Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
341/12.4TABRG.G1
Relator: TERESA BALTAZAR
Descritores: NULIDADE INSANÁVEL
LEITURA DA SENTENÇA
AUSÊNCIA DE ARGUIDO NÃO NOTIFICADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: A realização da audiência onde se procede à leitura da sentença na ausência do arguido, que para tal não foi notificado e sem que tenha sido tomada qualquer providência para obter tal comparência, constitui uma nulidade processual insanável, prevista no art. 119º, al. c) do C. P. Penal.
Decisão Texto Integral: - Tribunal recorrido:
Tribunal Judicial de Braga – 3º Juízo Criminal.
- Recorrente:
A arguida Sandra I..
- Objecto do recurso:
No processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 341/12.4TA BRG, do Tribunal Judicial de Braga – 3º Juízo Criminal, foi proferida sentença, nos autos de fls. 684 a 727, na qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu o seguinte:

“VI. Decisão

Nestes termos e pelo exposto, decide-se:
Parte Crime
1- Absolver a arguida Luísa M. da prática de um crime de usurpação p. e p. pelos arts 195º nº1 e 197º nº1 do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.
2- Condenar a arguida Sandra I. pela prática de um crime de usurpação p. e p. pelos arts 195º nº1 e 197º nº1 do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos na pena de 5 (cinco) meses de prisão que se substitui por igual tempo de multa, isto é, por 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros) e em 200 (duzentos) dias de multa à mesma taxa diária, num total de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a multa global de € 2 450,00 (dois mil, quatrocentos e cinquenta euros).
3- Condenar o arguido Luís M. pela prática de um crime de usurpação p. e p. pelos arts 195º nº1 e 197º nº1 do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos na pena de 4 (quatro) meses de prisão que se substitui por igual tempo de multa, isto é, por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros) e em 175 (cento e setenta e cinco) dias de multa à mesma taxa diária, num total de 295 (duzentos e noventa e cinco) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a multa global de € 2 950,00 (dois mil, novecentos e cinquenta euros).
4- Custas pelos arguidos Sandra I. e Luís M., fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça devida por cada um deles.
Parte Cível
1- Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por Carlos A.. parcialmente procedente e, em consequência:
a) Absolver a demandada Luísa M. do pedido de indemnização civil contra ela deduzido.
b) Condenar a demandada Sandra I. a pagar-lhe a quantia de €4 000,00 (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais, e a quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos custos, devidamente comprovados, que o demandante suportou com a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito, nomeadamente, os custos suportados em razão do presente processo, incluindo honorários de advogados.
c) Condenar o demandado Luís M. a pagar-lhe a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais e a quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos custos, devidamente comprovados, que o demandante suportou com a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito, nomeadamente, os custos suportados em razão do presente processo, incluindo honorários de advogados.
Custas do pedido de indemnização civil a pagar pelo demandante e pelos demandados Sandra I. e Luís M. na proporção do decaimento.
2- Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela Editora Nova Educação, Lda parcialmente procedente e, em consequência:
a) Absolver a demandada Luísa M. do pedido de indemnização civil contra ela deduzido.
b) Condenar a demandada Sandra I. a pagar-lhe a quantia de €6 000,00 (seis mil euros), a título de danos patrimoniais e a quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos custos, devidamente comprovados, que a demandante suportou com a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito, nomeadamente, os custos suportados em razão do presente processo, incluindo honorários de advogados.
c) Condenar o demandado Luís M. a pagar-lhe a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais e a quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos custos, devidamente comprovados, que a demandante suportou com a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito, nomeadamente, os custos suportados em razão do presente processo, incluindo honorários de advogados.
Custas do pedido de indemnização civil a pagar pela demandante e pelos demandados Sandra I. e Luís M. na proporção do decaimento.
Notifique a arguida Sandra I. através de autoridade policial, indicando o direito ao recurso e o prazo para o efeito.”.

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Inconformada com a supra referida decisão a arguida Sandra I., dela interpôs recurso - cfr. fls. 766 a 783, terminando a sua motivação com as conclusões constantes de fls. 775 a 783, seguintes:
No essencial refere que:
- Refere a recorrente que não foi devidamente notificada das datas da audiência de julgamento, não lhe tendo, pois, sido dada a possibilidade de estar presente, pelo que ocorreu nulidade, devendo essas audiências ser repetidas.
- Entende que á matéria de facto fixada deverá ser acrescentado que instou os visitantes da sua pág. a comprar a obra e para que se soubessem dessa obra em outros sítios que deveriam comunicar á editora;
- Entende que a pena fixada é excessiva;
- Sendo também excessiva a condenação quanto ao pedido de indemnização civil.
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O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 786.

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A assistente/ demandante respondeu, concluindo que o recurso não merece provimento (cfr. fls. 808 a 815).
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O M. P. respondeu, concluindo, também, que o recurso não merece provimento (cfr. fls. 835 a 843).
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A Ex.mª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta, nesta Relação no seu parecer (constante de fls. 851 e 852) conclui que, no seu entender, o recurso merece provimento, nos termos que refere, devendo ser declarada nula a audiência de leitura da sentença, e o Tribunal proceder à repetição dos actos processuais subsequentes às alegações.

