Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
663/13.7TBAMR.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: BALDIOS
ASSEMBLEIA DE COMPARTES
INEXISTÊNCIA
DELIBERAÇÃO
CONVOCATÓRIA
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Na reapreciação da decisão da matéria de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., sem excluir que, como consta da “Exposição de Motivos”, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.

II - Os baldios, que são logradouro comum dos vizinhos de certa comunidade local, podendo ser moradores de uma ou mais freguesias ou de parte delas, não integram a propriedade individual de cada um desses vizinhos, ditos compartes.

III – Os compartes, para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos baldios respectivos, organizam-se através de uma assembleia, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização.

IV - Quer a assembleia de compartes, quer os outros dois órgãos de gestão, deliberam validamente por maioria simples dos membros presentes, tendo o respectivo presidente o voto de qualidade, o que no caso da assembleia se torna significativo dado que esta funcionará com qualquer número de compartes presentes na segunda data que tenha de ser designada por motivo da falta de quorum de funcionamento na data inicialmente designada.

V – Na teoria do negócio jurídico a inexistência assume três modos de ser: i) a inexistência ôntica, que é a que se verifica quando o negócio de que se trata não foi de todo celebrado, não ocorreu, não aconteceu, tratando-se de uma mentira ou de uma falsidade; ii) a inexistência qualificativa em que o acto ou o negócio existem como algo, mas não enquanto tal; iii) a inexistência por mera imposição da lei, que corresponde a um acto de autoridade e de hostilidade do Direito que impõe, como consequência de vícios particularmente graves, uma sanção equivalente à inexistência.

VI – A irregularidade da convocatória para a assembleia de compartes e da própria assembleia, por motivos procedimentais, tem como consequência a simples anulabilidade da assembleia, à semelhança do estabelecido no art.º 177.º do C.C. para as associações.”
Decisão Texto Integral:
SUMÁRIO

I – Na reapreciação da decisão da matéria de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., sem excluir que, como consta da “Exposição de Motivos”, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
II - Os baldios, que são logradouro comum dos vizinhos de certa comunidade local, podendo ser moradores de uma ou mais freguesias ou de parte delas, não integram a propriedade individual de cada um desses vizinhos, ditos compartes.
III – Os compartes, para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos baldios respectivos, organizam-se através de uma assembleia, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização.
IV - Quer a assembleia de compartes, quer os outros dois órgãos de gestão, deliberam validamente por maioria simples dos membros presentes, tendo o respectivo presidente o voto de qualidade, o que no caso da assembleia se torna significativo dado que esta funcionará com qualquer número de compartes presentes na segunda data que tenha de ser designada por motivo da falta de quorum de funcionamento na data inicialmente designada.
V – Na teoria do negócio jurídico a inexistência assume três modos de ser: i) a inexistência ôntica, que é a que se verifica quando o negócio de que se trata não foi de todo celebrado, não ocorreu, não aconteceu, tratando-se de uma mentira ou de uma falsidade; ii) a inexistência qualificativa em que o acto ou o negócio existem como algo, mas não enquanto tal; iii) a inexistência por mera imposição da lei, que corresponde a um acto de autoridade e de hostilidade do Direito que impõe, como consequência de vícios particularmente graves, uma sanção equivalente à inexistência.
VI – A irregularidade da convocatória para a assembleia de compartes e da própria assembleia, por motivos procedimentais, tem como consequência a simples anulabilidade da assembleia, à semelhança do estabelecido no art.º 177.º do C.C. para as associações.
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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- A Assembleia de Compartes dos Baldios X, representada pelo seu Conselho Directivo, pessoa colectiva sedeada no Lugar …, freguesia de V., concelho de Terras de Bouro, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra:

- Assembleia de Compartes dos Baldios P., representada pelo seu Concelho Directivo, com sede no Lugar …, freguesia de V., concelho de Terras de Bouro;
- Assembleia de Compartes dos Baldios A., representada pelo seu Concelho Directivo, com sede no Lugar …, freguesia de V., concelho de Terras de Bouro;
-“JA Construções, Lda.”, pessoa colectiva com sede social no Lugar do …, da mesma freguesia de V.;
- Assembleia de Compartes dos Baldios C e B, sito no lugar do ..., ainda da mesma freguesia de V., representada pelo seu Conselho Diretivo; e
- “Irmãos D, Ldª – Indústria de Madeiras”, com sede social na Rua …, freguesia de …, Concelho de Amares, pedindo a condenação das Rés a:

a) reconhecerem que o prédio rústico designado por “Monte C e Monte B” é também fruído pela Assembleia de Compartes dos Baldios X e, consequentemente, a reconhecerem o direito da Autora de explorar esse terreno e retirar dele os proveitos que ele proporciona ou possa proporcionar;
b) não mais perturbarem o exercício do seu direito de posse e fruição sobre esse prédio, abstendo-se de actos que o violem, nomeadamente a absterem-se de efectuar qualquer corte de árvores e demais actos incompatíveis com o direito de exploração dela, Autora;
c) as 1ª e 2ª Rés a reunir com a Autora sempre que pretendam deliberar sobre o prédio baldio designado por “Monte C e Monte B”, convocando-a, para o efeito, cumprindo os trâmites legais e os usos e costumes” (já com a correcção introduzida aquando da audiência de julgamento).
d) as 1ª, 2ª e 4ª Rés a restituírem-lhe, a ela Autora, a parte que lhe cabe do preço recebido pelos negócios celebrados, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;
e) as Rés a procederem, a suas próprias expensas, à reflorestação do prédio rústico em apreço, na proporção das árvores cortadas;
f) as Rés no pagamento solidário a ela, Autora, de montante a quantificar em sede de liquidação de sentença, a título de indemnização pelos prejuízos morais e patrimoniais sofridos com a venda e corte ilegítimos de árvores, acrescida dos respectivos juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamentando, alegou que em comum com a 1ª. e a 2ª. Rés têm vindo a administrar desde tempos imemoriais o terreno baldio denominado Monte C e Monte B e que, sem o consentimento e a sua convocação para a respectiva reunião, os conselhos directivos das 1ª. e 2ª. Rés deliberaram autorizar o corte de pinheiros nos referidos baldios e a sua venda, deliberações estas que, assim, são nulas e ineficazes relativamente a si, Autora.

Acrescentou que as 1ª, 2ª. e 4ª. Rés receberam das 3ª. e 5ª. Rés depósitos de caução no valor de € 200,00 e € 800,00, respectivamente, pelos lotes de madeira constituídos e que estas últimas trataram de começar a abater e só um embargo extrajudicial conseguiu suster, embora apenas de forma temporária, pois rapidamente foram eleitos os corpos gerentes da 4ª. Ré, apenas com o intuito de prosseguir com o abate dos pinheiros, a qual desde então tem vindo a apresentar-se como dona e proprietária dos terrenos baldios em questão.
Posteriormente, a 5ª. Ré iniciou o corte de pinheiros e eucaliptos igualmente sem a concordância da Autora, o que motivou novo embargo extrajudicial que, no entanto, não evitou que se concretizasse aquele corte.
Citadas, a 2.ª Ré contestou alegando que a partir de meados de 2013 o monte baldio é administrado pela 4.ª Ré e não pelos Conselhos Directivos de compartes de cada um dos lugares. Referiu, ainda que ao contrário do que afirma, a Autora foi convocada para a reunião onde foram tomadas as deliberações em questão, convocatória esta que foi efectuada segundo os usos e costumes e, ainda, por carta registada com aviso de recepção que o presidente da Autora se recusou receber. Defende, assim, que o corte das árvores efectuado é legal e, como tal, é válido e eficaz relativamente à Autora.

Concluiu, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

A 3.ª Ré apresentou contestação alegando que apenas celebrou um contrato de compra e venda de madeiras com a 4.ª Ré ao abrigo do qual procedeu ao corte das árvores no monte em questão nos autos. Acrescentou que os valores que pagou são os normalmente praticados no mercado e que o corte efectuado não pode considerar-se prematuro e muito menos prejudicial. Terminou, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

Por sua vez, as 2.ª, 4.ª e 5.ª Rés apresentaram contestação excepcionando o caso julgado e impugnando parte da matéria de facto alegada na petição inicial, defendendo também estas Rés que todas as deliberações tomadas são válidas, não padecendo de qualquer vício. Concluíram pela improcedência dos pedidos.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu as Rés de todos os pedidos.

Inconformada, traz a Autora o presente recurso pedindo a revogação da supra transcrita sentença e a sua substituição por outra que julgue procedente a acção e condene as Rés no petitório formulado.
Contra-alegaram as Rés propugnando pela improcedência do recurso.
Este, foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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II.- A Apelante formulou conclusões que são transcrição das alegações.

