Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2930/18.4T8BRG.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- Para que em acidente de trabalho a entidade empregadora responda a título principal e de forma agravada têm de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observar determinadas regras de segurança e saúde no trabalho (ii) que o empregador ou representante as não haja observado sendo-lhe imputável tal omissão; (iii) que haja nexo de causalidade adequada entre a inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho e o evento acidente (art. 18º/1/2ª parte, NLAT).

II- A inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho enquanto fundamento autónomo de responsabilidade agravada integra, em si mesmo, a omissão de um dever de cuidado (culpa efectiva), pelo que o sinistrado nenhuma prova adicional carece de realizar em termos de imputação subjectiva.

III- Ao sinistrado cabe fazer a prova de que o empregador ou seu representante não observou regras pré-existentes sobre segurança e saúde no trabalho e que esta inobservância foi causa adequada do acidente.

IV- A causalidade adequada abarca todo o facto que actue como condição do dano, excepto se, numa perspectiva de prognose normal, se mostrar completamente indiferente para a verificação do dano/evento, tendo-o provocado somente porque interferiram no processo causal concreto circunstâncias extraordinárias, anómalas ou excepcionais.

V- Trata-se, assim, de elaborar um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstracto e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico que é, assim, sua consequência normal, recorrendo-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e em regras da experiência comum.

VI- O facto para funcionar como causa adequada não tem de ser o único e exclusivo a contribuir para o acidente.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTORAS: M. A. e A. O. (esta representada pela primeira autora por ser menor de idade), respectivamente, na qualidade de cônjuge e filha do sinistrado falecido.
RÉS: SEGURADORAS …, SA. E X - SOCIEDADE INDUSTRIAL DE PAINÉIS, SA.

PEDIDO: a presente acção especial emergente de acidente de trabalho prosseguiu para a fase contenciosa porque as AA entendem que existe violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora, o que é rejeitado por esta, sendo aceite, no mais, a existência de acidente de trabalho. A seguradora não assume a responsabilidade por também entender que existe violação das regras de segurança por parte da empregadora.

Pedem as AA: a condenação da primeira ré a pagar à primeira autora, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 3.598,98 até atingir a idade de reforma por velhice e no valor de € 4.798,64 depois desta idade; à segunda autora, uma pensão anual no valor de 2.399,32, enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento; a quantia de € 5.661,48 a título de subsídio por morte, sendo metade devida à primeira autora e a outra metade à segunda autora; à primeira autora, a quantia de € 30,00, a título de despesas com deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos; juros de mora a calcular à taxa legal supletiva até integral pagamento. Alternativamente, pedem a condenação da segunda ré a pagar à primeira e à segunda autoras, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 11.996,60, sendo relativamente à segunda autora enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento; a quantia de € 5.661,48, a título de subsídio por morte, metade a cada autora; à primeira autora, a quantia de € 30,00, a título de despesas com deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos; a quantia de € 100.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; juros de mora a calcular à taxa legal supletiva até integral pagamento.

CAUSA DE PEDIR: alega que o acidente se deveu a violação de regras de segurança por parte da empregadora. O acidente de trabalho ocorreu em 19/05/2018 quando o sinistrado executava funções na máquina de fazer painéis sandwich, na cabine de serra automática de corte dos painéis. O sinistrado entrou por uma das portas de acesso ao interior da cabine, para avaliar o estado de produção do painel que estava a ser fabricado e foi apanhado pelo elemento estrutural rolante que sustenta a serra de disco e que o empurrou contra os elementos estruturais existentes no interior da cabine. Sofrendo lesões na cabeça que lhe provocaram a morte. Foi determinante para a verificação do acidente o facto das correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte, estarem desconectadas do dispositivo fixador (parafuso), tornando inoperacional o sistema de segurança que impedia o acesso do operador ao interior da cabine onde estavam as zonas de risco, nomeadamente, duas serras de disco e respectivos elementos estruturais rolantes, com o equipamento em funcionamento. O que constitui violação da al. a) do art. 3 e art. 16º do DL 50/2005 de 25 de fevereiro. Inexistia ainda sinalização de segurança de advertência para a proibição de acesso com o equipamento activo ao interior da cabine. Violando-se desta forma o disposto no art. 22º do DL 50/2005 de 25 de Fevereiro. As situações de risco mencionadas tinham sido previamente detectadas em momento anterior ao sinistro, aquando a avaliação de risco do posto de trabalho do sinistrado. Na avaliação de risco realizada, foi a 2ª Ré alertada da necessidade de implementar medidas de prevenção de forma a reduzir e controlar os riscos detectados. Medidas de prevenção que a 2ª Ré ignorou, violando, assim, as regras de segurança no trabalho impostas para este tipo trabalhos e previstas nos arts. 3º, 16º e 22º do DL 50/2005 de 25 de Fevereiro.

CONTESTAÇÃO DA RÉ EMPREGADORA- alega que o acidente se deveu a erro humano do sinistrado ao entrar na cabine de corte que estava em funcionamento e sem ter o cuidado exigível. Não existe violação das regras de segurança ou culpa da parte da empregadora. Não foi ordenado ao autor para entrar na cabine de corte, desconhecendo-se porque motivo cometeu tal imprudência. O sinistrado teve formação profissional. Era possível ao operador movimentar-se noa zona junto ao corte, sem penetrar no espaço da estrutura de ferro que suporta a serra de corte. Não foi determinante para o acidente o facto de as correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte estarem desconectadas, porque qualquer operador pode desconectar o sistema de segurança de acesso e abrir a porta sem que a máquina pare. Que os técnicos fabricantes da maquina sempre consideraram medida desnecessária a colocação do bloqueio em funcionamento.

CONTESTAÇÃO DA RÉ SEGURADORA- alega que o acidente se deveu a violação de regras de segurança por parte da empregadora. Em primeiro lugar, apesar de ser utilizada uma máquina perigosa de corte, o sistema de bloqueio de acesso ao interior da cabine onde se procedia ao corte de painéis está inoperacional desde o inicio de funcionamento da máquina. Segundo, o risco de esmagamento e corte já havia sido sinalizado por empresa de segurança e higiene no trabalho com indicação para colocação em funcionamento do sistema de bloqueio, o que a empregadora ignorou. Terceiro, não foi dada formação ao sinistrado, nem informação sobre a máquina, nem o mesmo foi proibido de entrar na cabine com a máquina de corte em funcionamento.
Procedeu-se a julgamento, respondeu-se à matéria de facto e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:

Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
Condeno a ré entidade patronal a pagar:

À primeira autora, a pensão anual e vitalícia no valor de € 9.587,28 (nove mil quinhentos e noventa e sete euros e vinte e oito cêntimos);
À segunda autora, a pensão anual no valor de € 2.399,32 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e trinta e dois cêntimos);
À primeira autora, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento;
À segunda autora, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento.

Condeno a ré seguradora a pagar:

À primeira autora, a pensão anual e vitalícia no valor de € 3.598,98 (três mil quinhentos e noventa e oito euros e noventa e oito cêntimos) até atingir a idade de reforma por velhice e de € 4.798,64 (quatro mil setecentos e noventa e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) depois de atingir esta idade;
À segunda autora, a pensão anual no valor de € 2.399,32 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e trinta e dois cêntimos), enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento;
A quantia de € 5.661,48 (cinco mil seiscentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos) a título de subsídio por morte, sendo o montante de € 2.380,74 (dois trezentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos) para a primeira autora e o montante de € 2.380,74 para a segunda autora (dois trezentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a tentativa de conciliação até integral pagamento;
À primeira autora, a quantia de € 30,00 (trinta euros) que despendeu em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a tentativa de conciliação até integral pagamento.
As pensões são devidas desde a data do falecimento do sinistrado;
A ré entidade patronal apenas é responsável pelo pagamento da diferença relativamente às prestações da responsabilidade da ré seguradora;
As prestações da responsabilidade da ré seguradora são sem prejuízo de eventual direito de regresso.
Nos termos do art. 120º nº1 do Cód. de Processo do Trabalho, fixo à causa o valor de € 263.120,46 (duzentos e sessenta e três mil cento e vinte euros e quarenta e seis cêntimos).
Custas a cargo das autoras e das rés não proporção do decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio que foi concedido.”

RECURSO – FOI INTERPOSTO PELA RÉ EMPREGADORA: RECORREU E SUSCITOU A NULIDADE DA SENTENÇA.