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Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, não veio a ser apresentada qualquer resposta.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

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- Cumpre apreciar e decidir:
- A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.
- B - No essencial, no seu recurso a arguida Sandra I. suscita as questões seguintes:
- Refere a recorrente que não foi devidamente notificada das datas da audiência de julgamento, não lhe tendo, pois, sido dada a possibilidade de estar presente, pelo que ocorreu nulidade, devendo essas audiências ser repetidas.
- Entende que á matéria de facto fixada deverá ser acrescentado que instou os visitantes da sua pág. a comprar a obra e para que se soubessem dessa obra em outros sítios que deveriam comunicar á editora;
- Entende que a pena fixada é excessiva;
- Sendo também excessiva a condenação quanto ao pedido de indemnização civil.
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- C - Matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação - cfr. fls. 692 a 706 (transcrição):
II. Fundamentação:
1.Factos Provados:
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A sociedade Editora N. é uma sociedade comercial com sede no Beco …, …, …, Braga, que tem por objecto a edição e a comercialização de livros.
2. No exercício dessa actividade, no dia 2 de Março de 2011, a Editora N. celebrou com Carlos A.. um contrato de edição da obra original intitulada “RELATÓRIO …que este era autor, nos termos da qual o autor autorizou aquela sociedade a efectuar as edições que entendesse da referida obra, sendo que a editora pagaria ao autor 12% do preço de venda de cada exemplar ao público.
3. A Editora N. editou a obra “RELATÓRIO …”, a que foi atribuído o ISBN …-, que publicou e comercializou.
4. A arguida Luísa M. adquiriu a obra acima identificada à Editora N., através da loja “online” desta, no dia 21/06/2011, e recebeu-a no dia 24 do mesmo mês, pelas 16h34m, tendo aposto a sua rubrica “Luísa M.” na primeira página do livro e de seguida levado a obra para o estabelecimento onde leccionava e reiniciava as actividades às 17h30m, terminando-as às 22h15m, tendo deixado o livro na sala de trabalho dos professores.
5. No dia 25/06/2011, em circunstâncias que não foi possível apurar e por pessoa que também não foi possível apurar, a obra “RELATÓRIO …” foi digitalizada para um ficheiro com o nome … , criado pelas 12:15:45 do referido dia, com o tamanho de 9,19MB e 35 páginas.
6. Posteriormente, tal ficheiro, contendo a referida obra, foi sendo divulgado através da Internet, sem consentimento, quer do seu autor, quer da Editora N..
7. A arguida Sandra I. disponibilizou no seu “blog” pessoal, com o endereço … .com, no sítio … e no sítio … o ficheiro …, contendo a obra original “RELATÓRIO DE AUTOAVALIAÇÃO – GUIA DE ELABORAÇÃO”, para ser visualizada e descarregada por qualquer pessoa que a pretendesse, também sem o consentimento, quer do seu autor, quer da Editora N..
8. Entre 5 e 21 de Julho de 2011 foram feitas 285 descargas (downloads) do ficheiro que a arguida Sandra I. disponibilizou, para esse efeito, no sítio … tendo sido visualizado, neste sítio, 1336 vezes e no sítio ….com/doc …, 1492 vezes.
9. O blogue da Professora Sandra I. não tinha contador de visitas e/ou downloads e o sítio ttp://pt.scrib.com/doc/59735562/livro-digitalizado não tinha contador de downloads.
10. A ENE intimou a arguida Sandra I. para que retirasse o ficheiro dos sítios de partilha de documentos onde o havia afixado, o que ela fez no dia 23 de Julho de 2011, pedindo desculpa à ENE e ao autor da obra.
11. A entrada criada pela arguida Sandra I. no seu blogue pessoal atingiu tamanha notoriedade que foi copiada e republicada.
12. Nessa sequência, outros utilizadores reproduziram e colocaram à disposição do público a obra em blogues e sites.
13. O arguido Luís M. disponibilizou no sítio ….com/doc…/relatorio-de-auto-avaliacao-de-desempenho-docente-guiao o ficheiro addlivrodigitalizado-…, contendo a obra original “RELATÓRIO … ser visualizada e descarregada por qualquer pessoa que a pretendesse, também sem o consentimento, quer do seu autor, quer da Editora N..
14. Neste sítio foram feitas, até 23/03/2012, 237 leituras, o qual não dispõe de contador de downloads.
15. A ENE intimou o arguido Luís M. para que retirasse o ficheiro deste sítio de partilha de documentos onde o havia afixado, o que este fez.
16. O ficheiro addlivrodigitalizado-… acabou por ser divulgado por vários outros sítios, sempre sem o consentimento do autor e da editora, que deste modo ficaram prejudicados no volume de vendas da referida obra.
17. Tal ficheiro encontra-se ainda à disposição do público noutros sites e blogues.
18. Os arguidos Sandra I. e Luís M. agiram de forma livre, consciente e deliberada, sabendo que agiam sem autorização e contra a vontade do autor e da editora daquela obra, que sabiam ser original e protegida por direito de autor vigente em território nacional, causando a estes prejuízo patrimonial, pela perda de proveitos que resultariam da comercialização dos originais devidamente licenciados.
19. Os arguidos Sandra I. e Luís M. tinham plena consciência do carácter proibido e criminalmente punido das suas condutas.
Mais se provou:
20. A compra e leitura da obra do assistente Carlos A.. foi sugerida em vários sites e blogues, tendo recebido comentários positivos de vários internautas.
21. A Direcção Regional de Educação do Algarve (DREALG) divulgou o livro na sua página institucional da Internet, tecendo a seguinte crítica: “…”; apresentando a sua lista de conteúdos.
22 Diversos blogues, de grande aceitação nacional, dedicados à educação divulgaram o livro na Internet.
23. Nestes blogues, alguns dos usuários teceram comentários favoráveis sobre o seu interesse e qualidade.
24. O livro foi concebido graficamente (letra a branco sobre um fundo escuro) precisamente para dificultar a cópia analógica pelas máquinas/técnicas tradicionais (fotocopiadoras).
25. O conteúdo do livro foi redigido segundo o novo acordo ortográfico.
26. A obra criada pelo assistente foi comercializada em diversas livrarias.
27. Esteve 2 (duas) semanas no Top da …, tendo saído dessa posição aquando da sua colocação na Internet para cópia fácil e gratuita.
28. As vendas do livro na editora e nas livrarias, em especial na …, sofreram uma grande quebra após a disponibilização do livro na Internet.
29. A Editora N. teve 99 desistências de encomendas já efectuadas da obra após o aparecimento do livro disponível para consulta, impressão e download na Internet.
30. A Editora teve diversas recusas de encomendas (devoluções) do livro, já remetidas via CTT, após o aparecimento do livro disponível na Internet.
31. A ENE efectuou uma edição, que se pretendia inicial, com 4 000 exemplares.
32. O preço de capa de cada exemplar era de €15,00.
33. Sobre o preço de capa, a ENE tinha as seguintes margens de lucro:
· …-55%
· …-70%
· ….-90%;
· …-40%.
34. As percentagens de vendas efectuadas pela ENE eram aproximadamente as seguintes:
· 30% de vendas – …;
· 20% de vendas - …;
· 40% de vendas - …;
· 10% de vendas – ….
35. Até à dedução do pedido de indemnização civil, ficaram em stock, por vender, 920 exemplares da 1ª edição.
36. Em consequência da conduta dos arguidos Sandra I. e Luís M. a Editora N. deixou de vender vários exemplares da obra RELATÓRIO … em número que se desconhece.
37. O custo tipográfico da impressão de cada exemplar do livro ascendia a €0,50.
38. Em 2012, o assistente Carlos A.. efectuou uma actualização, com algumas alterações formais, mas onde a maior parte do conteúdo constava, e consta, da obra usurpada.
39. O assistente Carlos A.. gastou imensas horas do seu labor na idealização e criação do livro a que se reportam os presentes autos, criação que só foi possível dada a sua grande experiência profissional.
