Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1976/17.4T8VRL.G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do Relator:

I. A indemnização por perda de chance processual pressupõe uma chance real e séria, a determinar num «julgamento dentro do julgamento» realizado incidentalmente pelo tribunal da indemnização para apurar como teria sido decidida a acção pelo respectivo tribunal.

II. Está em causa apurar se o lesado sofreu um dano patrimonial em resultado da perda de oportunidades (radicadas no inadimplemento dos deveres profissionais do mandatário), pois que nos casos de indemnização por ‘perda de chance’ processual o que se pede é uma indemnização pelo ganho (ou por uma parte do ganho) que se teria provavelmente obtido com a decisão favorável do processo.

III. Apurando-se, num juízo de prognose, inerente à valoração da chance, que a pretensão da autora, mesmo que se verificasse proficiente actuação processual do mandatário, teria tido o mesmo desfecho, tem de concluir-se não estar demonstrada a existência duma ‘chance’ consistente e real de satisfação de crédito que tenha sido frustrada por actuação inadimplente do seu mandatário.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1)

RELATÓRIO

Co-ré/apelante: (…)
Autora/apelada: (…)

Intentou o (…), a presente acção comum demandando os réus(…) , advogado, e a companhia de seguros (…) ., pedindo que, declarado que o primeiro réu exerceu o mandato que lhe foi conferido pela autora com negligência grave, omitindo actos processuais que poderia e deveria ter praticado e, por isso, adequados à perda de chance da autora, fossem os réus condenados a pagar-lhe, a título de indemnização por perda de chance, a quantia de 411.671,51€, cabendo à ré seguradora a responsabilidade do pagamento da quantia de 250,000,00€ e o restante ao primeiro réu, tudo com juros calculados à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento.

Fundamentou a sua pretensão alegando (em resumo):

- ter mandatado o primeiro réu, advogado, para tanto lhe concedendo poderes forenses gerais e especiais, para a patrocinar no processo de insolvência da sociedade(…) , que sob o nº(…) .T8AMT correu termos pelo Juízo de Comércio de Amarante,
- no âmbito de tal patrocínio, o primeiro réu reclamou no identificado processo de insolvência, em nome da autora, crédito que viria a ser reconhecido como comum, no montante de 286.531,33€ (sustentado em contrato promessa de compra e venda celebrado em 15/12/2011, com tradição das fracções prediais que dele eram objecto), decidindo o primeiro réu, de acordo com os seus conhecimentos técnicos, impugnar tal lista de credores, por requerimento que fez chegar aos autos em 23/01/2015, sustentando que o reclamado crédito gozava de direito de retenção sobre fracções prediais,
- tendo a Administradora da Insolvência dirigido à aqui autora (em 27/02/2015) notificação destinada à resolução em benefício da massa insolvente do contrato promessa de compra e venda datado de 15/12/2011 (e seu aditamento celebrado a 4/10/2013), viria a autora a entregar tal notificação, em mão, ao primeiro réu, não reagindo este àquele acto da administradora da insolvência, não instaurando acção de impugnação da resolução (deixando esgotar todos os prazos para o efeito),
- em consequência de tal conduta grosseiramente negligente do primeiro réu viu a autora gorada a possibilidade de satisfazer o seu crédito sobre a insolvente, perdendo a chance naquele processo (alegando ainda que, no caso, a oposição à resolução tinha todos os fundamentos para proceder),
- que a segunda ré celebrou com a Ordem dos Advogados contrato de seguro para garantir o pagamento dos danos causados pelos advogados no exercício da sua actividade profissional.

