Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6471/17.9T8BRG.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIA POR ESTRADA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONVENÇÃO CMR
REGULAMENTO (EU) Nº 1201/2012
INTERPRETAÇÃO CONFORME AO DIREITO DA UNIÃO
DEMANDA ENTRE EMPRESAS DINAMARQUESAS
MERCADORIA CARREGADA EM TERRITÓRIO NACIONAL
CITAÇÃO
AVISO DE RECEPÇÃO
INCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE TRANSPORTE
INDEMNIZAÇÃO – VALOR DA MERCADORIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O litígio emergente de um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada pode ser abrangido tanto pelo âmbito de aplicação da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), como pelo do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que versa sobre a competência judiciária, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria civil e comercial.

II - Decorre do art. 31º, n.º 1, da Convenção CMR que, para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à referida Convenção, o demandante pode escolher entre os órgãos jurisdicionais do país em que o demandado tem a sua residência habitual, os do país do carregamento da mercadoria transportada ou os do lugar previsto para a sua entrega, e só poderá recorrer a essas jurisdições

III - A regra de competência especial em matéria de prestação de serviços, prevista no artigo 7º, n.º 2, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, designa como competente o órgão jurisdicional do «lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados».

IV - Em conformidade com a interpretação feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão de 11/07/2018, processo C-88/17, X Insurance plc, e Y Minerals Oy contra W Services, estando em causa um pedido de indemnização pela perda (ainda que parcial) de mercadoria num contrato de transporte internacional, o art. 7.º, n.º 2, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados-Membros, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido daquela disposição.

V – Quer por aplicação das regras da Convenção CMR (art. 31º, n.º 1), quer do disposto no art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciação da ação em que uma empresa dinamarquesa demanda outra empresa dinamarquesa, a fim de obter desta uma indemnização pela perda (parcial) da mercadoria transportada, dado a mercadoria em causa ter sido carregada em Portugal.

VI – Estando em causa a citação de pessoa coletiva ou sociedade, sedeada noutro país da União Europeia, mais propriamente na Dinamarca, em conformidade com o estipulado no art. 239°, n.º 1, do CPC (“ex vi” do art. 246º, n.º 1 do mesmo diploma legal), há que aplicar o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos).

VII – Nos termos do art. 14º Regulamento n.º 1393/2007, «Os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou [envio] equivalente».

VIII – Uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida mesmo que o aviso de receção da carta registada que contém o ato objeto de citação ao seu destinatário tenha sido substituído por outro documento, na condição de este último oferecer garantias equivalentes em matéria de informações transmitidas e de prova, incumbindo, porém, ao órgão jurisdicional do Estado-Membro de origem, chamado a pronunciar-se, certificar-se de que o destinatário recebeu o ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa (cfr. acórdão do TJUE de 2/03/2017, processo C354/15, caso A. H. contra Banco ..., SA.).

IX – Visando a devolução do A/R comprovar a entrega da citação ao destinatário, por via da assinatura do destinatário ou de quem a recebeu, e a data em que tal ocorreu, uma declaração certificativa da data e entrega ao destinatário do aviso de receção que acompanhou a citação, com menção da assinatura do recetor da citação aposta no momento da entrega, proveniente dos serviços postais do país destinatário, supre o extravio do A/R, pois o aludido documento comprova a entrega no domicílio do destinatário da respetiva missiva e a data e hora em que ocorreu.

X – O transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega.

XI – O incumprimento do contrato de transporte consubstancia um facto ilícito.

XII – No caso de perda parcial da mercadoria transportada, o transportador, com comportamento revestido de negligência consciente e de culpa grave, não beneficia da exclusão ou limitação da responsabilidade civil prevista na Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR).

XIII – A indemnização compreende o valor da perda da mercadoria desaparecida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

... Marine, SA. instaurou, no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra ... Road , peticionando, a final, a condenação da ré no pagamento da quantia de 117.137,89 €, acrescida de juros de 5%, desde a data da citação e até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, ser titular de um direito de sub-rogação emergente do pagamento a terceiro, seu segurado, de indemnização decorrente da perda de mercadoria ocorrida em transporte contratado com a ré, por culpa a esta imputável.
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Citada, a ré não apresentou contestação.
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Por despacho datado de 27/09/2018, foram tidos como confessados os factos alegados pela autora.
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No prazo a que alude o artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a autora alegou, dando por reproduzido o teor da petição inicial
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença, datada de 11-01-2019 (cfr. fls. 130 a 135), nos termos da qual decidiu julgar a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou a ré ... Road a pagar à autora ... Marine, SA. a quantia de 117.137,89 €, acrescida de juros, à taxa de 5% ao ano, desde a data da citação e até integral pagamento.
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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a Ré, tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões, que se transcrevem (cfr. fls. 178 a 202):