40. Com a disponibilização gratuita da obra na Internet por parte dos arguidos Sandra I. e Luís M. e consequente quebra de vendas, sentiu-se bastante desrespeitado, esbulhado, desiludido, amargurado e revoltado.
41. Tal situação associada a outros problemas que já tinha causou-lhe alterações do sono e de humor, levando-o a procurar ajuda psiquiátrica e a tomar anti-depressivos, acompanhamento psiquiátrico que ainda hoje se mantém.
42. À data da prática dos factos, a arguida Luísa M. dava assistência ao seu marido, que padecia da doença de …, em fase avançada, doença de que veio a falecer.
43. O livro criado pelo assistente Carlos A.. e editado pela Editora Nova E. Lda foi publicado em 20 de Junho de 2011 e o seu grande interesse como suporte para a elaboração do relatório de … dos docentes esgotava-se praticamente em 31 de Agosto de 2011, data até à qual a grande maioria dos professores tinha que entregar o seu relatório.
44. Para alguns professores, nomeadamente para os professores contratados, o prazo para entrega do mencionado relatório era, inclusive, mais curto.
45. Após aquela data, o interesse do livro e a consequente expectativa de vendas da obra eram residuais.
46. Os arguidos Luísa M., Sandra I. e Luís M. não têm antecedentes criminais.
47. A arguida Luísa M. é professora do ensino secundário, auferindo mensalmente €1 200,00.
48. É viúva.
49. Tem uma filha de 28 anos de idade, a cargo.
50. Vive em casa própria.
51. A arguida Sandra I. é professora do ensino básico.
52. É casada.
53. O marido é ….
54. Tem um filho, de 6 anos de idade, a cargo.
55. O arguido Luís M. é professor do ensino secundário, auferindo mensalmente €1 500,00.
56. É casado.
57. A esposa encontra-se …, auferindo de pensão de reforma cerca de €950,00.
58. Tem um filho de … anos de idade, a cargo.
59. Vive em casa própria, encontrando-se a amortizar um empréstimo, pagando €80,00 mensais.
60. O assistente Carlos A.. é professor do ensino secundário, auferindo mensalmente €1 300,00.
61. A esposa é enfermeira, auferindo mensalmente €1 100,00.
62. Tem três filhos (de 20, 18 e 14 anos de idade), a cargo.
63. Vive em casa própria, encontrando-se a amortizar um empréstimo, pagando mensalmente €200,00.
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2. Factos não provados:
Não se provou que tivesse sido a arguida Luísa M., por si ou através de pessoa a seu mando, a digitalizar a obra “RELATÓRIO…” para um ficheiro com o nome … .
Não se provou que a arguida Luísa M. tivesse dado início a uma cadeia de cópias do ficheiro ….
Não se provou que tivesse sido o arguido Luís M. a disponibilizar no sítio http://www.... oficheiro … , contendo a obra original “RELATÓRIO …”.
Não se provou que a intenção do arguido Luís M. fosse trancar o ficheiro a que se reportam os autos nem que não o tivesse trancado por descuido ou esquecimento.
Não se provou que a convicção generalizada fosse a de que apenas a obra em causa nestes autos auxiliava os docentes na redacção do relatório legalmente exigido dentro dos formalismos requeridos.
Não se provou que o autor Carlos A. pretenda (pretendesse) continuar a produzir obras deste género mesmo que a ENE deixe de ter actividade.
Não se provou que venha a ter dificuldade em encontrar outra Editora que aposte em editar uma obra que dê continuidade a esta pelo facto de imensos docentes possuírem ou terem acesso fácil e gratuito à obra “RELATÓRIO …”.
Não se provou que a disponibilização na Internet da obra “Relatório …” para consulta/impressão/download de forma gratuita tivesse criado a ideia de que a nova obra do assistente (“Relatório … ”) provavelmente irá aparecer na Internet como aconteceu com a anterior.
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3.Motivação:
A convicção do tribunal (de um qualquer tribunal) é formada dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que transpareçam em audiência das declarações e depoimentos.
Foi essa análise dialéctica de todos os meios de prova que se procurou fazer.
Na análise de cada caso concreto que lhe é trazido, e muito especialmente na decisão da matéria de facto, cabe ao julgador harmonizar, com bom senso e justa medida, as regras da experiência e o princípio da presunção de inocência, de modo a não ver nas primeiras algo de absoluto, nem no segundo algo de dogmático.
Se assim não for, a justiça torna-se numa fórmula vazia, sem conteúdo.
Num discurso sereno, preciso, seguro, circunstanciado e, por conseguinte, credível a arguida Luísa M. esclareceu as circunstâncias em que adquiriu a obra “Relatório …”, adiantando que, logo que recebeu a mencionada obra no dia 24/06/2011, assinou-a e levou-a para a escola onde trabalhava, já que começava a leccionar por volta das 17h30m e terminava as aulas por volta das 22h15m, onde foi consultada por vários colegas.
Acrescentou que, à data dos factos, o seu marido tinha uma doença degenerativa que requeria os seus cuidados permanentes e que acabou por vitimá-lo, pelo que deixou o livro na sala de trabalho durante vários dias. O único material de trabalho que levava consigo era o seu computador.
Negou de forma categórica ter digitalizado o mencionado livro, tal como não o colocou na Internet, frisando que alguém o deve ter fotocopiado.
As declarações da arguida Luísa M. foram confirmadas, de forma credível, pelas testemunhas Maria E., Maria C., Antonino M., Marília C. e Maria A.a (colegas e/ou amigos da arguida).
Assim, no que concerne a esta arguida, o Tribunal não deu como provado o essencial da acusação, designadamente que tivesse sido ela a digitalizar a obra e/ou a colocá-la na Internet. Não só não existe a mais pequena prova que o tivesse feito como, face à credibilidade dos referidos depoimentos, até existem fortes indícios que não teria sido ela a fazê-lo. Acresce que foi confirmado pelas referidas testemunhas que a arguida Luísa M. não teria muitos conhecimentos de informática.
De resto, não se vislumbra que esta arguida tivesse algum interesse na referida digitalização, pois adquirira a obra, para além de ser no mínimo estranho e muito pouco inteligente que fosse digitalizá-la depois de a assinar, deixando assim um rasto claro que permitiria mais tarde a sua identificação, como viria a suceder.
O arguido Luís M., por sua vez, adiantou que obteve o livro no site http://www, site que não é sua autoria, nada tendo a ver com o mesmo, mas sim pertença de Carlos G..
Continuou, salientando que aloja ficheiros num sítio denominado ….com. Nesse sítio, alguns dos ficheiros estão trancados e outros são disponibilizados para livre acesso ao público, podendo ser descarregados. Só por descuido não trancou o ficheiro a que se reportam os autos.
Nesta última parte, as declarações do arguido Luís M. não mereceram qualquer credibilidade, não só porque não nos pareceu que ele estivesse convicto daquilo que dizia, mas também porque tal descuido e/ou esquecimento não está de acordo com as regras de experiência comum, tanto mais que teve o livro disponível ao público durante um período de tempo bastante significativo.
O arguido Luís M. começou por manifestar algumas reservas quanto ao número de leituras que, no referido sítio, foram efectuadas do ficheiro (237), mas, confrontado com os elementos de fls. 71, acabou por reconhecer que tal número estaria correcto.
Por último, admitiu que sabia que não podia disponibilizar o referido ficheiro ao público em geral através da Internet.
Muito importante para a formação da convicção do Tribunal foi o depoimento do assistente Carlos A.., o qual, de forma precisa, clara e segura, explicou como lhe surgiu a ideia de criar o livro a que se reportam os autos, frisando que o mesmo foi publicado no dia /2011; que tiveram vários pedidos de encomenda da obra logo que a mesma foi colocada à disposição do público; que a mesmo foi enviada para as principais livrarias e que chegou a estar no Top da … durante duas semanas.