Apenas a segunda ré contestou, concluindo pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

Aceitando a celebração de contrato de seguro com a Ordem dos Advogados, com cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade advocacia desenvolvida pelo advogados com inscrição em vigor, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo o limite indemnizatório máximo fixado em 150.000,00€, com franquia contratual, a cargo do segurado, de 5.000,00€ por sinistro, impugnou a demais matéria alegada pela autora, sustentando não se encontrarem preenchidos os pressupostos para o surgimento da obrigação de indemnizar (seja a ilicitude, seja a actuação negligente do primeiro réu, não sendo possível afirmar a probabilidade da procedência da pretensão da autora a deduzir no processo pretérito – aduzindo matéria em seu entender adequada a demonstrar que tal pretensão não teria acolhimento).

Dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador que tabelarmente afirmou a regularidade e validade da instância, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova e realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu condenar:

- a ré (...) Seguros, S.A., a pagar à autora a quantia de cento e cinquenta mil euros (150.000,00€), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento,
- o réu (...) a pagar à autora a quantia de trinta mil euros (30.000,00€), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Inconformada, apela a autora, defendendo, na procedência do recurso, a revogação da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:

1. Não tendo resultado demonstrado nos autos, atendendo às regras da distribuição do ónus da prova previstas no artigo 342.º do C.C., a efectiva ocorrência de uma conduta profissional ilícita e/ou omissiva incorrida pelo R. advogado no âmbito de determinado patrocínio forense assumido perante a A., não se encontrará desde logo preenchido o primeiro requisito legal, previsto no artigo 483.º do C.C., passível de gerar uma obrigação de indemnizar;
2. Não poderá o douto Tribunal a quo presumir a existência de um (pretenso) facto ilícito imputável ao advogado, por via de prova meramente indiciária, ou mesmo manifestamente genérica, sem qualquer equivalência e/ou ponderação com todos os demais indícios e/ou meios probatórios constantes dos autos;
3. De facto, tendo em conta toda a prova que, com credibilidade e isenção, foi produzida nos autos, entende ainda a ora Recorrente que a factualidade que ficou a constar dos pontos 13), 18) e 19) dos factos provados, foi (salvo o devido respeito) incorrectamente apreciada, ponderada e decidida pelo douto Tribunal a quo, devendo, nessa medida (e atentos os concretos pontos da prova produzida, que adiante se irão descrever), passar a constar do elenco dos factos julgados não provados;
4. Com efeito, resulta desde logo claro do depoimento de parte prestado nos autos pelo 1.º Réu, Dr. (...), a pedido da A. (o qual se encontra gravado em ficheiro de áudio sob n.º 20180822100906_1330605_2871878, com início ao minuto 4.54) que os representantes da A. estiveram sempre absolutamente cientes de todas as fragilidades e vicissitudes ocorridas no processo, nomeadamente aquando da falta de comparência do 1.º Réu na Assembleia de Credores ocorrida em 13 de Janeiro de 2015;
5. Tendo resultado da prova produzida que o 1.º Réu admitiu a sua falta à referida diligência (pese embora a inexistência de qualquer consequência negativa para a A., decorrente de tal pretensa falta e/ou omissão), junto dos Legais Representantes da A., derivado até da relação de confiança que existia entre os representantes da A. e o Réu, Dr. (...), assim que se apercebeu que a mesma teria ocorrido;
6. O que contraria, desde logo, frontalmente, a factualidade que o douto Tribunal a quo fez constar do ponto 13), última parte, dos factos julgados provados, a qual deverá ser dada como não provada, nomeadamente na parte que refere “facto de que não deu conhecimento à aqui autora”, a qual deverá, assim, ser suprimida no referido quesito;