APÓS CONVITE A SINTETIZAR AS CONCLUSÕES FORAM APRESENTADAS COMO SE SEGUE:

A.
- O PRESENTE RECURSO VEM INTERPOSTO DA PARTE DA MUI DOUTA SENTENÇA DE FLS. ... PROFERIDA EM 13/07/2019 (REF. Nº 164271882) QUE JULGA A PRESENTE ACÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA CONDENA A RÉ ENTIDADE PATRONAL A PAGAR AS PENSÕES DOS PONTOS 1. E 2. E AS INDEMNIZAÇÕES DOS PONTOS 3. E 4..
B.
ARGUI-SE A NULIDADE DA SENTENÇA, EM REQUERIMENTO ENDEREÇADO FORMALMENTE AO TRIBUNAL “A QUO”, DANDO CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO Nº 1 DO ARTº 77º DO CPT, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NAS ALÍNEAS B), C) E D) DO Nº 1 DO ARTº 615º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), REQUERIMENTO QUE SE DÁ POR INTEIRAMENTE REPRODUZIDO, NO QUAL SE IMPUGNOU A DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, EM ESTRITA OBEDIÊNCIA AO DISPOSTO NO ARTº 640 DO CPC.
C.
COM RELEVO PARA A DECISÃO DO PRESENTE RECURSO FORAM DADOS COMO PROVADOS OS FACTOS DOS PONTOS 1. A 46., TENDO O TRIBUNAL “A QUO” FUNDADO “A SUA CONVICÇÃO NO DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS OUVIDAS”, ARROLADAS PELAS AUTORAS E SEGURADORA E NO RELATÓRIO DE PERITAGEM, A QUE, IMPROPRIAMENTE, DENOMINOU COMO “AUTO DE “INSPECÇÃO JUDICIAL”.
D.
O MERITÍSSIMO JUIZ DIZ QUE FORAM “PARTICULARMENT ESCLARECEDORES” OS DEPOIMENTOS DOS COLEGAS DE TRABALHO DO SINISTRADO T. S., M. L., A. M. E L. M., RESUMINDO MUITO SINTETICAMENTE AS SUAS DECLARAÇÕES, QUANDO, NA REALIDADE, OS REFERIDOS TRABALHADORES DISSERAM MUITO MAIS DO QUE AQUELAS TRANSCRITAS DECLARAÇÕES, VIDE NESSE SENTIDO AS GRAVAÇÕES DOS DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS T. S. (VIDE GRAVAÇÃO 00:01:30 A 00:17:18) E M. L., (VIDE GRAVAÇÃO 00:01:17 A 00:10:01) TRANSCRITAS NA PARTE III DESTAS ALEGAÇÕES PARA AS QUAIS SE REMETE.
E.
FUNDAMENTOU AINDA O TRIBUNAL RECORRIDO A SUA DECISÃO NO DEPOIMENTO DO INSPECTOR DA ACT, J. M. E NO SEU RELATÓRIO.
PORÉM, TAL RELATÓRIO PADECE DE VÁRIAS INEXACTIDÕES, IMPRECISÕES E CONTRADIÇÕES, DESDE LOGO PORQUE:
A)- CONFUNDE A CABINE DE CORTE COM A CABINE EXTERIOR, RAZÃO PELA QUAL DIZ “ QUE MAL SE ENTRA NA CABINE ESTÁ-SE LOGO EM PERIGO”, EM CLARA CONTRADIÇÃO COM A DECLARAÇÃO EMITIDA PELO FABRICANTE, PELO PRÓPRIO MANUAL DE INSTRUÇÕES, PELO RELATÓRIO PERICIAL E PELAS FOTOGRAFIAS JUNTAS AOS AUTOS.
B)- AFIRMA, SEM FUNDAMENTAR, QUE SÓ SE PODE ENTRAR NA CABINE COM A MÁQUINA DESLIGADA, O QUE NÃO CONSTA DO MANUAL DE INSTRUÇÕES (00:06:11),
C)- AFIRMA AINDA QUE ENTRANDO NA CABINE “TENHO UM CONJUNTO DE RISCOS PELO FACTO DE ESTAR LÁ DENTRO” (00:07:40), SEM, CONTUDO,
INDICAR QUAIS E ESPECIALMENTE EM QUE PARTE DO MANUAL DE INSTRUÇÕES ESTÃO PREVISTOS, OU EM QUE DIRECTIVA EUROPEIA ESTÃO PLASMADOS.
E DEPOIS, LOGO A SEGUIR, ADMITE EXCEPÇÕES, COMO SEJAM “SITUAÇÕES DE MANUTENÇÃO OU OUTRAS – MAS APENAS PARA VISUALIZAR UM PRODUTO PARA VER COMO É ELE ESTÁ…”, (00:22:04), O DEPOIMENTO DO INSPECTOR DO ACT,ACEITA A TESE DA RECORRENTE, DE QUE O OPERADOR PODE ENTRAR NA CABINE PARA VER O QUE SE PASSA, SÓ NÃO PODE INTERVIR NA MÁQUINA.
A SEGUIR, CONFUNDE O APROXIMAR DO ÓRGÃO EM MOVIMENTO, COM ENTRAR/DEBRUÇAR NO MESMO, PARA DECLARAR LOGO A SEGUIR, NÃO SABER SE FOI O QUE ACONTECEU (00:15:40).
POR ÚLTIMO, REFERE A EXISTÊNCIA DE UM RELATÓRIO DO ISQ QUE – PURA E SIMPLESMENTE – INEXISTE NOS AUTOS E, COMO TAL, NÃO PODE SER CONSIDERADO COMO MEIO DE PROVA.
F.
DO TESTEMUNHO DO ENGº J. G. RESULTARAM COMO PROVADOS OS PONTOS 1 A 10 (VIDE GRAVAÇÃO 00:02:32 A 00:31:50) ENUNCIADOS NA PARTE III DESTAS ALEGAÇÕES (MOTIVAÇÃO), QUE NÃO SE TRANSCREVEM , MAS SE DÃO COMO REPRODUZIDOS, OS QUAIS O MERITÍSSIMO NÃO VALOROU, NEM TEVE EM DEVIDA CONSIDERAÇÃO
G.
O MERITÍSSIMO JUIZ “A QUO” DEU COMO PROVADOS NOS PONTOS 12., 19., 20., 21. E 22.A MATÉRIA FÁCTICA VERTIDA NOS QUESITOS 3º, 11º A 13º E 14º QUE COMPETIA ÀS AUTORAS FAZER A PROVA, COMETENDO, COM O DEVIDO RESPEITO, UM ERRÓNEO JULGAMENTO SOBRE A PROVA PRODUZIDA, POIS DEVERIAM TEREM SIDO DADOS COMO NÃO PROVADOS.
COM EFEITO,
H.
O QUESITO 3º FOI DADO COMO PROVADO, SENDO CERTO QUE NENHUM DOS COLEGAS DE TRABALHO DO SINISTRADO, QUE ESTAVAM NA EMPRESA NO DIA E HORA DO ACIDENTE, FALOU COM ELE ANTES DE ELE ENTRAR PARA O INTERIOR DA CABINE, NEM SEQUER SABIAM QUE ELE LÁ ESTAVA, NÃO PODENDO, POR ISSO, SER DADA COMO PROVADA A MATÉRIA FÁCTICA DO QUESITO 3º, AO CONTRÁRIO DO QUE DECIDIU O MERITÍSSIMO JUIZ “A QUO” NO PONTO 12. DOS FACTOS PROVADOS
I.
SOBRE OS QUESITOS 10º A 12º PRONUNCIARAM-SE OS TRABALHADORES DA ENTIDADE PATRONAL T. S., M. L., QUE FORAM UNÂNIMES NA AFIRMAÇÃO QUE DESCONHECIAM EM ABSOLUTO O RELATÓRIO ELABORADO PELA Y E, CONSEQUENTEMENTE, TAMBÉM DESCONHECIAM QUE TIVESSE SIDO FEITA, POR TAL EMPRESA, QUALQUER TIPO DE ADVERTÊNCIA, PARA REDUZIR E CONTROLAR O RISCO DE ACESSO AO INTERIOR DA CABINE DE CORTE.
PEREMPTÓRIO FOI O DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA, DIRECTOR TÉCNICO DA 2ª RÉ J. G., ESCLARECENDO QUE “ SÓ DEPOIS DO ACIDENTE TEVE CONHECIMENTO DESSE RELATÓRIO, DATADO DE JUNHO DE 2017, QUANDO A MÁQUINA ESTAVA AINDA A ACABAR DE SER INSTALADA.”
PORTANTO, NÃO PODIA SER DADA COMO PROVADA A MATÉRIA FÁCTICA DOS QUESITOS 10º A 12º., AO CONTRÁRIO DO QUE DECIDIU O MERITÍSSIMO JUIZ “A QUO” NOS PONTOS 19. A 21. DOS FACTOS PROVADOS.
J.
A RESPOSTA AO QUESITO 13º NÃO PODIA SER A DADA NO PONTO 22. DOS FACTOS PROVADOS, MAS ANTES ESTA:
“A SEGUNDA RÉ PRESTOU FORMAÇÃO PROFISSIONAL AO SINISTRADO RELATIVAMENTE À UTILIZAÇÃO DA MÁQUINA, EMBORA NÃO TENHA FICADA REGISTADA DOCUMENTALMENTE.
L.
O TRIBUNAL DEU COMO NÃO PROVADA A MATÉRIA FÁCTICA QUE INTEGRAVA OS QUESITOS 15º A 17º, CUJA PROVA COMPETIA À 2ª RÉ, AQUI RECORRENTE, SENDO QUE SOBRE ESTA MATÉRIA SE PRONUNCIARAM AS TESTEMUNHAS, ARROLADAS PELAS AUTORAS E PELA 1º RÉ, T. S. E M. L., QUE ESTAVAM NO LOCAL E HORA DO ACIDENTE, INTERROGADOS SOBRE SE ALGUÉM DEU ORDENS AO R. M. PARA A ENTRAR NA CABINE(00:012:48), FORAM UNÂNIMES E INEQUÍVOCAS A DIZER QUE “NÃO”(00:12:53), OU SE OUVIRAM OUVIU ALGUM SUPERIOR HIERÁRQUICO MANDA-LO ENTRAR PARA A MÁQUINA (00:009:25), DISSERAM TAMBÉM QUE ”NÃO”(00:09:30),

POR CONSEGUINTE,
FACE ÀS RESPOSTAS DAS TESTEMUNHAS OUVIDAS SOBRE ESTAS MATÉRIAS (QUESITOS 15º A 17º), TRANSCRITAS NA PARTE III DESTAS ALEGAÇÕES, NÃO PODE DEIXAR DE SE CONSIDERAR COMO PROVADOS ESTES QUESITOS, AO CONTRÁRIO DO QUE DECIDIU O MERITÍSSIMO JUIZ.
RESUMINDO,
M.
NOS TERMOS DA ALÍNEA A) DO Nº 1 DO ARTº 640º DO CPC, CONSIDERA-SE INCORRECTAMENTE JULGADA A MATÉRIA FACTICA DOS QUESITOS 3º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º, 17º, 25º E 26º, SENDO QUE A DECISÃO A SER

PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO VERTIDA NESTES QUESITOS DEVERIA SER A SEGUINTE:

- OS QUESITOS 3º, 11º E 12 DEVEM SER DADOS COMO NÃO PROVADOS.
- A RESPOSTA AO QUESITO 13º DEVE SER: “A FORMAÇÃO PROFISSIONAL AO SINISTRADO RELATIVAMENTE AO FUNCIONAMENTO E UTILIZAÇÃO DA MÁQUINA FOI PRESTADA NO PRÓPRIO POSTO DE TRABALHO PELOS TRABALHADORES MAIS ANTIGOS E EXPERIENTES.”
- OS QUESITOS 15º E 16º DEVEM SER DADOS COMO PROVADOS.
- A RESPOSTA AO QUESITO 17º DEVE SER IGUAL À DO QUESITO 13º.
- OS QUESITOS 25º, 26º E 30º DEVEM SER DADOS COMO PROVADOS.
N.
NO PONTO 4 DA SENTENÇA DE QUE SE RECORRE, O MERITÍSSIMO JUIZ “ A QUO” ELEGEU 4 COMO QUESTÕES A DECIDIR, DE QUE SE REALÇA A SEGUINTE:
RESPONSABILIDADE AGRAVADA DA RÉ ENTIDADE PATRONAL POR VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO,” SOBRE ESTA QUESTÃO,
- PARTINDO DA FACTUALIDADE QUE DEU COM PROVADA NA SENTENÇA RECORRIDA - QUE FOI PARCIALMENTE IMPUGNADA - CONCLUIU QUE ESTÁ CLARAMENTE DEMONSTRADA A INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE SEGURANÇA. CONCLUSÃO COM A QUAL NÃO PODEMOS ESTAR, DE FORMA ALGUMA, DE ACORDO.
PORQUANTO , A SENTENÇA RECORRIDA NÃO INDICA, EM CONCRECTO, QUAIS OS PRECEITOS LEGAIS VIOLADOS OU INOBSERVADOS, NOMEADAMENTE DA LEI 102/2009 DE 10/09, QUE APROVOU O REGIME JURÍDICO DA PROMOÇÃO DA SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, NEM DO D. L 50/2005 DE 25/02.
O.
PARA O MERITÍSSIMO JUIZ, O FACTO DO MECANISMO DE SEGURANÇA, PARA ACESSO AO INTERIOR DA CABINE DE CORTE, ESTAR INOPERACIONAL, POSSIBILITANDO AÍ ENTRADA COM O SISTEMA DE CORTE EM FUNCIONAMENTO, FOI A CAUSA DO ACIDENTE.

ORA,
ESTA CONCLUSÃO É DESMENTIDA PELA REALIDADE, CARECENDO DE QUALQUER FUNDAMENTO FACTUAL, JÁ QUE, FICOU PROVADO QUE QUALQUER TRABALHADOR PODIA DESCONECTAR AS CORRENTES DE BLOQUEIO DAS PORTAS DE ACESSO À CABINE DE CORTE, SEM QUE TAL IMPLICASSE QUE A MÁQUINA - INCLUINDO A SERRA - DEIXASSE DE FUNCIONAR, MATÉRIA DE FACTO ESTA VERTIDA NO QUESITO 26º, QUE FOI AQUELE SOBRE O QUAL O SR. JUIZ, NÃO SE PRONUNCIOU, MAS O SOBRE O QUAL O RELATÓRIO DE PERITAGEM NÃO DEIXA DÚVIDAS DE QUE ASSIM É.
P.
AO CONTRARIO DO QUE SE DECLARA NA SENTENÇA RECORRIDA, NÃO RESULTOU PROVADO, QUE O SINISTRADO” ENTROU PARA O INTERIOR DA CABINE DE CORTE, PARA VERIFICAR O ESTADO DO PAINEL QUE ESTAVA A SER PRODUZIDO,…”
É VERDADE QUE O SINISTRADO ENTROU NA CABINE DE CORTE.
AGORA SE FOI PARA VERIFICAR O ESTADO DO PAINEL, QUE ESTAVA A SER BEM PRODUZIDO, ISSO NÃO SE SABE E NUNCA SE SABERÁ, POIS NÃO O DISSE A NINGUÉM.
POR ISSO A ALEGADA INCÓGNITA, O DESCONHECIDO, O “ALGO”, NÃO
PODE SERVIR DE FUNDAMENTO PARA RESPONSABILIZAR DE FORMA AGRAVADA A
ENTIDADE PATRONAL PELA OCORRÊNCIA DO ACIDENTE, COMO SE FEZ NA DECISÃO RECORRIDA.
Q.
REPETE-SE:
OS TRABALHADORES DA RECORRENTE, TODAS ARROLADAS PELAS A.A. E PELA SEGURADORA CONFIRMARAM QUE PARA FAZER TAL VERIFICAÇÃO, NÃO ERA PRECISO TER-SE APROXIMADO DO LOCAL ONDE FOI COLHIDO PELO ELEMENTO ROLANTE, NEM MUITO MENOS, ULTRAPASSAR A REFERIDA ESTRUTURA METÁLICA FIXA, ONDE CORRE A SERRA DE CORTE, DESDE LOGO PORQUE,
- ESTÁ DOCUMENTAL E FACTUALMENTE PROVADO QUE HÁ UMA DISTÂNCIA DE 2 METROS ENTRE A PORTA DE ACESSO Á CABINE E A ESTRUTURA METÁLICA FIXA, ONDE CORRE A SERRA E O PAINEL EM PRODUÇÃO, PELO QUE PARA VERIFICAR SE ESTE ESTAVA A SER FABRICADO SEM DEFEITOS NÃO ERA NECESSÁRIO, NEM SE JUSTIFICAVA A APROXIMAÇÃO, NEM SE PERCEBE A RAZÃO DE SER DE TAL APROXIMAÇÃO
R.
PARA VERIFICAR O ESTADO DE PRODUÇÃO DOS PAINÉIS, SE NÃO SE VISSE PELAS JANELAS, COMO MUITAS VEZES ACONTECIA, BASTAVA ENTRAR NA CABINE, COMO TODAS AS TESTEMUNHAS OUVIDAS COMPROVARAM – NOMEADAMENTE AS DECLARAÇÕES DO FABRICANTE DA MÁQUINA - SEM SER NECESSÁRIO APROXIMAR-SE DO LOCAL ONDE FOI ATINGIDO O SINISTRADO, SENDO CERTO QUE A ENTRADA NA CABINE, DADA A SUA CONFIGURAÇÃO, DESCRITA NOS PONTOS 23º A 27º DOS FACTOS PROVADOS, NÃO IMPLICAVA QUALQUER PERIGO PARA A SEGURANÇA DOS SEUS OPERADORES.

DE RESTO,
ISTO MESMO FOI RECONHECIDO PELO SR. JUIZ “A QUO”, QUANDO ESCREVE NA SENTENÇA RECORRIDA “ A MERA ENTRADA NA CABINE DE CORTE NÃO IMPLICAVA O ACIDENTE, UMA VEZ QUE, TAL COMO RESULTA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA, EXISTIA UMA DISTÂNCIA A PERCORRER NO SEU INTERIOR ATÉ AO LOCAL ONDE O OPERADOR PODIA SER ATINGIDO PELO ELEMENTO ESTRUTURAL ROLANTE QUE SUPORTAVA A SERRA AUTOMÁTICA.”
S.
A SENTENÇA RECORRIDA RECONHECE MAIS QUE “ALGO SE PASSOU COM O SINISTRADO QUE O LEVOU A APROXIMAR-SE DESTE LOCAL,” ONDE FOI ATINGIDO PELO ELEMENTO ESTRUTURAL ROLANTE, BEM SABENDO, COMO OS DEMAIS TRABALHADORES, OU QUALQUER PESSOA, ALI A TRABALHAR, SER PROIBIDO, POR PERIGOSO, ULTRAPASSAR TAL LOCAL.
QUALQUER CIDADÃO SABE QUE O ATRAVESSAR UMA RUA, COM VEÍCULOS A PASSAR, É COISA QUE SE NÃO PODE/DEVE FAZER.
ESSE “ALGO”, QUE SE TERÁ PASSADO COM O SINISTRADO, PARA SE APROXIMAR DO REFERIDO LOCAL, ULTRAPASSANDO A ESTRUTURA METÁLICA FIXA - SERÁ SEMPRE UMA INCÓGNITA, NÃO PASSANDO DE ALGO NADA CONCRETO, SEGURO, CERTO, DETERMINADO, ETC, ETC..
POR ISSO, E EM RIGOR,
- NUNCA SE PODERÁ IMPUTAR, EM CONCRETO E A QUEM QUER QUE SEJA, O FACTO QUE CONDUZIU AO ACIDENTE, COMO, ERRADAMENTE, SE CONCLUIU NESTA SENTENÇA.
T.
POR CONSEGUINTE,
NÃO FOI, PORTANTO, DETERMINANTE PARA A OCORRÊNCIA DO ACIDENTE O FACTO DAS CORRENTES DE BLOQUEIO DAS PORTAS DE ACESSO À CABINE DE CORTE, ESTAREM DESCONECTADAS, JÁ QUE, SÓ POR SI, TAL FACTO NÃO VIOLA QUAISQUER NORMAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO.
MESMO QUE SE ADMITISSE TER HAVIDO VIOLAÇÃO DE NORMAS DE SEGURANÇA NÃO FOI ESSA A CAUSA DO ACIDENTE, NÃO FOI A OPERACIONALIDADE DO SISTEMA DE BLOQUEIO A CAUSA DO ACIDENTE, FOI O TAL “ALGO”, DESCONHECIDO A QUE ALUDE A SENTENÇA RECORRIDA, QUE TERÁ LEVADO O SINISTRADO A PROCEDER COMO PROCEDEU, OU SABE-SE LÁ, QUE FACTO ORIGINOU O ACIDENTE, ISTO PORQUE NENHUMA PROVA PRODUZIDA – DOCUMENTAL, TESTEMUNHAL OU OUTRA – CARREADA PARA OS AUTOS, PERMITE CONCLUIR – COM A CERTEZA E COM A SEGURANÇA QUE A LEI E O DIREITO IMPÕEM - QUE A 2ª R., ORA RECORRENTE, VIOLOU QUAISQUER NORMAS DE SEGURANÇA DO TRABALHO.
ADEMAIS, NEM A SENTENÇA RECORRIDA AS IDENTIFICA OU ELENCA.
U.
A TER HAVIDO A ALEGADA VIOLAÇÃO - QUE NÃO ESTÁ MINIMAMENTE DEMONSTRADA - NÃO OCORREU O ACIDENTE COM CULPA DA 2ª RÉ, MUITO MENOS COM CULPA GRAVE, DE QUALQUER FORMA SEMPRE SETORNANDONECESSÁRIA A EXISTÊNCIA DE UM NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADA ENTRE A ALEGADA VIOLAÇÃO E O ACIDENTE.
COMO É JURISPRUDÊNCIA UNANIMEMENTE ACEITE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES, A RESPONSABILIZAÇÃO DA ENTIDADE PATRONAL DE FORMA AGRAVADA IMPLICA A VERIFICAÇÃO CUMULATIVA DE 3 PRESSUPOSTOS FACTUAIS , COMO SE PODE VER , ENTRE OUTROS, NOS ACÓRDÃOS DO STJ DE 23/09/2009, DE 19/06/2013 E DE 06/05/2015, NO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 23/03/2015 E MAIS RECENTE, NOMEADAMENTE O DO STJ DE 25/10/2018, ALIÁS NO MESMO SENTIDO O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES DE 07/02/2019, CITADO NA SENTENÇA RECORRIDA NA PARTE IV DO RESPECTIVO SUMÁRIO.( ACÓRDÃOS CITADOS E COM OS RESPECTIVOS SUMÁRIOS TRANSCRITOS NA PARTE IX DAS ALEGAÇÕES, QUE SE DÃO POR REPRODUZIDOS)