Pouco tempo depois, no dia 4/07/2011, apercebeu-se que a obra circulava livremente na Internet, em vários sites e blogues, tendo descrito os sites e blogues em que a mesmo estaria disponível, incluindo os mencionados na acusação proferida nos presentes autos e o número de visitas, visualizações ou leituras do ficheiro contendo a sua obra (que é sempre o mesmo) nos referidos sites e blogues. Em qualquer desses sites ou blogues, a obra poderia ser descarregada, mas só o site www… é que tinha contador de downloads. Das 1 336 visualizações da obra efectuadas nesse site, 285 correspondiam a downloads. O blogue http://. não dispunha sequer de contador de visitas ou leituras.
Prosseguiu, frisando que enviaram uma carta registada para a morada da arguida Sandra I., exigindo-lhe a retirada do ficheiro dos referidos sites e do blogue, o que ela fez, pedindo desculpas pelos danos causados.
Acrescentou que alguns dos principais blogues de educação aconselharam o livro por iniciativa própria.
A partir do momento em que a obra foi disponibilizada na Internet para consulta, impressão e download, as vendas tiveram uma grande quebra (o obra saiu, inclusive, do Top dos livros mais vendidos da …), para além de terem existido 99 desistências de encomendas já efectuadas da obra e diversas recusas de encomendas (devoluções) do livro, já remetidas via CTT.
Continuou, sublinhando que foi uma desilusão enorme, quer para ele próprio, quer para a Editora N. desde logo porque gastou imensas horas do seu labor na idealização e criação do livro, criação que só foi possível dada a sua grande experiência profissional. Foram horas que tirou a si próprio e à sua família. Ficou triste, aborrecido e deprimido, o que o levou a procurar ajuda psiquiátrica e a tomar anti-depressivos.
Por outro lado, explicou que a maior parte dos professores tinha que apresentar o relatório … até ... de … de 2011, pelo que o interesse do livro em termos de vendas situava-se mais até essa data. Não obstante, o livro continuou a ser comprado após o dia ..de … de 2011, nomeadamente porque existiram outros professores que, estando de atestado médico, podiam apresentar o relatório de autoavaliação mais tarde.
A primeira edição teve uma tiragem inicial de 4 000 exemplares, tendo ficado por vender, à data da dedução do pedido de indemnização civil, 920 exemplares.
Na sua opinião, não fora a disponibilização do livro na Internet por parte dos arguidos destes autos, não só tais exemplares teriam sido vendidos (o que não é possível afirmar com total segurança), como havia a expectativa de fazer novas edições da obra. Recebia uma percentagem de …do preço de venda de cada exemplar.
Bastante importante foi igualmente o depoimento de Paula C., representante legal da Editora N. e esposa do assistente Carlos A.., a qual, além do mais, explicou, de forma segura e precisa, que o livro em causa nos presentes autos obteve um grande sucesso de vendas até estar disponível na Internet, as quais sofreram uma grande quebra com tal disponibilização.
Continuou o seu depoimento, frisando que o livro foi concebido graficamente (letra a branco sobre um fundo escuro) precisamente para dificultar a fotocópia; que chegou a estar por duas semanas no Top dos livros mais vendidos da … a nível nacional; que a saída desse Top coincidiu com o aparecimento do livro na Internet e que várias livrarias comercializaram o mesmo (embora pense não ter sido o caso da … ou da ).
Prosseguiu, realçando que tiveram 99 desistências de encomendas e várias recusas de encomendas (devoluções) do livro, já remetidas via CTT após a disponibilização da obra na Internet; que a 1ª edição tinha €4 000,00 exemplares, mas havia a expectativa de fazerem outras edições face ao sucesso da obra, o que não veio a suceder pelos motivos referidos; que o preço de capa de cada livro era de €15,00; que o custo tipográfico da impressão de cada exemplar era de €0,50 e que ficaram por vender 920 exemplares dessa 1ª Edição.
Pronunciou-se ainda sobre as margens de lucro da ENE e sobre as percentagens de vendas da obra, em consonância com o que foi dado como provado.
Acrescentou que o livro continua disponível na Internet noutros sites e que ainda mantém alguma actualidade, mas admitiu que o grande interesse da obra e a grande expectativa de vendas situavam-se até ao dia .. de .. de …, pois era até esta data que a maior parte dos professores tinha que apresentar o relatório ….
Por último, frisou que o seu marido, Carlos A.., sentiu-se bastante deprimido com toda a situação, passando a ter alterações do sono e do humor, ao ponto de lhe ter marcado uma consulta de psiquiatria, continuando medicado.
Embora sustentasse que foi a situação dos autos que mais deprimiu o marido, acabou por admitir que não foi o único motivo que o levou a procurar ajuda psiquiátrica, adiantando outras razões, entre as quais, as dificuldades financeiras da empresa.
O Tribunal baseou-se ainda no depoimento da testemunha Maria C., amiga do casal constituído por Carlos A.. e Paula C., para além de colaboradora da Editora N..
Esta testemunha frisou que a obra do assistente foi-lhe muito útil para elaborar o relatório de autoavaliação, facilitando-lhe o trabalho; que, sendo professora do quadro, tinha até ao final do mês de… de .. para entregar o mesmo; que era uma altura em que os professores estavam assoberbados de trabalho, pelo que qualquer ajuda era bem vinda; que chegou a ver o ficheiro a que se reportam os autos em vários sites e blogues; que qualquer pessoa com um mínimo de instrução saberia que se tratava de uma obra protegida por direitos de autor; que as vendas decaíram com a disponibilização da obra na Internet (“Para quê gastar … euros na aquisição da obra se poderiam…a?”), a qual assumiu grandes proporções, não só através da consulta dos sites e blogues, mas também através da troca de e-mails, contendo o ficheiro e que toda a situação “foi um …r!”
Hugo R. é funcionário há vários anos da Editora N., tendo frisado, de forma credível, que o livro foi para o mercado a 20 de Junho de 2011, foi digitalizado a … e a sua colocação à disposição do público na Internet foi detectada a …. Durante aqueles 14 dias, o livro esteve no Top de Vendas da ….
Acrescentou que o autor da obra ficou bastante abalado com toda a situação e, através dos dados que recolheu, conseguiu explicar que o arguido Luís M. terá colocado o ficheiro com o livro no seu site em … só o tendo retirado já no ano de 2012, pelo que as 237 leituras da obra referidas na acusação terão ocorrido ao longo desse período. Já as leituras, visualizações e downloads da obra nos sites e blogue disponibilizados pela arguida Sandra I. ocorreram todas dentro do período de “pico de vendas”, ou seja, até ….
Levaram-se ainda em conta o exemplar da obra criada pelo assistente junto a fls. 31 a 48 dos autos, o pedido de esculpas da arguida Sandra I. a fls. 80 dos autos, o contrato de edição celebrado entre a ENE, Lda e o assistente Carlos A.. junto a fls. 236 a 238, bem como os documentos juntos com os pedidos de indemnização civil quanto à divulgação e sucesso da obra em vários sites e blogues da Internet, comentários sobre a mesma, presença no Top da … dos livros mais vendidos, desistências e recusas de encomendas.
Por último, foram tidos em conta o horário de aulas junto a fls. 600 e os elementos clínicos juntos a fls. 601 e ss por parte da arguida Luísa M..
É opinião do tribunal que a conjugação de todos os meios probatórios inculca a ideia, para além de toda a dúvida razoável, que os factos ocorreram da forma como foram dados como provados.
No que particularmente diz respeito ao facto de a conduta dos arguidos Sandra I. e Luís M. ter contribuído para a quebra de vendas da obra a que se reportam os autos, não existe prova directa de tal facto.
Porém, na formação da sua livre convicção, ao Tribunal não está vedada a possibilidade de retirar ilações dos factos probatórios, socorrendo-se de um raciocínio dedutivo ou indutivo, apoiado nos princípios da lógica e fundamentado nas regras de experiência comum.
