Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1666/14.0TBBRG-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA LISTA PROVISÓRIA DE CRÉDITOS
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: No seguimento do decidido no recente acórdão do STJ, de 29/4/2014, in www.dgsi.pt, e pelos fundamentos aí expressos e a que aderimos, reiteramos a decisão recorrida, considerando, como no indicado Ac. se refere: “I. O processo de insolvência está sujeito a custas, sendo as únicas isenções subjectivas as referidas nas alíneas h) e u) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais (…), pagando todos os demais intervenientes processuais a taxa de justiça devida pelos actos a ela sujeitos”.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

F…, S.A., credora reclamante nos autos de Processo Especial de Revitalização, nº 1666/14.0TBBRG-A, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, veio interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 15/5/2014, nos termos da qual se decidiu requerimento apresentado pela reclamante concluindo-se ser devido o pagamento da taxa de justiça, pelo incidente de Impugnação da lista de credores reconhecidos, correspondente taxa de justiça prevista na tabela II para os incidentes em geral, e se ordenou a notificação da Reclamante para realização de tal pagamento, acrescida da multa prevista no n.º 3 art. 570.º do CPC.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes conclusões:
- A Impugnação da Lista de Credores Reconhecidos, a que se refere o n.º 3 do art. 17.º-D do CIRE, não está sujeita ao pagamento de taxa de justiça.
- Inexistindo no Regulamento das Custas Processuais qualquer norma legal que obrigue a tal pagamento, incluindo no próprio CIRE.
- O que significa que essa impugnação integra a tramitação regular do processo de Insolvência e de Revitalização, no que diz respeito, à verificação dos créditos, regulada nos artigos 17.º- A a I e 130.º a 140.º do CIRE, que é abrangida pela regra geral, plasmada no art. 304 do CIRE, de que as custas processuais, ficam a cargo da massa insolvente.
- Logo, se a obrigação de custas não existe para a Recorrente, também não pode existir a obrigação de, no início do processo, proceder ao pagamento de uma taxa de justiça
- E como tal, a Impugnação da Recorrente é perfeitamente válida.
- Acrescendo o facto de, caso assim não se entenda, dever ser dada à Recorrente a oportunidade de poder juntar a taxa de justiça sem qualquer cominação, uma vez que o Meretíssimo Juiz a quo proferiu despacho a 10/12 condenar a Recorrente em multa dentro dos 10 dias que a mesma ainda tinha para juntar a taxa de justiça, sem qualquer penalidade, nos termos do n.º 3 do art. 145.º do CPC.


Não foram proferidas contra – alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- pelo incidente de Impugnação da lista de credores reconhecidos é devido pagamento da taxa de justiça ?
- in casu, a realização de tal pagamento, deverá ser acrescida da multa prevista no n.º 3 art. 570.º do CPC ?

Fundamentação (de facto e de direito )
1. Nos autos o Mº Juiz “a quo” proferiu despacho em 15/5/2014, em que, apreciando e decidindo requerimento apresentado pela reclamante/apelante, concluiu ser devido o pagamento da taxa de justiça pela dedução do incidente de Impugnação da lista de credores reconhecidos, correspondente á taxa de justiça prevista na tabela II para os incidentes em geral, e, ordenou a notificação da Reclamante para realização de tal pagamento, acrescida da multa prevista no n.º 3 art. 570.º do CPC, sendo este o despacho recorrido, contrariando o Mº Juiz “ a quo” a tese defendida pela recorrente de que a Impugnação da Lista de Credores Reconhecidos, a que se refere o n.º 3 do art. 17.º-D do CIRE, não está sujeita ao pagamento de taxa de justiça.
No seguimento do decidido no recente acórdão do STJ, de 29/4/2014, in www.dgsi.pt, e pelos fundamentos aí expressos e a que aderimos, reiteramos a decisão recorrida, considerando, como no indicado Ac. se refere: “I. O processo de insolvência está sujeito a custas, sendo as únicas isenções subjectivas as referidas nas alíneas h) e u) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais (Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador; as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei), pagando todos os demais intervenientes processuais a taxa de justiça devida pelos actos a ela sujeitos.