Como observam as Apeladas, não obedeceu ao dever de síntese imposto pelo n.º 1 do art.º 639.º do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Aqui chegados, porém, e uma vez que lhe não foi feito o convite a que alude o n.º 3 daquele art.º 639.º, transcrever-se-ão apenas as conclusões que se têm por essenciais ao enquadramento das questões que pretende ver reapreciadas, ainda que mantendo a numeração original.
V. Resultou da posição das partes nos respetivos articulados, que, desde tempos que escapam à memória dos vivos, e ininterruptamente, os compartes da Autora gozam e retiram as utilidades que esse baldio pode, natural ou espontaneamente, oferecer, nomeadamente para efeitos de recolha de lenha, pinhas e matos, de culturas e outras fruições, sempre à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, nomeadamente das Rés.
VI. Com efeito, a Primeira Ré, no artigo 7.º da sua contestação, afirma que são os compartes dos Baldios C e B que detêm a posse plena do referido prédio baldio, reconhecendo, assim, que são os compartes de X, A e P que detêm essa posse, porquanto não há distinção entre os Compartes dos Baldios C e B e os compartes daqueles três Lugares.
VII. Também resultou das declarações prestadas pelo Presidente do Conselho Diretivo da Autora, e ainda do depoimento da Primeira Ré, da Segunda Ré e da Quarta Ré, que são os compartes da Autora legítimos possuidores e fruidores desse prédio rústico, em comum com os compartes da Primeira e Segunda Rés, respetivamente.
XI. À luz do princípio da autodeterminação das comunidades, cada uma das comunidades elege, separadamente, o seu conselho diretivo e os demais órgãos sociais, sendo que a assembleia geral delibera e o conselho diretivo executa essas deliberações. Assim, e conforme resultou demonstrado, de acordo com os usos e costumes, a administração do Monte C e da Monte B tem cabido à Autora, representada pelo seu Conselho Diretivo, à Assembleia de Compartes dos Baldios P., representada pelo seu Conselho Diretivo, e à Assembleia de Compartes dos Baldios do lugar de A, representada pelo seu Conselho Diretivo.
XII. Os documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial demonstraram que os Conselhos Diretivos da Autora, da Primeira e Segunda Rés reuniam periodicamente para tratar de assuntos relacionados com o baldio em apreço, o qual era administrado conjuntamente, o que, aliás, também é reconhecido pela Segunda Ré no artigo 36.º da sua contestação.
XIII. Mais resultou provado pelo documento n.º 5 junto com a petição inicial que os compartes da Autora pagaram o imposto municipal sobre imóveis quanto àquele prédio.
XIV. As reuniões referidas nos pontos 13, 14 e 15 dos factos provados pretendem constituir uma assembleia de compartes universal. Numa assembleia de compartes universal, são convocados os compartes de várias comunidades.
XV. Ora, para que a realização de uma assembleia universal tivesse existência jurídica, feita de acordo com a Lei dos Baldios e com os usos e costumes, cada uma das assembleias de compartes (da Autora, Primeira e Segunda Rés) teria de deliberar previamente, em separado, no sentido de autorizar a realização dessa Assembleia Universal que congregasse as três comunidades, com vista a eleger um conselho diretivo único que substituísse a comissão conjunta existente, composta por representantes da Autora, Primeira e Segunda Rés.
XVII. Resulta do depoimento do Presidente do Conselho Diretivo da Primeira Ré, José, prestado entre os minutos 02:30 e 02:50, e do Presidente do Conselho da Segunda Ré, Manuel, prestados entre os minutos 02:00 e 02:30, que a convocatória para as assembleias de compartes de cada um dos Baldios separadamente era realizada através de editais.
XVIII. Resulta do depoimento do Presidente do Conselho Diretivo da Primeira Ré, José, prestado entre os minutos 20:00 e 20:40, e do Presidente do Conselho da Segunda Ré, Manuel, prestado entre os minutos 14:20 e 16:05, que a convocatória para as reuniões da comissão ad hoc eram feitas informalmente, até telefonicamente, e só, mais recentemente, é que começaram a ser enviadas cartas.
XIX. Então, o ponto 4 do elenco de factos provados não poderia ter sido dado como provado.
XX. Foi dito pelo Presidente do Conselho Diretivo do lugar de P, a Primeira Ré, José, em sede de depoimento de parte, entre os minutos 02:00 e 03:30, que, para executar as deliberações e decisões aprovadas por cada assembleia de compartes realizadas separadamente quanto àquele prédio, era constituída uma comissão zeladora, integrada por membros dos três conselhos diretivos, que ele designou como uma comissão ‘ad hoc’.
XXI. Isto foi confirmado pelo Presidente do Conselho da Quarta Ré, Joaquim, em sede do seu depoimento, entre os minutos 01:30 e 04:30, o qual confirmou a existência da comissão zeladora ad hoc que congrega os presidentes dos três conselhos diretivos dos três lugares,
XXII. Tendo esclarecido, entre os minutos 04:30 e 06:25, que cada presidente era previamente mandatado pela respetiva assembleia para representar os respectivos compartes nessa comissão ‘ad hoc’, composta por elementos da Autora, Primeira e Segunda Rés - os quais eram meros mandatários que se limitavam a executar aquilo que fora deliberado em sede das respetivas assembleias de compartes.
XXIII. A consideração desses depoimentos e dos referidos documentos permite concluir que esta comissão assim composta consubstanciava uma comissão de gestão dos baldios melhor identificados no ponto 1 dos factos provados, pelo que não tinha poder deliberativo.
XXIV. E que é a uma dessas reuniões que se referem os factos que foram dados como provados nos pontos 5 e 6 do elenco de factos provados.
XXV. O representante da Segunda Ré afirmou, entre os minutos 22:10 a 22:20 do seu depoimento, que, não tendo a Autora comparecido nem tendo dado a sua anuência para a celebração do negócio em apreço, o mesmo não era válido.
XXVI. Depreende-se, então, do depoimento de parte do representante da Segunda Ré que as deliberações para efeitos de corte e alienação de árvores existentes naquele prédio rústico, denominado Monte C e Monte B, sito em …, eram, por força dos usos e costumes, tomadas por unanimidade.
XXVII. Posto isto, sendo pressuposto da validade da realização do negócio a anuência das três assembleias de baldios para a realização de tal negócio, não seria bastante a maioria para a tomada de deliberações quanto ao corte de árvores naqueles baldios. Sendo um terreno baldio administrado por três assembleias de compartes, ao ser exigida consuetudinariamente a unanimidade, pretendia-se evitar que duas se aliassem em prejuízo da terceira.
XXVIII. Deveriam ter sido considerados provados os sucessivos embargos deduzidos pela Autora e ratificados judicialmente.
XXIX. Com efeito, além de terem sido devidamente identificados nos Autos, a Segunda Ré reconheceu a sua existência nos artigos 66.º e 67.º da sua contestação.
XXX. Sendo que também foram referidos pelas próprias Primeira, Segunda e Quarta Rés, em sede de depoimento de parte, tendo a Primeira Ré referido tais embargos entre os minutos 04:25 e 07:30 do seu depoimento, a Segunda Ré entre os minutos 09:40 e 09:50 do seu depoimento, e a Quarta Ré entre os minutos 14:00 e 14:50 do seu depoimento.
XXXI. Assim, deveria ter sido julgada provada a existência de uma sentença proferida no âmbito do processo n.º 424/11.8TBAMR, que determinava a imediata suspensão do corte de árvores no prédio baldio em apreço e, por conseguinte, ter sido considerado provado que tal decisão era do conhecimento da Primeira e Segunda Rés, mas também da Quinta Ré, na medida em que todas foram requeridas no âmbito da providência cautelar em causa.
XXXII. De igual modo, deveria ter sido julgado provado que, no dia 18 de julho de 2013 foi deduzido um embargo extrajudicial que correu termos como processo n.º 426/13.0TBAMR, no Tribunal Judicial de Amares e, tendo sido julgado procedente por provado, e, como tal, judicialmente ratificado, e consequentemente deveria ter sido julgado provado que, nesse processo, foram Requeridas a Primeira, a Segunda e a Terceira Rés.
XXXIII. De igual modo, deveria ter sido julgado provado que, pelos factos que ocorreram no dia 24 de julho de 2013, foi instaurado um procedimento cautelar de embargo extrajudicial de obra nova, o qual correu termos como processo n.º 437/13.5TBAMR, no Tribunal Judicial de Amares e que culminou na sua ratificação judicial, e, em consequência, deveria ter sido julgado provado que, nesse processo, foram Requeridas a Quarta e Quinta Rés.
XXXIX. Assim, a própria assembleia universal realizada está inquinada, enfermando de um vício insuprível. Não há base legal, nem consuetudinária, para a constituição da Quarta Ré. Verifica-se uma inexistência jurídica da deliberação de constituição da assembleia de compartes universal e, consequentemente, deve entender-se a mesma destituída de qualquer valor jurídico.
XL. Daqui deveria ter o julgador concluído que, por não ter sido a mesma validamente criada, a Quarta Ré nem sequer chegou a constituir-se juridicamente. E, por isso, deveria a Quarta Ré ter sido julgada inexistente.
XLI. Pelo que, inevitavelmente, a Quarta Ré apenas poderia ser considerada, quando muito, como uma representante da Primeira e Segunda Rés, e nunca da Autora, a qual não participou, nem consentiu, na realização da assembleia em que foi deliberada e votada a constituição da Quarta Ré.
LII. Com efeito, não resulta das atas que foram juntas com a petição inicial, como documentos n.º 12 e 13, que tenha sido previamente realizado – porque esses documentos a isso não fazem alusão – o recenseamento legalmente exigido, e nenhuma prova adicional foi produzida ou junta aos autos, a qual permitisse infirmar a conclusão de que esse recenseamento não teve lugar, cabendo, neste ponto, às Rés o ónus da prova quanto à realização desse recenseamento.
LIII. Segundo o que preceitua o art.º 15.º, n.º1, alíneas a) e b) da Lei 89/97 de 30 de julho, dúvidas não restam que é à assembleia de compartes que compete eleger a respetiva mesa e os membros do conselho diretivo e da comissão de fiscalização. Mas para que estas assembleias de compartes se pudessem realizar em assembleias constituintes universais, era necessário que, para além do supra exposto, que tivesse sido elaborado um recenseamento provisório dos compartes ou houvesse documento que o substituísse. Pois que só a partir desse recenseamento, que teria de ser aprovado pela dita assembleia, com as alterações que houvesse, é que a mesma poderia funcionar nos termos impostos pelo art.º 19.º da Lei 89/97 de 30 de julho.
LIV. Verifica-se uma insuficiência de prova relativamente à validade da constituição do Conselho Diretivo em referência.
LV. Não tendo as Rés provado que a Autora, Primeira e Segunda Rés reuniram em assembleia de compartes e deliberaram individualmente concordar com a constituição de uma assembleia universal que congregasse os compartes dos três lugares, não poderia ter sido julgado provado que tenha havido a eleição de qualquer dos órgãos de administração dos baldios (mesa da assembleia, conselho diretivo e comissão de fiscalização).
LVI. Não estamos, assim, perante uma mera eleição irregular dos órgãos de administração dos ditos baldios, pois que tal ato (eleição) nem sequer teve lugar.
LVII. Pelo que é manifesto que não se verifica a existência de qualquer suporte material ou corpus desse ato jurídico, o que implica a inexistência jurídica da alegada deliberação documentada na respetiva ata e, consequentemente, deveria ter-se entendido a mesma destituída de qualquer valor jurídico.
LVIII. Deveria a douta sentença ter declarado juridicamente inexistentes os órgãos de administração do prédio baldio em apreço, pretensamente eleitos na assembleia constituinte a que se referem os pontos 14 e 15 dos factos provados, incluindo o Conselho Diretivo, porquanto, trata-se de uma exceção de conhecimento oficioso.
LIX. Do exposto resulta, inevitavelmente, que o prédio baldio em apreço continua a ser atualmente administrado pelos órgãos eleitos da Autora, da Primeira e da Segunda Ré.
LX. A este propósito, José, presidente do conselho diretivo da Primeira Ré, ou seja, dos Baldios de P, em sede de depoimento de parte, entre os minutos 01:00 e 02:00 da gravação, confirmou que os compartes dos três lugares usavam e fruíam daquele prédio e que continuam a fruir até hoje.
LXI. Ficou ainda demonstrado que não foi obtido o consentimento da Autora quanto à realização de negócios de venda das árvores que cresceram nesse prédio baldio.
LXII. Com efeito, o representante legal da Primeira Ré, José, entre os minutos 03:30 e 03:45 do seu depoimento, afirmou que houve um desentendimento no que respeita ao corte de árvores, tendo, entre os minutos 04:25 e 07:30 esclarecido que, na sequência do corte de árvores realizado, houve um embargo extrajudicial de obra nova que foi ratificado.
LXIII. Mais afirmou, entre os minutos 09:25 e 10:05, que, no passado, havendo falta de consenso quanto aos atos a praticar sobre aquele prédio, esses atos não seriam praticados, “ficando tudo sem efeito”.
LXIV. Esse Representante legal da Primeira Ré declarou ainda, entre os minutos 12:05 e 12:13, que os compartes e pessoas com interesse ‘cismaram’ constituir a Quarta Ré, tendo admitido, entre os minutos 14:15 e 15:00, que participou na recolha dos orçamentos.
LXV. O mesmo foi afirmado pelo representante legal da Segunda Ré, Manuel, entre os minutos 04:40 e 05:30 do seu depoimento, quanto à existência do desentendimento, conforme já fora admitido pela Segunda Ré, no artigo 21.º da sua contestação, tendo explicado que o representante da Autora, tendo sido convocado para uma reunião, na qual foi sugerido cortar mais algumas árvores, para além daquelas que estariam doentes, a isso se opôs.
LXVI. Tendo declarado, entre os minutos 22:10 e 22:20, que não poderiam a Primeira e Segunda Rés deliberar porque estavam ‘à espera de ….
LXVII. O representante legal da Segunda Ré afirmou também, entre os minutos 07:08 e 08:25, que, a partir dessa altura, começaram a enviar cartas e, como o representante da Autora não comparecia, foi ‘tomada uma atitude por maioria’, tendo sido, nessa ocasião, adjudicada a venda das árvores.
LXVIII. Declarou também, entre os minutos 09:40 e 10:20, que, perante o embargo deduzido, reuniram a Primeira e Segunda Rés, as quais deliberaram no sentido de constituir uma nova entidade para concluir os negócios iniciados.
LXIX. Por seu turno, o Presidente do Conselho Diretivo da Quarta Ré esclareceu, entre os minutos 12:00 a 14:50 do seu depoimento, que havia necessidade de cortar algumas árvores, para o que foi convocado o presidente do Conselho Diretivo da Autora, para estar presente numa reunião conjunta.
LXX. Mais afirmou que, não tendo este comparecido, a Primeira e Segunda Rés convidaram alguns madeireiros a apresentar propostas de compra de madeira e adjudicaram, mas não assinaram o contrato devido à ocorrência do embargo que fora ratificado.
LXXI. Afirmou, entre os minutos 14:50 e 16:05, que ‘para resolver este impasse’, ele decidiu criar a Quarta Ré. O ‘impasse’ em causa é, como é evidente, os embargos ratificados.
LXXIII. Acresce que decorre da prova documental constante dos autos, designadamente dos documentos n.ºs 4, 6 e 14 juntos com a petição inicial, que os membros integrantes das Comissões Diretivas da Primeira e Segunda Rés pertencem atualmente aos quadros diretivos da Quarta Ré, designadamente Joaquim e José, que pertenciam à Comissão Diretiva da Primeira Ré - sendo este Presidente do Conselho Diretivo - e que agora são Presidente do Conselho Diretivo e Presidente da Comissão de Fiscalização, respetivamente - cfr. documentos n.ºs 4, 6 e 14, bem como Manuel que era Presidente do Conselho Diretivo da Segunda Ré e é agora Tesoureiro do Conselho Diretivo – cfr. documentos n.º 6 e n.º 14.
LXXIX. Conforme documento que se junta como n.º 7 e que acompanhou a petição inicial, foram os Conselhos Diretivos da Primeira e Segunda Rés que realizaram os convites para apresentação de propostas de arrematação de venda das árvores, facto que a Terceira Ré não poderia ignorar já que não só respondeu ao convite formulado por duas entidades, como celebrou o contrato com um contraente distinto daquelas, não tendo procurado aferir se se tratava – ou não – de venda de coisa alheia.
LXXX. Resulta dos documentos juntos com a petição inicial, nomeadamente os que seguiram sob o n.ºs 6, 7, 9 e 12 e 13, que a Quarta Ré não se encontrava constituída no momento da adjudicação dos cinco lotes.
LXXXI. Em sede de depoimento de parte, prestado entre os minutos 20:00 e 21:30, o representante legal da Quarta Ré afirma que a Quarta Ré não se encontrava registada no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (Registo Nacional de Pessoas Coletivas).
LXXXII. De todo o exposto, o julgador deveria ter dado como provado que a constituição da Quarta Ré foi um expediente para contornar a necessidade de consentimento da Autora e cujo único propósito era conferir uma aparência de legitimidade ao abate de árvores no referido prédio, a pretexto de se estar a alastrar uma doença com perigo eminente para grande parte do pinhal, de se proceder a uma limpeza global do monte, face ao perigo de incêndio, e a necessidade de se operar um crescimento mais ordenado das árvores.
LXXXIV. Atento ao exposto anteriormente, há factos provados que não poderiam ter a redação que apresentam na douta sentença.
LXXXV. É o caso dos pontos 2 e 3 do elenco dos factos provados, pois em ambos os pontos emprega-se como tempo verbal o pretérito perfeito, concluindo que os compartes da Autora fruíram esse prédio, conjuntamente com os compartes da Primeira e da Segunda Ré, retirando as utilidades que mesmo oferecia. Ora, toda a prova produzida vai no sentido que, para além de ter gozado e fruído no passado, os compartes dos lugares de X, A e P continuam a fruir no presente, conjuntamente, o prédio baldio em apreço.
LXXXVII. Deveria ter sido considerado provado que as assembleias referidas nos pontos 14 e 15 dos factos provados não obedeceram a essas formalidades, razão pela qual não poderiam ser consideradas constituídas validamente. A Assembleia assim realizada - desde que tivesse sido previamente deliberada pelas Assembleias Gerais da Primeira e Segunda Rés - apenas poderia, quando muito, vincular, também à luz do princípio da autodeterminação das comunidades, a Primeira e Segunda Rés, e não a Autora.
LXXXIX. Outros factos não foram considerados demonstrados, não obstante constarem como evidentes face ao teor documentos juntos. Por exemplo, os documentos n.º 3 e 4 juntos com a petição inicial demonstram cabalmente que os conselhos diretivos da Autora, Primeira e Segunda Rés reúnem periodicamente, bem como resultou provado pelo documento n.º 5 que os compartes da Autora pagaram o imposto municipal sobre imóveis quanto àquele prédio.
XC. Outros factos provados encontram-se incompletos e descontextualizados do âmbito histórico e fáctico em que se inserem. É o caso dos pontos 5 e 6 dos factos provados, nos quais deveria ter sido especificado que esta convocatória se referia à reunião da comissão zeladora, composta por elementos da Autora, Primeira e Segunda Rés - as quais eram meros mandatários das assembleias de compartes, que executavam aquilo que fora deliberado em sede de assembleias de compartes.
XCI. Esta comissão assim composta consubstanciava uma comissão de gestão dos baldios melhor identificados no ponto 1 dos factos provados, não tendo poder deliberativo. Quer a Autora, quer a Primeira Ré, quer a Segunda Ré poderia convocar uma reunião para discutir temas de interesse dos baldios e das comunidades, atos de vida corrente e atos de gestão.
XCIII. O ponto 4 desse elenco considera que convocatórias para as Assembleias Gerais de compartes dos Baldios dos Lugares de P, A e X sempre foram efetuadas mediante a afixação de editais. Ora, resultou demonstrado que nunca se realizou nenhuma assembleia universal.
XCIV. Resultou demonstrado, isso sim, que as convocatórias das assembleias de compartes de cada baldio - da Autora, da Primeira e Segunda Rés – sempre foram efetuadas mediante a afixação de editais e eram realizadas separadamente.
Cada uma das assembleias convocava, pois então, os seus próprios compartes e reuniam estes separadamente das outras assembleias de compartes.
XCV. Em bom rigor, o facto considerado provado no ponto 5 encontra-se em contradição com o ponto 4, na medida em que a reunião referida no ponto 5 consiste numa reunião conjunta da comissão zeladora dos presidentes dos três conselhos diretivos dos três baldios para dar cumprimento às deliberações tomadas nas assembleias gerais dos compartes de cada lugar.
XCVI. Similarmente, o ponto 15 do elenco dos factos provados não poderia ter sido julgado como provado pois não poderia ter sido considerado realizada uma assembleia geral universal e, consequentemente, deliberada a eleição dos corpos sociais, em virtude da deliberação da constituição da assembleia de compartes estar ferida de um vício insuprível de inexistência jurídica, pois não lhe está subjacente qualquer suporte objetivo que permita emprestar-lhe um mínimo de consistência.
XCVII. Um ato inexistente, porque não produz quaisquer efeitos, não carece de ser anulado.
XCIX. Pelo que se requer V/ Exas. procedam, em conformidade, à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por resultar da prova produzida que se impõe uma decisão diferente, que considere, para além dos factos julgados provados e seguidamente não impugnados, os seguintes:

a) O prédio identificado em 1.º é atualmente administrado pelos órgãos eleitos da Autora, da Primeira Ré e da Segunda Ré;
b) Nos últimos anos tem havido grandes desentendimentos entre a Autora e as Primeira e Segunda Rés quanto à administração do referido prédio rústico designado por Monte C e Monte B, querendo estas proceder, sob os mais variados pretextos, à venda de árvores, com vista à venda de madeira, ao que a Autora se tem sempre oposto;
c) As Primeira e Segunda Rés reuniram e deliberaram proceder à venda das árvores nos baldios comuns também à Autora e, posteriormente, sobre quais as condições do contrato a apresentar aos madeireiros a concurso para o abate dos pinheiros a realizar nesses montes baldios;
d) A Autora, em sede de assembleia de compartes, opôs-se ao corte de árvores nesse terreno baldio;
e) Nunca recebeu a Autora qualquer convocatória, na pessoa do Presidente do seu Conselho Diretivo, para qualquer reunião da comissão conjunta ad hoc integrada por elementos dos três conselhos diretivos (Lugares de X, A e P);
f) Desconhecendo aquele a realização de uma reunião entre a Primeira e Segunda Rés, não pode nela comparecer, nem fazer-se representar;
g) Não foi comunicado à ora Autora, mediante a entrega das respetivas atas, ou, por qualquer forma levado ao seu conhecimento, o teor das deliberações tomadas nas reuniões e assembleias realizadas e das quais esteve ausente;
h) Não foi comunicado à Autora que fora tomada qualquer decisão quanto ao destino a dar às árvores dos baldios de que também é possuidora e fruidora, nem quais as condições da venda a realizar;
i) Apenas tomou a aqui Autora conhecimento dos negócios realizados em sede das providências cautelares instauradas e perante a verificação do abate de árvores que não fora por ela autorizado nem consentido;
j) As árvores abatidas não eram apenas as que se encontravam em risco de queda à margem da estrada nacional n.º 205 e muito menos se cingiu à poda dos ramos das árvores que estavam pendentes sobre aquela e ofereciam perigo para o trânsito ou os seus utentes;
k) As Primeira e Segunda Rés decidiram constituir a Quarta Ré para evitar que a decisão do procedimento cautelar impossibilitasse a venda dos referidos lotes e criar uma falsa aparência de legitimidade, como forma de contornar a necessidade de obter o consentimento da Autora para o efeito;
l) A Quarta Ré tem vindo, pois então, a apresentar-se, perante terceiros, como dona e legítima proprietária do referido prédio e, consequentemente, das árvores, designadamente pinheiros, que ali se encontram;
m) Desde o momento da adjudicação, a Terceira Ré e Quinta Ré procederam ao corte de árvores;
n) O Monte C e Monte B encontra-se, presentemente, completamente desflorestado e será necessário adquirir novas árvores e replantá-las;
o) As assembleias de compartes dos baldios dos lugares de X, A e P reuniam-se, periodicamente, em separado, para tomarem decisões sobre o prédio baldio em apreço;
p) A comissão ad hoc constituída por elementos dos conselhos diretivos daqueles três lugares reunia-se periodicamente para tratar de assuntos de gestão daquele baldio;
q) Esta comissão de gestão dos baldios melhor identificados no ponto 1 dos factos provados, não tinha poder deliberativo, limitando-se a executar as deliberações tomadas em sede das assembleias de compartes dos três Lugares realizadas separadamente;
r) A Autora pagou o respetivo imposto municipal sobre imóveis quanto àquele prédio;
s) A Assembleia universal no âmbito da qual foi eleito o conselho diretivo dos Baldios C e B não foi precedida por uma deliberação da Autora, no que concerne a realização dessa assembleia universal;
t) Quer a Autora, quer a Primeira Ré, quer a Segunda Ré tinham iniciativa, no âmbito da comissão conjunta ad hoc, para convocar uma reunião para discutir temas de interesse dos baldios e das comunidades, atos de vida corrente, atos de gestão;
u) Sendo que a reunião aludida no ponto 5 dos factos provados, com a ordem de trabalhos referida no ponto 6 do mesmo elenco, se referia a uma dessas reuniões dessa comissão zeladora;
v) O corte de árvores que se localizavam naquele prédio rústico, realizado em 2 de setembro de 2011, motivou a apresentação em juízo de um embargo extrajudicial de obra nova, o qual correu termos como processo n.º 424/11.8TBAMR, e foi judicialmente ratificado pelo Tribunal em 16 de fevereiro de 2012;
w) No dia 18 de julho de 2013, a Autora deduziu um embargo extrajudicial que correu termos como processo n.º 426/13.0TBAMR, no Tribunal Judicial de Amares e, tendo sido julgado procedente por provado, e, como tal, judicialmente ratificado, processo em que foram Requeridas a Primeira e Segunda Rés e Terceira Ré;
x) Pelos factos que ocorreram no dia 24 de julho de 2013, a Autora instaurou um procedimento cautelar de embargo extrajudicial de obra nova, o qual correu termos como processo n.º 437/13.5TBAMR, no Tribunal Judicial de Amares e que culminou na sua ratificação judicial. Nesse processo foram Requeridas a Quarta e Quinta Rés;
y) Os membros integrantes das Comissões Diretivas da Primeira e Segunda Rés pertencem atualmente aos quadros diretivos da Quarta Ré;
z) Os membros das Comissões Diretivas da Primeira e Segunda Rés passaram a pertencer aos quadros diretivos da Quarta Ré, não podendo ignorar os embargos que tinham sido ratificados;
aa) Foram os Conselhos Diretivos da Primeira e Segunda Rés que realizaram os convites para apresentação de propostas de arrematação de venda de madeira de pinheiro;
bb) A Terceira e Quinta Rés, na sequência dos convites formulados pela Primeira e Segunda Rés, apresentaram propostas de compra de árvores do terreno baldio em apreço;
cc) A Quarta Ré não se encontrava constituída no momento da adjudicação dos cinco lotes;
dd) Nem a Primeira nem a Segunda Rés poderiam ter deliberado e atuado em representação da Autora;
ee) A Quarta Ré não é legítima possuidora e fruidora do prédio rústico denominado Monte C e Monte B, e como tal não tinha nem tem legitimidade para proceder à venda das árvores ou praticar quaisquer atos de administração e fruição sobre aquele terreno baldio;
ff) Os cortes que foram realizados só poderiam acontecer com a autorização de três assembleias: da Autora, representada pelo seu Conselho Diretivo, da Primeira Ré, representada pelo seu Conselho Diretivo e da Segunda Ré, representada pelo seu Conselho Diretivo;
gg) Os conselhos diretivos da Autora, Primeira e Segunda Rés e a comissão ad hoc não foram validamente exonerados ou destituídos e/ou substituídos por qualquer outra comissão conjunta e/ou Conselho Diretivo único.
C. E ainda, procedam, em conformidade, à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por resultar da prova produzida que se impõe uma decisão diferente, que considere, designadamente:

hh) O ponto 2 do elenco de factos provados deve ter a seguinte redação: Os compartes dos Baldios do lugar de X fruíram e continuam a fruir este prédio rústico, em comum com os compartes dos Baldios P. e do lugar do A, que foi administrado, e continua a ser, pelo Conselho Diretivo de X, o Conselho Diretivo de P e o Conselho Diretivo do Lugar do A, porquanto não foram validamente exonerados ou destituídos e/ou substituídos por quaisquer outra comissão conjunta e/ou Conselho Diretivo único;
ii) O ponto 3 do elenco de factos provados deve ter a seguinte redação: Os compartes dos Baldios do lugar de X, conjuntamente com os compartes dos Baldios P. e do lugar do A gozaram e continuam a gozar as utilidades que esse prédio oferecia e oferece, nomeadamente recolheram e continuam a recolher lenha e matos, sempre à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém;
jj) O ponto 4 do elenco dos factos provados deve ter a seguinte redação: As convocatórias das assembleias de compartes de cada baldio - da Autora, da Primeira e Segunda Rés - sempre foram efetuadas mediante a afixação de editais e eram realizadas separadamente.
kk) O ponto 15 do elenco dos factos provados deve ter a seguinte redação: No dia 20 de maio de 2012, não foi realizada a assembleia geral da Quarta Ré, bem como não foram eleitos quaisquer órgãos de administração dos ditos baldios. Nesse dia foi realizada uma reunião com aparência de assembleia universal.
CXX. Tal corte só poderia acontecer com a autorização de três assembleias: da Autora, representada pelo seu Conselho Diretivo, da Primeira Ré, representada pelo seu Conselho Diretivo e da Segunda Ré, representada pelo seu Conselho Diretivo,
CXXI. Consubstanciam, pois então, estes negócios venda de coisas alheias, como sendo próprias, pelo que serão nulos, nos termos do art.º 892.º do Código Civil, quer o procedimento de adjudicação, quer os contratos de compra e venda posteriormente celebrados, negócios esses que não produzem qualquer efeito quanto à Autora.
CXXII. Não estando os adquirentes, a Terceira e Quinta Rés, de boa-fé, já que conheciam a falta de legitimidade da Primeira e Segunda Rés, bem como conheciam o carácter alheio dos bens em relação à Quarta Ré, os quais não tinham como ignorar.
CXXIV.A Autora entende terem sido violadas, pela douta decisão de que ora se recorre, as seguintes normas:
CXXV. A norma prevista no art.º 82 n.º 1 d) da Constituição da Republica Portuguesa, por ter desconsiderado os baldios enquanto meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais;
CXXVI. As seguintes normas previstas no Código de Processo Civil: o art.º 576.º CPC, por não ter conhecido a inexistência que é uma exceção de conhecimento oficioso, art.º 607.º n.º 4 e n.º 5, por não ter tomado em devida conta os factos que foram admitidos por acordo, provados por documentos, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, e o art.º 615.º n.º 1, d), por não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar, designadamente a arguida nulidade por venda de coisa alheia e a inexistência, CXXVII. Bem como as normas ínsitas os art.º 1.º n.º 1, n.º 2 e n.º 3; art.º 5.º n.º 1; art.º 11.º n.º 1 e n.º 2; art.º 15.º n.º 1 a) e b); art.º 20 n.º 3; art.º 21.º a), i) e j), da Lei dos Baldios,
CXXVIII. E ainda o art.º 892.º do Código Civil., referente à venda de coisa alheia.
CXXIX. Mais entende ter sido violado o princípio da autodeterminação das comunidades.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Como se extrai das conclusões acima transcritas, cumpre:
- reapreciar a decisão de facto;
- reapreciar a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- A Apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo fazer reverter o sentido da decisão quanto a alguns factos, aditar outros à decisão, e alterar a redacção quanto a um terceiro grupo de factos.
a) O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Como inequivocamente consta da conclusão C, a Apelante pretende que se altere a redacção dos factos constantes dos n.os 2; 3; 4; e 15, que o Tribunal a quo julgou provados.
Relativamente aos factos que constam da conclusão XCIX, que a Apelante pretende sejam julgados provados, e comparando com a enunciação dos factos que o Tribunal a quo julgou não provados, acima transcritos, retira-se que a impugnação só não abrange os que constam sob as alíneas n); p); e q).
A partir das alíneas o) a gg) daquela conclusão, e à excepção dos factos vertidos nas alíneas aa) e bb), que foram julgados provados nos termos que constam dos n.os 8 e 10, e vertido na alínea cc), que facilmente se intui das datas que constam dos n.os 13 e sgs. (data da realização da assembleia geral e datas dos actos subsequentes) são factos que não constam da decisão, e a Apelante não os referencia pelos artigos do articulado onde foram alegados.
Ainda que deixando aqui o reparo pelo que se tem como menor observância do princípio da cooperação, posto que os factos em causa vêm enunciados, sendo pressuposto que quem julga conheça o processo, vai apreciar-se também esta parte da impugnação.
A Apelante enunciou os meios de prova em que se funda, situando no tempo da gravação as passagens dos depoimentos de parte que alicerçam o seu dissenso.
b) Na reapreciação da decisão da matéria de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., sem excluir que, como consta da “Exposição de Motivos”, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
As regras de julgamento a observar pela Relação são as mesmas por que se rege o tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções naturais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. art.os 466º., nº. 3 e 607º., n.os 4 e 5 do C.P.C..
Como refere o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem Antunes Varela et Al. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
Se, depois de reapreciadas as provas, subsistir a dúvida quanto à realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, decide-se contra a parte a quem o facto aproveita, segundo o princípio consagrado no art.º 414.º do C.P.C..
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V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

a) julgou provado que:

1. Existe um prédio rústico denominado Monte B, sito em P, V., com a área de 261.100 m2 e que confronta, de Norte, com estrada e caminho; a Nascente, com caminho e A. S. e outros; de Sul com Barragem da Caniçada e a poente com M. J. e outros, inscrito na matriz predial da freguesia de V. sob o art. 145º.
2. Os compartes da Autora fruíram este prédio, em comum com os compartes dos Baldios P. e do Lugar do A, que foi administrado pelo Conselho Directivo de X, o Conselho Directivo de P e o Conselho Directivo do Lugar do A, que reuniam periodicamente para o efeito.
3. Os compartes da Autora, conjuntamente com os compartes da 1ª. e 2ª. Rés gozaram e retiraram as utilidades que esse prédio oferecia, nomeadamente recolheram lenha e matos, sempre à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém.
4. As convocatórias para as Assembleias Gerais de compartes dos Baldios dos Lugares de P, A e X sempre foram efectuadas mediante a afixação de editais.
5. Os Presidentes dos Conselhos Directivos dos Lugares do A e de P, assinaram uma convocatória datada de 11 de Julho de 2011, com o cabeçalho “CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS C E B ... - V.-TERRAS DE BOURO”, que dirigiram ao Presidente do Conselho Directivo dos Baldios do Lugar de X, para uma reunião conjunta a realizar no dia 21 desse mês, a fim de dar cumprimento às deliberações tomadas nas assembleias-gerais dos compartes das Primeira e Segunda Rés.
6. Nos termos dessa convocatória, a ordem de trabalhos dessa reunião seria a apresentação e discussão das condições do contrato a apresentar aos madeireiros a concurso para o abate dos pinheiros a realizar nos montes baldios comuns aos três lugares.
7. A respectiva carta foi devolvida com a menção “recusada”.
8. Com o cabeçalho “CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS DE P, A E X” foi elaborado um convite, datado de 18 de Julho de 2011, para a apresentação de “propostas para arrematação de venda de madeira de pinheiros constituída por 5 lotes”, aí se referindo que para qualquer informação e visita ao local deveriam ser contactados os dirigentes José e Manuel, tendo ambos assinado este convite.
9. Para o efeito, foram constituídos cinco lotes distintos.
10. A abertura das propostas realizou-se no dia 14 de Agosto de 2011 e, não obstante ter sido definido que a entrega dos cortes só se realizaria se as propostas atingissem os valores pré-definidos pela Primeira e Segunda Ré, dado que nenhuma das propostas atingiu os valores estabelecidos, foram considerados os valores mais altos apresentados e foram adjudicados esses lotes, da seguinte forma: Lote n.º 1 à Terceira Ré, pela importância de € 9.120,00; os restantes lotes (n.º 2, n.º 3, n.º 4 e n.º 5) à Quinta Ré, pelo valor de € 57.430,00.
11. A Terceira e Quinta Rés efectuaram depósitos de caução no valor de € 200,00 e € 800,00, respectivamente.
12. No dia 2 de Setembro de 2011, trabalhadores da Quinta Ré, sob as ordens e direcção desta, procederam ao corte de árvores que se localizavam naquele prédio rústico.
13. Em 23 de Abril de 2012, “por solicitação de um considerável número de compartes dos Baldios C e B”, a Junta de Freguesia de V. convocou os Compartes dos Baldios Comuns dessa freguesia a reunirem em Assembleia Geral a realizar no dia 6 de Maio de 2012, para “apresentação, discussão e votação de vários assuntos urgentes e de capital importância para todos os compartes.”.
14. Em 7 de Maio de 2012, com o cabeçalho “COMISSÃO DIRETIVA PROVISÓRIA DOS BALDIOS C E B” foi efectuada uma convocatória onde se refere que o fazia “em cumprimento da deliberação tomada em Assembleia-Geral dos Compartes dos Baldios C e B (…) realizada no dia 6 de Maio de 2012” para todos os compartes (Lugares de P, X e A) reunirem em Assembleia Geral no dia 20 desse mês para “Eleição dos Corpos Gerentes dos Baldios C e B, para o biénio 2012/2013”.
15. No dia 20 de Maio de 2012, foi realizada a Assembleia Geral da Quarta Ré, onde foram eleitos os corpos gerentes e deliberado dar, urgentemente, continuidade ou início ao processo de abate dos pinheiros nos terrenos Baldios C e B por se estar a alastrar uma doença com perigo eminente para grande parte do pinhal, de se proceder a uma limpeza global do monte, face ao perigo de incêndio, e a necessidade de se operar um crescimento mais ordenado das árvores.
16. A tomada de posse dos corpos gerentes da Quarta Ré ocorreu no dia 1 de Junho de 2012.
17. Quem celebrou os contratos de compra e venda com as Terceira e a Quinta Rés foi a Quarta Ré.
18. No dia 18 de Julho de 2013, alguns trabalhadores, sob as ordens e instruções da Terceira Ré iniciaram o corte de pinheiros e eucaliptos, no prédio rustico denominado “Monte C e Monte B”.
19. Nesse mesmo dia, o Presidente do Conselho Directivo da Autora, acompanhado de duas testemunhas, dirigiu-se ao empregado da Terceira Ré, notificando-o verbalmente para parar imediatamente o derrube de árvores, pelo que embargava a obra.
20. No dia 24 de Julho de 2013, alguns trabalhadores da Quinta Ré, sob as ordens e as instruções do seu representante legal, iniciaram corte de pinheiros e eucaliptos.
21. Nesse mesmo dia, o Presidente do Conselho Directivo da Autora, acompanhado de agentes da GNR do Gerês e de um mestre florestal, dirigiramse ao encarregado da obra, em virtude dos representantes legais das requeridas não se encontrarem presentes e notificouo verbalmente para “parar imediatamente o derrube de árvores, pelo que embargava a obra”.

b) julgou não provado que:

a) O prédio identificado em 1º é actualmente administrado pelos órgãos eleitos da Autora, da 1ª. Ré e da 2ª. Ré.
b) Nos últimos anos tem havido grandes desentendimentos entre a Autora e as Primeira e Segunda Rés quanto à administração do referido prédio rústico designado por Monte C e Monte B, querendo estas proceder, sob os mais variados pretextos, ao corte raso de árvores, com vista à venda de madeira e consequente lucro imediato, ao que a Autora se tem sempre oposto, designadamente porque defende uma administração mais ponderada, considerando ser mais lucrativo aguardar melhores propostas do que aquelas que têm sido realizadas e porque acredita que, num iato temporal de dez anos, o lucro será maior.
c) Não tendo sido possível obter o consentimento da Autora quanto à realização de negócios de abate das árvores que cresceram nesse prédio baldio, com vista à posterior venda da madeira, os Conselhos Directivos das Primeira e Segunda Rés decidiram convocar a reunião referida em 5º à revelia da Autora, sem para o efeito terem convocado um representante do Conselho Directivo da Autora, nomeadamente o seu Presidente, para deliberar sobre a administração do referido prédio.
d) As Primeira e Segunda Rés reuniram e deliberaram proceder a um corte dos pinheiros nos baldios comuns também à Autora e, posteriormente, sobre quais as condições do contrato a apresentar aos madeireiros a concurso para o abate dos pinheiros a realizar nesses montes baldios, sem previamente ter, para o efeito, convocado os representantes da Autora, mormente o Presidente do Conselho Directivo.
e) Nunca recebeu a Autora qualquer convocatória, na pessoa do Presidente do seu Conselho Directivo.
f) Desconhecendo aquele a realização de uma reunião entre a Primeira e Segunda Rés, não pode nela comparecer, nem fazer-se representar.
g) Não foi comunicado à ora Autora, mediante a entrega das respectivas actas, ou, por qualquer forma levado ao seu conhecimento, o teor das deliberações tomadas nas reuniões e assembleias realizadas e das quais esteve ausente.
h) Não foi comunicado à Autora que fora tomada qualquer decisão quanto ao destino a dar às árvores dos baldios de que também é possuidora e fruidora, nem quais as condições da venda a realizar.
i) Apenas tomou a aqui Autora conhecimento dos negócios realizados em sede das providências cautelares instauradas e perante a verificação do abate de árvores que não fora por ela autorizado nem consentido.
j) As árvores abatidas não eram apenas as que se encontravam em risco de queda à margem da estrada nacional n.º 205 e muito menos se cingiu à poda dos ramos das árvores que estavam pendentes sobre aquela e ofereciam perigo para o trânsito ou os seus utentes.
k) As Primeira e Segunda Rés decidiram constituir a Quarta Ré para evitar que a decisão do procedimento cautelar impossibilitasse a venda dos referidos lotes e criar uma falsa aparência de legitimidade, como forma de contornar a necessidade de obter o consentimento da Autora para o efeito.
l) A Quarta Ré tem vindo, pois então, a apresentar-se, perante terceiros, como dona e legítima proprietária do referido prédio e, consequentemente, das árvores, designadamente pinheiros, que ali se encontram,
m) Desde o momento da adjudicação, a Terceira Ré procedeu ao corte de 422 árvores e a Quinta Ré procedeu ao corte de 2.851 árvores.
n) De acordo com o diâmetro com casca à altura do peito, a maior parte das árvores abatidas encontrava-se em classe 15, 20, 25, 30 e 35, pelo que, no prazo de dez anos, poderiam ser vendidas por um valor muito superior, importando o seu corte prematuro prejuízos.
o) O Monte C e Monte B encontra-se, presentemente, completamente desflorestado e será necessário adquirir novas árvores e replantá-las.
p) Todavia, demorará cerca de cinquenta anos até que os pinheiros cresçam e atinjam a maturidade e as dimensões adequadas para proceder à sua venda.
q) Toda esta situação e as actuações mencionadas criaram nos compartes da Autora sentimentos de nervosismo, inquietude, revolta, e de impotência.
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VI.- No essencial, a Apelante funda o seu dissenso fazendo a sua interpretação de frases que extrai dos depoimentos de parte dos representantes das Assembleias de Compartes dos lugares de P e A, respectivamente, José e Manuel, e remetendo para os documentos que juntou aos autos.
Na apreciação que faz daqueles elementos probatórios, diverge da apreciação do Tribunal a quo, que, como consta de fls. 523 e 524, também neles alicerçou a sua decisão.
Foram revistados, através das gravações, todos os depoimentos pessoais prestados em audiência.
Passando à reapreciação da matéria de facto, cumpre, desde já, fazer observar que, como acima já se deixou referido, dentre a facticidade constante da conclusão XCIX (que a Apelante quer ver provada), a que consta sob as alíneas aa) e bb), foi julgada provada pelo Tribunal a quo nos termos que constam dos n.os 8 e 10, e o vertido na alínea cc) facilmente se intui das datas que constam dos n.os 13 e sgs..
Relativamente à alínea u) (que a reunião aludida no ponto 5., com a ordem de trabalhos referida no ponto 6. se reporta a uma das reuniões da comissão zeladora) não tem qualquer utilidade levar tal facto à sentença, por não ser essencial à decisão, cabendo ainda observar que a designação “comissão zeladora” foi trazida para o julgamento apenas pelo representante da Apelante, dando-lhe um sentido que não coincide com o da expressão usada pelo referido José, representante da Assembleia de Compartes de P.
Quanto à incidência processual que consta da alínea v) – “apresentação em juízo de um embargo extrajudicial, que “foi judicialmente ratificado em 16/02/2012” – nos autos de Embargo de Obra Nova n.º 426/13.0TBAMR, referido em w), que constituem o Apenso A da presente acção, está junta uma cópia (não certificada), da mencionada sentença (fls. 41-56), que decidiu nos termos acima referidos. Porém, não pode deixar de se fazer observar que também foi junta aos presentes autos uma cópia da transacção, homologada por sentença, que colocou termo à Acção Ordinária respectiva. Nessa transacção, celebrada em 08/01/2014, outorgada pela aqui Apelante e pelas 1.ª e 2.ª Rés, “Assembleias de Compartes dos Baldios” do lugar de P e do lugar do A, estas “reconhecem que até à Constituição da Assembleia de Compartes dos Baldios de C e Monte B, a Autora era legítima possuidora e fruidora juntamente com as Rés do Monte C e Monte B” (cláusula 1ª) e “obrigam-se a abster-se de quaisquer actos lesivos da posse conjunta dos referidos lugares, uma vez que tem as Rés conhecimento da constituição da nova Assembleia, à qual reconhecem os poderes para gerir e administrar o Monte de C e Monte B” (cláusula 2ª) - cfr. fls. 218-219, da presente acção.
Relativamente aos autos de Embargo de Obra Nova com o n.º 426/13.0TBAMR, referido em w), (Apenso A da presente acção) a Apelante equivoca-se quanto à decisão que conheceu. Com efeito, e como se vê de fls. 72, o referido Procedimento Cautelar terminou por transacção, celebrada em 02/10/2013, que, como é óbvio, também a Apelante, como Autora, outorgou, transacção que foi homologada por sentença em acta, na qual “os requeridos Assembleia de Compartes dos Baldios X (inequívoco erro de escrita já que esta foi a Requerente. O que se pretendeu escrever foi “P”) e Assembleia de Compartes dos Baldios A., não obstante entenderem que não terem legitimidade nem competência para a gestão da área florestal em discussão nos autos, comprometem-se perante a requerente em não proceder ao corte de qualquer árvore nessa mesma área florestal, por si ou por outra entidade/pessoa/empresa a seu mando”.
No que concerne aos Embargos de Obra Nova n.º 437/13.5TBAMR, referidos na alínea x), que constituem o Apenso B da presente acção, e que a ora Apelante requereu contra a “Assembleia de Compartes dos Baldios C e B”, aqui 4.ª Ré, e contra a 5.ª Ré, não foram, tampouco, contestados pelas Requeridas, pelo que, em 03/10/2013, (ou seja, no dia a seguir àquele em que foi celebrada a transacção acima referida) foi proferida uma sentença de “condenação de preceito”.
Relativamente às alíneas y) e z) – à excepção dos respectivos presidentes (à época), dos autos não consta a composição nominativa das Comissões Directivas das 1.ª e 2.ª Rés, pelo que se não sabe se os seus membros “pertencem actualmente aos quadros directivos da Quarta Ré”, e também não tem interesse concluir se “podem” ou não ignorar que “os embargos que tinham sido ratificados” se bem que relativamente àquelas 1.ª e 2.ª Rés não consta que tenham desobedecido aos embargos acima referidos. E se o cargo de tesoureiro do Conselho Directivo da 4.ª Ré, exercido pelo representante do lugar do A – Manuel – lhe poderá ter dado a possibilidade de contribuir para a decisão, atentas as funções executivas daquele órgão, já o mesmo se não pode dizer relativamente ao representante de P - José – que tinha o cargo de presidente da Comissão de Fiscalização.
A alínea dd) é conclusiva, assim como as alíneas ee); ff) e gg), sendo que a primeira contém conceitos de direito e ela própria encerra pelo menos um dos segmentos da decisão e, por isso, não são factos.
É incontroverso, por ser comum a todos os depoimentos, designadamente das testemunhas B. B. que, segundo afirmou, «fez parte da Comissão (do Baldio) do C e Monte B», e A. G., que foi presidente da Junta da Freguesia entre 1998 e 2006, que o prédio rústico referido em 1. foi sempre fruído pelos “povos” dos três lugares: X, P, e A. Durante muito tempo, os compartes reuniam-se quando era necessário tratar de algum assunto relativo ao baldio, formando, nas palavras do já referido José, uma «associação ad hoc», embora tivessem «uma comissão que estava a zelar por aquilo». Era tudo feito de modo informal, sem preocupação de qualquer acta ou registo. Nas palavras do supramencionado A. G., «quando algum Lugar precisava de dinheiro ou qualquer coisa eles juntavam-se e entendiam-se», nunca se tendo posto o problema de «falta de acordo».
Disto mesmo dá conta o doc. de fls. 80 a 83, que é cópia de uma “Acta de Reunião dos Conselhos Directivos De Compartes de Baldios, dos Lugares do A, P e X, Relativo à Administração do C ou Monte B”, ocorrida em 08/06/1990, na qual ficou registado que “desde o início as reuniões foram informais”, não havendo actas. Na discussão de um dos pontos da “Ordem de Trabalhos” – o do corte de pinheiros por uma Associação Recreativa local, considerado abusivo – constata-se não haver unanimidade, tendo o “elemento de P” manifestado o seu desacordo pessoal mas “como elemento da Comissão de Baldios votará conforme for determinado pelos moradores do lugar de P em reunião a efectuar”. Desconhece-se qual foi o resultado final, mas este episódio contraria a Apelante ao pretender que, por “imposição” dos usos todas as decisões sobre o baldio só podiam ser tomadas por unanimidade.
As coisas “funcionaram” mais ou menos nos mesmos moldes, com a Junta da Freguesia num papel de simples «cobertura», até cerca do ano de 2002, altura em que, nas palavras da testemunha A. G. «estes terrenos foram tirados da Junta da Freguesia» e «formaram os Conselhos Directivos».
Com efeito, naquele ano, como consta da “Acta da Assembleia-Geral da Comissão Conjunta dos Conselhos Directivos dos Baldios E C dos lugares do A, P e X”, datada de 04/05/2002, dentre outros assuntos, decidiu-se “que seria constituída uma Comissão Conjunta formada por elementos das três Comissões Directivas dos Baldios daqueles três lugares, “as quais orientariam os destinos do C, em representação e por delegação das respectivas Comissões Directivas” – cfr. fls. 33 e 34 dos autos.
Não se trata de uma “comissão ad hoc”, pelo menos no verdadeiro sentido da expressão latina, e não se diz na acta se as decisões tinham de ser tomadas por unanimidade ou se o podiam ser por maioria.
Pode dizer-se que a partir desta altura, e como se refere em t) qualquer uma das três Comissões podia tomar a iniciativa de convocar uma reunião para discutir temas de interesse dos baldios.
Ao que se encontra documentado nos autos, os problemas só tiveram início nos princípios do ano de 2009, quando o representante da Apelante, Augusto, sem dar conhecimento aos representantes dos outros dois Lugares, procedeu à marcação de árvores para abater, dizendo que está “afectado exclusivamente, de há séculos atrás, aos compartes do Lugar de X o … “C de Cima”” (posição que fez questão de reafirmar em julgamento) - cfr. “Acta da Assembleia dos Conselhos Directivos …” de 26/Abril/2009, constante de fls. 111-112 e teor da carta remetida pela Apelante em “2009-06-22”, constante de fls. 113-114.

Os representantes de A e de P, respectivamente, Manuel e José, afirmaram que desde então aquele Augusto nunca mais compareceu a reunião alguma, apesar de lhe «enviarem cartas» a convoca-lo, como sucedeu com a referida no ponto 5., remetida em 11/07/2011.
Não se extrai, pois, dos documentos e nem dos depoimentos que vêm de ser referidos, o que consta das alíneas o) a q), e à excepção do representante da Apelante – referido Augusto - que, como refere o Meritíssimo Juiz na fundamentação da decisão, prestou um depoimento repetindo os factos por ela alegados, também ninguém manifestou conhecimento do que consta da alínea s) – se houve ou não “deliberação da Autora”. Não se tendo revelado minimamente isento o supramencionado depoente, também o que, a propósito, declarou não é fundamento consistente para uma decisão no sentido propugnado pela Apelante.

Pretende esta ter feito prova do pagamento do IMI relativo ao prédio identificado em 1. – cfr. alínea r) - pela junção aos autos dos documentos de fls. 35 a 38. Só que tais documentos são notificações para pagamento, não provam nem que o imposto foi efectivamente liquidado e muito menos quem, na realidade, pagou. Assim, à míngua de outros elementos probatórios não pode ter-se aquele facto correspondente com a realidade.

Relativamente à facticidade que o Tribunal a quo julgou “não provada”, e a Apelante pretende ver invertido o sentido da decisão, também esta pretensão não pode ser acolhida, pela total ausência de prova quanto a alguns factos – alíneas d); e); f); g); h); i); e n).
Com efeito, relativamente às árvores que foram cortadas apenas se pronunciou a testemunha Filipa dizendo que «foram cortadas bastantes», e perguntada se “foi tudo raso” respondeu «não foi raso, raso, mas foi bastante», sem a mais leve indicação do número de árvores abatidas, com o que se não se vê fundamento para se julgar provado o que consta da alínea n).

Como acima se fez referência, deduz-se da acta de 26/04/2009, e da correspondência que se lhe seguiu, a motivação da oposição da Apelante, que tem um sentido diferente do sentido subliminar da redacção que consta da alínea d), pelo que o facto aqui transcrito, em singelo, sem a explicação da sua motivação (que não vem invocada), também nada releva, com o que se não vê justificação para alterar a decisão.

Relativamente ao não recebimento de convocatórias, à não comunicação das decisões, à falta de conhecimento dos negócios, que alega a Apelante, para além do que consta dos pontos 6 e 7, foi afirmado pelos representantes dos outros dois Lugares que passaram a enviar ao representante daquela cartas simples que não foram devolvidas, e, de qualquer modo, o representante da Apelante disse-se informado “por pessoas que lhe vieram dizer” dos assuntos debatidos nas assembleias de compartes.