Sob pena de incontornável frustração de qualquer tentativa de apreensão exacta da realidade sujeita a comprovação judicial, exige-se do julgador que, uma vez confrontado – como não raras vezes sucede no universo da criminalidade em que nos situamos – com a ausência de testemunhos completos e auto-suficientes, proceda a uma apreciação global e correlativa de toda prova produzida, valorando-a dialecticamente e inferindo a partir dos factos expressamente afirmados aqueles outros que são sugeridos por um critério de experiência comum.
Efectivamente, o julgador pode socorrer-se de presunções, da prova indirecta (que não deve ser encarada como uma “prova menor”), de juízos de normalidade ou de regras de experiência.
Ora, a quebra de vendas da obra em causa nos presentes autos coincidiu precisamente com a sua colocação à disposição do público na Internet por parte de ambos os arguidos e de outros agentes, pelo que é lógico inferir, presumir ou concluir que ambos (especialmente a arguida Sandra I. como se verá em tempo oportuno) contribuíram com tal comportamento para o prejuízo da ENE.
Também a prova do elemento subjectivo é sempre indirecta e deve ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras de experiência comum.
Desta perspectiva, pode dizer-se que os arguidos Sandra I. e Luís M. agiram de forma livre, consciente e deliberada, sabendo que a obra em causa era original e protegida por direitos de autor, com plena consciência do carácter proibido e criminalmente punido das suas condutas.
Efectivamente, estamos a falar de professores, isto é, de pessoas com uma formação académica superior, pelo que não poderiam deixar de ter essa consciência.
Como bem salientou o assistente, “…..”
No que respeita aos antecedentes criminais dos arguidos, os CRCs de fls 636, 637 e 638.
Relativamente à situação pessoal, profissional e económica dos arguidos Luísa M. e Luís M. e do assistente Carlos A.., as suas declarações à falta de outros elementos.
Quanto à situação pessoal, profissional e económica da arguida Sandra Isabel Pacheco, as declarações da testemunha Maria M., sua colega.
Relativamente aos restantes factos não provados, nenhuma outra prova foi produzida em sede de audiência de julgamento que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se demonstraram.”.
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- Questões suscitadas no recurso:
- Refere a recorrente que não foi devidamente notificada das datas da audiência de julgamento, não lhe tendo, pois, sido dada a possibilidade de estar presente, pelo que ocorreu nulidade, devendo essas audiências ser repetidas.
Vejamos, antes de mais, esta questão, em que é invocada a nulidade da audiência de julgamento.
E desde já referimos assistir parcialmente razão á recorrente, embora por razões não completamente coincidentes com as suas.
Sendo que no essencial se concorda com o referido pelo M. P. quando de fls. 836 a 838, e no respeitante ás audiências de julgamento que decorreram nos dias 13 e 17 de Fevereiro de 2014, referiu o seguinte:
Quanto à primeira questão - a de saber se foi realizada audiência de discussão e julgamento sem que a arguida tenha sido notificada para comparecer na mesma, o que consubstancia a nulidade insanável e de conhecimento oficioso de ausência do arguido a ato processual de comparência obrigatória, prevista na alínea c), do artigo 119° do Código de Processo Penal
alega a recorrente, em suma, que só não compareceu à audiência de discussão e julgamento designada, por despacho de fls. 553, para o dia 13.02.2014, por ter sido notificada para a morada constante do Termo de Identidade e Residência prestado nos autos, mas onde já não residia efetivamente, sendo que no dia 03.07.2013 informou o processo da sua nova morada, por requerimento que remeteu aos Serviços do Ministério Público e que, seguramente por lapso dos serviços dos CTT ou dos senhores funcionários dos SMP, a que é de todo alheia, não foi junto aos autos.
Assim, alega, foi claramente violado o seu direito de defesa e o princípio do contraditório, posto que julgada totalmente à sua revelia, verificando-se ilegalidade processual resultante da violação dos artigos 119°, 120°, n02, alínea b), do Código de Processo Penal e 32° da Constituição da República Portuguesa.
Porém, como comprovativo do envio aos autos daquele requerimento, junta apenas o que aparenta ser uma cópia do mesmo, sem mais.
Ora, sendo ou não verdade o alegado pela recorrente, que para o caso agora pouco importa (embora mal se compreenda que tenha guardado durante tanto tempo uma cópia simples de um requerimento a informar da alteração de morada que remeteu ao processo pela via postal simples, sem cuidar de fazê-lo, V.g., pela via postal registada), o certo é que a verdade processual que resulta dos autos, e é esta que importa até prova em contrário, prova que aquela cópia simples não faz, é que a arguida foi regularmente notificada do despacho que designou data para audiência de julgamento.
Com efeito, a arguida foi notificada daquele despacho, conforme resulta de fls. 560, para a morada constante do Termo de Identidade e Residência que prestou nos autos em 16.04.2012, não tendo vindo em momento algum informar da alteração daquela morada, ou melhor, não constando dos autos que o tenha feito.
Assim, regularmente notificada da data da audiência de discussão e julgamento, conforme consta da ata de fls. 642 dos autos, a arguida faltou à primeira sessão da audiência de julgamento, tendo sido emitidos os competentes mandados de detenção para assegurar a sua comparência na segunda sessão de 17.02.2014, mandados devolvidos pelo opc sem cumprimento (vide a ata de fls.649 dos autos).
Desta feita, não resultando dos autos qualquer alteração à morada constante do Termo de Identidade e Residência, a audiência prosseguiu na data designada, sendo a arguida representada por Defensora, em estrito cumprimento do disposto no n.º 2, do artigo 333° do Código de Processo Penal.
Concluindo, a arguida foi regularmente notificada da audiência de julgamento, contrariamente ao que alega, e aquela realizou-se na sua ausência ao abrigo do citado artigo 333°, n.º 2, do Código de Processo Penal, pelo que não se verifica qualquer nulidade por falta de notificação da arguida ou realização da audiência de julgamento na sua ausência.
E não se verifica a violação do disposto na alínea a), do n.º l, do artigo 61 ° do Código de Processo Penal, porquanto, como vimos de dizer, em momento algum foi negado à arguida o direito de estar presente nesse ato processual, nem a violação das suas garantias de defesa e do princípio do contraditório.
Nos termos do n° 1, do artigo 32° da C.R.P., o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, dispondo o n.º 5 daquele preceito que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório. E o n.º 6, dispõe a mesma norma que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
Ora, inexistindo a nulidade invocada, não se vê como se possa ter afetado aqueles direitos e garantias constitucionalmente consagrados.
E é que a ausência prevista no artigo 119°, al. c), não pode ser por falta - falta voluntária ou involuntária - do arguido, pois nesse caso funcionam as regras das faltas e, por isso, não se verifica qualquer nulidade ou sequer irregularidade processual.”.
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Como começámos por referir concordamos com o mencionado pelo M.P. (fls. 836 a 838), mas apenas no respeitante ás audiências de julgamento que decorreram nos dias 13 e 17 de Fevereiro de 2014, discordamos, no entanto, - embora por razões diferentes - no respeitante á audiência ocorrida em 27-02-2014.
É de mencionar que a sentença foi notificada pessoalmente à arguida no dia 25 de Março de 2014 (cfr. fls. 730 e 757).
Vejamos.