II. Para efeitos de tributação são abrangidas as reclamações de crédito, entre outro processado e incidentes, desde que as custas devam (na letra da lei hajam) de ficar a cargo da mesma, sendo que, prima facie, as custas da insolvência ficarão a cargo da massa insolvente, caso esta venha a ser decretada por decisão transitada em julgado.
III. As custas da insolvência que devam ficar a seu cargo são apenas aquelas em que a massa insolvente decaia e na medida de tal decaimento, sendo as restantes pelas partes intervenientes e na proporção da respectiva sucumbência”.
Mais se considerando, como se indica no indicado Ac. do STJ, que a pedra de toque de toda esta abordagem, se encontra nas regras gerais que norteiam a condenação em custas, decorrendo a tributação do incidente em causa e respectivo pagamento da taxa de justiça das normas gerais aplicáveis dos artº 1º, 2º , 3º do Regulamento das Custas Processuais e artº 527º a 529º e 530º do NCPC, dispondo o nº1 deste preceito legal que a taxa de justiça é paga pela parte que, nomeadamente, demande na qualidade de recorrente ou recorrido e nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
Mais se salientando, como se refere no indicado Ac. do STJ - “O facto de o normativo inserto no artigo 304º do CIRE fazer consignar que as custas no processo ficam a cargo da massa insolvente, não poderá ser interpretado isoladamente, sem o apelo aos outros ínsitos legais existentes na ordem jurídica sob pena de se criarem brechas, incongruências e contradições insanáveis no sistema jurídico, o qual se pretende uno na medida em que «(…) A ordem jurídica forma um sistema de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras - cada norma ou conjunto de normas funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação», apud Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1977, 361; cfr também Francesco Ferrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, Traduzido e prefaciado por Manuel de Andrade, 1934, 96 «(…) Ocorre pois, que o jurista considere o efeito das normas na sua totalidade, e não apenas uma norma de per si; tal como o mecânico não precisa de conhecer só uma ou outra lei cinemática, nas deve também saber por que modo, na cooperação de várias leis, se produz o resultado complexivo. Está nisto a aplicação consciente do direito, ou a técnica da decisão: está em saber atinar com as diversas normas a que, na sua combinação, pertence governar o caso concreto.(…)».
A primeira das quebras, a entender-se do modo aventado pelos Reclamantes, seria desde logo fazer tábua rasa do preceituado no artigo 303º do CIRE, na parte em que acentua que «Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, (…) a verificação do passivo, (…) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, (…)», pois tal normativo só poderá fazer sentido se concatenado com o preceituado no artigo 527º, nº1 do NCPCivil, a não se entender assim, então bastar-nos-ia a formulação do artigo 304º do CIRE, na interpretação de que esta norma seria, afinal das contas, em relação àquela, bem como à processual, uma norma excepcional, por forma a que às regras estabelecidas pelos artigos 303º do CIRE e 527º do NCPCivil a mesma se opusesse contrariando a valoração ínsita nesta para atingir finalidades particulares, o que como já vimos, se não vislumbra, acerca das regras excepcionais, Oliveira Ascenção, in Introdução Ao Estudo Do Direito, Edição dos serviços sociais da Universidade de Lisboa, ano 1972/1973, 464/471”.
2. Relativamente ao pagamento da taxa de justiça, rege o art.º 145º do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “1. Quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento (…); 3. Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no nº 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos dez dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos art.º 570º e 642º; 4. Quando o acto processual seja praticado por transmissão electrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do beneficio do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na Portaria prevista no n.º1 do art.º 132º.;
No tocante às normas que regulamentam a petição inicial, dispõe o art.º 552º-n.º3 do Código de Processo Civil, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário.
E, nos termos do n.º 4, do mesmo artigo, quando a petição inicial seja apresentada por transmissão electrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício de apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na Portaria prevista no n.º1 do art.º 132.