«1ª – Vem o presente recurso de Apelação interposto da sentença que condenou a Ré, aqui Apelante, a pagar à Autora, aqui Apelada, a quantia de € 117.137,89, acrescida de juros desde a data da citação e até integral pagamento.
2ª - Embora a incompetência absoluta do tribunal e a falta de citação sejam susceptíveis de arguição no presente recurso de Apelação, que aqui se vão arguir, a Ré, aqui Apelante, por mera cautela e dever de patrocínio, e através de requerimento apresentado em 25.03.2019, Refª 31955978, suscitou e arguiu ante o próprio Tribunal a quo essas incompetência absoluta do tribunal e falta de citação, prevenindo qualquer eventual preclusão decorrente do decurso do prazo ordinário (“Regra geral sobre o prazo”) de 10 dias previsto no artº 149º do CPC.
3ª – Os Tribunais Portugueses, concretamente este Tribunal da Comarca de Braga, é absolutamente incompetente, em razão das regras de competência internacional, para conhecer, julgar e decidir a presente demanda.
4ª - Decorre do artº 59º do CPC que a competência internacional dos tribunais portugueses se afere, em primeira linha e como regra, pelo disposto nos regulamentos europeus e demais instrumentos internacionais, e, em segunda linha, caso os regulamentos europeus e demais instrumentos internacionais nada estabeleçam sobre o caso concreto, os tribunais portugueses serão competentes caso se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as parte lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º, todos do CPC.
5ª – O Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, aplicável a todos os Estados-Membros da União Europeia, incluindo, obviamente, Portugal e Dinamarca, estabelece normas e regras de competência judiciária em matéria civil e comercial.
6ª - E, desde logo, releva aqui sublinhar o disposto nos artsº 4º, nº 1, e 5º, nº 1, daquele Regulamento:
“Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado- Membro” (Sic., com sublinhado nosso).
“As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente regulamento.” (Sic., com sublinhado nosso).
7ª - A Apelante, de acordo com o que o tribunal a quo deu como provado, está sedeada na Dinamarca.
8ª - A Autora, como o tribunal igualmente deu como provado, está sedeada nesse mesmo País, o que se verifica ainda em relação à M., compradora e importadora das mercadorias e segurada da Autora.
9ª – Foi também na Dinamarca que o contrato de transporte entre a compradora/importadora M. e a Ré foi celebrado!
10ª - O furto das mercadorias que constitui o fundamento da presente demanda ocorreu em Espanha (e não Portugal).
11ª – No caso em apreço, como o tribunal deu como provado, a obrigação de entrega das mercadorias pela Ré à M. devia ser contratualmente cumprida na Dinamarca (ver Secção 2, artigo 7º, do citado Regulamento (UE) Nº 1215/12).
12ª - Resultando dos autos que a Ré não compareceu em juízo nem interveio, este tribunal devia ter-se declarado oficiosamente incompetente, nos termos do artº 28º do Regulamento (UE) nº 1215/2012, de 12/12.
13ª – Não procede a objecção que assenta na letra da norma do nº 1 do artº 31º da Convenção CMR, pois que, em primeiro lugar, o escopo dessa norma é o de permitir que um nacional (pessoa colectiva ou singular) de um Estado-Membro possa recorrer directamente aos tribunais de um outro Estado-Membro para demandar um nacional (pessoa colectiva ou singular) deste último País, evitando, assim, ter de propor a acção no seu Estado de origem para depois executar a respectiva sentença no Estado-Membro da parte ré.
14ª - Esta norma não prescinde em absoluto da existência de todo e qualquer elemento de conexão, por diminuto que seja.
15ª - Um português pode demandar um dinamarquês em Portugal, e vice-versa, mas já não será admissível que dois nacionais da Dinamarca recorram à jurisdição dos tribunais portugueses, e vice-versa, tanto mais que a sentença a proferir por um dos Estados-Membros terá de ser executada no outro Estado-Membro.
16ª - Em segundo lugar, no caso de o autor não optar pela jurisdição do país no território do qual o réu tem a sua residência habitual, a sua sede principal ou sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, só poderá optar pela jurisdição do país no território do qual estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria se o incumprimento culposo do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (Convenção CMR) que imputa ao réu (causa de pedir) assentar nesse facto.
17ª - In casu, a Autora alega e imputa incumprimento culposo da Ré do contrato de transporte (de resto, celebrado na Dinamarca) com fundamento único na ocorrência do furto de parte das mercadorias em Espanha, nada tendo a ver com o carregamento das mercadorias em Portugal!
18ª - Mas, ainda que não houvesse regulamento europeu a estabelecer a incompetência dos tribunais portugueses para o caso em apreço, os tribunais portugueses também não teriam competência internacional para conhecer, julgar e decidir o presente caso pelas regras previstas no Código de Processo Civil, concretamente, artºs 62º, 63º e 94º (vide, artº 59º do CPC).
19ª - A presente acção não podia ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.
20ª – Por aplicação do artº 71º, nº1, do CPC o lugar do cumprimento da obrigação da Apelante para entrega das mercadorias transportadas era a Dinamarca.
21ª - A acção destinada a exigir indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso da obrigação deve ser proposta no tribunal do domicílio do Réu, que, no caso da Apelante, é a Dinamarca, de acordo com o que o tribunal a quo deu por provado.
22ª - Quanto à regra do artº 81º, nº 2, do CPC, sendo a Apelante uma sociedade, devia ser demandada no tribunal da sede da administração principal, ou seja, na Dinamarca, que é onde o tribunal a quo a deu como sedeada.
23ª - Do elenco da matéria fáctica dada como provada pelo Tribunal, resulta que não foi praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram.
24ª - O furto das mercadorias do interior do camião que executou o serviço de transporte contratado e cuja indemnização por danos é peticionada na presente demanda, ocorreu em Espanha!
25ª - Do elenco da matéria fáctica dada como provada pelo Tribunal, resulta que o direito invocado pela Autora podia, e devia, ter sido reclamado e adjectivado judicialmente perante os tribunais dinamarqueses, pois ambas as partes têm essa nacionalidade, de acordo com o que o tribunal a quo deu por provado, e tendo sido nesse País que os contratos de transporte e de seguro foram celebrados.
26ª - Não se verifica que o direito invocado pela Autora só pudesse tornar-se efectivo por meio de acção proposta e território português ou que houvesse para a Autora dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro.
27ª - O Tribunal, não obstante ter dada por verificada a não devolução do aviso de recepção que acompanhou a citação, entendeu que, através de uma cópia de um documento interno do serviço postal do país de destino, se mostrava documentada a sua efectiva entrega ao destinatário.
28ª - Salvo o devido respeito, o tribunal não podia, nem devia, considerar regularmente efectuada a citação.
29ª - Não tendo sido devolvido o aviso de recepção, e, por conseguinte e mais impressivamente, não se mostrando assinado o aviso de recepção que acompanhou a citação, não se inicia nem corre o prazo para o Réu contestar, como, inequívoca e inexoravelmente, flui do disposto nos artigos 230º, nº 1, e 569º, nº 1, ambos do CPC.
30ª - O entendimento do tribunal a quo no sentido de que “mostra-se documentada a sua efetiva entrega ao destinatário” assenta numa presunção ou ilação: a de que, não obstante a falta do aviso de recepção, o destinatário recebeu a citação, o que lhe não é consentida pela lei.
31ª – A presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário assenta sempre “no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção”, como se evidencia da parte final do nº1 do artº 230º do CPC.
32ª - Não há citação sem assinatura de aviso de recepção, ou, no mínimo, sem recusa de assinatura do aviso de recepção, incidente este que não está anotado no documento interno dos serviços postais dinamarqueses, nem de alguma forma resultou provado!
33ª - Neste caso, em que não houve devolução do aviso de recepção, impunha-se ao tribunal era que repetisse nova carta de citação, ou pedisse intervenção das autoridades competentes do Estado-Membro do local da citação, ou seja, a Dinamarca.
34ª - Sempre terá de se ter em conta o disposto no Regulamento (CE) nº 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à citação e notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros, a que a Dinamarca declarou a sua adesão, que dispõe que:
“Os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou equivalente”.
35ª - A Ré não chegou a ter conhecimento do acto de citação, por facto que lhe não é imputável.
36ª – Ocorre nulidade de tudo quanto se processou depois da petição inicial, por a Ré não ter sido citada.
37ª – Porque não foi apresentada Contestação (foi omitida a citação da Ré), o tribunal a quo deu por “assentes, por confissão e com reforço da prova documental de fls. 12-48, verso” (Sic.) os diversos factos que elencou na Fundamentação de Facto.
38ª - A Recorrente, nos termos do artº 640º do CPC, impugna a decisão sobre a matéria de facto dada como assente e provada.
39ª - Especificando:
i) os concretos pontos de facto que a Apelante considera incorrectamente julgados são os constantes de 1, 2, 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da Fundamentação de Facto;
ii) os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são os documentos (8) juntos com a PI;
iii) a decisão que, no entender da Apelante, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas deve ser a de dar esses factos como não provados.
40ª - No que respeita especificamente aos factos 1 e 2 da Fundamentação de Facto, trata-se de factos sujeitos a sociedades, cujo contrato de sociedade, nos termos do nº 1 do artº 7º do Código das Sociedades Comerciais, tem de ser reduzido a escrito, e as assinaturas dos seus subscritores devem ser reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade, devendo, neste caso, o contrato revestir essa forma, sem prejuízo do disposto em lei especial.
41ª - Nos termos do nº 1 do artº 3º do Código do Registo Comercial, a constituição das sociedades comerciais está sujeita a registo obrigatório.
42ª - Nos termos do nº 1 do artº 364º do Código Civil, “Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”.
43ª - Nos termos do nº 5 do artº 607º do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, mas a livre convicção não abrange os factos para cuja prova a lei exige formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos.
44ª - O tribunal a quo não podia, nem devia, ter dado como assentes e provados os factos 1 e 2 da Fundamentação de Facto, posto que não se encontram reduzidos a documento escrito, autêntico, autenticado ou particular, ou melhor, não foi feita essa prova nos autos.
45ª - A confissão é insusceptível de dar esses factos como provados, sendo certo que nem sequer se trata de confissão judicial expressa e/ou escrita (cfr., a contrario, artº 364º, nº 2, do Código Civil)!
46ª - No que respeita aos factos 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da Fundamentação de Facto, igualmente não podiam, nem deviam, ter sido dados como assentes e provados.
47ª- Os documentos que foram juntos com a PI e que o tribunal a quo teve em consideração para dar como provados tais factos, estão redigidos em língua inglesa, uns, e em língua dinamarquesa, outros, sendo certo que não foi apresentada a sua tradução (cfr. artºs 133º e 134º do CPC).
48ª - Não podia, nem devia, o tribunal a quo considerar esses documentos em inglês e dinamarquês para dar como assentes e provados os factos 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da Fundamentação de Facto.
49ª – Os pontos 11. e 12. da Fundamentação de facto consubstanciam juízos de valor ou meras conclusões, concretamente, os vocábulos “perto” e “fácil”, pelo que devem ser desconsiderados e tidos por não escritos.
50ª - Alterando-se a decisão sobre a matéria de facto dando como não provados os pontos 1, 2, 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da Fundamentação de Facto e como não escrito o que consta dos seus pontos 11. e 12., deve a acção ser julgada improcedente, por não provada, e a Ré absolvida do pedido.
51ª - Ainda que a acção pudesse ser julgada procedente, por provada, o que se não concebe nem concede, uma vez que, como acima dissemos, os factos 1, 2, 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da Fundamentação de Facto deviam ter sido dados como não provados o que, por si só, obsta à procedência da acção, o montante indemnizatório teria de ser enquadrado no limite previsto no nº 3 do artº 23º da Convenção CMR.
52ª - Jamais a indemnização arbitrada pelo tribunal a quo poderia ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta.
53ª - O tribunal a quo não aplicou ao caso em apreço o limite da indemnização fixado do nº 3 do artº 23º da Convenção CMR por entender que este limite não se aplica quando o dano emergente da perda da mercadoria haja resultado de actuação dolosa do transportador, ou de falta a si imputável que segundo a jurisdição do país julgador seja considerada equivalente ao dolo, em conformidade com o previsto no artº 29º, nº 1, da Convenção CMR.
54ª -O tribunal a quo considerou que o condutor do camião de onde foi furtada uma parte das mercadorias não podia “ter deixado de admitir como possível o desaparecimento da mesma pelo furto, embora tenha confiado, levianamente, de que tal se não verificaria” (Sic.).
55ª - Em suma, o tribunal a quo entendeu que o desaparecimento da mercadoria se deveu a acto imputável à Ré, a título de negligência consciente, enquanto mera decorrência da presunção de culpa que não ilidiu.
56ª - Na esteira da jurisprudência consultada e de que, inclusive, tomamos a liberdade de transcrever, uma conduta dolosa pressupõe a existência de um elemento volitivo ou emocional, traduzido no nexo de causalidade entre o facto ilícito e a vontade, e um elemento intelectual, que se traduz no conhecimento das circunstâncias de facto que integram a violação do direito ou da norma que tutela os interesses alheios e a consciência da ilicitude do facto.
57ª - No caso presente, da prova não resulta que a Ré, através da transportadora K., que foi quem executou materialmente o transporte (ver facto 16.), tenha agido de forma dolosa.
58ª - Não se provou que a Ré tivesse vontade e intenção de directamente causar os danos, ou que tivesse previsto esse resultado como consequência necessária da sua conduta e, mesmo assim, tivesse agido, o que afasta a ocorrência, respectivamente, do dolo directo e do dolo necessário.
59ª - Quanto ao dolo eventual, a sua verificação dependia de se ter provado que a Ré, através da transportadora K., que foi quem executou materialmente o transporte (ver facto 16.), tivesse previsto como possível ou eventual a produção do danos e, mesmo assim, tivesse agido, confiando que os mesmos não se verificariam.
60ª - Dos factos constantes da Fundamentação de Facto apenas podemos retirar que, durante a viagem, no dia 23.07.2016, em Espanha, o condutor fez uma paragem num local na “Route ...”, auto-estrada N-1 ..., para pernoitar, mais concretamente, numa área de descanso que não tinha videovigilância, não vigiado ou guardado e desconhecido(s) furtou(aram) 293 cartões com peças de vestuário (factos 9. e 10.).
61ª - Não existe qualquer facto indiciador ou revelador de que a Ré tenha previsto a eventualidade da ocorrência do dano e que tenha confiado na sua não produção. Portanto, também não se pode concluir pela existência de dolo eventual.
62ª - Em geral, a ocorrência de danos por violação das legis artis ou das regras da experiência profissional encontram acolhimento no âmbito da conduta negligente, na medida em que a mesma traduz omissões da diligência exigível ao agente, face aos especiais conhecimentos e qualificações que, em regra, possuiu sobre a matéria.
63ª - O que resultou provado foi que o condutor do camião da transportadora K. imobilizou o veículo para pernoitar numa numa área de descanso numa auto-estrada em Espanha, integrada na “Route ...”.
64ª – Nada ficou provado, nenhum facto se provou que permitisse levar à conclusão que o condutor do camião devesse prefigurar como possível a ocorrência de um furto das mercadorias do interior do camião numa área de descanso numa auto-estrada em Espanha com ele a pernoitar no veículo!
65ª - No entanto, mas sem conceder e em mero juízo hipotético, poderia ser essa, em tese, a figura – da conduta negligente – que melhor poderia retratar a actuação da Ré, que, aliás, nem sequer foi quem executou materialmente o transporte, mas sim a empresa K..
66ª – A questão que se coloca é se a negligência consciente deve ser equiparável ao dolo para efeitos de excluir o limite de responsabilidade fixado no nº 3 do artº 23º da Convenção CMR, por aplicação do disposto no nº 1 do artº 29º da mesma Convenção.
67ª - Era sobre a Autora que impendia o ónus de alegar e provar a verificação dos pressupostos e circunstâncias da norma em questão, isto é, o dolo por parte da Ré ou falta que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo, como flui do nº 1 do art.º 29º da Convenção CMR, desiderato que a Autora manifestamente não logrou!
68ª - O nosso ordenamento jurídico imprime ao dolo, enquanto modalidade mais grave da culpa, um forte juízo de censura e reprovação, dada a estreita identificação entre a vontade do agente e o facto, enquanto as situações de mera culpa ou negligência recebem um juízo de menor censurabilidade por haver uma ligação menos incisiva entre o agente e o facto.
69ª - Tal como foi expresso pelo Supremo Tribunal de Justiça, “No nosso ordenamento jurídico, a equiparação da negligência grosseira ao dolo surgiu, pontualmente, como novidade, com a reforma processual civil operada em 1995/96, para o restrito efeito de condenação por litigância de má fé (cfr. art.456º CPC).”
70ª - Também do Acórdão da Relação Porto, Proc. 5403/11.2TBMAI.P1, se respiga o seguinte:
“Já no acórdão do STJ de 6.07.2006 (Oliveira Barros), in www.dgsi.pt, na esteira do acórdão do STJ de 17.05.2001 (Nascimento Costa), in CJ, Tomo II, pág. 91, sustenta-se que a remissão do artigo 29º se deve cingir aos casos de dolo stricto sensu. No direito português, a equiparação da negligência grosseira ao dolo apenas teria surgido, pontualmente, como novidade, com a reforma processual civil operada em 1995/96, para o restrito efeito de condenação por litigância de má fé, no artigo 456º do Código de Processo Civil. Pelo que, havendo mera culpa do transportador, responderia este dentro dos limites estabelecidos no nº 3 do artigo 23º. No mesmo sentido, o acórdão desta Relação do Porto de 29.10.2009 (Filipe Caroço), in www.dgsi.pt. Propendemos para aqueloutra corrente.” (in www.dgsi.pt/jtrp.nsf).
71ª - E no Acórdão da Relação de Guimarães, Proc. 3381/11.7TBGMR.G1: “Outra corrente do STJ defende que o dolo é um dos elementos da culpa, mas mais exigente, cuja concretização implica um maior grau de censurabilidade, pelo que deve ter um tratamento diferente no contexto da Convenção. A sua referência no artigo 29 n.º 1 tem como objectivo punir o transportador que agir com dolo ou algo equivalente, na medida em que lhe retira o critério limitador do cálculo da indemnização previsto no artigo 23 n.º 3, que é a regra em caso de actuação negligente. E isto deve-se à natureza excepcional da norma, dentro do contexto da Convenção, que tenta equilibrar o risco do transporte internacional via terreste por veículos automóveis. Quem quiser maior protecção poderá lançar mão dos expedientes previstos nos artigos 24 e 26 da Convenção, pagando um suplemento. Só no caso de dolo deixa de haver necessidade de proteger o transportador, que deverá assumir o custo global do prejuízo sofrido com a perda das mercadorias, porque interveio de forma directa, necessária ou pelo menos aceitou o resultado previsto (Ac. STJ. 11.03.1999, Ac. de 6/07/2006 em www.dgsi.pt e Ac. STJ. 17/05/2001 CJ (STJ), Tomo II, pag. 91).
E aderimos a esta corrente jurisprudencial porque julgamos que é a que melhor se coaduna com a letra e espírito da Convenção.
Chegados aqui temos a norma do artigo 29 n.º1 da Convenção que determina em que termos é que suspende o critério limitador do cálculo da indemnização. É uma norma constitutiva do direito de crédito do lesado com o incumprimento do contrato de transporte. Em caso de dolo do transportador ou de quem agiu em seu nome, a indemnização será total, abrangendo todos os prejuízos sofridos. Assim, nos termos do artigo 342 n.º 1 do C.Civil incumbe ao credor alegar e provar o dolo, para que a indemnização seja total e não limitada nos termos do artigo 23 n.º 3. Como resulta dos factos provados o autor não fez a prova do dolo, nem das circunstâncias em que se verificou a perda da mercadoria, pelo que a decisão teria de calcular o montante da indemnização de acordo com o disposto no artigo 23 n.º 3 da Convenção, como o fez.” (in www.dgsi.pt/jtrg.nsf).
72ª - No mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2015:
“Dolo e mera culpa são duas figuras distintas, que não se confundem no âmbito da responsabilidade civil, pelo que a exclusão da aplicação da limitação de responsabilidade estabelecida no art.º 23, n.º 3, da Convenção CMR apenas ocorrerá caso o credor da indemnização logre demonstrar o dolo do transportador (art.º 342, n.º 1, do CC), não sendo bastante, pois, para tal efeito a simples não elisão da presunção de culpa referida em V.” (Revista n.º 4657/04 - 2.ª Secção Abílio Vasconcelos (Relator) Duarte Soares Ferreira Girão).
73ª - Salvo o devido respeito por entendimento contrário, o tribunal a quo decidiu errada e incorrectamente ao afastar o limite da indemnização a cargo do transportador previsto no artº 23º, nº 3, da Convenção CMR, por aplicação do artº 29º, nº 1, da mesma Convenção.