O (…) direito de defesa e o direito ao contraditório traduzem-se fundamental­mente na possibilidade do arguido intervir no processo, invocar as suas razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar e contraditar todas as provas e argumentos jurídicos trazidos ao processo. As regras gerais da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência (artigo 332.º, n.º 1), da submissão de todos os meios de prova apresentados ou produzidos no decurso da audiência ao princípio do contraditório (artigo 327.º, n.º 2), o direito do arguido prestar declarações em qualquer momento da audiência, em especial, no início e no final da audiência de julgamento (artigos 341.º, alínea a) e 361.º), são normas do Código do Processo Penal, destinadas precisamente a consagrar a garantia constitucional de um processo penal equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), que obrigatoriamente deve assegurar todas as garantias de defesa ao arguido (artigo 32.º, n.º 1 e 5, da CRP).

Concomitantemente, a celeridade processual em matéria penal também beneficia de dignidade constitucional – já que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo e até pode ser julgado na ausência –, estando o legislador ordinário apenas obrigado a que as soluções adoptadas nesse sentido não comprometam as garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 2, 2.ª parte, e n.º 6, da CRP). Por fim, não pode deixar de se ponderar na necessidade de evitar ou de minorar os incómodos das testemunhas, declarantes e sujeitos processuais com sucessivas deslocações e perdas de tempo, pelos sucessivos adiamentos de audiências de julgamento com fundamento na falta de comparência do arguido.