Ocorrendo tal falta deverá a parte proceder à junção do documento em falta nos dez dias subsequentes à prática do acto processual, como expressamente determina o n.º3 do art.º 145º do Código de Processo Civil, e tratando-se de documento a apresentar com a petição inicial, tal junção de documento deverá verificar-se ou por própria iniciativa da parte, ou a convite do juiz da causa, nos termos gerais do art.º 6º do Código de Processo Civil, sob pena de aplicação das cominações previstas nos art.º 570º e 642º em caso de omissão.
No caso em apreço, verificando-se ter a reclamante suscitado perante o juiz da causa, no decurso do indicado prazo legal de 10 dias, a isenção do pagamento da taxa de justiça por meio de requerimento que veio a ser indeferido por despacho de que recorreu, constituindo a decisão ora sob apreciação em recurso de apelação, julga-se inaplicável a sanção imposta de pagamento acrescido da multa prevista no n.º 3 art. 570.º do CPC, sendo de deferir a pretensão da recorrente de proceder ao pagamento da taxa de justiça e sua comprovação nos autos, sem qualquer penalidade nos termos do n.º 3 do art. 145.º do CPC, no prazo ainda em falta para que se completasse o prazo legal de 10 dias, com referência ao indeferido requerimento da reclamante de 12/5/2014.
Nestes termos, conclui-se pela parcial procedência da apelação, confirmando-se a decisão recorrida, salvo quanto á aplicação no despacho recorrido da determinação de cumprimento do artº 570º-nº3 do CPC.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida salvo quanto á aplicação no despacho recorrido da determinação de cumprimento do artº 570º-nº3 do CPC, nos termos acima expostos.
Custas pela apelante, na proporção de 2/3.

Guimarães, 25 de Setembro de 2014
Maria Luisa Ramos
Raquel Rego (vencida, conforme declaração que junto)
António Sobrinho
Voto de vencido:
Em face do estatuído no artº 303º do CIRE, para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão dos bens, os embargos do insolvente (…) a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas da administração, os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação de insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado.
As listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo administrador da insolvência, as impugnações e as respostas são autuadas por um único apenso – artº 132º.
Daqui decorre, portanto, que as reclamações e as impugnações são um momento de verificação do passivo da insolvente, sem autonomia própria.
Acresce que, de acordo com o artº 304º do mesmo diploma, as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.
Ora, conforme se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 20.03.2012 (itij), que subscrevemos, a apresentação de uma impugnação à lista de credores reconhecidos, nos termos do artigo 130º, nº1 do CIRE «integrando-se (…) no quadro do procedimento concursal, na chamada tramitação regular de verificação de créditos, regulada nos artigos 128º a 140º do CIRE (a que é desencadeada pela apresentação das reclamações dentro do prazo fixado na sentença de insolvência), é ela abrangida pela regra geral, constante do artigo 304º do CIRE, que atribui a responsabilidade pelas custas, quando a insolvência é decretada, sempre à massa insolvente.
Daí que, como ali se também se diz, «o impulso processual consubstanciado na apresentação de uma impugnação à lista de credores reconhecidos, nos termos do artigo 130º, nº1 do CIRE, não gera a obrigação, para esse impugnante, de pagamento de taxa de justiça».
Se retrocedermos ao Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, logo se verifica que assim era já na vigência do artº 248º, nº2, onde, de modo similar, se estipulava que, para efeitos de tributação, o processo de falência abrangia o processo principal, as propostas de concordata particular, a apreensão de bens, os embargos do falido (…), a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração (…) e quaisquer incidentes, ainda que processados em separado, se as respectivas custads houvessem de ficar a cargo da massa.
Já no domínio deste normativo se vinha entendendo que não eram devidos preparos pelos credores da reclamação de créditos, uma vez que o concurso de credores ou verificação do passivo não tinham custas próprias, estando abrangidas pelas custas do processo principal.
Cotejados os preceitos atinentes à matéria constantes do CPEREF e do CIRE logo se verifica que são em tudo similares, pelo que continua a ser válido o aludido entendimento.
Como também, apesar de todo o respeito devido e merecido, julgamos que se fosse de aplicar, concomitantemente, a regra geral do decaimento, esta bastaria para se chegar à solução preconizada nessa tese.
Por tudo, revogaria a decisão recorrida.”