para efeitos do art. 2º, nº1, da Lei n.º24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril.
22. Cfr. Estudo e local citados.
23. Cfr. Pedro Maia, Contratação a distância e práticas comerciais desleais, Actas Colóquio o Novo Regime da Contratação a Distância, p. 161, in https://www.fd.uc.pt/cdc/pdfs/rev_9_completo.pdf.
24. Pense-se no caso de produtos alimentares adquiridos por uma pessoa coletiva, que não os destine a posterior revenda, mas sim ao consumo dos seus colaboradores no posto de trabalho.