TERMOS EM QUE deve ser dado provimento à presente Apelação e, em consequência:

i) declarar-se a incompetência absoluta deste tribunal por infracção das regras de competência internacional dos tribunais portugueses;
ii) declarar-se a falta de citação, e, por inerência, a nulidade de tudo quanto foi processado depois da petição inicial, por a Ré/Apelante não ter sido citada;

EM TODO O CASO, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, dando como não provados os pontos 1, 2, 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da Fundamentação de Facto e como não escrito o que consta dos seus pontos 11. e 12., e, em consequência, julgar-se a acção improcedente, por não provada, e a Ré absolvida do pedido.
SE ASSIM SE NÃO ENTENDER, deve declarar-se que a indemnização a pagar pela Ré/Apelante à Autora/Apelada está sujeita ao limite fixado no nº 3 do artº 23º da Convenção CMR.».
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Contra-alegou a ré, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 203 a 222).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:

1ª- Da (in)competência internacional dos Tribunais portugueses para apreciar o litígio em apreço.
2ª- Da falta de citação da Ré.
3ª- Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
4ª- Se a indemnização a pagar pela Ré/Apelante à Autora/Apelada está sujeita ao limite fixado no n.º 3 do art. 23º da Convenção CMR.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. A autora é uma companhia de seguros sediada na Dinamarca.
2. A ré é uma empresa de transportes e logística também sediada na Dinamarca.
3. A empresa S. Moda, Lda. vendeu vestuário à empresa M. Clothing Company APS no valor total de 269.241,96 €, assim discriminado:
- 2084 unidades de túnicas e vestidos embaladas em 36 cartões pelo valor de 21.052,89 €, conforme fatura n.º 016/178 datada de 22.07.2016 (163000);
- 2445 unidades de casacos embaladas em 183 cartões pelo valor de 38.386,50 €, conforme fatura 016/179 datada de 22.07.2016 (163008);
- 3400 unidades de gravatas, leggings, polares e saias embaladas em 65 cartões pelo valor de 25.790,40 €, conforme fatura 016/180 datada de 22.07.2016 (163017);
- 2316 unidades de top e túnicas embaladas em 36 cartões pelo valor de 19.603,45 €, conforme fatura 016/181 datada de 22.07.2016 (163012);
- 2804 unidades de top e túnicas embaladas em 67 cartões pelo valor de 26.691,90 €, conforme fatura 016/182 datada de 22.07.2016 (163022);
- 3546 unidades de túnicas e blusas embaladas em 76 cartões pelo valor de 30.827,81 € conforme fatura 016/183 datada de 22.07.2016 (163006);
- 9909 unidades de top, túnicas, casacos, calças e saias embaladas em 345 cartões pelo valor de 106.889,10 € conforme fatura 016/184 datada de 22.07.2016 (163023);
Tudo, num total de 26.504 peças de vestuário embaladas em 808 cartões.
4. A compra e venda foi feita mediante … FOT, ou seja, o risco de perda e dano causado por terceiro corria por conta do comprador após a entrega da mercadoria ao transportador, competindo-lhe celebrar o seguro de transporte e o transporte da mercadoria.
5. A M. Clothing Company APS acordou com a ré, que aceitou, efetuar o serviço de transporte da referida mercadoria desde Esmeriz, Portugal, até Copenhaga, Dinamarca, mediante o pagamento de um frete.
6. As 26.504 peças de vestuário embaladas em 808 cartões deveriam ter sido entregues à M. Clothing Company APS, em Copenhaga.
7. No entanto, só chegaram ao destino 16.082 peças em 515 cartões.
8. A mercadoria foi carregada a 22.07.2016 nas instalações da S. Moda, Lda., em Esmeriz, Portugal.
9. Durante a viagem, no dia 23.07.2016, em Espanha, o condutor fez uma paragem num local na “Route …”, auto-estrada N-1 ..., para pernoitar, mais concretamente, numa área de descanso que não tinha videovigilância, não vigiado ou guardado.
10. Enquanto o condutor pernoitava no referido local desconhecido(s) acedeu(ram) ao camião e levou(aram) 293 cartões com peças de vestuário.
11. O condutor podia ter pernoitado em 2 parques vigiados perto da área/parque de estacionamento que escolheu para pernoitar, sabendo-se que um desses parques vigiados até tinha grades delimitativas da zona de estacionamento.
12. O atrelado era de lona, de fácil corte.
13. Apenas a porta do reboque era de metal.
14. O condutor sabia que a mercadoria não estava segura.
15. A 01.08.2016 apenas chegaram ao destino 515 cartões com 16.082 peças.
16. Quem efetuou materialmente o transporte foi a K..
17. A empresa … Inspektion APS realizou uma peritagem a 26 de outubro de 2016 elaborando o Survey Report 1608189, do qual resulta que:
- Da fatura 016/178 (163000): das 2084 peças a M. só recebeu 2057;
- Da fatura 016/179 (163008): das 2445 peças a M. só recebeu 1899;
- Da fatura 016/180 (163017): das 3400 peças a M. só recebeu 1997;
- Da fatura 016/181 (163012): das 2316 peças a M. só recebeu 2153;
- Da fatura 016/182 (163022): das 2804 peças a M. só recebeu 601;
- Da fatura 016/183 (163006): das 3546 peças a M. só recebeu 501;
- Da fatura 016/184 (163023): das 9909 peças a M. só recebeu 6874.
18. No mesmo relatório foi concluído que “Indivíduo não identificado cometeu furto da mercadoria quando o camião se encontrava numa área de descanso em Espanha. Estima-se que, neste caso, é negligência grosseira da parte do transportador, uma vez que: 1) considera-se que a carga é considerada de marca e de carácter facilmente convertível e o condutor tinha conhecimento desse facto (está indicado no conhecimento que em caso de entrega à M. Clothing) 2) o condutor optou por permanecer na área de descanso apesar de, de acordo com as informações, não existir videovigilância.”
19. A M. Clothing Company APS celebrou com a autora um acordo de seguro que cobre riscos de perdas e danos ou de extravio resultantes do transporte de mercadorias.
20. Na qualidade de seguradora da M. Clothing Company APS, a autora pagou, a 30.01.2017, a quantia de DKK 872.009,57 (correspondente a 117.137,89 €) à sua segurada, tendo esta sub-rogado na autora todos os seus direitos, faculdades e créditos sobre a ré.
21. A M. Clothing Company APS pagou o frete contratado à ré.
22. Apesar de interpelada, a ré não indemnizou a M. Clothing Company APS pelos prejuízos sofridos por esta, o que levou a M. Clothing Company APS a fazer uso do seu seguro de transporte terreste junto da autora, que culminou no pagamento referido em 20.
23. A autora interpelou a ré para que a compensasse dos danos sofridos pela sua segurada M. Clothing Company APS.
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V. Fundamentação de direito.

1. - Da (in)competência internacional dos Tribunais portugueses para preparar e julgar a presente ação.
Na sentença, aquando do saneamento do processo, o Tribunal “a quo”, tabelarmente, considerou que o Tribunal era internacionalmente competente para conhecer, julgar e decidir a presente ação.
A apelante discorda (entre outras) desta decisão, propugnando pela incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem o litígio, louvando-se, além do mais, no art. 7º, n.º 1, al. b, 2º travessão, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, afirmando não ser aplicável a norma do n.º 1 do art. 31º da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), concluída em Genebra em 19/05/1956 e entrada em vigor em 2/06/1961, que foi aprovada para adesão, em Portugal, pelo Decreto-Lei n.º 46.235, de 18 de Março de 1965.
Analisando.
Sendo a ação instaurada por uma companhia de seguros sedeada na Dinamarca contra uma empresa de transportes e logística também sediada nesse país, tendo a ação como causa de pedir a sub-rogação emergente do pagamento a terceiro, segurado da autora, de indemnização decorrente da perda (furto) de mercadoria ocorrida (em Espanha) em transporte rodoviário contratado com a ré, por culpa a esta imputável, sendo que o carregamento de mercadorias foi realizado em Portugal e as mercadorias deveriam ter sido entregues na Dinamarca, não oferece margem para dúvidas estarmos perante um litígio emergente de uma relação plurilocalizada, transfronteiriça ou transnacional.
Segundo as palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora (1), a “competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”.
Como é entendimento maioritário da doutrina, a competência do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), independentemente da apreciação do seu acerto substancial (2).
Nos termos do art. 37.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26/08, a “lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”, sendo que a “competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei” (art. 38.º, n.º 1).

No que concerne à competência internacional dos tribunais portugueses, o art. 59.º do CPC estabelece:

Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.
Deste modo, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeiro linha, do que resultar de convenções internacionais (v.g. Convenção de Lugano) ou dos regulamentos europeus sobre a matéria (v.g. Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro) e, depois, da integração de alguns dos segmentos normativos dos arts. 62º e 63º do CPC, sem prejuízo do que possa emergir de pacto atributivo de competência, nos termos do art. 94º do CPC (3).
Como elucida Remédio Marques (4), “coexistem na nossa ordem jurídica regras de competência internacional directa impostas por fontes normativas supranacionais, de direito comunitário da União Europeia – os regulamentos comunitários –, que determinam a competência internacional directa dos diferentes tribunais dos Estados membros. As regras de competência internacional (directa), que constam desses regulamentos comunitários, valem tanto para os tribunais do foro (isto é, para os tribunais de um Estado membro onde, em concreto, a ação foi proposta), como para os tribunais de qualquer outro Estado membro”. Diferentemente - acrescenta o citado autor (5) -, «as regras que determinam a competência internacional dos tribunais portugueses previstas nos» arts. 62º e 63º do CPC «são unilaterais, pois só fixam a competência (internacional) dos tribunais portugueses; um tribunal estrangeiro nunca se pode sentir condicionado no exercício da sua jurisdição pela existência e validade daquelas regras».
Porém, este regime interno de competência internacional estabelecido no Código de Processo Civil só será aplicável quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior e face ao princípio do primado do direito europeu (cfr. arts. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, 8.º, n.º 4, da Constituição de República Portuguesa e 1ª parte do art. 59º do CPC) (6).
Caracterizado por Moura Ramos como um direito «inclusivo», o direito comunitário constitui um sistema de normas disciplinadoras da vida jurídica da sociedade «comunitária», cuja aplicação se torna directamente vinculativa na ordem interna dos Estados-Membros” (7).

Na ordem jurídica portuguesa vigoram, assim, normas de fonte interna e normas de fonte supra estadual, destacando-se com interesse para o caso dos autos:

A) - O Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que versa sobre a competência judiciária, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria civil e comercial (8).
Inicialmente, a Dinamarca não ficou vinculada pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, nem sujeita à sua aplicação (arts. 1º e 2º do Protocolo n.º 22 sobre a posição da Dinamarca, anexo ao TUE e TFUE).
Porém, em cumprimento do disposto no art. 3.º, n.º 2, do Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca, de 19 de outubro de 2005, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, “a Dinamarca notificou à Comissão, por ofício de 20 de dezembro de 2012, a sua decisão de aplicar o Regulamento (UE) n.º 1215/2012”, o que significa que este Regulamento é presentemente aplicado às relações entre a União Europeia e a Dinamarca (cfr. Jornal Oficial da União Europeia, L 79/4, de 21/03/2013).
Nos termos do décimo considerando do Reg. n.º 1215/2012, o «âmbito de aplicação material do presente regulamento deverá incluir o essencial da matéria civil e comercial, com exceção de certas matérias bem definidas, em particular as obrigações de alimentos, que deverão ser excluídas do âmbito de aplicação do presente regulamento na sequência da adoção do Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (…)».
No que diz respeito ao seu âmbito (material ou objetivo) de aplicação, dispõe o art. 1º, n.º 1, que este se aplica «em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. (…)».
Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, para garantir, na medida do possível, a igualdade e a uniformidade dos direitos e das obrigações que decorrem do aludido Regulamento para os EstadosMembros e as pessoas interessadas, não se deve interpretar o conceito de «matéria civil e comercial» como uma simples remissão para o direito interno de qualquer dos Estados em questão. Trata-se de um conceito “específico, autónomo e exclusivo” do regulamento, que tem de ser interpretado com referência, por um lado, aos objetivos e ao sistema do referido regulamento e, por outro, aos princípios gerais resultantes das ordens jurídicas nacionais no seu conjunto (9)
No que concerne ao critério geral de competência, o Reg. n.º 1215/2012, no art. 4º, n.º 1, estabelece que, “sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.
Para esse efeito, o art. 63º, n.º 1, considera que uma pessoa coletiva tem domicílio no lugar em que tiver: a) a sua sede social; b) a sua administração central; ou c) o seu estabelecimento principal.
Tal como se refere nos considerandos (15) do preâmbulo do Regulamento, as “regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente”.
Todavia, mesmo que o réu tenha o seu domicílio num Estado–Membro da União Europeia, ainda assim poderá ser demandado nos tribunais de um outro Estado–Membro se, em concreto, se verificar algumas das regras especiais de competência previstas nos arts. 7º a 25º do Regulamento.

Na verdade, o art. 5º do citado Reg. prescreve:

«1. As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.
2. Em especial, as regras de competência nacionais notificadas pelos Estados-Membros à Comissão nos termos do artigo 76.º, n.º 1, alínea a), não se aplicam às pessoas a que se refere o n.º 1».

Nos termos do art. 6.º, se o requerido não tiver domicílio num Estado-Membro, a competência dos tribunais de cada Estado-Membro é, sem prejuízo do artigo 18.º, n.º 1, do artigo 21.º, n.º 2, e dos artigos 24.º e 25.º, regida pela lei desse Estado-Membro.
Daqui resulta que o Regulamento é aplicável sempre que o demandado tenha domicílio num Estado-Membro, ainda que o demandado não seja nacional do Estado em que se encontra domiciliado, nem tenha a nacionalidade de qualquer outro Estado-Membro.
Atendo-nos mais uma vez ao mencionado nos considerandos (16) do preâmbulo do Regulamento aí se refere que o “foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele (…)”.

A conjugação daquela regra geral e das regras específicas de competência estabelecidas no Reg. n.º 1215/2012 deve, nas palavras de Marco Carvalho Fernandes (10), ser feita nos termos seguintes:

(…) estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral. Diversamente, verificando-se, no caso em concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial, ou seja, a competência desses tribunais é alternativa (…). Isto a não ser que, no caso em concreto, se verifique alguma situação de competência exclusiva (art. 24.º) ou convencional (25.°), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência. Ocorrendo essa possibilidade de escolha do foro, estamos perante uma situação de forum shopping”.
Em sentido convergente, salienta Miguel Teixeira de Sousa, https://blogippc.blogspot.pt/2017/11/jurisprudencia-735.html, de 23/11/2017, que o critério do domicílio do demandado (art. 2.º, n.º 1, Reg. 44/2001; art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012) é sempre aplicável. Os critérios especiais -- como é o caso daquele que se encontra estabelecido no art. 5.º, n.º 1, Reg. 44/2001 ou no art. 7.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 -- são sempre alternativos em relação àquele critério geral: é o que resulta do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Reg. 1215/2012.
Ou seja, nas situações previstas na Secção 2 (arts. 5º a 9º) que estipula regras especiais que atribuem competência a tribunais de Estados diversos do Estado de residência do réu, mas que não excluem a normal competência dos tribunais deste último , o autor pode optar entre o tribunal do Estado do domicílio do réu e o daquele Estado para que aponta o critério especial (11). Diversamente, nas situações elencadas nas Secções 3 a 7, a competência internacional é determinada unicamente pelas regras especiais aí estabelecidas (12).