Com a revisão do Código do Processo Penal, operada com o Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, o legislador evidenciou a preocupação de ultrapassar o bloqueio provocado pela regra da obrigatoriedade absoluta da presença do arguido na audiência, procurando conciliar o interesse público da administração célere e eficiente da justiça, com a necessária salvaguarda dos interesses da defesa no caso de o arguido estar ausente do julgamento.

Neste âmbito, o artigo 332º nº 1 do CPP, referindo-se, nos termos já vistos ao princípio geral da obrigatoriedade da presença do arguido, depois acrescenta: “sem prejuízo do disposto nos artigos 333º, nºs 1 e 2, 334º, nºs 1 e 2.” Examinando o artigo 333º que se refere à falta do arguido notificado para a audiência, do seu nº 1 consta: Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde início da audiência.

Para tanto, no despacho que designa a data da audiência, é igualmente designada data para a realização da audiência em caso de adiamento nos termos do artigo 333.º, n.º 1, ou para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do artigo 333.º, n.º 3. Efectuada a expedição por via postal com prova de depósito, a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respectivo conteúdo (artigo 113.º, n.º 5 do CPP)” (Ac. do TRG, de 11-07-2013, Proc. n.º 2162/12.5TA BRG.G1, Relator: João Lee Ferreira).

In casu, a arguida Sandra I. encontrava-se, pois, regularmente notificada e não compareceu em 13-02-2014, tendo sido condenada em multa processual. Por então se entender que era imprescindível a presença da mesma, adiou-se a audiência para a segunda data já marcada, ou seja 17-02-2014.

Sendo que para cumprimento das medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, o Exm.º juiz determinou a emissão de mandados de condução sob custódia da arguida na referida segunda data designada para julgamento (fls. 642 a 644).

Não foi viável á PSP dar cumprimento a esses mandado de condução pelas razões constantes a fls. 653, ali se mencionando que não foi possível o contacto com a arguida, tendo-se apurado que a mesma estava a residir algures em Paços de Ferreira, mas que ali morava um seu irmão (fls. 652 e 653).

Verifica-se, assim, que foram respeitadas as exigências legais impostas pelo art. 333.º do Código do Processo Penal, n.ºs 1, 3, 5 e 6 do, pelo que, nesta fase, o facto da audiência de julgamento se iniciar e prosseguir sem a presença da arguida, mesmo na segunda data, não significa limitação desproporcionada do núcleo essencial dos direitos de audição, de defesa e de contraditório, garantidos no artigo 32º, n.ºs 1, 2, 5, e 6 da Constituição, nem tal gera qualquer nulidade.