V. CONCLUINDO:
- ESTÁ NÃO SÓ ERRADA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, COMO TAMBÉM NA SUA SUBSUNÇÃO DA MESMA AO DIREITO,

ISTO PORQUE,
O ÓNUS DA ALEGAÇÃO E A PROVA DOS FACTOS DOS QUE INTEGRAM A VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA, A CULPA E O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A VIOLAÇÃO E O ACIDENTE, IMPENDIAM SOBRE AS AA E SOBRE A SEGURADORA (ARTº341º E Nº 1 DO 342º DO C. CIVIL) QUE PRETENDE VER DESONERADA DA SUA RESPONSABILIDADE.

E TEMOS POR EVIDENTE QUE NÃO LOGRARAM, ESTAS PARTES, PROVAR QUE:
1.
- A 2ª RÉ VIOLOU QUAISQUER NORMAS DE SEGURANÇA DO TRABALHO.
2.
- TIVESSE HAVIDO UM COMPORTAMENTO CULPOSO DA 2ª RÉ.
3.
- HAJA COM(PROVADO) O NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADA ENTRE A ALEGADA VIOLAÇÃO E O ACIDENTE.
X.
AO DECLARAR QUE O ACIDENTE SE DEVEU À INOPERACIONALIDADE DO SISTEMA DE BLOQUEIO DAS PORTAS DE ACESSO À CABINE, O MERITÍSSIMO JUIZ “ A QUO”, FEZ UM JUÍZO OBVIAMENTE CONCLUSIVO, SEM QUALQUER SUSTENTAÇÃO FÁCTICA, DESMENTIDO, INCLUSIVE, PELOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELAS PRÓPRIAS AUTORAS, QUE À PERGUNTA DE SE ERA POSSÍVEL DESCONECTAR AS CORRENTES DE BLOQUEIO E A MÁQUINA CONTINUAR A TRABALHAR, DISSERAM CLARAMENTE QUE SIM, OU SEJA, O TAL MECANISMO NÃO IMPEDIA A ENTRADA NA CABINE COM A MAQUINA CONTINUAR A TRABALHAR, COMO SE PROVOU NA PARTE DESTAS ALEGAÇÕES REFERENTE À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
Z.
O MERITÍSSIMO JUIZ “ A QUO” RECONHECEU QUE “A MERA ENTRADA NA CABINE DE CORTE NÃO IMPLICAVA O ACIDENTE “.
MAIS RECONHECEU QUE “ALGO SE PASSOU COM O SINISTRADO QUE O LEVOU A APROXIMAR-SE DESTE LOCAL,”, MAS EM VEZ DE TER SEGUIDO O PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO REO “ PREFERIU , DE FORMA APRESSADA, CONDENAR A 2ª RÉ., PORÉM, DESCONHECENDO-SE O PROCESSO NATURALÍSTICO QUE, CONCRETAMENTE, DEU ORIGEM AO ACIDENTE, NÃO É POSSÍVEL DAR POR VERIFICADO O NEXO CAUSAL ENTRE A ALEGADA VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA ( POR PARTE DA RECORRENTE) E O ACIDENTE, PELA MERA AFIRMAÇÃO - SEM MAIS - DE QUE A VIOLAÇÃO TENHA EXISTIDO.
AO RECONHECER UM “ALGO”, PROVADO FICOU NÃO SE TER PROVADO – COM A CERTEZA E A SEGURANÇA QUE O DIREITO IMPÕE – A CAUSA DO ACIDENTE
AA.
- NENHUM FACTO LOGRANDO AS AA E 2ª RÉ/SEGURADORA PROVAR, DONDE POSSA ESTABELECER-SE O NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADA ENTRE A INOPERACIONALIDADE DO SISTEMA DE BLOQUEIO DE ACESSO À CABINE E A OCORRÊNCIA DO ACIDENTE, PORQUANTO ESTA SÓ POR SI NÃO FOI A CAUSADORA DO ACIDENTE;
NÃO PROVADA, ELENCADA OU IDENTIFICADA A ALEGADA VIOLAÇÃO DE QUALQUER DAS REGRAS DE SEGURANÇA PELA RECORRENTE, A CULPA SUA, NEM O NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADA,
NÃO PODE ACEITAR-SE A EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA R. SEGURADORA, QUE DEVE SER ELA SOMENTE A CONDENADA A PAGAR AS IMPORTÂNCIAS CONSTANTES DA PARTE III, DECISÃO DA SENTENÇA DE QUE SE RECORRE.
AB.
FORAM VIOLADOS AS DISPOSIÇÕES LEGAIS ARTIGOS 341º E Nº 1 DO 342º DO CÓDIGO CIVIL, 490º A 493º, 607º Nº 3 E 5 , 615º Nº 1 ALÍNEAS B), C) E D) DO CPC E Nº 1 AL. A) DO Nº 4 ARTº 18º DA NLAT

TERMOS EM QUE, DEVE REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE ABSOLVA A ORA RECORRENTE DO PEDIDO, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COMO É DE JUSTIÇA.

CONTRA-ALEGAÇÕES:

As AA defendem a manutenção da decisão recorrida.
A ré seguradora não contra-alegou.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna que não ocorrem nulidades na sentença recorrida e que esta deve ser mantida, quer quanto à matéria de facto, quer de direito.
A ré empregadora respondeu mantendo que deve ser absolvida do pedido.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso1):
1 – As nulidades da sentença;
2 - Impugnação da matéria de facto;
3 - A violação das regras sobre segurança e saúde por parte da empregadora ré.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:

Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos (sublinhando-se a negrito os factos impugnados por via de recurso):