Em matéria contratual, o art. 7º, n.º 1, do Reg. n.º 1215/2012 prevê uma regra especial com a seguinte redação:

«As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:
1)
a)Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b)Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
— no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,
— no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
c)Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)».

Sobre a questão de fundo e essencial tendente à determinação do “lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão”, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir que no art. 7º, n.º 1 do Regulamento n.º 1215/2002, tal como sucedia com o correspondente artigo 5º, n.º 1, b), do Regulamento n.º 44/2001, vem consagrado «um conceito autónomo do lugar do cumprimento da obrigação para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, identificando as obrigações que são características de um (entrega dos bens) e de outro (prestação do serviço) e relevantes para fundamentar uma conexão do contrato com um lugar que, por um lado, seja suficientemente forte para justificar a competência alternativa com aquela que cabe ao Estado do domicílio do demandado (cfr. considerando 16 do Regulamento nº 1215/2002) e, por outro lado e por isso mesmo, suficientemente segura para permitir determinar com certeza qual é o Estado cujos tribunais são competentes para julgar qualquer pretensão resultante do mesmo contrato (…)» (13).

Por fim, o art. 71.º do mesmo Regulamento, que trata das relações com convenções relativas a matérias especiais, em que os Estados-Membros são partes, dispõe:

«1. O presente regulamento não prejudica as convenções em que os Estados-Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões.
2. Para assegurar a sua interpretação uniforme, o n.º 1 deve ser aplicado do seguinte modo:
a)O presente regulamento não impede que um tribunal de um Estado-Membro que seja parte numa convenção relativa a uma matéria especial se declare competente, nos termos de tal convenção, mesmo que o requerido tenha domicílio no território de um Estado-Membro que não seja parte nessa convenção. Em qualquer caso, o tribunal chamado a pronunciar-se deve aplicar o artigo 28.º do presente regulamento;
b)As decisões proferidas num Estado-Membro por um tribunal cuja competência se funde numa convenção relativa a uma matéria especial são reconhecidas e executadas nos outros Estados-Membros nos termos do presente regulamento.
Se uma convenção relativa a uma matéria especial, de que sejam partes o Estado-Membro de origem e o Estado-Membro requerido, estabelecer as condições para o reconhecimento e execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. Em qualquer caso, pode aplicar-se o disposto no presente regulamento sobre reconhecimento e execução de decisões».
B) - A Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), concluída em Genebra em 19/05/1956 e entrada em vigor em 2/06/1961, que foi aprovada para adesão, em Portugal, pelo Decreto-Lei n.º 46.235, de 18 de Março de 1965. Esta Convenção veio a ser alterada pelo Protocolo de Genebra de 5/07/1978, que foi aprovado pelo Estado Português para adesão pelo Decreto-Lei n.º 28/88, de 6 de Setembro, tendo sido depositado o respectivo instrumento de confirmação em 17-8-1989.
A CMR tem por objetivo regular uniformemente as condições do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, em particular no que diz respeito aos documentos utilizados para este transporte e à responsabilidade do transportador.
Em conformidade com o seu art. 1º, a CMR «aplica-se a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes».
A CMR foi negociada no âmbito da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa. Mais de 50 Estados, entre os quais todos os Estados-Membros da União Europeia, aderiram à CMR.

Versando sobre as regras de competência judiciária, prescreve o art. 31º da CMR:

«1. Para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados de comum acordo pelas partes, para a jurisdição do país no território do qual:
a) O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou
b) Estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a entrega, e só poderá recorrer a essas jurisdições.
(…)».

Desta disposição decorre designadamente que o demandante pode escolher entre os órgãos jurisdicionais do país em que o demandado tem a sua residência habitual, os do país do carregamento da mercadoria ou os do lugar previsto para a entrega.
No caso, há que assinalar que o litígio que opõe as partes é abrangido tanto pelo âmbito de aplicação da CMR, como pelo do Regulamento n.º 1215/2012.
Na verdade, por um lado, este litígio tem por objeto um contrato de transporte de mercadorias por estada, cujo local de carregamento ou recolha de mercadorias (a cargo do transportador) ocorreu em Esmeriz, Portugal, e de entrega em Copenhaga, na Dinamarca. Os critérios de aplicação da CMR, enunciados no seu art. 1º, estão assim preenchidos.
Com efeito, estamos face a um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, aplicando-se aquela convenção a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes (cfr. art. 1º da convenção). E tendo em conta o disposto no art. 31º, n.º 1, al b) da Convenção CMR, quanto à determinação do foro competente para dirimir conflitos advenientes dos contratos de transporte internacional de mercadorias, e o facto de a mercadoria em causa ter sido carregada em território nacional, dúvidas não restam de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a apreciação da presente ação (14).
Com o devido respeito, não colhe a (contrária) argumentação aduzida pela recorrente no sentido de o art.. 31º da Convenção CMR só ser aplicável aos casos em que a demanda pressupõe dois nacionais de dois Estados-Membros, o que obstaria a que dois nacionais da Dinamarca pudessem recorrer à jurisdição dos tribunais portugueses, tanto mais que a sentença a proferir por um dos Estados-Membro terá de ser executada no outro Estado-Membro.
Isto porque o âmbito de aplicação (material) da CMR, prescrito no já citado art. 1º, n.º 1, não faz essa ressalva ou restrição, sendo que a parte final do citado normativo – como bem salienta a recorrida – tem o cuidado de inserir “independentemente do domicílio e nacionalidade das partes”.
O contrato ficará sujeito à Convenção desde que apresente os requisitos materiais de aplicação (para além do requisito da internacionalidade e da conexão espacial ao território dos Estados signatários, isto é, o lugar previsto do carregamento ou o lugar previsto de destino, pelo menos um deles deverá ser situado num dos estados contratantes, e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes). E a espécie contratual abrangida deverá corresponder a um contrato de mercadorias por estrada, oneroso.
Por outro lado, o art. 31º da Convenção CMR não deixa margem para dúvidas ao prescrever que, “[p]ara todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção”, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados por comum acordo pelas partes, à jurisdição do país no território do qual a) o réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou b) se situar o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a sua entrega.
Acolhe-se, por isso, a interpretação feita pela recorrida no sentido de a Convenção CMR legitimar que um dinamarquês intente uma ação contra outro dinamarquês nos Tribunais Portugueses desde que exista um dos elementos de conexão para tal previstos no art. 31.º, como seja situar-se em Portugal o local do carregamento da mercadoria transportada.
Igualmente é de rejeitar o entendimento propugnado pela recorrente de que o autor apenas poderá optar pela jurisdição do país no território do qual estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria se o incumprimento culposo do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada que imputa ao réu assentar nesse facto, o que no caso não estaria verificado, visto a imputação desse incumprimento culposo ter como fundamento único a ocorrência de um furto de parte das mercadorias ocorrido em Espanha, nada tendo a ver com o carregamento das mercadorias situado em Portugal.
Como já se depreende do anteriormente explicitado, de acordo com o âmbito do art. 31º da Convenção CMR, para todos os litígios (e não apenas alguns) provocados pelos transportes sujeitos à aludida Convenção, os elementos de conexão das regras de competência internacional especiais são os que constam enumerados nas als. a) e b) do citado preceito legal, sendo que deles não faz parte o local onde ocorreu o facto gerador de incumprimento. No tocante às regras de competência judiciária fixadas naquela Convenção, os fatores de conexão, além da residência habitual do réu, delimitam-se ao lugar onde estiver situado o carregamento da mercadoria ou ao lugar previsto para a entrega, expressamente estatuindo que “só poderá recorrer a essas jurisdições”.
Por conseguinte, o eventual recurso à jurisdição espanhola para a autora fazer valer os direitos reclamados nesta ação não só não teria cobertura no âmbito da referida Convenção CMR, como lhe estaria vedado por força da parte final da al. b), do n.º 1 do art. 31º da CMR.
Prosseguindo, dir-se-á que os litígios relacionados com o transporte de mercadorias por estrada entre Estados-Membros são (identicamente) abrangidos pela matéria civil e comercial, na aceção do art. 1º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012, sendo que o transporte de mercadorias por estrada não faz parte dos domínios, taxativamente enumerados no referido artigo, que são excluídos do âmbito de aplicação deste regulamento (15).
Importa ter ainda presente que, uma vez que o Regulamento n.º 1215/2012 substitui o Regulamento n.° 44/2001 (o qual, por sua vez, havia substituído a Convenção de Bruxelas de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial), a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições daquele Regulamento e Convenção substituídos é válida igualmente para as do referido Regulamento n.º 1215/2012, quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes (16).
Efetuando uma interpretação do art. 71º do Regulamento n.° 44/2001 (que equivale ao art. 71.º do Regulamento n.º 1215/2012), o referido Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 4/05/2010 explicitou que o citado normativo não pode ter um alcance que esteja em conflito com os princípios basilares da legislação de que faz parte. Consequentemente, não pode o mesmo ser interpretado no sentido de que, num domínio abrangido por esse regulamento, como o transporte de mercadorias por estrada, uma convenção especial, como a CMR, possa levar a resultados menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que os alcançados pelas disposições do referido regulamento.

Terminou decidindo que:

«O artigo 71.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas numa convenção relativa a uma matéria especial, tal como a regra de litispendência enunciada no artigo 31.°, n.° 2, da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1956, conforme alterada pelo protocolo assinado em Genebra, em 5 de Julho de 1978, e a regra relativa à executoriedade prevista no seu artigo 31.°, n.° 3, são aplicáveis desde que ofereçam um elevado nível de certeza jurídica, facilitem a boa administração da justiça e permitam reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes, e assegurem, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, a livre circulação das decisões em matéria civil e comercial e a confiança recíproca na administração da justiça no seio da União (favor executionis)».
Em sentido idêntico, versando sobre a hipótese de um litígio se integrar no âmbito de aplicação tanto do Regulamento n.º 44/2001, como da CMR, o Tribunal de Justiça, mediante acórdão de 4/09/2014, proferido no processo C-157/13, Nickel & Goeldner Spedition GmbH vrs «Kintra» UAB, ECLI:EU:C:2014:2145, declarou, entre o mais, que
«O artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese em que um litígio se integre no âmbito de aplicação tanto deste regulamento como da Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978, um Estado-Membro pode, em conformidade com o artigo 71.°, n.° 1, do referido regulamento, aplicar as regras de competência judiciária previstas pelo artigo 31.°, n.° 1, desta convenção».
Por fim, no Acórdão do Tribunal de Justiça de 11/07/2018, processo C-88/17, X Insurance plc, e Y Minerals Oy contra W Services (International) Ltd, ECLI:EU:C:2018:558, foi declarado que:
«O artigo 5.º, n.º 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados-Membros em várias etapas, com escalas, e em que são utilizados diferentes meios de transporte, como o que está em causa no processo principal, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido desta disposição».
No caso, seja ao abrigo da Convenção CMR, seja ao abrigo do próprio Regulamento n.º 1215/2012 – art. 7º/1, b) –, afigura-se-nos que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer do pedido da apelada (17).
Como vimos, decorre do art. 31º, n.º 1, da Convenção CMR que o demandante pode escolher entre os órgãos jurisdicionais do país em que o demandado tem a sua residência habitual, o do país do carregamento da mercadoria ou o do lugar previsto para a entrega.
Ora, considerando que o carregamento da mercadoria transportada teve lugar em Portugal, o tribunal recorrido tinha competência internacional para apreciar esta ação.
Mas mesmo que se entendesse que as regras constantes do art. 31º, n.º 1, da CMR não eram aplicáveis a esta ação, chegaríamos sempre à mesma conclusão, por aplicação das regras do Regulamento n.º 1215/2012.
Como já demos nota, a regra de competência especial em matéria de prestação de serviços, prevista no artigo 7º, n.º 2, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, designa como competente o órgão jurisdicional do «lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados».
E o Tribunal de Justiça considerou já que, em caso de pluralidade de lugares de prestação de serviços em Estados-Membros diferentes, há que, em princípio, entender por lugar de cumprimento o lugar que assegura a conexão mais estreita entre o contrato e o órgão jurisdicional competente, situando-se essa conexão, regra geral, no lugar da prestação principal (18).
A respeito da mesma disposição, em caso de transporte aéreo de pessoas de um Estado-Membro com destino a outro Estado-Membro, realizado com base num contrato celebrado com uma única companhia aérea que é a transportadora operadora, o Tribunal de Justiça, após ter analisado os serviços cuja prestação correspondia ao cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de transporte aéreo de pessoas, concluiu que os únicos lugares que apresentam uma conexão direta com os referidos serviços, prestados no cumprimento das obrigações decorrentes do objeto do contrato, são os de partida e de chegada do avião (19).
E, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias, como o que está em causa no processo principal, a propósito de saber se deve considerar-se como lugar de prestação dos serviços, no sentido do art. 5.º, n.º 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 44/2001 (cuja interpretação dada pelo Tribunal de Justiça vale, como se disse, para o atual art. 7º n.º 2, alínea b), segundo travessão do Regulamento n.º 1215/2012), que assegura uma conexão estreita entre o contrato de transporte e o órgão jurisdicional competente não apenas o lugar de entrega da mercadoria mas também o lugar de expedição da mesma, o Tribunal de Justiça tomou já também posição concreta, através do citado acórdão de 11/07/2018, processo C-88/17, X Insurance plc, e Y Minerals Oy contra W Services (International) Ltd, ECLI:EU:C:2018:558.