7. Por outro lado, e no que respeita à alegada entrega ao Réu advogado, pela A., da carta resolutiva do contrato promessa de compra e venda, remetida pela Administradora de Insolvência (...), em 27.02.2015, resultou ainda do depoimento de parte prestado pelo Réu Dr. (...) (com início ao minuto 6.06 e fim ao minuto 8.52 do seu depoimento), que, na verdade, nunca foi lhe entregue pela A. a aludida carta resolutiva;
8. Tendo o Réu afirmado peremptoriamente ao Tribunal (ao minuto 4.54 do seu depoimento) “Eu não tenho ideia de ter recebido a carta, não tenho nada de entrado no meu sistema, porque eu digitalizava de imediato as coisas que fosse recebendo da sociedade, portanto não tenho ideia absolutamente nenhuma disso, e o percurso foi esse;
9. Tendo resultado ainda claro do depoimento prestado nos autos pela Administradora de Insolvência, Dra. (...) (o qual se encontra gravado em ficheiro de áudio sob n.º 20180618115634_1330605_2871878, cfr. minuto 3.11 ao minuto 4.33 do seu depoimento), que a aludida carta resolutiva foi enviada directamente para a A., Centro Abastecedor de (...), Lda.;
10. Confirmando, ainda, a Administradora de Insolvência, Dra. (...), não ter a aludida carta resolutiva sido igualmente remetida ao Réu advogado, Dr. (...);
11. Tendo, ao que parece, o douto Tribunal a quo fundado a sua convicção relativamente a esta matéria, única e exclusivamente com base no depoimento (manifestamente genérico) prestado nos autos pela testemunha (...) (o qual se encontra gravado em ficheiro de áudio com n.º 20180618100016_1330605_2871878), o qual limita-se a afirmar, em termos genéricos, quais eram os alegados procedimentos dos Legais Representantes da A. relativamente aos assuntos confiados ao advogado, Dr. (...), nomeadamente no que concerne à entrega de correspondência (cfr. minutos 11.04 a 12.51 do seu depoimento);
12. Limitando-se ainda a testemunha a referir que “sabe que esta é a suposta carta que entregou o Sr. António (Legal Representante da sociedade A.) ao Dr. (...), “por causa da data” – cfr. minuto 11.35 (sem que se perceba o que a testemunha pretende dizer com tal expressão) – o que, de todo, não se poderá admitir;
13. Ainda com início ao minuto 10.07 do depoimento de parte (cfr. ficheiro de áudio sob n.º 20180822100906_1330605_2871878), explicou o 1.º Réu ao Tribunal quais terão sido as estratégias processuais com vista à eventual manutenção do contrato promessa das fracções, tendo explicado nomeadamente quais as diligências processuais adoptadas;
14. De modo que, resultando manifestamente claro da prova produzida nos autos que o 1.º Réu tudo fez no sentido de fazer valer a pretensão da A., não é de todo crível que, caso o 1.º Réu tivesse efectivamente recebido tal comunicação/carta resolutiva datada de 27.02.2015, não se tivesse pronunciado sobre a mesma;
15. Sendo, pelo contrário, manifestamente evidente que a referida carta de 27.02.2015, tendo sido emitida directamente (e exclusivamente) para a morada da A., nunca terá sido entregue ao Réu advogado, Dr. (...);
16. Razão pela qual, sempre deverão os factos constantes dos pontos 18) e 19) dos factos julgados provados ser julgados não provados, nomeadamente com base nos depoimentos descritos, e bem assim na manifesta ausência de qualquer prova concreta e credível acerca de tal matéria produzida pela aqui A., resultando assim, desde logo, a impossibilidade de se considerar demonstrada a ocorrência de qualquer actuação profissional omissiva alegadamente incorrida pelo Réu advogado, passível de gerar qualquer obrigação de indemnizar;
17. Por outro lado, e no que respeita à factualidade alegada pela Recorrente (...) em sede de contestação, sempre deveria o douto Tribunal a quo ter dado como provados os factos constantes dos artigos 42, 47, 54, 55, 57, 59 e 60 da contestação da ora Recorrente;