1. No dia 19 de Maio de 2018, ocorreu um acidente de que foi vítima o sinistrado R. M.;
2. O sinistrado era trabalhador da segunda ré, exercendo a actividade profissional de trabalhador não especializado e auferindo a retribuição anual de € 11.996,60;
3. A segunda ré dedica-se ao fabrico de painéis;
4. Na altura do acidente, o sinistrado estava a trabalhar numa máquina de fabricar painéis, de marca Tecnip - Modelo D4C6D36/28/25;
5. Esta máquina tinha uma cabine de corte, equipada com uma serra automática para o corte dos painéis;
6. Esta serra automática era constituída por duas serras de disco;
7. O sinistrado entrou por uma das portas para o interior da cabine de corte;
8. No interior da cabine de corte, o sinistrado foi atingido pelo elemento estrutural rolante que suportava a serra automática;
9. Este elemento empurrou o sinistrado contra a estrutura do interior da cabine de corte;
10. O sinistrado trabalhava com a máquina desde há cerca de sete meses quando ocorreu o acidente;
11. As funções do sinistrado quando trabalhava com a máquina implicavam que, por vezes, se deslocasse ao interior da cabine de corte para verificar se o painel estava a ser produzido com a espessura da espuma de poliuretano que era pretendida;
12. O sinistrado entrou para o interior da cabine de corte para verificar o estado do painel que estava a ser produzido;
13. Na altura do acidente, as correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte estavam desconectadas do parafuso de fixação, o que tornava inoperacional o sistema de segurança que impedia o acesso do operador ao interior da cabine, onde se encontrava a serra automática e os respectivos elementos estruturais em movimento;
14. A máquina era utilizada habitualmente com as correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte desconectadas do parafuso de fixação;
15. A segunda ré não proibia o sinistrado ou qualquer outro trabalhador de entrar na cabine de corte com a máquina em funcionamento;
16. A desconexão das correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte do dispositivo de fixação era realizada com a utilização de uma chave que estava colocada no seccionador de potência da máquina;
17. Para retirar esta chave era necessário accionar previamente o seccionador de potência da máquina, o que implicava desligar a seu funcionamento;
18. A máquina não estava equipada nas portas de acesso ao interior da cabine de corte com sinalização de advertência para a proibição de acesso ao interior da cabine com o equipamento em movimento;
19. A situação de risco no interior da cabine de corte havia sido identificada antes do acidente na avaliação de risco do posto de trabalho do sinistrado elaborada pela técnica de segurança no trabalho que prestava serviços para a segunda ré;
20. Nesta avaliação, a segunda ré foi advertida para a necessidade de implementar medidas de prevenção para reduzir e controlar o risco no acesso ao interior da cabine de corte;
21. A segunda ré não implementou qualquer medida para reduzir e controlar este risco;
22. A segunda ré não prestou formação profissional ao sinistrado relativamente à utilização da máquina;
23. A cabine de corte tem a forma de um paralelepípedo, com o comprimento de cerca de 12,00 m, a largura de 8,00 m e altura de 3,00 m;
24. A serra de corte desloca-se transversalmente ao painel, apoiada numa estrutura metálica que, por sua vez, se apoia e desloca ao longo de uma outra estrutura metálica construída com pilares e vigas de secção quadrada com cerca de 20,00 cm de largura da face;
25. Entre a porta de acesso ao interior da cabine de corte e a parte exterior desta estrutura metálica existe uma distância de 2,00 m;
26. Para chegar ao local onde o sinistrado foi atingido é necessário percorrer esta distância de 2,00 m e ainda os 20,00 cm da estrutura metálica que suporta a serra de corte;
27. Nas suas deslocações, de trás para a frente, o painel move-se devagar, percorrendo entre 10,00 m e 5,00 m ou 6,00 m em cada minuto;
28. No momento em que ocorreu o acidente, era possível entrar na cabine de corte com o sistema de corte em funcionamento;
29. Na altura do acidente, era permitido ao operador entrar na cabine de corte com o sistema de corte em funcionamento, sem passar para o espaço onde estava a estrutura metálica que suporta a serra, designadamente para verificar a densidade da espuma de poliuretano e se não estava a ocorrer um qualquer escorrimento da espuma;
30. As deficiências do painel que estava a ser produzido podiam ser verificadas com o sistema de corte desligado, mas as perdas resultantes do painel defeituoso eram maiores;
31. Na segunda ré existiam outras três máquinas idênticas àquela em que o sinistrado estava a trabalhar, sendo que todas estavam equipadas com uma cabine de protecção do sistema de corte;
32. Estas máquinas tinham os respectivos certificados de segurança;
33. A avaliação de risco do posto de trabalho do sinistrado foi elaborada pela técnica de segurança no trabalho quando a máquina ainda estava a ser instalada, pelo que era provisória;
34. O sinistrado sofreu lesões na cabeça que provocaram a sua morte;
35. O sinistrado sentiu dores no momento do acidente e no período de tempo entre o acidente e o seu falecimento;
36. O sinistrado era uma pessoa saudável;
37. O sinistrado era casado com a primeira autora;
38. A segunda autora era a única filha do sinistrado, tendo nascido no dia - de Janeiro de 2013;
39. O sinistrado tinha um bom relacionamento com a primeira e a segunda autoras, respectivamente sua esposa e única filha;
40. A primeira e a segunda autoras sentiram desgosto pelo falecimento sinistrado e vão sentir a sua falta ao longo da vida;
41. Após o acidente, a primeira autora passou a sentir-se angustiada em consequência do falecimento do sinistrado;
42. A primeira autora despendeu a quantia de € 30,00 em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos;
43. A responsabilidade por acidentes de trabalho com o sinistrado estava transferida para a primeira ré, por contrato de seguro titulado pela Apólice nº1020025355, o qual era válido e eficaz quando ocorreu o acidente;
44. Este contrato de seguro cobria a retribuição anual de € 11.996,60;
45. O sinistrado nasceu no dia - de Dezembro de 1980;
46. O sinistrado faleceu no próprio dia do acidente.

B) NULIDADES DA SENTENÇA:

Segundo o artigo 615.º n.º 1, CPC, é nula se sentença quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


Quanto à alínea c):

A contradição entre os fundamentos e decisão reporta-se a um vício de raciocínio lógico que ocorre quando os fundamentos invocados não condizem com o resultado que é a decisão final. Trata-se de um erro de contradição lógica porque o fundamento em que a decisão final se baseia leva necessariamente a conclusão oposta à proferida (2). Distingue-se, assim, do erro de julgamento que se reporta a uma errada aplicação do direito aos factos e que é sindicável por via de recurso.
A ambiguidade ou obscuridade são casos de ininteligibilidade que se reportam unicamente à parte decisória da sentença e não se estendem à fundamentação e que relevam quando um declaratário normal não consiga alcançar um sentido inequívoco, ainda que por recurso à fundamentação da decisão (3). Ocorre obscuridade quando a decisão é ininteligível e se presta a dúvidas. Ocorre ambiguidade quando alguma passagem da decisão não é clara por comportar vários sentidos ou diferentes interpretações (4).

Quanto à alínea d):

Finalmente, a omissão de pronúncia sobre “questões” refere-se, não aos argumentos das partes, mas sim aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência. Uma vez que desde a reforma do CPC a sentença contém tanto a decisão da matéria de direito como de facto, poderão ocorrer vícios/nulidades da decisão da matéria de facto que caibam no âmbito das nulidades e não na previsão dos fundamentos de recurso do artigo 640ºCPC, a ponderar consoante o caso.

As nulidades em concreto invocadas:

A recorrente entende que houve omissão de pronúncia (al. c) quanto à resposta ao artigo 26 da base instrutória que tem a seguinte redacção:
26º-As correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte podiam ser desconectadas do dispositivo fixador por qualquer trabalhador sem que tal implicasse que a máquina, incluindo a serra, deixasse de funcionar?”
O senhor juiz a quo entende que não se verificam quaisquer nulidades e, portanto, não as supriu.
Na sentença após a rubrica “factos provados” consta o ponto com o seguinte teor: “ 2.Factos não provados: Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente os seguintes…..” (sublinhado nosso).
Foi, assim, escolhida uma técnica de resposta que optou pela não enunciação exaustivamente de todos os factos não provados, mas pelo uso de uma expressão genérica que abrange, por exclusão, o facto 26 que se alcança ser não provado. De resto, na fundamentação de direito, constam os argumentos que foram considerados relevantes e não relevantes para a causalidade do acidente e existência de agravação de responsabilidade, não se tratando de uma questão que tenha sido elegida como relevante e esquecida. Questão diferente será a de saber se o ponto 26 devia ser facto provado, o que a recorrente confunde como se vê pelas considerações que tece sobre a fundamentação da decisão, o que não cabe em sede de nulidade, mas sim de impugnação da matéria de facto. Improcede assim a arguição.
A recorrente entende ainda que existe contradição entre a fundamentação de direito ou forte ambiguidade/obscuridade (al. c) quando se conclui pela responsabilidade agravada da entidade patronal, mas se reconhece também que “a mera entrada na cabine de corte não implicava o acidente”. Obscuridade também resultante da conjugação dos pontos 8, 9 e 27, porque não se explica em que reais circunstâncias se deu o acidente.

É esta a redação dos pontos 8, 9 e 27 que está em causa:

“8º - No interior da cabine de corte, o sinistrado foi atingido pelo elemento estrutural rolante que suportava a serra automática;
9º - Este elemento empurrou o sinistrado contra a estrutura do interior da cabine de corte;
27º - Nas suas deslocações, de trás para a frente, o painel move-se devagar, percorrendo entre 10,00 m e 5,00 m ou 6,00 m em cada minuto.”

Tendo presente o supra dito sobre o conceito de nulidade de sentença e lendo o dispositivo da sentença, facilmente se conclui que não existe qualquer contradição, ambiguidade e obscuridade na parte decisória, percebendo-se claramente quem são os sujeitos e o objecto da condenação.

Quanto à alegada contradição entre a fundamentação e a decisão, é preciso que se diga que a fundamentação da sentença não se limita, nem apenas aos factos mencionados, nem à pequena frase transcrita pela recorrente. Lida toda sentença, dela consta escorreita fundamentação sobre a teoria do aumento de risco na ocorrência do acidente resultante do facto de o sistema de bloqueio das portas de acesso estar desactivado.
Assim, a recorrente incorre em vulgar confusão entre a nulidade e a discordância com o resultado e enquadramento jurídico feito pelo tribunal a quo no que respeita à matéria de direito.
Igualmente não se descortina qualquer contradição/obscuridade no segmento factual, vícios que, nos termos supra ditos, não se definem pela falta de mais pormenores sobre o modo como ocorreu o acidente, como pretende o recorrente. Nem se vê qualquer contradição entre os pontos 8, 9 e 27, como linearmente decorre da sua leitura, nem entre eles e a decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente a arguição de nulidades.

C) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A regra legal em sede de modificabilidade da decisão de facto é a de que o tribunal superior deve alterar esta decisão se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem, e não somente admitirem, decisão diferente – art. 662º do CPC. A utilização do verbo “impor” confere um especial grau de exigência imposto à segunda instância que, assim, deve ser cautelosa e parcimoniosa na modificação da decisão de facto.
O tribunal da relação é uma instância de recurso que, por isso mesmo, conhece em moldes mais restritos sobre a matéria de facto, a qual já foi sujeita a um primeiro crivo. O que também se relaciona com o facto de, no ordenamento jurídico português, vigorar a regra da livre apreciação da prova e subsequente fixação da matéria de facto por parte do julgador, a efectuar segundo a sua prudente convicção, salvo se a lei exigir formalidade especial - art. 607º do Cód. Proc. Civil. O tribunal a quo, pese embora ao abrigo daquele princípio seja livre na apreciação da matéria de facto (5) (assim como o tribunal ad quem), nos termos supra referidos, tem ainda o dever de explicar na fundamentação da matéria de facto qual o fio condutor lógico de raciocínio crítico que ditou aquela materialidade fáctica. Alcançando-se por essa via as razões de ciência, de lógica e as regras de experiência de vida que lhe estiveram subjacentes. Assim, a reapreciação da prova em segundo instância, não devendo ser minimalista, nem meramente formalista, deve, contudo, ter presente este princípio. Mormente quando incide sobre prova testemunhal, porque não se pode também escamotear o facto de ao tribunal superior faltar a leitura dos gestos, da postura e das expressões dos declarantes, complementares da audição e somente assegurados pela oralidade e imediação.
Decorre também do exposto que a reapreciação de prova não equivale a novo julgamento, devendo, com referência à matéria impugnada, circunscrever-se aos casos de clara desarmonia entre a prova disponível e a decisão tomada, a incongruências ou outras anomalias que claramente sobressaiam. Ou seja, o julgador do tribunal superior tem de estar bem seguro de que a prova foi mal apreciada e, só nessa circunstância, a deve modificar (6).

No caso concreto:

Factos provados que são algo de impugnação:

A recorrente alega que os pontos provados n.s 12, 19, 20, 21 e 22 (já acima transcritos e correspondente aos quesitos 3, 10 a 13 e não 3, 11 a 14 como diz a recorrente) deveriam ter sido dados como não provados, sendo que o 22 deveria ter uma diferente redacção.
Quanto ao ponto provado 12 (quesito 3), em suma, diz que nenhum colega falou com o sinistrado antes de entrar para a cabine, conforme depoimentos dos trabalhadores T. S. e M. L. e, ainda, J. G., director técnico da empregadora.
Quanto pontos provados 19 a 21 (quesitos 10 a 12) invoca os depoimentos dos trabalhadores T. S. e M. L., que desconheciam o relatório elaborado pelo Y e que qualquer tipo de advertência tivesse sido feito à empregadora. Invoca também o depoimento de J. G., director técnico da empregadora, que confirmou que só depois do acidente teve conhecimento do relatório elaborado por técnica de segurança (datado de junho/17).
Quanto ponto provado 22 (quesitos 13) devia antes ter sido dado como provado que “A segunda ré prestou formação profissional ao sinistrado relativamente à utilização de máquinas, embora não tenha ficada registada documentalmente.” Invoca o depoimento de J. G. e de P. S., este por tal informação lhe ter sido passada pelo director técnico.

Vejamos.

Quanto ao ponto 12 (o sinistrado entrou na cabine para verificar o estado do painel): esta matéria foi correctamente julgada.
Tal resulta dos depoimentos dos colegas T. S., A. M., L. M., e até M. L..

Como refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer:

outra não poderia ser a matéria de facto provada, à luz das regras da experiência comum, das presunções naturais e da lógica das coisas, sendo certo que a recorrente não indicou qualquer meio de prova que impusesse diferente entendimento”.

Efectivamente, resultou cabalmente demonstrado que era normal e frequente entrar dentro da cabine de corte para verificar o estado dos painéis “sandwich”, operação que não se conseguia fazer de modo perfeito do lado de fora, pelo que tal prática era extensível a todos os trabalhadores. Facto que de resto foi confirmado por cúpulas da empresa, como J. G., pese embora dissesse que isso ocorria com pouca frequência. Ora, não havendo dentro da cabine nada mais do que a máquina de corte e seus componentes e sendo certo que este era o único motivo para ali entrar, o que se fazia com frequência, dizem as regras da experiência comum e da lógica natural das coisas, que foi esse o motivo pelo qual ali o sinistrado entrou. De estranhar seria que o sinistrado informasse os colegas de que ia fazer o que habitualmente fazia. Improcede a arguição.

Quanto aos pontos 19 a 21 (de que a situação de risco no interior da cabine já havia sido identificada por empresa de segurança antes do acidente e a ré não implementou medidas de segurança), é verdade que J. G., director técnico da ré, negou ter conhecimento do relatório que foi elaborado pela entidade a quem a empregadora contratou os serviços externos de ..., a empresa Y-Saúde, Segurança e Higiene no Trabalho, Lda.
Contudo, tal como se consignou na sentença a este propósito “O tribunal considerou provado que a avaliação de risco do posto de trabalho do sinistrado foi elaborada pela técnica de segurança no trabalho quando a máquina ainda estava a ser instalada, pelo que era provisória, porque este facto foi confirmado pela testemunha M. T., por forma que se afigurou sincera e isenta”.

Ora, lido o relatório do Y sobre a avaliação de risco por posto de trabalho datado de Junho/17, constante como anexo 4, do relatório do ACT, elaborado por L. C., técnica de segurança, nele consta a identificação dos riscos e acções, em concreto: “tarefa- de corte; avaliação de risco- corte/esmagamento; risco- notável; procedimento- correcção necessária urgente; templo de implementação- uma semana”.

Improcede, assim, a arguição.

Quanto ao ponto 22, referente à falta de formação profissional sobre a maquina, é muita a falta de razão na sua invocação. Ouvidos os depoimentos, todos os trabalhadores (T. S., M. L., L. M., A. M.), foram peremptórios em afirmar que não a receberam, o ensino era “uns com os outros”. Inclusive J. G., director técnico da ré, admitiu que formação era a “prática do dia a dia”.

De resto, o desconhecimento sobre a máquina e riscos foi ao ponto de não saberem da existência do sistema de bloqueio, que a ré nunca implementou, nem deu a conhecer aos trabalhadores até ao acidente de trabalho. Não obstante, no ponto 4.3 do manual de instruções da máquina, junto como anexo 3 do relatório da ACT, se referir que o operador da máquina deve conhecer com segurança o sistema de funcionamento (i), deve ter lido o manual em especial quanto aos aspectos de segurança (ii), deve estar a par dos riscos (iii), deve estar a par do sistema de segurança do qual a máquina é provida e seu funcionamento (iv).

Improcede a arguição.

Factos não provados que são alvo de impugnação – quesitos 15, 16, 17, 25, 26 e 30:

A recorrente alega ainda que os quesitos 15º e 16º foram dados como não provados e deveriam ser provados, porque as testemunhas T. S. e M. L., que se encontravam no local, responderam negativamente à questão de a empregadora ter dado instruções ao sinistrado para entrar na cabine de corte. Invoca também o depoimento da testemunha L. M.. O quesito 17º dado como não provado deveria ter a resposta acima proposta para o quesito 13.

Estes quesitos têm a seguinte redacção:

“15ºA segunda ré não deu instruções ao sinistrado para que entrasse na cabine de corte?
16º O sinistrado decidiu entrar na cabine de corte sem que se saiba o motivo que o levou a tomar esta decisão?
17º A segunda ré prestou formação profissional ao sinistrado relativamente ao funcionamento da máquina?”

Decorre já do acima exposto quanto à matéria que com eles de relaciona que tais quesitos foram bem julgados ao serem dados como não provados, remetendo-se para o supra dito quanto à falta de formação profissional, quanto ao motivo pelo qual o sinistrado entrou na cabine de corte e quanto à circunstância de a direcção da ré bem saber que os operadores entravam na cabine de corte, com o seu conhecimento e consentimento, para verificar a qualidade do painel, o que era do interesse da empresa. A qual aliás nunca implementou o sistema de segurança de bloqueio das portas, apesar da máquina vir equipada com ele e de constar no manual de instruções.
Ainda os quesitos 25, 26 e 30 deveriam ser dados como provados, segundo a ré empregadora. Invoca o relatório de peritagem e os depoimentos de J. G., A. S., trabalhadores da segunda ré e testemunhas das autoras e da seguradora.

Estes quesitos têm a seguinte redacção:

25º As deficiências do painel que estava a ser produzido apenas podiam ser verificadas com a máquina em funcionamento?
26º As correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte podiam ser desconectadas do dispositivo fixador por qualquer trabalhador sem que tal implicasse que a máquina, incluindo a serra, deixasse de funcionar?
30º Os técnicos do fabricante da máquina consideraram desnecessária a implementação de medidas de prevenção para reduzir e controlar o risco no acesso ao interior da cabine de corte?

Também estes quesitos foram bem respondidos.