Aí se explicitou que:

Há «que constatar que, no quadro de um contrato de transporte de mercadorias, o lugar de expedição destas apresenta uma conexão estreita com o essencial dos serviços que resultam do referido contrato.
21 Com efeito, no âmbito de um transporte de mercadorias, é no lugar de expedição que o transportador deve executar uma parte importante da prestação de serviço estipulada, a saber, receber as mercadorias, acondicioná-las de maneira adequada e, de maneira geral, protegê-las para não serem danificadas.
22 O cumprimento defeituoso das obrigações contratuais ligadas ao lugar de expedição de uma mercadoria, como, nomeadamente, a obrigação de acondicionamento adequado, pode implicar um cumprimento defeituoso das obrigações contratuais no lugar de destino do transporte.
23 Logo, deve considerar-se como lugar de prestação, no sentido do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 44/2001, que assegura uma conexão estreita entre o contrato de transporte e o órgão jurisdicional competente não apenas o lugar de entrega mas também o lugar de expedição de uma mercadoria.
24 Esta solução responde à exigência de previsibilidade, na medida em que permite, quer ao demandante quer ao demandado, identificar os órgãos jurisdicionais do lugar de expedição e de entrega da mercadoria, tal como indicados no contrato de transporte, como órgãos jurisdicionais que podem ser chamados a decidir (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2014, Nickel & Goeldner Spedition, C-157/13, EU:C:2014:2145, n.º 41)».
Aplicando ao caso concreto a interpretação aí firmada – estando em causa um pedido de indemnização pela perda (ainda que parcial) de mercadoria num contrato de transporte internacional –, o art. 7.º, n.º 2, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados-Membros, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido daquela disposição.
Deste modo, a ré poderá ser demandada para pagamento da peticionada indemnização nos tribunais dos Estados onde, nos termos do contrato, deveria ser prestado o serviço, sendo que quer o lugar de carregamento, como o lugar da entrega da mercadoria se subsumem ao conceito de lugares de prestação do serviço de transporte, nos termos daquele normativo do Regulamento.
Assim, quer por aplicação das regras da Convenção CMR (art. 31º, n.º 1), quer do art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar o presente litígio.
Consequentemente, fica prejudicada, por inutilidade, a apreciação da aferição das normas de direito interno sobre competência internacional dos tribunais portugueses (20).
Termos em que improcede este fundamento da apelação.
*
- Da falta de citação da Ré.

Sustenta a recorrente que, apesar de o Tribunal ter dado por verificado não ter sido devolvido o aviso de receção que acompanhou a citação, o Tribunal recorrido considerou (indevidamente) documentada a sua efetiva entrega ao destinatário, através de uma cópia de um documento interno do serviço postal da Dinamarca.
Isto porque, não tendo sido devolvido o aviso de recepção que acompanha a citação, estava vedado ao tribunal presumir que a citação foi feita regularmente.
Não havendo devolução do aviso de recepção, impunha-se ao tribunal que repetisse nova carta de citação ou pedisse intervenção das autoridades competentes do Estado-Membro do local da citação.
Não pode, por isso, deixar de concluir-se que o acto de citação da Ré foi completamente omitido, o que determina a nulidade de tudo quanto se processou depois da petição inicial, por a Ré não ter sido citada.
Vejamos como decidir.
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender, empregando-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa (n.º 1 do art. 219º do CPC), sendo que este ato deve ser sempre acompanhado de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto (n.º 3 do citado normativo).
A citação tem uma tripla função: de transmissão de conhecimento, de convite para a defesa e de constituição do réu na qualidade de parte, configurando um misto de declaração de ciência e de ato jurídico constitutivo (21).
Com a citação assegura-se o cumprimento do exercício do contraditório e o inerente exercício do direito de defesa (art. 3º, n.ºs 1 a 3 do CPC), implicando, aliás, o ato de citação a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanham, a comunicação de que o réu fica citado para a ação a que o duplicado se refere, a indicação do tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição, bem como a indicação do prazo dentro do qual aquele pode oferecer a sua defesa, a necessidade ou não de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia (arts. 227º e 563º do CPC).
É também pela citação que se concretiza a relação processual, sendo que, por regra, a proposição da ação só produz efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação (art. 259º, n.º 2, do CPC) (22).
Incumbe à secretaria, conforme estatui o art. 226º, n.º 1, do CPC, promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial.
Tratando-se de citação de pessoa colectiva ou sociedade, que tenha sede no estrangeiro, como acontece com a ora apelante, o art. 239°, n.º 1, do CPC (“ex vi” do art. 246º, n.º 1 do mesmo diploma legal) impõe a observância do estipulado nos tratados ou convenções internacionais, estatuindo o seu n.º 2 que, na falta destes, “a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais”.
Logo, estando a ré/recorrente sedeada noutro país da União Europeia, mais propriamente na Dinamarca, há que aplicar o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de actos).
O referido Regulamento é diretamente aplicável em Portugal nos termos do art. 288º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), não dependendo a sua aplicação de um qualquer processo de transposição ou convenção normativa.
E tem sido aplicado desde 13 de novembro de 2008, à citação, notificação e transmissão de documentos em qualquer Estado-Membro, incluindo a Dinamarca (23).
Prevê o art. 1º, n.º 1, do aludido Regulamento que este é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação.

Segundo o décimo sétimo considerando deste Regulamento:

«Cada Estado-Membro deverá ter a faculdade de proceder directamente, pelos serviços postais, à citação ou notificação de actos a pessoas que residam noutro Estado-Membro por carta registada com aviso de recepção ou equivalente».

E o seu art. 14º, sob a epígrafe “Citação ou notificação pelos serviços postais”, estipula:

«Os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou [envio] equivalente».
Segundo este normativo, as citações ou notificações podem ser realizadas por carta registada com aviso de receção ou por qualquer outro meio, desde que este lhe seja equivalente.
Faculta-se o uso da via postal direta, sempre que a mesma seja permitida pelo Direito interno do Estado de origem e se realize com respeito pelo Direito constituído no Estado de destino (24).
O TJUE, sobre uma questão similar à que está em causa nos presentes autos, teve já oportunidade se se pronunciar no acórdão de 2 de Março de 2017 (Décima Secção), processo C354/15, caso A. H. contra Banco ..., SA., ECLI:EU:C:2017:157
Entre outras questões prejudiciais, o Tribunal da Relação de Évora colocou ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:
«1) [U]m Tribunal Português, onde corre processo judicial cível contra cidadão residente em outro Estado Membro da União Europeia, [que tenha] ordenado a citação desse mesmo cidadão, para o referido processo, através de Carta Registada com Aviso de Receção, no caso de não ser devolvido o respetivo Aviso de Receção, […] pode considerar, tendo em conta o […] Regulamento [n.º 1393/2007] e os princípios que lhe estão subjacentes, tal citação como efetuada com base na documentação da Entidade Postal de residência do destinatário da missiva, que comprove a entrega da Carta Registada com Aviso de Receção ao destinatário[?]»
Pronunciando-se sobre a questão colocada o TJ aduziu a seguinte fundamentação:
«70 (…) o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida, mesmo que o aviso de receção da carta registada não tenha sido devolvido ao remetente e se verifique que o correio foi recebido não pelo destinatário do ato mas por terceiro.
71 (…) há que salientar, antes de mais, que o Regulamento n.° 1393/2007 prevê de maneira exaustiva diferentes meios de citação e notificação dos atos judiciais, cujas regras aplicáveis enuncia, sem, no entanto, estabelecer uma hierarquia entre eles (v., neste sentido, acórdãos de 9 de fevereiro de 2006, Plumex, C-473/04, EU:C:2006:96, n.ºs 20 a 22, e de 19 de dezembro de 2012, Alder (C-325/11, EU:C:2012:824, n.ºs 31 e 32). Um desses meios de transmissão é o realizado pelos serviços postais, em causa no processo principal, que é objeto essencialmente do artigo 14.° do referido regulamento.
72 Como o Tribunal de Justiça já declarou, as disposições do Regulamento n.° 1393/2007 devem ser interpretadas de maneira a garantir, em cada caso concreto, um justo equilíbrio entre os interesses do demandante e os do demandado, destinatário do ato, conciliando os objetivos de eficácia e de celeridade da transmissão dos atos processuais com a exigência de assegurar a proteção adequada dos direitos de defesa do destinatário desses atos, isto através, nomeadamente, da garantia de uma receção real e efetiva desses mesmos atos (acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C-519/13, EU:C:2015:603, n.° 33 e jurisprudência referida).
73 Estas últimas exigências são particularmente importantes no que respeita, como no processo principal, à citação de um ato que dá início à instância, na medida em que se impõe que o destinatário do ato seja informado da existência de uma ação judicial proposta contra si noutro Estado-Membro e compreenda o sentido, o alcance e as modalidades processuais, nomeadamente em matéria de prazos, da ação proposta contra ele, para que se possa defender utilmente.
74 No que respeita (…) à circunstância de o aviso de receção da carta registada que continha a citação do ato que dá início à instância não ter sido devolvido ao órgão que, no Estado-Membro de origem, mandou efetuar essa citação, há que observar que o Regulamento n.° 1393/2007 prevê, no seu artigo 14.°, que a citação ou notificação, pelos serviços postais, de um ato judicial a uma pessoa que resida noutro Estado-Membro é efetuada, em princípio, por carta registada com aviso de receção.
75 Com efeito, o legislador da União considerou que essas formalidades eram suscetíveis de oferecer ao destinatário a garantia de que recebe efetivamente o envio registado que contém o ato citado e de constituir para o remetente uma prova fiável da regularidade do procedimento.
76 Mais particularmente, um correio registado permite acompanhar as diferentes etapas do seu envio ao destinatário. Por seu lado, o aviso de receção, que é preenchido no momento em que o destinatário, ou, sendo caso disso, o seu representante, recebe o correio, contém a indicação da data e do local da entrega, da qualidade da pessoa que recebeu esse correio e a sua assinatura. Em seguida, o aviso de receção é devolvido ao remetente, levando, assim, estes elementos ao seu conhecimento e permitindo-lhe prová-los em caso de impugnação.
77 Por conseguinte, o aviso de receção da carta registada constitui um elemento de prova da receção do ato judicial citado ou notificado pelo seu destinatário no Estado-Membro requerido bem como das modalidades de entrega desse ato.
78 Todavia, como resulta da própria redação do artigo 14.° do Regulamento n.° 1393/2007, uma citação ou notificação pelos serviços postais não tem necessariamente de ser efetuada por carta registada com aviso de receção.
79 Com efeito, a referida disposição precisa que se pode igualmente proceder a semelhante citação ou notificação através de um «[envio] equivalente» a uma carta registada com aviso de receção.
80 Para determinar o sentido e o alcance dos termos «[envio] equivalente», na aceção desse artigo 14.°, há que precisar que decorre da finalidade da referida disposição, como descrita nos n.ºs 75 a 77 do presente acórdão, que pode ser qualificado de «[envio] equivalente» qualquer meio de citação ou notificação de um ato judicial e da prova desta que ofereça garantias comparáveis às de um envio por carta registada no correio com aviso de receção.
81 Mais precisamente, o meio alternativo de transmissão do ato deve apresentar o mesmo nível de certeza e de fiabilidade que uma carta registada com aviso de receção, no que respeita tanto à receção do ato pelo seu destinatário como às circunstâncias desta.
82 Com efeito, no interesse da celeridade dos processos judiciais, há que garantir, na medida do possível, que o destinatário receba efetivamente o ato objeto de citação ou notificação e que essa receção possa ser demonstrada de maneira fiável pelo remetente.
83 Em caso de litígio, incumbirá, assim, ao remetente demonstrar, através dos elementos materiais relativos à transmissão do ato, a regularidade do procedimento de citação ou notificação, devendo o órgão jurisdicional do Estado-Membro de origem apreciar a pertinência desses elementos tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso.
84 Daqui resulta que o facto de, no caso em apreço, o aviso de receção não ter sido devolvido não é, enquanto tal, suscetível de viciar o procedimento de transmissão por via postal, podendo esta formalidade ser substituída por um documento que ofereça garantias equivalentes.
85 O órgão jurisdicional de reenvio do Estado-Membro de origem, chamado a pronunciar-se, deverá, no entanto, garantir que os elementos de prova invocados para esse efeito demonstram que o destinatário recebeu a citação ou a notificação do ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa».

E, com base nos fundamentos expostos, declarou o Tribunal de Justiça que:

- O «Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida mesmo que:
– o aviso de receção da carta registada que contém o ato objeto de citação ao seu destinatário tenha sido substituído por outro documento, na condição de este último oferecer garantias equivalentes em matéria de informações transmitidas e de prova. Incumbe ao órgão jurisdicional do Estado-Membro de origem, chamado a pronunciar-se, certificar-se de que o destinatário recebeu o ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa» (25).

