Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
66/14.6T8MDL-E.G1
Relator: JOÃO PERES COELHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Enquanto não for publicada a portaria a que se referem os números 1 a 3 do artigo 23º da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro, o administrador nomeado em processo de insolvência que termine com a aprovação de um plano de recuperação do devedor tem direito a remuneração variável, calculada segundo a equidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:
Inconformados com o despacho que fixou uma remuneração variável ao administrador da insolvência, os insolventes B… e mulher, C…, interpuseram o presente recurso, em cuja alegação formulam as seguintes conclusões:
A) O despacho proferido que determina que “Face a tais elementos, e com recurso a critérios de equidade, teremos por ajustada a fixação de uma remuneração global ao AI de €5.000,00 (o que perfaz uma remuneração mensal de quase €750,00, sem contar com o valor da remuneração fixa já por si recebida), o que se decide”, não se poderá manter;
B) Entendeu o Tribunal “a quo” que deve ser atribuída ao Senhor Administrador da Insolvência uma remuneração variável tendo em conta que nos presentes autos foi aprovado plano de recuperação;
C) Os Insolventes não podem aceitar tal entendimento na medida em que, o cálculo da retribuição variável a atribuir aos Senhores Administradores não se encontra determinado, já que não se encontra regulamentado, não existindo qualquer suporte legal para a sua atribuição;
D) A Portaria que regulamenta a retribuição variável ainda não se encontra publicada pelos membros do Governo das áreas da Justiça, Finanças e Economia, estando nós perante um vazio legal que importa regulamentar;
E) Estando nós perante um vazio legal, salvo melhor entendimento, não existe fundamento ou suporte legal, para que seja atribuída remuneração variável ao Senhor Administrador, tendo o Tribunal “a quo” andado mal ao decidir como o fez;
F) A portaria que visa regulamentar a retribuição variável no âmbito dos processos de insolvência onde foi apresentado e aprovado plano de recuperação, não obstante dever já ter sido regulamentada pelos membros do Governo responsáveis pela áreas da justiça, finanças e economia, a verdade é que ainda não o foi;
G) Razão pela qual inexiste suporte legal que permita ser atribuído ao Senhor Administrador o direito a ser-lhe atribuída uma remuneração variável, sendo nosso entendimento que atento tudo quanto foi exposto, deve o despacho de que se recorre ser revogado;
H) Atenta a falta de regulamentação da Portaria em apreço, e existindo esta lacuna na lei, cremos nós que a mesma não poderá ser suprida pelo julgador na medida em que a legislação existente para a retribuição variável a fixar ao Senhor Administrador tem por base a liquidação da massa insolvente;
I) Tal legislação não pode ser aplicada a um processo de insolvência onde houve recuperação do devedor e que envolveu a apresentação de um plano de insolvência.
J) Na esteira do exposto, já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 440/13.5TYVNG.P1, em Acórdão proferido em 7 de Abril de 2016, que determinou o seguinte: “II - Conquanto esteja prevenido o direito subjectivo a uma remuneração variável ao Administrador Judicial, nomeado por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação aprovado, certo é que o seu cálculo não está concretizado, o que torna a situação em apreço sem qualquer suporte legal, pois, sem a publicação da Portaria que regulamente os respectivos termos, constatamos um vazio legal. III - Face ao declarado vazio legal, impor-se-á colocar a questão da pertinência da integração da lacuna da lei, uma vez que, aquando da vigência do anterior Estatuto do Administrador da Insolvência, prevenido na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, o legislador, com o objectivo de concretizar a aludida Lei, fez publicar a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que aprovou o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função do resultado da liquidação da massa insolvente. IV - A analogia recebe acolhimento no artº. 10º, do Código Civil exigindo-se encontrar o critério da analogia numa premissa lógico - jurídica, dirigida directamente à determinação de um princípio geral do Direito obtido por abstracção a partir do conjunto de normas em causa, através de um processo de indução universal ou generalizante, porque sem deixar de pressupor a mediação de uma pluralidade de normas e institutos jurídicos invoca imediatamente um princípio geral. Neste sentido dever-se-á proceder à confrontação do caso concreto trazido a Juízo, com a previsão legal contida na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que concretiza a Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, enquanto precedente Estatuto do Administrador Judicial. V - Do cotejo das normas enunciadas divisamos que o caso “sub iudice” encerra uma realidade distinta daqueloutras consideradas e abstractamente contidas na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho. Na verdade, no caso “sub iudice” está em causa o pedido de remuneração variável da Administradora Judicial, nomeada por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolveu a apresentação de um plano de recuperação aprovado, diversamente é o caso prevenido na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, onde se consignou que o administrador da insolvência, nomeado pelo juiz, aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, e onde, distinguimos, não está prevenida a situação do pedido de remuneração variável do Administrador Judicial, em processo de insolvência que envolve a apresentação de um plano de recuperação aprovado. VI - Elaborado o juízo analógico, especificando o caso “sub iudice” e extrapolando a norma vertida na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, concretizada pela Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, chegamos à conclusão, subsumindo o caso omisso na premissa lógico - jurídica que assim se obteve, o reconhecimento de que o direito subjectivo a uma remuneração variável atribuído ao Administrador Judicial que exerça funções no âmbito da insolvência que termine na homologação de um plano de recuperação aprovado, está inexoravelmente subordinado, no seu concreto exercício, à aprovação de uma tabela específica que pressuponha a compensação do resultado da recuperação, o que até ao presente não sucedeu, importando omissão regulamentar.