O facto de depois do acidente ter sido posto em funcionamento o sistema de bloqueio é a prova cabal de que as deficiências dos painéis poderiam e deveriam ser verificadas de modo a não implicar risco para o operador. De resto J. G. reconheceu que, caso não se verificasse a qualidade do painel mais de perto, isso aumentava os custos, embora pretendesse inculcar a ideia de inexistência de risco, facto conclusivo que a ele não compete decidir. E reconheceu que, tirando-se a chave do sistema de bloqueio, tal “inibe a máquina”, ou seja, deixa de funcionar. Igualmente A. M., quanto ao ponto 26 de que o sistema de bloqueio actualmente implementado, já existente na máquina antes do acidente mas inoperacional, declarou que “hoje para entrar a máquina tem de estar completamente desligada” e “bloqueia tudo agora”. Ou seja, ninguém confirmou os pontos 25 e 26.
Igualmente o relatório técnico de peritagem datado de 1-07-2019, ordenado pelo tribunal (como inspecção judicial) confirma que a matéria foi bem decidida. Recorrendo às partes mais relevantes, consta do seu n. 23 que “No momento em que ocorreu o acidente, era possível entrar na cabine com o sistema de corte em funcionamento. Neste momento não. Apenas com o sistema de corte desligado é possível entrar na cabine”. No seu ponto 24 consta que que neste momento não é possível entrar na cabine de corte, porque existe uma fechadura que apenas pode ser aberta com uma chave especial que se encontra encravada com o sistema de comando e que, só quando este se desliga, a respectiva chave se solta. No momento do acidente era possível a qualquer operador abrir a porta sem qualquer procedimento porque a corrente se encontrava solta do parafuso que a deveria fixar. No ponto 25 consta que para melhor verificar a qualidade do painel entra-se na cabine e, quando este é mais visível, é precisamente o momento em que o painel é cortado. Fora da cabine o painel é menos visível e as perdas de qualidade do painel defeituoso são maiores. Do ponto 26 (remete-se para o n. 24), resulta que na altura do acidente era possível entrar livremente, mas se o sistema de funcionamento de bloqueio estivesse operacional nos termos em que está hoje, tal não seria possível (ver também ponto 23). Em conclusão, do relatório decorre que se o sistema de bloqueio estivesse accionado, como está agora, não seria possível entrar na cabine com a máquina activa em funcionamento.
Ainda, no que se refere às causas do acidente, importa salientar o depoimento do inspector do ACT, J. M., que identificou claramente como factores causais do acidente o facto de o sistema de segurança de bloqueio das portas de acesso à cabine estar desactivado, a falta de conhecimentos dos riscos -“sempre trabalharam assim”-, e a falta de formação sobre a máquina.

Importando, também, atentar no relatório da ACT de 9-07-2018:

No ponto 8 consta como factor contributivo do acidente o facto de o sistema de segurança estar inoperacional (sistema de bloqueio das portas da cabine), permitindo o acesso à cabine onde se encontrava a máquina em funcionamento.
No ponto 9.2 deste relatório consta que não foram exibidos documentos comprovativos de que o trabalhador recebeu formação específica sobre a máquina, não obstante o ponto 4.3 do manual de instruções (referente à necessidade de o operador dever conhecer com segurança o sistema de funcionamento, estar a par dos riscos e do sistema de segurança do qual a máquina é provida e do seu funcionamento). Refere-se no relatório que no ponto 5.6 do manual de instruções se descreve precisamente um sistema de bloqueio ao acesso à cabine de corte, constituído por quadro eléctrico de comando com chave que, se activada, não permitia o acesso por bloquear “as portinholas”, impedindo-se, assim, a entrada com a máquina activa. Todos os trabalhadores ouvidos referiram na altura que este sistema estava desactivado e que era normal entrar na zona de corte para verificar a qualidade do painel. Consta ainda inexistência de sinalização de segurança.
Finalmente para se ajuizar do bem fundado da resposta ao quesito 30 que foi não provado, basta atentar no Manual de Instruções da máquina, junto como documento 3 anexo ao relatório da ACT, em especial pontos 4.3 e 5.6 acima mencionados.
Acrescenta-se que no ponto 5.6 F.17 do dito manual de instruções consta o “Seccionador de potência presente no quadro eléctrico da zona de corte. Mediante este sistema com chave, a zona de corte torna-se segura em caso de acesso internamento às protecções. Para efectuar o acesso, é necessário cortar o quadro eléctrico da zona de corte, extrair a chave e com esta desbloquear as portinholas de acesso”.
Ou seja, do próprio manual de instruções do fabricante da máquina decorre a existência de um sistema de segurança para efectuar o acesso que consiste em bloqueio de portas da cabine de corte.
Em suma, concorda-se na integra com a decisão recorrida e mantém-se inalterada a matéria de facto sobre a qual incidiu o recurso, a qual se encontra acima transcrita e que reproduzimos.

D) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente e já decididas as questões de prova, a questão de direito que unicamente se coloca é a de saber se existe responsabilidade agravada no acidente de trabalho, por inobservância das regras de segurança e saúde por parte da ré empregadora.

No mais, é pacífico que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho, o qual ocorreu no tempo e no local de trabalho, provocando a morte do sinistrado, e que consistiu no facto de este ter sido colhido pelo elemento rolante da máquina de corte de painéis de poliuretano, após ter entrado na cabine de corte para verificar o estado do painel que estava a ser produzido - 8º da Lei nº98/2009 de 4/09 (doravante NLAT, aplicável aos acidentes ocorridos após 1-01-2010).

Em matéria de agravamento de responsabilidade atente-se no disposto no artigo 18º da referida NLAT, segundo o qual:

Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.

Prevê-se neste artigo dois fundamentos autónomos e diferentes de responsabilidade agravada. Ao caso apenas interessa o segundo fundamento respeitante à inobservância das regras sobre segurança e saúde no trabalho. A diferença entre os dois regimes reside no facto de na primeira situação ter de se fazer a prova da culpa, ao passo que na segunda tal é desnecessário (7), bastando, ao nível da imputação subjectiva, a prova da inobservância de normas de segurança e saúde no trabalho.

Tal como tem sido evidenciado pela doutrina e jurisprudência para que a entidade empregadora responda a título principal e de forma agravada têm de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observar determinadas regras de segurança e saúde no trabalho (ii) que o empregador ou representante as não haja observado sendo-lhe imputável tal omissão; (iii) que haja nexo de causalidade adequada entre a inobservância das normas de segurança e saúde no trabalho e o evento acidente (8).

Da pré-existência de regras de segurança e saúde no trabalho a observar em concreto pelo empregador:

Vejamos o primeiro requisito sobre a pré-existência de normas a observar. A resposta a esta questão é evidentemente positiva. E resulta de diversas fontes.

Em primeiro lugar do próprio manual de instruções da máquina acima citado, onde se prevê um sistema de segurança de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte.

Este sistema implicava desligar o quadro de comando de linha para desactivar o funcionamento da máquina de corte. Conforme o ponto 5.6 do manual de instruções onde se descreve precisamente um sistema de bloqueio ao acesso à cabine de corte, constituído por quadro eléctrico de comando com chave que, se activada, não permitia o acesso por bloquear “as portinholas”, impedindo-se, assim, a entrada com a máquina activa.

Acrescenta-se ainda no ponto 5.6 F.17 do dito manual de instruções o seguinte “Seccionador de potência presente no quadro eléctrico da zona de corte. Mediante este sistema com chave, a zona de corte torna-se segura em caso de acesso internamento às protecções. Para efectuar o acesso, é necessário cortar o quadro eléctrico da zona de corte, extrair a chave e com esta desbloquear as portinholas de acesso”.

Ou seja, desde logo do próprio manual de instruções do fabricante da máquina decorre a existência de um sistema de segurança para impedir o acesso à cabine de corte com o equipamento em funcionamento, o que deveria ser observado e posto em prática.

Mais, do próprio manual de instruções da máquina, ponto 4.3, consta outra regra a observar que é a de, atenta a perigosidade da máquina, dar formação ao operador sobre os riscos e em especial sobre o sistema de segurança no acesso à cabine de corte. Em concreto naquele ponto refere-se que: o operador da máquina deve conhecer com segurança o sistema de funcionamento (i), deve ter lido o manual em especial quanto aos aspectos de segurança (ii), deve estar a par dos riscos (iii), deve estar a par do sistema de segurança do qual a máquina é provida e seu funcionamento (iv). Ora, obviamente que o dever de dar formação específica sobre a máquina impede sobre o empregador e/ou seus representantes.

Em conjugação, impendia também sobre o empregador as obrigações gerais de assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde, aplicando as medidas necessárias tendo em conta os princípios gerais de prevenção (281º CT). Bem como de informação sobre os aspectos relevantes para aprestação do trabalho em segurança (282º, 1, CT). E de formação adequada habilitando os trabalhadores a prevenir os riscos associados à atividade (282º, 3, CT).

Finalmente, impendia ainda sobre o empregador o dever de observar o diploma relativo às prescrições mínimas de segurança e saúde para a utilização pelos trabalhadores de “equipamentos no trabalho”, entendendo-se por equipamento qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho, conforme Decreto Lei nº 50/2005, de 25/02. Em especial: o dever de informação adequada sobre os equipamentos de trabalho incluindo sobre condições de utilização e risco (art. 8º); o dever geral de assegurar que o equipamento é adequado ou convenientemente adaptado ao trabalho a efectuar e garantir a segurança e saúde do trabalhador durante a sua utilização (art. 3º, al. a); os deveres relativas à operacionalidade dos sistemas de paragem dos equipamentos (13º); os deveres relativos aos riscos de contacto mecânico, com protectores que impeçam o acesso a zona perigosas ou dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas (16º); os deveres relativos à sinalização de segurança advertindo o perigo no interior da cabine de corte (22º).

O expendido demonstra as regras de segurança que recaíam sobre o empregador.

Da inobservância das regras sobre segurança e saúde no trabalho

Passando agora ao segundo requisito da responsabilidade agravada, é para nós cristalino que o empregador não observou as referidas normas de segurança, sendo-lhe imputável tal omissão, o que decorre da factualidade provada sob os n.s 11 a 22, 28 a 30.

Ou seja, apesar de a máquina de corte de painéis vir equipada com um sistema de segurança que impedia o acesso à zona de corte da cabine com a máquina em funcionamento, aquele sistema não se encontrava operacional, porque a entidade empregadora, a quem competia tal tarefa, não o accionou. Não obstante tal constar do manual de instruções da máquina.

Acresce que tal risco no trabalho já havia sido diagnosticado pela empresa de serviços externos de ... (ponto provados 19 a 21 e 33), não tendo a ré implementado medidas de controlo de risco no acesso à cabine.