Revertendo ao caso concreto, e como bem se decidiu no despacho datado de 27/09/2018 (cfr. fls. 127), constata-se que, «apesar de não ter sido devolvido o aviso de receção que acompanhou a citação, mostra-se documentada a sua efetiva entrega ao destinatário, por cópia do documento interno do país de destino com assinatura do recetor da citação, aposta no momento da entrega (cfr. fls. 118, traduzida a fls. 125-126)», sendo que tal receção ocorreu a 08/05/2018.
A referida declaração certificativa da entrega ao destinatário do aviso de receção que acompanhou a citação, dado provir dos serviços postais do país destinatário, oferece garantias equivalentes em matéria de informações transmitidas e de prova da sua efetivação.
Na verdade, visando a devolução do A/R comprovar a entrega da citação ao destinatário, por via da assinatura do destinatário ou de quem a recebeu, e a data em que tal ocorreu, em nosso entender, o documento de fls. 118 supre o extravio do A/R, pois o aludido documento comprova a entrega no domicílio do destinatário da respetiva missiva e a data e hora em que ocorreu, contendo ainda a assinatura de quem recebeu a citação (26).
Acresce que não resultam demonstrados nos autos factos que infirmam a veracidade daquele declaração, designadamente que o destinatário não recebeu o objecto postal (citação) enviado com aviso de recepção ou que não chegou a ter conhecimento do ato de citação, por facto que lhe não é imputável (27).
Nesta conformidade, não obstante se ter por verificada a não devolução do aviso de receção que acompanhou a citação, não se impunha ao tribunal recorrido que repetisse nova carta de citação ou pedisse intervenção das autoridades competentes do Estado-Membro do local da citação. Isto porque, considerando o documento interno do país de destino e a declaração que dele consta que documentou a efetiva entrega do ato de citação ao destinatário, sendo subsumíveis à parte final do art. 14º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 (meio alternativo ou equivalente de transmissão do ato), são os mesmos suscetíveis de oferecer o mesmo nível de certeza e de fiabilidade que a assinatura aposta no aviso de receção que acompanha a carta registada de citação, no que respeita tanto à receção do ato pelo seu destinatário como às circunstâncias desta.
Deste modo, é de concluir que a ré foi regulamente citada, inexistindo fundamento de anulação de todo o processado após a petição inicial por falta de citação.
Julga-se, por conseguinte, improcedente este fundamento da apelação.
*
- Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

3.1. A Apelante considera incorretamente julgados os factos considerados assentes [por confissão e com reforço na prova documental de fls. 12-48 verso) sob os itens 1, 2, 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da fundamentação de facto.

Com vista à apreciação da impugnação deduzida importa, antes de mais, ter presente que, prevendo sobre os efeitos da revelia, o n.º 1 do art. 567.º do CPC estipula:

«Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor».
Por sua vez, estatui a al. d) do art. 568.º do CPC, que não se aplica o disposto no artigo anterior quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
Conforme resulta daquele normativo, por princípio, a falta de contestação do réu leva a que se considerem confessados os factos articulados pelo autor, sendo que este regime tem lugar quando o réu, apesar de não contestar, tenha sido ou deva considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa, permanecendo em revelia absoluta (28).
O efeito deste comportamento omissivo do réu é a chamada confissão tácita ou ficta, a qual se basta com a própria inércia do demandado.
Nesse caso, e sem prejuízo das exceções referidas no art. 568º do CPC, não tendo o réu contestado e considerando-se confessados os factos alegados pelo autor, restará apenas decidir a causa “conforme for de direito” (n.º 2 in fine). Com efeito, confessados que passam a ter-se os factos articulados na petição inicial, deixa de haver controvérsia nessa sede, limitando-se a questão à valoração jurídica desses mesmos factos.
Todavia, a revelia não opera quando se trate de factos para prova dos quais se exija documento escrito. Se por lei (art. 364º do CC) ou por convenção das partes (art. 223º do CC) for imposta determinada forma para a validade (requisito ad substantiam) ou prova (requisito ad probationem) de declarações negociais, a lei do processo não pode permitir que a eventual falta de contestação conduza a um resultado contrário ao exigido pela lei substantiva ou pela convenção. Neste caso, a falta de contestação implica a confissão de todos os factos articulados pelo autor, salvo aquele que efectivamente careçam de prova documental para a sua demonstração.
*
3.2. Factos 1 e 2 da lista dos factos assentes.

Sendo a Autora e a Ré duas sociedades dinamarquesas é de subscrever a posição explicitada, nas contra-alegações, pela recorrida no sentido de a sua constituição e funcionamento se regerem pela lei dinamarquesa (art. 3º, n.º 1 do CSC), não lhes sendo aplicável o Código das Sociedades Comerciais português.
Acresce que para a demonstração dos mencionados factos referentes à sede e ao objeto de atividade das respetivas sociedades a lei não exige formalidade especial, nem pressupõe que só possam ser provados por documento escrito, não se subsumindo ao art. 364.º do CC.
Aliás, quanto ao item 2 dos factos provados, é a própria procuração forense junta aos autos pela recorrente que atesta que esta empresa está sedeada na Dinamarca (cfr. fls. 167 v.º).
E, nas alegações de recurso, a propósito da arguição da excepção de incompetência internacional, é a própria Ré a reconhecer (como premissa indispensável à verificação daquela exceção) que ambas as empresas estão sedeadas na Dinamarca.
Nesta conformidade, improcede a impugnação em apreço.
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Factos 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da fundamentação de facto.

Relativamente aos factos em apreço é irrelevante que os documentos juntos tendentes à sua demonstração não se mostrem redigidos na língua portuguesa, mas sim (alguns) em língua inglesa e (outros) em língua dinamarquesa.
Desde logo porque, não tendo sido apresentada contestação e mostrando-se a ré regularmente citada, independentemente da junção, ou não, daqueles documentos, aqueles factos têm-se imediatamente como confessados, por força do funcionamento da cominação prevista no n.º 1 do art. 567º do CPC. Dito por outras palavras, ainda que a autora não tivesse carreado aos autos documentos com vista à demonstração daquela facticidade e uma vez que não se trata de factos para cuja prova se exija documento escrito, sempre os mesmos se teriam como confessados, mercê da revelia operante.
Por outro lado, nos termos do estatuído no n.º 1 do art. 134º do CPC, “[q]uando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte”.
Tem-se entendido que a tradução dos documentos escritos em língua estrangeira não é obrigatória, apenas se impondo, quando necessário, não sendo o caso quando se trata de uma língua em geral acessível ao comum dos falantes da língua portuguesa, como é o caso da língua inglesa.
Ora, no caso o Tribunal recorrido bastou-se com os documentos juntos sem a respectiva tradução, o que tem implícito um juízo de desnecessidade da sua tradução.
Na verdade, tendo em conta o regime normativo que vigora para a apresentação de documentos redigidos em língua estrangeira, afigura-se-nos que se o juiz entender que a sua valoração fica dependente da junção da respetiva tradução, deverá ordenar ao apresentante a sua junção e só no caso deste não acatar tal determinação é que poderá retirar consequências desse comportamento omissivo. Abstendo-se de proferir aquele despacho ordinatório, parte-se do pressuposto que tal junção da tradução não se mostrou necessária.
Daí que, também por aqui, sempre seria de improceder a impugnação em apreço.
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Factos 11 e 12 da fundamentação de facto.

Defende a apelante que os aludidos pontos consubstanciam juízos de valor ou meras conclusões, concretamente, os vocábulos “perto” e “fácil”, pelo que devem ser desconsiderados e tidos por não escritos.

Os pontos de facto impugnados têm o seguinte teor:

«11. O condutor podia ter pernoitado em 2 parques vigiados perto da área/parque de estacionamento que escolheu para pernoitar, sabendo-se que um desses parques vigiados até tinha grades delimitativas da zona de estacionamento.
12. O atrelado era de lona, de fácil corte».

Ressalvando o respeito sempre devido por entendimento contrário, afigura-se-nos que os enunciados vocábulos incorporados nos pontos fácticos provados corporizam (ainda) factos enquanto «ocorrências concretas da vida real», não se traduzindo em meros juízos conclusivos ou valorativos.
Significando o advérbio “perto” “a pouca distância, próximo” (29) e o adjectivo “fácil” “o que se faz sem dificuldade, simples, acessível” (30), conceitos estes que são comummente utilizados e apreendidos e que permitem uma apreensão unívoca pela generalidade das pessoas, sendo certo que não reproduzem a previsão de qualquer norma em discussão nos autos que constitua o objeto do litígio, nem contém em si a decisão da própria causa, afigura-se-nos plausível aceitar aqueles vocábulos para efeitos da sua integração nos factos confessados, com o significado comum que os mesmos comportam.

Como refere Abrantes Geraldes (31), em face “da integração numa única peça processual da decisão da matéria de facto e da respetiva integração jurídica, segundo o método pendular que implica a ponderação conjugada de elementos de facto e de questões de direito, é de defender uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja matéria de direito ou matéria conclusiva que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso”.

Termos em que improcede (também) este ponto da apelação.
*
Em suma, impõe-se-nos concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
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- Se a indemnização a pagar pela Ré/Apelante à Autora/Apelada está sujeita ao limite fixado no n.º 3 do art. 23º da Convenção CMR.
As partes não discutem, nem se suscitam dúvidas, de que estamos em presença de um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, ao qual se aplica o regime previsto na Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), assinada em Genebra em 19/05/1956, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 46 235, de 18/03/1965, que entrou em vigor em 21/12/1969 e foi objeto de alteração através do Protocolo de Genebra, aprovado pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro.
Tal Convenção aplica-se, segundo o seu art. 1º, n.º 1, a “todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes”.
Dada a matéria de facto apurada, também não vemos motivo para alterar aquela qualificação jurídica.
O contrato de transporte em geral é, essencialmente, uma convenção por via da qual alguém se obriga perante outrem, mediante um preço, a realizar, por si ou por terceiro, a mudança de pessoas e coisas de uma para outra localidade, dele resultando, no que concerne ao obrigado, uma típica obrigação de resultado, e não meramente de meios. Obriga-se a fazer chegar as pessoas e coisas incólumes ao local de destino (32).
Quando o local de expedição e de destino da mercadoria forem países diferentes, deparamo-nos com um contrato de transporte internacional de mercadorias.
A falta de entrega da mercadoria configura incumprimento contratual e pode dever-se a perda, furto, destruição, morte do animal, incêndio, queda, derrame, extravio, retenção, arresto, penhora, ou qualquer outro ato da autoridade ou de terceiro (33).
A recorrente, na apelação, insurge-se contra o decidido na sentença recorrida na parte em que julgou não aplicável ao caso o limite indemnizatório previsto no n.º 3 do art. 23º da Convenção CMR e decidiu antes aplicar o princípio da reparação integral dos danos verificados, de acordo com a teoria da diferença, em conformidade com o previsto no art. 29º, n.º 1, da aludida Convenção, por entender que aquele limite se não aplica quando o dano emergente da perda da mercadoria haja resultado de atuação dolosa do transportador ou de falta a si imputável e que, segundo a jurisdição do país julgador, seja considerada equivalente ao dolo,
Aduz para o efeito (a recorrente) que a negligência consciente não pode (nem deve) ser equiparável ao dolo para efeitos de excluir o limite de responsabilidade fixado no n.º 3 do art. 23º da Convenção CMR, por aplicação do disposto no n.º 1 do art. 29º da mesma Convenção, pelo que a indemnização arbitrada pelo Tribunal “a quo” jamais poderia ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta, em conformidade com o estipulado naquele normativo.
Decidindo.
Está provado que a ré é uma empresa de transportes e logística, sendo que a empresa M. APS acordou com ela, que aceitou, efetuar o serviço de transporte da referida mercadoria desde Esmeriz, Portugal, até Copenhaga, Dinamarca, mediante o pagamento de um frete, tendo sido a K. quem efetuou materialmente o transporte (pontos 2, 5 e 16 dos factos provados). Resulta também provado que, das 26.504 peças de vestuário embaladas em 808 cartões, que deveriam ter sido entregues à M., em Copenhaga, só chegaram ao destino 16.082 peças em 515 cartões, tendo as restantes sido furtadas no decurso da viagem (pontos 6, 7, 10 e 15 dos factos provados).
Não obstante a prova de o transporte ter sido materialmente efetuado pela K. (34), este facto não exime a ré de responsabilidade, enquanto transportador contratual ou de direito propriamente dito, visto que, nos termos do disposto no art. 3º da CMR, o transportador responde, como se fossem cometidos por ele próprio, pelos atos e omissões dos seus agentes e de todas as outras pessoas a cujos serviços recorre para execução do transporte, quando esse agente ou essas pessoas atuam no exercício das suas funções.
Nas prestações de resultado, como acontece no contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, em que o transportador se encontra obrigado a alcançar o efeito útil contratualmente previsto (35) [ou seja, a deslocação incólume das mercadorias desde a sua receção até à entrega ao destinatário] (36), basta ao credor demonstrar a não verificação desse resultado, ou seja, a não entrega da mercadoria pelo transportador, no local e tempo acordados, para se estabelecer o incumprimento do devedor responsabilidade (art. 17.º, n.º 1, da CMR). Por sua vez, cabe ao transportador a prova de que a perda, a avaria ou a demora teve qualquer uma das causas tipificadas que o isenta de responsabilidade (arts. 18.º, n.º 1, e 17.º, n.ºs 2 e 4, da CMR).
Significa isto que, ocorrendo uma situação de incumprimento contratual por parte do transportador, este apenas responderia, nos termos gerais, no caso de ter atuado com culpa (art. 799º do CC). Todavia, no âmbito do contrato de transporte de coisas mostra-se consagrada uma presunção de culpa do transportador: entre o momento da recepção e da entrega das coisas transportadas, o transportador responde pela respectiva perda, avaria ou atraso, salvo quando prove que estes resultaram de caso fortuito, força maior, vício do objecto ou culpa do expeditor ou destinatário (arts. 18º, n.º 1, da CMR) (37).
Contudo, em face da improcedência da impugnação da matéria de facto, também não está em dúvida a responsabilidade da transportadora contratual (recorrente), nos termos do disposto no n.º 1 do art. 17º da CMR, o qual prescreve que o “transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento de carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora da entrega” (38).
A divergência essencial da ré em relação à sentença recorrida encontra-se antes na medida da indemnização devida; mais concretamente, defende a apelante que deverá ser dada como preenchida a previsão do n.º 3 do art. 23º da CMR, de modo a que o transportador possa beneficiar da limitação ali prevista para a obrigação de indemnizar e para o montante indemnizatório.