No que se refere às árvores abatidas, a que alude a alínea j), e ao que se refere na alínea l), remete-se para o que consta do ponto n.º 15, que não foi impugnado quanto à facticidade que ele contém, dissentindo-se antes da interpretação e qualificação da “reunião” – alínea kk) da conclusão C.
No que concerne à alínea m) o que se julgou não provado foi o número de árvores abatidas, e o que a Apelante pretende seja levado à decisão de facto (que a 3.ª e 5.ª Rés procederam ao corte de árvores) já lá se encontra nos n.os 18 e 20.

No que se refere à intencionalidade da constituição da 4.ª Ré, referida na alínea k), o que resulta dos depoimentos de parte dos representantes de P e do A, e está conforme com as regras da experiência comum, foi que, tendo-se chegado a um impasse face à posição renitente do representante da Apelante, não sendo mais possível “governar” o baldio nos mesmos moldes que vinham sendo seguidos, houve que chamar os compartes a decidir. A intencionalidade posta pela Apelante não se extrai, pelo menos de forma imediata, do que ficou referido, sendo que a dúvida sempre terá de ser decidida contra a Apelante, de acordo com o princípio vertido no art.º 414.º do C.P.C.. E essa dúvida é pertinente já que a convocatória de “todos os compartes” dos três lugares para uma assembleia geral cujo único ponto da “Ordem de Trabalhos” era a “Eleição dos Corpos Gerentes dos Baldios do C e Monte B, para o biénio 2012/2013”, também está assinada por um representante do Lugar de X, como se vê de fls. 50 dos autos, e ficou referido em 14. dos “factos provados”.

Relativamente à alínea a), como a própria Apelante aceitou nas transacções que celebrou, e que acima se transcreveram, o prédio identificado em 1.º não é actualmente administrado pelos órgãos eleitos da Autora, da Primeira e da Segunda Ré já que pelo menos estas duas expressamente se demitiram da administração.
Já foram acima referidos os desentendimentos entre a Apelante e as 1.ª e 2.ª Rés, e os motivos que os determinaram, que não são, de modo algum, os que vêm referidos na alínea b).

Finalmente, no que concerne à alínea c) remete-se para o n.o 6, nada havendo a acrescentar, nem a decisão de facto sairia mais explícita ou completa com a introdução do que consta daquela alínea.
Na conclusão C a Apelante enuncia os pontos de facto cuja redacção pretende ver alterada.
Dentre esses pontos de facto, que constam da facticidade julgada provada pelo Tribunal a quo, inicia-se a análise pela alínea kk): que no dia 20/05/2012 não foi realizada a assembleia geral da 4.ª Ré e não foram eleitos quaisquer órgãos de administração e que foi realizada “uma reunião com aparência de assembleia universal”. Os documentos – actas - que suportam a ocorrência do evento não foram impugnados pelo que se têm por verdadeiros quanto ao seu conteúdo. Assim, para além da sua convicção própria, não se consegue vislumbrar, da prova carreada para os autos, algum elemento probatório que simplesmente indicie o que a Apelante escreve naquela alínea.
Também não há fundamento para alterar a redacção do ponto 4 (alínea jj)) por não resultar claramente dos depoimentos prestados que todas as assembleias eram realizadas separadamente, como pretende a Apelante.
Relativamente aos pontos 2 e 3, (alíneas hh) e ii)) posto que o uso da forma verbal no pretérito perfeito conduz à ideia de um facto passado e já inteiramente concluído, e no presente a fruição e gozo do prédio rústico e, bem assim, o aproveitamento das suas utilidades pelos compartes residentes nos três Lugares, ainda se mantém, haverá que alterar a redacção por forma a que esta realidade fique melhor espelhada.
Apenas nesta parte, pois, se acolhe a pretensão da Apelante. Em tudo o mais mantém-se a decisão de facto.
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VII.- Nos termos que acima se deixaram referidos, ficam com esta redacção os pontos de facto números:

2. Os compartes da Autora fruíram e continuam a fruir este prédio, em comum com os compartes dos Baldios P. e do Lugar do A, que foi administrado pelo Conselho Directivo de X, o Conselho Directivo de P e o Conselho Directivo do Lugar do A, que reuniam periodicamente para o efeito.
3. Os compartes da Autora, conjuntamente com os compartes da 1ª. e 2ª. Rés gozaram e continuam a gozar e retiraram e continuam a retirar as utilidades que esse prédio oferecia, nomeadamente recolheram lenha e matos, sempre à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém.
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VIII.- A Constituição, no art.º 82.º, garante a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção: o sector público, o sector privado, e o sector cooperativo e social. Integram-se neste último sector os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais – cfr. alínea b) do n.º 4.
Dentre estes meios de produção destacam-se os baldios que, como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, são terrenos de uso colectivo, cuja especificidade reside no facto de ser “a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas, que é a titular da propriedade dos bens e da unidade produtiva, bem como da respectiva gestão (autogestão)”, e acrescentam “Por isso, o direito de propriedade e de gestão dos bens comunitários pelos próprios «condóminos» está garantido respectivamente pelo direito de propriedade privada (art. 62º) e pelo direito à autogestão reconhecido no art. 61º-5” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 4.ª ed. revista, págs. 988-999).
Os baldios, que são logradouro comum dos vizinhos de certa comunidade local, podendo ser moradores de uma ou mais freguesias ou de parte delas, não integram a propriedade individual de cada um desses vizinhos, ditos compartes.
Este conceito de compartes foi conhecendo alguma evolução, crê-se que com o sentido de o aproximar da realidade dos tempos. Assim, na Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, eram assim considerados “os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio”. O elemento comum determinante do reconhecimento da qualidade de comparte era, pois, o uso e fruição do baldio, segundo os usos e costumes.

Com a Lei 72/2014, de 2 de Setembro, os compartes são “todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respectivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma actividade agro-florestal ou silvopastoril”, parece que se presumindo que quem está inscrito nos cadernos eleitorais e reside nas comunidades locais tem direito próprio ao uso e fruição dos baldios.

A Lei 75/2017, de 17 de Agosto (que é a que actualmente rege em matéria de baldios), diz que “compartes são os titulares dos baldios”, sendo o “universo dos compartes” integrado “por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais”, reconhecendo-se à assembleia de compartes o poder de atribuir essa qualidade “a cidadão não residente” – cfr. art.º 7.º, n.os 1 e 2.

A tónica para o reconhecimento da qualidade de comparte regressou, assim, aos “usos e costumes”. Com efeito, como se refere na Exposição de Motivos, “nem todos os cidadãos residentes em certo território são compartes”. O “universo de compartes” não resultou “da manifestação da vontade deles”, sendo “realidades sociais e jurídicas, alicerçadas em ancestrais usos e costumes”.
Como refere o Ac. do S.T.J. de 16/06/2009, “é a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas, que é titular da propriedade dos baldios” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano XVII, Tomo II/2009, pág. 120), muito embora, como já alertava o Ac. do mesmo Alto Tribunal de 12/01/1993, aquela titularidade não se reconduza a um verdadeiro direito de propriedade, com o sentido tradicional, “por lhe faltar um dos seus requisitos essenciais, que é o poder de livre disposição da coisa (artº 1305º do Cód. Civil), mas a uma outra realidade jurídica, definida como posse útil ou direito de gozo e fruição”, concluindo que os baldios “são hoje coisas comuns, usufruídas pelos habitantes de uma ou várias circunscrições territoriais, em regime jurídico de posse útil e não de propriedade” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano I, tomo I-1993, pág.30).

Os baldios são geridos pelos compartes.

Atendendo à data em que os factos ocorreram a ter em conta na situação sub judicio a Lei n.º 68/93, com as (apenas duas) alterações introduzidas pela Lei n.º 89/97, de 30 de Julho.
Com efeito, ficou provado que no dia 23 de Abril de 2012, a Junta de Freguesia de V. “por solicitação de um considerável número de compartes dos Baldios C e B”, convocou os Compartes dos Baldios Comuns da freguesia a reunirem em Assembleia Geral a realizar no dia 6 de Maio de 2012, para “apresentação, discussão e votação de vários assuntos urgentes e de capital importância para todos os compartes.” (facto 13).

Essa Assembleia veio a realizar-se aí sendo deliberado eleger os Corpos Gerentes dos Baldios C e B, designação por que sempre foi conhecido o baldio identificado em 1., eleição que teve lugar na assembleia para tanto convocada, e os elementos eleitos tomaram posse (factos 15 e 16).

Como se disse, a administração dos baldios cabe, por direito próprio, aos respectivos compartes - cfr. art.º 11.º da Lei 68/93, já referida (como o serão todas as disposições infra citadas sem especificação do respectivo Diploma).

A sede própria para o exercício desse direito é a assembleia de compartes, que tem poderes para eleger e destituir os membros dos outros dois órgãos de gestão – o conselho directivo e o conselho de fiscalização – cfr. art.º 15.º, n.º 1, alínea b).

A assembleia de compartes deve ser convocada nos termos consuetudinários estabelecidos. Não havendo um uso e costume, a assembleia será convocada por meio de editais afixados nos locais de estilo, com eventual publicação num dos jornais locais ou regionais mais lidos da área do baldio, ou pela rádio local mais ouvida - cfr. n.º 1 do art.º 18.º.

Tem poderes próprios para convocar a assembleia o presidente da mesa, seja por sua iniciativa, ou a solicitação de um dos outros dois órgãos de gestão - o conselho directivo ou a comissão de fiscalização.
A assembleia também pode ser convocada a solicitação de 5% do número dos respectivos compartes, podendo estes assumir a iniciativa da convocação se o presidente da mesa o não fizer no prazo de 15 dias a contar da recepção do pedido, nos termos dos n.os 2 e 3 daquele art.º 18.º.

De acordo com o disposto no art.º 12.º, n.º 1, quer a assembleia de compartes, quer os demais órgãos de gestão, deliberam validamente por maioria simples dos membros presentes, tendo o respectivo presidente o voto de qualidade, o que no caso da assembleia se torna significativo dado que esta funcionará com qualquer número de compartes presentes na segunda data que tenha de ser designada por motivo da falta de quorum de funcionamento na data inicialmente designada – cfr. art.º 19.º, n.º 3.

A Apelante, retoma nesta sede de recurso, a pretensão de ver judicialmente declarada a invalidade de constituição da 4.ª Ré, “Assembleia de Compartes dos Baldios C e B” que havia formulado encasulada na ampliação do pedido, que, porém, não foi admitida – cfr. fls. 464.º e 508-510.

Aqui vai mais longe e defende que aquela Ré é juridicamente inexistente.

Não pode deixar de se observar que uma das sentenças de ratificação do embargo extrajudicial de obra nova é precisamente proferida “contra” aquele Ente que a Apelante vem agora alegar “inexistente”, mas que em 30/07/2013 considerou existir e ter personalidade judiciária – cfr. autos de embargo n.º 437/13.5TBAMR, que constitui o Apenso B.