Também a ré não apôs sinalização de advertência para a proibição de acesso à cabine com o equipamento em movimento (ponto provado n. 18)
Mais, a ré não informou os trabalhadores da existência desse mecanismo de segurança, os quais o desconheciam por completo até ter ocorrido o acidente e, posteriormente, a entidade empregadora o activar.
Ademais, a ré nunca deu formação específica sobre a máquina e, muito menos, sobre a necessidade de desligar o comando geral, através de uma chave, para tornar o equipamento inoperacional antes de entrar na zona de corte para verificar a qualidade do painel. Note-se que as deficiências de painel podiam ser verificadas com o sistema de corte desligado, mas as perdas resultantes do painel defeituoso eram maiores (facto provado 30), o que explica que a ré não proibisse os seus operadores de entrar na zona de corte com a máquina em funcionamento (ponto provado nº 15). A ré sabia e consentiu no risco.

A este respeito expendeu-se bem na decisão recorrida:

A máquina era utilizada habitualmente com o mecanismo de segurança que impedia o acesso ao interior da cabine de corte com o sistema de corte em funcionamento inoperacional. Estava em causa um mecanismo de segurança de que a máquina dispunha. Como bem se compreende, este mecanismo de segurança devia estar operacional. Acresce que a máquina era utilizada nestas condições fundamentalmente por razões económicas. A entrada do operador na cabine de corte justificava-se para verificar o estado do painel que estava a ser produzido, designadamente a densidade da espuma de poliuretano e se não estava a ocorrer um qualquer escorrimento da espuma. Como resultou provado, as deficiências do painel podiam ser verificadas com o sistema de corte desligado, mas as perdas resultantes do painel defeituoso eram maiores.”

E previamente explicou-se na sentença que:

“…o sinistrado estava a trabalhar numa máquina de fabricar painéis….. Esta máquina tinha uma cabine de corte equipada com uma serra automática para o corte dos painéis. O acesso ao interior da cabine de corte era feito através de portas. O sinistrado entrou por uma destas portas para o interior da cabine de corte. No interior da cabine de corte, o sinistrado foi atingido pelo elemento estrutural rolante que suportava a serra automática. Este elemento empurrou o sinistrado contra a estrutura do interior da cabine de corte, provocando o seu falecimento.

As portas de acesso ao interior da cabine de corte estavam equipadas com um mecanismo de segurança que consistia em correntes de bloqueio para cuja abertura era necessária uma chave que implicava desligar o funcionamento do sistema de corte. No essencial, a função deste mecanismo de segurança consistia em não permitir a entrada na cabine de corte com o sistema de corte em funcionamento.

Na altura do acidente, o mecanismo de segurança para acesso ao interior da cabine de corte estava inoperacional. Concretamente, as correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte estavam desconectadas do parafuso de fixação. A máquina era utilizada habitualmente com as correntes de bloqueio das portas de acesso à cabine de corte desconectadas do parafuso de fixação. Qualquer trabalhador podia entrar na cabine de corte, bastando abrir a porta, sem necessidade de qualquer procedimento. Além disso, era possível entrar na cabine de corte com o sistema de corte em funcionamento.

A ré entidade patronal não proibia o sinistrado ou qualquer outro trabalhador de entrar na cabine de corte com o sistema de corte em funcionamento. Era permitido ao operador entrar na cabine de corte com o sistema de corte em funcionamento, designadamente para verificar a densidade da espuma de poliuretano e se não estava a ocorrer um qualquer escorrimento da espuma.”

Posto isto, está comprovado e justificado que a ré empregadora não observou as regras de segurança e de saúde no trabalho, incluindo as constantes do manual de instruções da máquina relativas ao sistema de segurança de boqueio no acesso à cabine de corte, zona de risco.

Passando ao último requisito, a causalidade.

Vigora no nosso sistema a teoria da causalidade adequada consagrada no artigo 563º do CC nos seguintes termos: “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Tem sido dito que nesta formulação negativa de causalidade adequada cabe todo o facto que actue como condição do dano, excepto se, numa perspectiva de prognose genérica e normal, o mesmo se mostrar completamente indiferente para a verificação do dano/evento, tendo-o provocado somente porque interferiram no caso concreto circunstâncias extraordinárias, anómalas ou excepcionais.

Trata-se, assim, de elaborar um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstracto e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico que é, assim, sua consequência normal. Para o efeito recorre-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e às regras da experiência comum. Finalmente, acresce que o facto para funcionar como causa adequada não tem ser o único a contribuir para o acidente (9).

Tendo em conta esta noção de causalidade adequada e a materialidade provada nos autos, a falta de observação das regras de segurança, em concreto a falta de activação do sistema de segurança de bloqueio das portas de acesso à zona de risco constituída pela cabine de corte, foi causa adequada do concreto acidente que ocorreu com o sinistrado, porque este não teria ocorrido se tais deveres tivessem sido observados.

Quanto ao nexo de causalidade consta na sentença:

“…Na omissão, o nexo de causalidade reconduz-se à teoria da conexão ou incremento do risco. De acordo com esta teoria, existe nexo de causalidade quando a acção omitida era susceptível de evitar o resultado com uma elevada probabilidade ou, pelo menos, diminuir a probabilidade da verificação do resultado. ….

A conduta devida pela ré entidade patronal consistia em ter operacional o mecanismo de segurança de acesso ao interior da cabine de corte. Se este mecanismo de segurança estivesse operacional, o acidente não teria ocorrido porque, mesmo que o sinistrado entrasse na cabine de corte para verificar o estado do painel que estava a ser produzido, o sistema de corte estaria desligado e o elemento estrutural rolante que suportava a serra automática não o teria empurrado contra a estrutura do interior da cabine de corte, provocando o seu falecimento.

E consta no parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto:

E o nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança no trabalho e o acidente mortal resulta evidenciado da factualidade assente sob os pontos 12º a 17º, na medida em que, se a máquina de corte estivesse equipada com o mecanismo de segurança exigível – correntes de bloqueio das portas de acesso ao interior da cabine de corte, para cuja abertura era necessária chave, que desligava o funcionamento da máquina -, se o sinistrado entrasse na cabine de corte, ainda que para verificar a qualidade do produto da máquina, esta teria de estar desligada e fora de funcionamento. Consequentemente, nunca em circunstância alguma, ou por qualquer motivo, no interior da cabine de corte, o trabalhador entraria em contacto com a máquina em funcionamento e seria por ela esmagado, como foi.”

Com estes últimos contributos, julgamos terem ficado plenamente demonstrados os requisitos da responsabilidade subjectiva agravada da ré empregadora que responderá a título principal, pelo que é de confirmar a sentença.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do Cód. de Proc. Civil, acorda-se em:

a) Julgar improcedente a arguição de nulidades de sentença;
b) Negar provimento ao recurso confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 6-02-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

I- Para que em acidente de trabalho a entidade empregadora responda a título principal e de forma agravada têm de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observar determinadas regras de segurança e saúde no trabalho (ii) que o empregador ou representante as não haja observado sendo-lhe imputável tal omissão; (iii) que haja nexo de causalidade adequada entre a inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho e o evento acidente (art. 18º/1/2ª parte, NLAT).
II- A inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho enquanto fundamento autónomo de responsabilidade agravada integra, em si mesmo, a omissão de um dever de cuidado (culpa efectiva), pelo que o sinistrado nenhuma prova adicional carece de realizar em termos de imputação subjectiva.
III- Ao sinistrado cabe fazer a prova de que o empregador ou seu representante não observou regras pré-existentes sobre segurança e saúde no trabalho e que esta inobservância foi causa adequada do acidente.
IV- A causalidade adequada abarca todo o facto que actue como condição do dano, excepto se, numa perspectiva de prognose normal, se mostrar completamente indiferente para a verificação do dano/evento, tendo-o provocado somente porque interferiram no processo causal concreto circunstâncias extraordinárias, anómalas ou excepcionais.
V- Trata-se, assim, de elaborar um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstracto e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico que é, assim, sua consequência normal, recorrendo-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e em regras da experiência comum.
VI- O facto para funcionar como causa adequada não tem de ser o único e exclusivo a contribuir para o acidente.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 434-5.
3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 2, 4ª ed., p. 734-5.
4. António Santos Abrantes Geraldes, CPC Anotado, vol. I, p. 738.
5. Salvo especialidades probatórias.
6. Referindo-se às limitações da 2ª instância quanto a factores coligidos pela psicologia judiciária e no sentido de evitar alterações quando não seja possível concluir com segurança pela existência de erro, vd António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Código de Processo Civil, 5ª ed., p.s 292, 299, 300.
7. Ac.s STJ 26-04-2012 e de 1-03-2018, in www.dgsi.pt. O que já sucede desde a antiga LAT -Lei 100/97-, momento a partir do qual a violação de regras de segurança e saúde pela empregadora, ou do seu representante, passou a integrar, em si mesmo, um caso de culpa efectiva e não meramente presumida, como sucedia no regime anterior. Sendo a culpa, na forma de mera negligência, a omissão da diligência, dos deveres de cuidado que um bom pai de família teria observado em face das circunstâncias do caso, a fim de evitar a conduta antijurídica que provocou o dano, a mesma tem-se por verificada logo face à inobservância das regras de segurança (art. 487º, nº 2, do C.C).
8. Ac.s STJ 9-09-2009; RG de 17-05-2018 e 24-04-2019, a título de exemplo.
9. Acórdãos do STJ de: 26-04-2012 (onde se analisou um caso de falta de protecção metálica numa máquina tendo o sinistrado entalado a mão no tapete de arrasto); 23-09-2009 (caso de um sinistrado colhido por uma lâmina de amassador, estando o interruptor de segurança para imobilização sito em lugar distante); 1-03-2018 (sinistrado que sofreu entalamento da mão em prensa antiga que não dispunha de dispositivo de segurança).