O citado normativo, que estabelece um regime específico de indemnização por perdas e dano, prescreve:

1. Quando for debitado ao transportador uma indemnização por perda total ou parcial da mercadoria, em virtude das disposições da presente Convenção, essa indemnização será calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que for aceite para transporte.
2. O valor da mercadoria será determinado pela cotação na bolsa, ou, na falta desta, pelo preço corrente no mercado, ou, na falta de ambas, pelo valor usual das mercadorias da mesma natureza e qualidade.
3. *A indemnização não poderá, porém, ultrapassar 8.33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta.
(…)”.
No entanto, o art. 29º da CMR ressalva que o “transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”.
Mas o que se deve entender por falta equivalente ao dolo, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso? Será que, para efeitos do disposto no art. 29º da CMR, a negligência grosseira pode ser equiparada ao dolo ?
A questão é extremamente relevante porquanto, a não se estar perante uma atuação dolosa ou equivalente a uma tal conduta, a indemnização não poderá “ultrapassar 8.33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta”; na hipótese contrária, a indemnização deve reparar integralmente os danos (segundo a teoria da diferença).
A jurisprudência não tem sido uniforme quanto à questão de saber se, no caso da transportadora da mercadoria ter agido negligentemente, o responsável responde pela totalidade ou parte dos danos.

Resumidamente, sobre o tema podemos elencar duas posições distintas:

i) uma primeira, tem recusado a aplicação do art. 29.º do CMR, por considerar que se não for provada a prática de conduta dolosa, mas tão só negligente, as causas exonerativas e limitativas da responsabilidade não devem ser excluídas, estribando-se para o efeito no facto de o nosso ordenamento jurídico não permitir a equiparação entre dolo e negligência.