No entanto, a mesma conclusão não se pode retirar quanto à designação da nova data para leitura de sentença.

Face ao princípio geral da continuidade da audiência, dúvidas não existem de que a leitura da sentença integra a audiência de julgamento e exige a presença do arguido.

Estipula o nº 10 do art. 113º do CPP que as notificações que tenham de ser feitas ao arguido podem ser efectuadas na pessoa do seu defensor ou mandatário, exceptuando deste regime um certo número de actos, entre os quais se conta a designação de dia para julgamento, em relação aos quais é obrigatória, cumulativamente, também a notificação pessoal ao arguido.

Compulsados os autos, constata-se que a designação de data para a continuação da audiência com a leitura da sentença (27-02-2013 / fls. 650), não estava prevista nos despachos judiciais de 25-09-2013 e 27-09-2013 (fls. 553, 554 e 555) e não foi objecto de qualquer comunicação à arguida, ainda que por via postal registada. Pelo que da mesma não se encontra notificada. Não tendo sido efectuada qualquer diligência no sentido de se obter a sua presença naquela data (artigos 373.º, 389.º - A e 391.º - F do Código do Processo Penal).

Constando da própria acta de fls. 728 “Presentes: as pessoas convocadas para o acto com excepção da arguida Sandra I. que não se encontra notificada, sendo que foi julgada na sua ausência.”.

Temos, pois, que o art. 333º, nº 2 do C. P. Penal dá ao Tribunal o poder de iniciar a audiência de julgamento sem a presença do arguido, se tiver o entendimento que esta não é indispensável à descoberta da verdade material, e, no limite, de a terminar dessa forma, mas não o dispensa do dever de notificar pessoalmente o arguido da data marcada para a realização de mais alguma sessão de julgamento, que não estivesse antes marcada ou prevista, vindo a mesma a ocorrer, até porque o arguido, nos termos do nº 3 dessa norma legal, mantém o direito de prestar declarações, se assim o entender, até ao final da audiência e de estar presente na leitura pública da sentença também.

Assim sendo, conclui-se que a realização da audiência onde se procede à leitura da sentença na ausência do arguido, que para tal não foi notificado e sem que tenha sido tomada qualquer providência para obter tal comparência, constitui uma nulidade processual insanável, prevista no art. 119º, al. c) do C. P. Penal.

O que in casu tem como consequência a invalidade da audiência de leitura de sentença e dos actos que dela dependem, incluindo os actos posteriores às alegações orais e a própria sentença proferida, devendo o mesmo tribunal efectuar a respectiva repetição, após realização das diligências de notificação da arguida para comparecer (artigo 122.º n.º 1 e n.º 2 do Código do Processo Penal).

Neste sentido, vide acórdãos com os sumários seguintes:

- “I – A notificação do julgamento ao arguido por via postal simples para a morada por ele indicada no TIR, não nega nem enfraquece os seus direitos de defesa; responsabiliza-o por essa defesa e pelo normal andamento do processo. Observados os procedimentos de tal notificação, se o arguido não tomou efetivo conhecimento da realização do julgamento, só a si pode imputar tal desconhecimento.

II – O nº 2 do art. 333 do CPP confere ao tribunal o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.

III – Ocorre a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119 do CPP, se a leitura da sentença for feita em data não prevista inicialmente, sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito.” (Ac. do TRG, Proc n.º 503/10.9EA.PRT-A.G1, Relator: Paulo Silva, de 02-12-2013 / in www.dgsi.pt / o sublinhado é nosso).

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- “I – A leitura da sentença integra a audiência de julgamento e exige a presença do arguido.

II – O tribunal tem o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.

III – Ocorre a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119 do CPP, se a leitura da sentença for feita em data não prevista inicialmente, sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito.” (Ac. do TRG, Proc n.º 424/10.5GAPTL.G1, Relator: Filipe Melo, de 10-07-2014 / in www.dgsi.pt / o sublinhado é nosso).

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-“ I – O nº 2 do art. 333 do CPP confere ao tribunal o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.

II – A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito, constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119 do CPP.” (Ac. do TRG, Proc n.º 2162/12.5TABRG.G1, Relator: João Lee Ferreira, de 11-07-2013/ in www.dgsi.pt / acórdão a que já aludimos supra / o sublinhado é nosso).

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- Sendo, ainda, de aludir ao mencionado na parte final do acórdão do T. R. Coimbra, no seguinte:

Se o julgamento apenas se pode realizar na ausência do arguido estando notificado para comparecer e se a presença do arguido em julgamento é obrigatória, salva essa excepção, a falta de notificação do arguido e a sua ausência nessas condições integra efectivamente a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c), do CPP.

Nos termos do artigo 122º do CPP a nulidade verificada torna inválido o acto em que se verifica; a segunda sessão da audiência de julgamento, bem como os que dele dependerem, como é o caso da sentença recorrida igualmente contaminada, e implica a repetição dos actos viciados; a 2º sessão da audiência de julgamento e a sentença.” (Acórdão do T.R.Coimbra, Proc. n.º 22/14.4GBSRT.C1 de 08-10-2014, in www.dgsi.pt / o sublinhado é nosso).

Fica, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.


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Deve, pois, o recurso obter parcial provimento.
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- Decisão:

Pelo exposto, decide-se nesta Relação em julgar o recurso como parcialmente procedente, nos sobreditos termos e em declarar a nulidade da audiência de leitura de sentença, devendo o mesmo tribunal efectuar a repetição dos actos processuais posteriores às alegações.


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Sem tributação.

Notifique / D. N.

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(Texto processado em computador e revisto pela primeira signatária – artº 94º, nº 2 do CPP – Proc n.º 341/12.4TA BRG.G1).
Guimarães, 23 de Março de 2015