K) Acrescenta o citado aresto que: “(…) sendo que no antecedente Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 32/2004), além de não prevenir a remuneração variável do Administrador Judicial, em processo de insolvência que envolve a apresentação de um plano de recuperação aprovado, remete a fixação da remuneração para as tabelas constantes da Portaria que concretizou esta Lei, não sendo despiciendo o qualificativo de especifico atinente à tabela prevenida no actual estatuto do Administrador Judicial, ainda a concretizar.”;
L) Conclui-se que o direito do Senhor Administrador da Insolvência a auferir uma retribuição variável, no caso em concreto, porque se trata de um processo de insolvência com aprovação de plano de recuperação, não está assegurado, na medida em que tal pagamento está intimamente ligado à aprovação da Portaria regulamentadora do novo Estatuto do Administrador Judicial, na parte relativa à remuneração varável a atribuir, facto que ainda não ocorreu;
M) O Tribunal “a quo” andou mal ao proferir o despacho de que se recorre, devendo o mesmo ser substituído por outro que determine que o Senhor Administrador, no presente processo, não tem direito a auferir qualquer retribuição variável.
O administrador da insolvência apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, a única questão a decidir que releva das conclusões recursórias é a de saber se o administrador da insolvência tem direito a remuneração variável quando a insolvência termine pela homologação de um plano de recuperação do devedor.
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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A única questão suscitada no recurso é de natureza exclusivamente jurídica.
Na decisão recorrida considerou-se que, apesar de ainda não ter sido publicada a portaria a que se refere o n.º 1 do artigo 23º da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto do Administrador Judicial, o administrador nomeado por iniciativa do juiz em processo de insolvência que termine com a homologação de um plano destinado a prover à recuperação do devedor tem direito a uma remuneração variável, cujo montante deve ser fixado com recurso a critérios de equidade.
Por sua vez, os recorrentes sustentam que, enquanto não for publicada a portaria regulamentadora, carece de suporte legal a fixação de uma remuneração variável ao administrador da insolvência, pelo que este tem direito apenas à remuneração fixa.
Discordamos deste entendimento, porquanto resulta expressamente dos números 1 e 2 do normativo citado que o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a uma remuneração integrada por uma componente fixa e uma componente variável, esta em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente.
Acresce que o legislador, no n.º 3 do mesmo preceito, equiparando o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ao administrador da insolvência em processo de insolvência em que venha a ser aprovado um plano de recuperação do devedor, estabelece que, para efeitos do disposto no número anterior, “(…) considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (…)”.
É certo que nunca foi publicada a portaria regulamentadora do preceito em análise, referida no respectivo n.º 1, onde deveria constar a tabela de cálculo da dita remuneração variável.
Por outro lado, pensamos, na esteira da boa doutrina, que a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, ainda em vigor (1), se mostra inadequada para suprir a falta daquela no que concerne ao cálculo da remuneração variável nas situações figuradas, já que, concebida num outro contexto legal (anterior à consagração entre nós do processo especial de revitalização e do plano de insolvência destinado a prover à recuperação do devedor, ambos introduzidos pela Lei 16/2012, de 20 de Abril), preceitua que essa componente é calculada em função do “resultado da liquidação da massa insolvente”.
Ora, não havendo lugar no processo especial de revitalização, nem no processo de insolvência que termine pela aprovação de um plano de recuperação, à liquidação do activo do devedor, não se vê como aplicar neste âmbito a tabela constante da mencionada Portaria.
Apesar disso, consideramos, com o devido respeito por opinião contrária, que, estando expressamente consagrado na lei, não se pode negar o direito à remuneração variável apenas porque ainda não foi aprovada a tabela específica de acordo com a qual se deveria fixar o montante devido em cada caso concreto.
Reconhecido o direito, há que torná-lo efectivo!
Para tal o juiz deve recorrer à equidade, tendo em conta o “montante dos créditos a satisfazer”, critério erigido pelo legislador para o cálculo da remuneração em causa, bem como o seu número e natureza, o trabalho desenvolvido pelo administrador e o lapso de tempo durante o qual o mesmo exerceu funções e bem assim outros elementos que relevem do caso concreto.
Essa é, segundo julgamos, a orientação dominante na jurisprudência, citando-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão desta Relação de 12.7.2016 e o acórdão da Relação do Porto de 16 de Maio de 2016, ambos disponíveis em WWW.dgsi.pt, cujos sumários, segundo a ordem pela qual foram indicados, se transcrevem:

“I - O disposto na Portaria 51/2005 é inaplicável aos processos de revitalização.
II - Não tendo sido até ao momento publicada a portaria a que se referem os nºs 1 a 3 da Lei 22/2013 a fixação da remuneração variável do administrador judicial provisório deverá ser feita com recurso à equidade”.

“I - As tabelas previstas na Portaria n.º 51/2005, traduzidas num coeficiente que incide sobre o valor da liquidação da massa insolvente, revelam-se inadequadas para fundamentar o cálculo da remuneração variável que deve corresponder à atividade do Administrador Judicial Provisório, pois é sintomática a diferente natureza dos processos (recuperação /liquidação) e as concretas funções exercidas num e no outro.
II - Enquanto não for publicada a portaria prevista no artigo 23 da Lei 22/2013, aquela remuneração variável deve ser fixada com recurso à equidade, e tendo em consideração as funções desempenhadas pelo AJP, atendendo ao número e natureza dos créditos reclamados, montante dos créditos a satisfazer e tempo durante o qual exerceu as suas funções”.
Pelo exposto, sendo devida ao administrador uma remuneração variável e não sendo objecto de recurso o montante arbitrado a esse título, terá de improceder a apelação.
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IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.


Guimarães, 15 de Dezembro de 2016
João Peres Coelho
Isabel Silva
Fernanda Ventura


Sumário: Enquanto não for publicada a portaria a que se referem os números 1 a 3 do artigo 23º da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro, o administrador nomeado em processo de insolvência que termine com a aprovação de um plano de recuperação do devedor tem direito a remuneração variável, calculada segundo a equidade.

João Peres Coelho

(1) Nos termos da qual se define a componente fixa da remuneração.