Funda a Apelante a sua proposição, no essencial alegando que:

- não foi organizado o recenseamento provisório dos compartes;
- não bastava haver uma convocatória nos três lugares para a realização de uma assembleia universal dos compartes dela, Apelante, e das 1.ª e 2.ª Rés, sendo necessário que cada assembleia, separadamente, deliberasse a constituição de uma assembleia universal que congregasse os compartes dos três lugares;
- assim, a constituição da própria assembleia universal está inquinada, não se podendo falar “de constituição ou de incumprimento de formalidades legais ou de falta de quórum constitutivo ou deliberativo”.

Não assiste, porém, a razão à Apelante.

O recenseamento provisório dos compartes foi previsto no art.º 18.º do Dec.-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro, que procedeu à devolução dos baldios “às comunidades que deles foram desapossados”, como ficou a constar do respectivo preâmbulo.
Nessa altura não se sabia quem eram os compartes, ou seja, quem, dentre os moradores que exerciam a sua actividade no local da situação dos terrenos baldios, tinha direito à fruição destes terrenos, segundo os usos e costumes reconhecidos pela comunidade – cfr. art.º 4.º.
Posto que tudo se alicerça na prática contínua de actos de uso e fruição pelas mesmas pessoas, tornado definitivo o recenseamento provisório, o que poderá impor-se é que ele seja actualizado, cabendo à assembleia de compartes “deliberar sobre as actualizações do recenseamento”, nos termos da alínea c) do art.º 15.º.

É, de resto, o que se extrai do disposto no art.º 33.º, que reconhece validade, “até à sua substituição ou actualização” aos recenseamentos provisórios previstos no n.º 2 do art.º 22.º do Dec.-Lei n.º 39/76, a que já acima se fez referência, ou “aos recenseamentos tidos por definitivos, correspondentes ou não àqueles recenseamentos, ainda que validados apenas por práticas consuetudinárias inequívocas”.

Este mesmo artigo 33.º contém diversas disposições destinadas a colmatar a inércia de actuação das entidades com competência para proceder à actualização do recenseamento dos compartes: cabendo, como se disse, em primeira linha à assembleia de compartes, perante a inactividade desta, a competência passa para uma comissão de 10 membros da comunidade usualmente reconhecidos como compartes.

Se, decorrido um ano a contar da data da entrada em vigor da referida Lei n.º 68/93, de 04 de Setembro, ou seja, até 09/09/1994, a assembleia ou esta comissão não protagonizarem o poder de iniciativa que lhe foi cometido, “a obrigação legal de efectuar o recenseamento é automaticamente transferido para a junta de freguesia”, nos termos do n.º 4, à qual cabe, em qualquer dos casos, o dever de cooperação com as entidades promotoras da actualização do recenseamento. Se todas as entidades falharem, aplicam-se as regras consuetudinárias, quando inequivocamente existam, recorrendo-se, em último termo, ao recenseamento eleitoral dos residentes na comunidade local a que o baldio pertence, nos termos estabelecidos no n.º 6.

Na situação sub judicio, atendendo aos cerca de oito anos decorridos, não é de admitir a inexistência de um recenseamento dos compartes deste Baldio que, no limite, sempre corresponderia ao todo dos três recenseamentos dos Baldios dos lugares de P, A, e X, ou, ao menos, ao recenseamento eleitoral destes três Lugares da freguesia de V..

Com efeito, ficou provado, e a Apelante não contesta, é que o Baldio a que os autos se referem vem sendo, e continua a ser, fruído, em comum, “pelos compartes dos Baldios dos lugares de P, A e X”.
Não são, pois estes Baldios a se que “constituem” a assembleia mas são o universo dos compartes dos três lugares referidos.

É neles, pessoas físicas, singulares, que residem os poderes e competências legalmente estabelecidos, não tendo nenhum reflexo na facticidade provada, e nem na lógica de funcionamento de uma assembleia, da qual se espera que discuta e delibere sobre problemas e interesses comuns a todos, provocar a sua cisão em três mini-assembleias, estilhaçando a discussão, até para se evitar o perigo de ser afectada a liberdade de expressão e de voto de alguns dos seus membros, sabido que é que numa assembleia pequena manifestar-se contra a opinião dos dirigentes requer mais coragem.

Ao que se deduz da facticidade constante dos n.os 13 e 14, a Junta de Freguesia de V., enquanto entidade aglutinadora dos interesses de todos os seus fregueses, acedeu à solicitação de “um considerável número de compartes” e convocou-os, a todos, para uma reunião, que se pode dizer informal, para “apresentação, discussão e votação de vários assuntos urgentes e de capital importância”.

Desta reunião informal surgiu uma “Comissão Directiva Provisória”, que adoptou a designação por que eram conhecidos aqueles baldios – “Do C e Monte B - pelos vistos constituída por um representante de cada um dos três lugares, como se vê do documento de fls. 50 -, a qual convocou uma assembleia, com o fim de exercer uma das suas competências próprias, que é a da eleição dos corpos gerentes para aquele biénio de 2012/2013.
A Apelante não informa nem alega que algum dos seus compartes, nem sequer os que integram os seus órgãos de direcção e gerência, tenha sido, por qualquer forma, impedido de se candidatar ou de participar activamente na assembleia referida, que, indubitavelmente, ocorreu, deliberou e decidiu.

Como refere PEDRO PAIS DE VASCONCELOS os actos jurídicos “ao serem praticados ou celebrados, acontecem, existem. O negócio jurídico que, antes da sua celebração, era apenas como potência, com a sua celebração torna-se acto, é actual, é ente, é algo”, sem embargo de poder ser válido ou inválido, eficaz ou ineficaz (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 5.ª ed., pág. 735).

Referindo três modos de ser da inexistência na teoria do negócio jurídico: a inexistência ôntica, a inexistência qualificativa e a inexistência por mera imposição da lei, verificar-se-á a primeira quando “o negócio de que se trata não foi de todo celebrado, não ocorreu, não aconteceu: trata-se de uma mentira ou de uma falsidade”. Na inexistência qualificativa “o acto ou o negócio existem como algo, mas não enquanto tal”. A inexistência por mera imposição da lei “corresponde a um acto de autoridade e de hostilidade do Direito que impõe, como consequência de vícios particularmente graves, uma sanção equivalente à inexistência” (ob. cit., págs. 737-738).

De acordo com o Ac. do S.T.J. de 09/03/2004, “a inexistência jurídica respeita aos casos ou situações extremos de falta de suporte material do acto ou negócio jurídico ou de total falta de correspondência entre esse suporte material e a noção ou tipo legais do acto ou negócio”, e prossegue, “Inexistência jurídica há-de corresponder à total ausência ou total deformação do corpus de determinado negócio ou acto jurídico”, concluindo o mesmo Aresto que “A irregularidade da convocatória e da própria assembleia, por motivos procedimentais, tem como consequência a simples anulabilidade da assembleia, ao jeito do que está estabelecido para as associações” (ut Proc.º 04B583, Cons.º Quirino Soares, in www.dgsi.pt”).

Ora, de acordo com o disposto nos art.os 177.º e 178.º do Código Civil, são, simplesmente, anuláveis “as deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia”, anulabilidade que terá de ser arguida no prazo de seis meses, tendo legitimidade para a arguição o órgão da administração ou qualquer associado que não tenha votado a deliberação, contando-se aquele prazo a partir da data da assembleia ou, se o associado não foi convocado regularmente para a reunião, a partir da data em que teve conhecimento da deliberação.

Ora, tendo a assembleia que elegeu os corpos gerentes ocorrido em 20/05/2012, quando a presente acção entrou em Juízo, em 20/11/2013, há muito que estava esgotado o prazo de arguição da anulabilidade.

Nada há, pois, que possa agora apontar-se ao cumprimento das formalidades da convocação da assembleia e ao cumprimento das formalidades da eleição, sendo certo que, como se vê da acta de fls. 51 e 52, a lista que se apresentou a sufrágio obteve os votos favoráveis de uma maioria que ultrapassou o limite mínimo de “maioria simples” imposto pelo art.º 12.º da Lei n.º 68/93.

Do exposto se conclui que a 4.ª Ré, “Assembleia de Compartes dos Baldios C e B” tem existência jurídica, podendo exercer as competências que lhe são próprias, legalmente atribuídas, designadamente a administração do baldio constituído pelo prédio identificado em 1. dos factos provados.
E, inegavelmente, a competência de eleger os membros do conselho directivo e os membros da comissão de fiscalização.

Ora, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 11.º da supramencionada Lei, os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho directivo e da comissão de fiscalização são eleitos por um período de dois anos, renováveis, e mantêm-se em exercício de funções enquanto não forem substituídos.

Nos termos que ficaram provados, o “conselho directivo” deste Baldio era colegial, composto pelos elementos (pessoas físicas) do Conselho Directivo de X, Conselho Directivo de P, e Conselho Directivo do lugar do A, que, como foi referido, para aligeirarem os processos de decisão, escolhiam cada um o seu representante, os quais praticavam os actos de gestão corrente do Baldio.

Ora, a Apelante não alega que a eleição dos novos corpos gerentes, que teve lugar na assembleia que teve lugar em 20/05/2012, tenha interrompido o mandato de dois anos, o inicial ou o resultante das sucessivas renovações, daqui se devendo deduzir que a referida eleição ocorreu no tempo legalmente previsto.
Improcede, pois, a oposição que a Apelante lhe move.
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IX.- Nesta sede de recurso, a Apelante formula a pretensão de ser invertida a decisão, com o julgamento da procedência total dos pedidos que formulou.

Contudo, todos os pedidos partem do que, ressalvado o devido respeito, crê-se ser uma confusão entre as pessoas singulares, que são os compartes, que são quem frui e retira do prédio que constitui o baldio as utilidades que ele proporciona, e os órgãos de administração, através dos quais aqueles se organizam para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização – cfr. n.º 2 do art.º 11.º da Lei 68/93.

E, portanto, no rigor dos conceitos, não é o órgão de administração “Assembleia de Compartes dos Baldios X” que tem o direito de “explorar o terreno e retirar dele os proveitos que ele proporciona ou possa proporcionar”, são, como se disse, os compartes os titulares desse direito, e a estes, ao que os autos permitem deduzir, nunca foi negado o exercício desse direito.

Isto considerado, e atendendo a quanto acima fica referido, no que concerne à “existência” da 4.ª Ré, “Assembleia de Compartes dos Baldios C e B” e à validade e eficácia das suas deliberações e decisões, resulta claro que os pedidos que a Apelante formula não podem proceder.

Não merece, assim, censura a douta decisão impugnada, antes se impondo confirmá-la e mantê-la, recusando provimento à pretensão recursiva que vem formulada pela Apelante.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Sem custas por a Apelante estar delas isenta.
Guimarães, 22/02/2018
(escrito em computador e revisto)


(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)