A esse propósito, segundo o Ac. do STJ de 06.07.2006 (relator Oliveira Barros), in www.dgsi.pt., na esteira do acórdão do STJ de 17.05.2001 (relator Nascimento Costa), in CJ, T. II, p. 91, no caso de desaparecimento da mercadoria transportada as regras dos arts. 17.º e 23.º da C.M.R. só seriam de excluir se fosse permitido “(…) concluir com segurança que esse desaparecimento (das mercadorias) tenha resultado de acto voluntário do pessoal ao serviço da transportadora, susceptível de justificar o afastamento desse regime-regra (…)”, pois só nos casos de dolo ou falta equivalente – como sucede em ordenamento jurídico que tal contemple, como o francês, no caso da denominada negligência grosseira (faute lourde) – por parte do transportador, seria de aplicar art. 29.º da C.M.R.; no direito português, a equiparação da negligência grosseira ao dolo apenas teria surgido, pontualmente, como novidade, com a reforma processual civil operada em 1995/96, para o restrito efeito de condenação por litigância de má fé (cfr. art.456º CPC ), pelo que, havendo mera culpa do transportador, responderia este dentro dos limites estabelecidos no n.º 3 do art. 23º da CMR (39).
i) uma segunda posição, expressa por exemplo no Acórdão do STJ de 14/06/2011 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt., onde se entendeu que “uma falta que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso seja considerada equivalente ao dolo, como acontece com a jurisdição nacional, não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu”.
Esta jurisprudência vem sendo predominantemente seguida no Supremo Tribunal de Justiça, como se evidencia no acórdão do STJ de 5/06/2012 (relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt., no qual se decidiu que uma «falta que, segundo a lei portuguesa, seja considerada equivalente ao dolo, para efeito do art. 29, nº 1, da CMR, não pode deixar de ser, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa em sentido lato».
De igual modo, no Acórdão do STJ de 15/05/2013 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt., foi explicitado tratar-se de duas modalidades de culpa lato sensu, sendo certo que tal equivalência a nível contratual flui logo do art. 798º do Código Civil, em que para existir responsabilidade contratual é indiferente uma conduta dolosa ou negligente, apenas se exigindo como pressuposto a culpa lato sensu.
E, nos termos do mais recente Acórdão do STJ de 30/04/2019 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt., de “forma expressa e genérica – artigo 494º do Código Civil –, a lei portuguesa apenas prevê no âmbito da responsabilidade extra-contratual que o julgador possa fixar uma indemnização em montante inferior aos danos causados, segundo a equidade e atendendo a certos critérios que enumera – entre os quais se encontra o grau de culpabilidade do lesante –, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa; mas não se pode ignorar que o mesmo Código Civil considera relevante a distinção entre dolo e negligência em outros casos de responsabilidade contratual (cfr. os exemplos indicados por Antunes Varela, op. e vol. cits., pág. 99: “artigos 814º e 815º (mora do credor); 835º, 1, al. a) (exclusão da compensação); 956º e 957º (responsabilidade do doador); 1134º (responsabilidade do comodante); 1151º (responsabilidade do mutuante), sendo naturalmente de responsabilidade contratual que estamos a falar, no caso; nem que o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado por diversas vezes que a possibilidade de redução da indemnização, prevista no artigo 494º do Código Civil, é também aplicável no domínio da responsabilidade contratual” (40).
O fundamento em que se estriba esta segunda concepção enfatiza, assim, o princípio basilar erigido no nosso sistema jurídico de que também a mera culpa está abrangida pelo juízo de reprovabilidade que se erige como pressuposto da responsabilidade.
Propendemos para esta última corrente jurisprudencial porque julgamos ser a que melhor se coaduna com a letra e espírito da Convenção.
Na verdade, diremos – socorrendo-nos da fundamentação explicitada no citado Ac. da RP de 26/06/2014 (relator Araújo Barros), in www.dgsi.pt. – que a equiparação entre dolo e mera culpa constante do nº 1 do artigo 483º do Código Civil é princípio que, embora apenas expressamente formulado por referência à responsabilidade civil extracontratual, se estende seguramente à responsabilidade contratual, abrangendo o conceito de “falta culposa” aludido no artigo 798º daquele código. Ninguém podendo seriamente sustentar que resulte elidida a presunção do nº 1 do artigo 799º, relativa à culpa do devedor que falta ao cumprimento da prestação, com a demonstração por este de que esse incumprimento não resultou de acto seu doloso mas tão só negligente. Como expressamente se fez constar do nº 2 do mesmo preceito - «a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil». Remissão inequívoca para os preceitos do nº 1 do artigo 483º e do nº 2 do artigo 487º. Ou seja, «dolo ou mera culpa», a ser «apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso». Nas palavras de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 4ª Edição, II Vol., pág. 96, “quer isto dizer que vigoram para a responsabilidade contratual, tanto os critérios de fixação da inimputabilidade estabelecidos no artigo 488º, como o princípio básico de que a culpa do devedor se mede em abstracto, tendo como padrão a diligência típica de um bom pai de família, e não em concreto, de acordo com a diligência habitual do obrigado, ao contrário do que preconizava a doutrina dominante em face do Código de 1867”. Assim, ao conceito genérico de culpa para efeitos civis não interessa a distinção entre dolo e negligência que, atendendo aos momentos intelectivo e volitivo, estabelece uma graduação que vai do dolo directo à negligência inconsciente. Antes relevando como seu critério delimitativo, dentro da mera culpa, a referida diligência do bonus pater familias.
Julgamos, por outro lado que, ao complementar no referido nº 1 do artigo 29º o “dolo” do transportador com outra “falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”, o legislador da Convenção CMR quis remeter para a ordem jurídica nacional a definição do nexo de imputação ao agente da responsabilidade efectivamente apurada”, apenas “deixando de lado os casos em que a mesma se não tenha conseguido estabelecer”.
Nesse circunstancialismo residual, em que se não consiga apurar factos tendentes à responsabilização do transportador, “segundo a lei da jurisdição que julgar o caso”, este continuará todavia a ser responsabilizado, com os limites estabelecidos no nº 3 do artigo 23º, se não provar nenhuma das circunstâncias de tal excludentes, previstas no nº 2 do artigo 17º - que a perda, avaria ou demora teve por causa “uma falta do interessado”, “uma ordem deste que não resulte de falta do transportador”, “um vício próprio da mercadoria” ou “circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar”.
Com efeito, não poderá perder-se de vista que, no âmbito da atividade transportadora, o transporte é realizado por profissionais, que como tais têm um dever acrescido de realizar o transporte observando todas as precauções e diligências necessárias ao completo e perfeito transporte das mercadorias, prevendo eventuais situações de risco que podem surgir e que, por serem profissionais da arte, compete-lhes saber evitá-los, agindo de acordo com os interesses do expedidor.
Donde se entenda que, perante circunstâncias que evidenciem um comportamento de tal forma grave e temerário do transportador, um comportamento revestido de negligência consciente e de culpa grave deverá ser aplicado o brocardo culpa lata dolo aequiparatur, e consequentemente quer o transportador quer os seus empregados, agentes, representantes e outras pessoas a quem recorra para a execução do contrato vejam afastadas as causas que excluem ou limitam a sua responsabilidade (41).
Revertendo ao caso dos autos resulta provado que, durante a viagem, no dia 23.07.2016, em Espanha, o condutor fez uma paragem num local na “Route …”, auto-estrada N-1 ..., para pernoitar, mais concretamente, numa área de descanso que não tinha videovigilância, não vigiado ou guardado.
Enquanto o condutor pernoitava no referido local, desconhecido(s) acedeu(ram) ao camião e levou(aram) 293 cartões com peças de vestuário.
Sucede que o condutor podia ter pernoitado em 2 (dois) parques vigiados perto da área/parque de estacionamento que escolheu para pernoitar, sabendo-se que um desses parques vigiados até tinha grades delimitativas da zona de estacionamento.
O atrelado era de lona, de fácil corte, sendo que apenas a porta do reboque era de metal.
E o condutor sabia que a mercadoria não estava segura.
No caso mostram-se, pois, apuradas as circunstâncias concretas em que o desaparecimento da mercadoria transportada ocorreu.
Delas se conclui que a atuação do motorista/transportador configura uma conduta grosseiramente negligente ou temerária.
Com efeito, não foi sequer apresentada qualquer justificação para o condutor ter efetuado a paragem, para pernoitar, numa área de descanso que não tinha videovigilância, não vigiado ou guardado, quando podia ter pernoitado em 2 (dois) parques vigiados situados perto da área/parque de estacionamento que escolheu para pernoitar, sabendo-se que um desses parques vigiados até tinha grades delimitativas da zona de estacionamento. Por não ter sido alegado, nem sequer é possível ponderar que não era exigível que o motorista estacionasse o camião num desses dois parques vigiados, por a procura desses parques levar ao incumprimento das horas de condução e/ou de descanso legalmente estabelecidas.
Acresce que o condutor sabia que a mercadoria não estava segura.
Ora, ao ali pernoitar, nas circunstâncias apuradas, demonstrou uma atuação imprudente, não zelosa e não correspondente à diligência que seria exigível a um motorista ciente das responsabilidades e perigos que a sua conduta poderia despoletar para a carga, afastando-se assim do exigível ao bonus pater familiae – art. 487.º, n.º 2, do CC.
Por outro lado, a ré (transportador contratual) não logrou provar que adotou todos os cuidados que a situação concreta lhe impunha para cumprir a obrigação de resultado de que se incumbira, que consistia em transportar a totalidade da mercadoria, tal como a tinha recebido, até ao local do destino, pois só com a entrega da totalidade dessa mercadoria ao destinatário se poderá considerar cumprido o contrato de transporte. Enquanto permanecesse à sua guarda cumpria ao transportador usar das precauções devidas para evitar a perda (ainda que parcial) da mercadoria, pelo que descurou os deveres de vigilância e cuidado na manutenção da mercadoria, que não podia ignorar.
A recorrente (e o motorista) não podia ignorar a frequência de assaltos a cargas transportadas em veículos de transporte internacional, sendo certo que não foram tomadas todas as providências que a situação exigia e que um bonus pater famílias, nas mesmas circunstâncias, tomaria.
Daí que seja de sufragar a conclusão retirada na sentença recorrida no sentido de que “a transportadora não tomou as providências que se revelaram as mais apropriadas para cumprir o encargo que lhe fora cometido de efetuar a deslocação incólume da mercadoria para o destinatário, em condições de integral satisfação, omitindo os esforços exigíveis de que, também, não se absteria um bom pai de família, não podendo ter deixado de admitir como possível o desaparecimento da mesma pelo furto, embora tenha confiado, levianamente, de que tal não se verificaria”.
Ao transportador impõe-se a guarda e a conservação da mercadoria, protegendo-a da ação dos elementos da natureza ou de terceiros, tal como o faria um profissional experiente, conhecedor e responsável, com o padrão de diligência adotado por um bonus pater famílias.
Não tendo a ré provado factos suficientes para provar a inevitabilidade do furto e, consequentemente, que este constitua caso fortuito, é responsável pela perda parcial dos artigos em falta, cujo transporte foi confiado à sua guarda, com o inevitável incumprimento contratual, presumindo-se a sua culpa que não logrou ilidir.
Entende-se, pois, que, no caso, é inaplicável a limitação de responsabilidade constante do n.º 3 do artigo 23º da CMR, devendo a indemnização reparar integralmente os danos (segundo a teoria da diferença), o que no caso equivale ao valor da perda da mercadoria desaparecida, visto aquela pretensão estar afastada pelo art. 29º da Convenção CMR.
Isto porque – como se decidiu no Acórdão do STJ de 30/04/2019 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt. –, «o seu carácter “grosseiramente (…) temerário” sempre impediria a sua distinção do dolo, mesmo aplicando o disposto no artigo 494º do Código Civil; ou seja, mesmo considerando que a lei portuguesa não equipara necessariamente o dolo e a negligência para efeitos de cálculo da indemnização, em caso de responsabilidade contratual». Esta decisão não significa que se tenha concluído ter sido dolosa a atuação do motorista e, consequentemente, que a responsabilidade da transportadora recorrente assente em dolo; «antes quer dizer que, mesmo que se entenda que a lei portuguesa permite distinguir o dolo e a negligência para efeitos de cálculo da indemnização, também na responsabilidade contratual, o grau de culpabilidade, no caso, exclui essa possibilidade».
Deste modo, improcedendo as conclusões, é de negar a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, a qual não violou qualquer disposição legal, designadamente as especificadas pela recorrente.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - O litígio emergente de um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada pode ser abrangido tanto pelo âmbito de aplicação da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), como pelo do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que versa sobre a competência judiciária, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria civil e comercial.
II - Decorre do art. 31º, n.º 1, da Convenção CMR que, para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à referida Convenção, o demandante pode escolher entre os órgãos jurisdicionais do país em que o demandado tem a sua residência habitual, os do país do carregamento da mercadoria transportada ou os do lugar previsto para a sua entrega, e só poderá recorrer a essas jurisdições
III - A regra de competência especial em matéria de prestação de serviços, prevista no artigo 7º, n.º 2, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, designa como competente o órgão jurisdicional do «lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados».
IV - Em conformidade com a interpretação feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão de 11/07/2018, processo C-88/17, X Insurance plc, e Y Minerals Oy contra W Services, estando em causa um pedido de indemnização pela perda (ainda que parcial) de mercadoria num contrato de transporte internacional, o art. 7.º, n.º 2, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados-Membros, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido daquela disposição.
V – Quer por aplicação das regras da Convenção CMR (art. 31º, n.º 1), quer do disposto no art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciação da ação em que uma empresa dinamarquesa demanda outra empresa dinamarquesa, a fim de obter desta uma indemnização pela perda (parcial) da mercadoria transportada, dado a mercadoria em causa ter sido carregada em Portugal.
VI – Estando em causa a citação de pessoa coletiva ou sociedade, sedeada noutro país da União Europeia, mais propriamente na Dinamarca, em conformidade com o estipulado no art. 239°, n.º 1, do CPC (“ex vi” do art. 246º, n.º 1 do mesmo diploma legal), há que aplicar o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos).
VII – Nos termos do art. 14º Regulamento n.º 1393/2007, «Os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou [envio] equivalente».
VIII – Uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida mesmo que o aviso de receção da carta registada que contém o ato objeto de citação ao seu destinatário tenha sido substituído por outro documento, na condição de este último oferecer garantias equivalentes em matéria de informações transmitidas e de prova, incumbindo, porém, ao órgão jurisdicional do Estado-Membro de origem, chamado a pronunciar-se, certificar-se de que o destinatário recebeu o ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa (cfr. acórdão do TJUE de 2/03/2017, processo C354/15, caso A. H. contra Banco ..., SA.).
IX – Visando a devolução do A/R comprovar a entrega da citação ao destinatário, por via da assinatura do destinatário ou de quem a recebeu, e a data em que tal ocorreu, uma declaração certificativa da data e entrega ao destinatário do aviso de receção que acompanhou a citação, com menção da assinatura do recetor da citação aposta no momento da entrega, proveniente dos serviços postais do país destinatário, supre o extravio do A/R, pois o aludido documento comprova a entrega no domicílio do destinatário da respetiva missiva e a data e hora em que ocorreu.
X – O transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega.
XI – O incumprimento do contrato de transporte consubstancia um facto ilícito.
XII – No caso de perda parcial da mercadoria transportada, o transportador, com comportamento revestido de negligência consciente e de culpa grave, não beneficia da exclusão ou limitação da responsabilidade civil prevista na Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR).
XIII – A indemnização compreende o valor da perda da mercadoria desaparecida.
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VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante.
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Guimarães, 14 de novembro de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 198.
2. Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra Editora, p. 111, Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 91, Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e a Incompetência dos Tribunais Comuns, 3ª ed., p. 139; Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, 1999, Coimbra Editora, vol. I, p. 129, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 92, Mariana França Monteiro, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Coleção Teses, Almedina, pp, 183, 184, 507 e 508.
3. Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 91.
4. Cfr. Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 173.
5. Cfr. obra citada, p. 174.
6. Cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Justiça da União Europeia de 8.09.2010, no processo C-409/06 (Winner Wetten GmbH contra Bürgermeisterin der Stadt Bergheim), publicado na Colectânea de Jurisprudência 2010-I-08015.
7. Cfr. Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional, II, Coimbra Editora, 2007, p. 146.
8. Este regulamento vigora desde 10 de janeiro de 2015 e revogou o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, que, por sua vez, substituíra (parcialmente), desde 1/03/2002 a Convenção de Bruxelas de 27/09/1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
9. Cfr., neste sentido, acórdãos Apostolides, C-420/07, EU:C:2009:271, n.° 41 e jurisprudência referida; Cartier parfums-lunettes e … Corporate Solutions Assurance, C-1/13, EU:C:2014:109, n.° 32 e jurisprudência referida; e Hi Hotel HCF, C-387/12, EU:C:2014:215, n.° 24 e jurisprudência referida e flyLAL-Lithuanian Airlines AS vrs Starptautiskā lidosta Rīga VAS e Air Baltic Corporation, C-302/13AS, ECLI:EU:C:2014:2319).
10. Cfr. Competência Judiciária Europeia, Scientia Iuridica, Tomo LXIV, n.º 339, Set/Dez., 2015, p. 417 e ss.
11. Entre as competências especiais que o autor pode utilizar em alternativa à competência do tribunal do Estado do domicílio do réu salientam-se: - em matéria contratual, a competência do tribunal do lugar onde foi ou deveria ser cumprida a obrigação que serve de fundamento ao pedido (art. 7º, n.º 1, al. a)); - em matéria extracontratual, a competência do tribunal do lugar do facto danoso (art. 7º, n.º 2);
12. Cfr. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, obra citada, pp. 208/209.
13. Cfr. Ac. do STJ de 14/12/2017 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), com indicação de jurisprudência comunitária, in www.dgsi.pt.; no mesmo sentido, Acs. do STJ de 5/04/2016 (relator Fonseca Ramos) e de 3/03/2005 (relator Salvador da Costa), disponíveis in www.dgsi.pt.; no mesmo sentido, Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, pp. 83/84.
14. Em sentido similar, o Ac. desta Relação de 14-03-2019 (relator José Cravo), in www.dgsi.pt., no qual se concluiu ser a Convenção CMR aplicável, em primeira linha, em conformidade com o disposto nos arts. 59º do CPC e 71º, n.º 1, do Regulamento (UE) 1215/2012; no mesmo sentido, Nuno Manuel Castello-Branco Bastos, in Direito dos Transportes, Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Cadernos, n.º 2, Almedina, p. 152, advoga que «a CMR contém regras de competência internacional especiais que prevalecerão sobre as do Código de Processo Civil, mas também sobre aquelas da Convenção de Bruxelas de 1968 ou do Regulamento comunitário n.º 44/2002, dito “Bruxelas I”, [este revogado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012] embora acabam por não divergir significativamente destes – cfr. art. 31º, n.º 1».
15. Cfr., em sentido similar, o Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 4/05/2010, ECLI:EU:C:2010:243.
16. Cfr. acórdãos de 14 de Maio de 2009, Ilsinger, C-180/06, n.° 41, e de 16 de Julho de 2009, ZuidChemie, C189/08, n.° 18.
17. Cfr., em sentido similar, o Acórdão desta Relação de 14-03-2019 (relator José Cravo) e o Ac. da RC de 24-03-2009 (relatora Sílvia Pires), ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
18. Cfr. neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2010, Wood Floor Solutions Andreas Domberger, C-19/09, EU:C:2010:137, n.º 33.
19. Cfr. Acórdão de 9 de julho de 2009, Rehder, C-204/08, EU:C:2009:439, n.ºs 40 e 41.
20. Como se disse, as normas resultantes de convenções internacionais ou dos regulamentos europeus sobre a matéria prevalecem sobre as normas internas reguladoras da competência internacional dos tribunais portugueses.
21. Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p.75.
22. Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 173.
23. Cfr. JOUE L 331/21, de 10/12/2008.
24. Cfr. Carlos Manuel Gonçalves de Melo Marinho, As citações e Notificações no Espaço Europeu Comum, Julgar, n.º 14, Maio-Agosto, 2011, Coimbra Editora, p 37.
25. Cfr. ver também o Ac. da RE de 27/04/2017 (relator Silva Rato), in www.dgsi.pt., que, na decorrência da prolação do citado Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 2 de março de 2017 e por corresponder ao processo no qual foi suscitado o reenvio prejudicial, procedeu à reforma de Acórdão anteriormente proferido.
26. Cfr., em sentido idêntico, Ac. da RE de 29/01/2015 (relator Silva Rato), in www.dgsi.pt.
27. Relativamente a este último fundamento de invalidade, há falta de citação, nos termos do estatuído na al. e) do n.º 1 do art. 188º do CPC, quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. Está em causa, para que se verifique a falta de citação, que seja demonstrado que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto e que essa falta de conhecimento não lhe é imputável. Para que possa concluir-se pela verificação da omissão da citação nos termos do citado normativo é insuficiente a simples invocação e prova do efetivo desconhecimento; exige-se ainda que este não seja imputável ao citando. Por ser o beneficiário da nulidade por falta de citação, é sobre o réu que recai o ónus de alegar e de provar os pressupostos legais referidos.
28. Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, obra citada, pp. 629 e ss., cuja fundamentação seguiremos de perto na exposição que segue.
29. Cfr. Dicionário da Língua Portuguesa, 7ª ed., Porto Editora, p. 1384.
30. Cfr. Dicionário da Língua Portuguesa, (…), p. 802.
31. Cfr., Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, p. 292.
32. Cfr. José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2014, p. 750.
33. Cfr. Alfredo Proença e J. Espanha Proença, Transporte de Mercadorias, p. 119 e José A. Engrácia Antunes, obra citada, p. 754.
34. Não descaracteriza o contrato de transporte o facto da deslocação de mercadorias não ser realizada pela parte que a tal se vinculou, pois o transportador pode contratar terceiros ou meios de transporte de terceiros para efetuar o transporte. Justamente porque a qualificação daquele sujeito decorre da titularidade de semelhante obrigação jurídica, é indiferente para estes efeitos se o transportador executa ele próprio materialmente o transporte ou se este é realizado (de facto) por um terceiro subtransportador (cfr. José A. Engrácia Antunes, obra citada, p. 738).
35. O transportador não se obriga apenas a deslocar as mercadorias, mas também a entregá-las no destino, cumprindo a obrigação acessória de custódia, isto é, obriga-se a consigná-las no processo estado em que as recebeu. Além disso, o cumprimento completo da sua obrigação incluirá a realização do transporte no prazo acordado ou, então, num prazo razoável (cfr. Nuno Manuel Castello-Branco Bastos, obra citada, p. 93).
36. Cfr. Ac. do STJ de 13/01/2010 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt., embora para consulta na base de dados da dgsi se deva pesquisar com a data de 29-04-2010.
37. Cfr. José A. Engrácia Antunes, obra citada, p. 755.
38. No conceito de perda, inclui-se o furto total ou parcial da mercadoria, que não pode ser considerado como caso fortuito.
39. Cfr., no mesmo sentido, os Acs. da RP de 29.10.2009 (relator Filipe Caroço) e de 25/10/2012 (relatora Deolinda Varão), disponíveis in www.dgsi.pt.
40. Cfr., em sentido idêntico, o Ac. do STJ de 12/10/2017 (relator Olindo Geraldes) “[f]ace ao regime jurídico português, que equipara o dolo e a mera culpa, para efeitos de responsabilidade civil contratual, o transportador, com comportamento meramente negligente, não beneficia da exclusão ou limitação da responsabilidade civil prevista na Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), o Ac. da RP de 30/01/2015 (relatora Ana Paula Amorim) nos termos do qual “a avaria parcial da mercadoria transportada imputável à ré transportadora, a título de negligência consciente, enquanto mera decorrência da presunção de culpa que não ilidiu, não justifica a limitação indemnizatória, consagrado pelo artigo 23º, nº3, da Convenção CMR, devendo a indemnização ser calculada de acordo com a teoria da diferença, nos termos do art. 29º da Convenção CMRe o Ac. da RP de 26/06/2014 (relator Araújo Barros) segundo o qual, dadas “as disposições conjugadas dos artigos 483º, nº 1, 487º, nº 2, 798º e 799º, nº 2, do Código Civil, na ordem jurídica portuguesa, a equiparação entre o dolo e a mera culpa estende-se à responsabilidade contratual”, pelo “que a mera culpa do transportador estará abrangida pela previsão excludente do referido nº 1 do artigo 29º”da CMR –, todos disponíveis in www.dgsi.pt. No Acórdão do STJ de 13/01/2010 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt. – cuja pesquisa na base de dados da dgsi deve ser feita com a data de 29-04-2010 –, o STJ considerou que no âmbito do contrato em causa (de transporte internacional de mercadorias), se “for de considerar que a concreta relação contratual exige uma actuação mais prudente e diligente do devedor que não cumpre, podendo cumprir, sobretudo num quadro factual que não dirime a sua culpa, ao ponto de não se poder afirmar que não previu, nem podia prever que a sua actuação iria causar danos, então deve considerar-se que a sua actuação se elevou do patamar mais benigno da negligência consciente, para considerar que agiu com dolo indirecto ou necessário”, pelo que decidiu ser “aplicável não a indemnização prevista no art. 23º, nº 5, da Convenção, mas a prevista no seu art. 23º, nº1, ou seja, a indemnização correspondente ao valor da mercadoria objecto do transporte”.
41. Cfr. Mónica Alexandra Soares Pereira, O Contrato de Transporte de Mercadorias Rodoviário - A Responsabilidade do Transportador, Tese de Mestrado em Ciências Jurídico-Privatísticas, Universidade do Porto, Faculdade de Direito, Julho de 2011, disponível in www.google.pt.