18. Efectivamente, e conforme acima se disse, não obstante tenha o douto Tribunal a quo considerado em sede de despacho saneador, constituir o 2.º Tema da Prova, “a matéria atinente ao dano de perda de chance”, a verdade é que tais factos – essenciais para a apreciação do mérito da causa, nomeadamente do 2.º tema de prova delimitado pelo Tribunal – não foram devidamente apreciados e ponderados na douta sentença recorrida, encontrando-se, de facto, nos autos abundante prova documental e testemunhal que permitiria, sem qualquer hesitação, a resposta afirmativa aos aludidos factos;
19. Veja-se nomeadamente que, ao minuto 2.00 do seu depoimento de parte, afirmou o 1.º Réu ao Tribunal que, inicialmente, havia um “PER”, no âmbito do qual terá representado a aqui A., Centro Abastecedor de (...), o que, desde logo, inquina a apreciação da douta sentença recorrida relativamente à (alegada) probabilidade de sucesso da impugnação do acto resolutivo em causa;
20. Na verdade, parte o douto Tribunal a quo da premissa de que, apenas com a apresentação à insolvência da (...), Lda., terão os credores (entre os quais a A., Centro Abastecedor de (...)) se apercebido da situação de manifesta precariedade financeira daquela sociedade entretanto declarada insolvente;
21. Resultando, pelo contrário, dos autos, que tal situação era já conhecida por todos aqueles que faziam parte do leque de relações privilegiadas da insolvente, como era o caso da aqui A. Centro Abastecedor, na medida em que eram fornecedores daquela sociedade;
22. Sendo tal situação de iminente insolvência da promitente vendedora (...), Lda., já publicamente conhecida (nomeadamente pelos funcionários da insolvente e da aqui A.), notória, e expressamente confessada pelo gerente da mesma, e bem assim pela aqui A., em momento anterior à celebração dos referidos contratos promessa de compra e venda;
23. Aliás, tal facto resultou desde logo do depoimento de parte prestado pelo 1.º Réu (cfr. ficheiro de áudio sob n.º 20180822100906_1330605_2871878), nomeadamente ao minuto 4.42, tendo o Réu afirmado que “já na altura da Tentativa de conciliação realizada nos autos do processo n.º 452/14.1T8AMT, se invocou a simulação do contrato promessa de compra celebrado entre a A. Centro Abastecedor de (...), Lda. e a insolvente (...), Lda.”.
24. Novamente ao minuto 21.45 do seu depoimento, é pelo 1.º Réu, Dr. (...), novamente afirmado ao Tribunal que, “quando é feito esse contrato promessa de compra e venda das fracções em causa, a (...) estava com a “corda ao pescoço” (fim ao minuto 22.10);
25. Por fim, e com início ao minuto 27.45 do seu depoimento, é novamente explicitada pelo Réu advogado a situação financeira manifestamente precária que se encontrava a insolvente (...), aquando da celebração do aludido contrato promessa de compra e venda das fracções em causa, tendo em conta, nomeadamente a existência de uma confissão de dívida, registada no dia 16/12/2011, no montante de € 102.679,00;
26. Tal circunstância, resulta ainda manifestamente clara do depoimento prestado pela Sra. Administradora de Insolvência, Dra. Dra. (...) (cfr. ficheiro de áudio sob n.º 20180618115634_1330605_2871878, nomeadamente entre os minutos 6.36 ao 9.59), tendo a testemunha confirmado assim as motivações constantes da carta de resolução, as quais foram apuradas no âmbito das diligências encetadas no processo de insolvência;
27. Tendo afirmado ainda ao Tribunal que, tendo havido uma outra situação de resolução de contrato promessa de compra e venda de um apartamento naquele processo a favor da massa insolvente, a qual foi impugnada, tendo seguido para julgamento, acabou a mesma por ser confirmada, ou seja, manteve-se a resolução operada pela Sra. Administradora de Insolvência (cfr. minutos 9.32 a 10.03);
28. Por fim, acrescentou ainda a testemunha que, sobre as fracções em causa, recaiam ainda hipotecas, todas a favor da Caixa (...), a qual era assim credora hipotecária dos referidos imóveis, ou seja, sendo o seu crédito garantido por hipoteca (cfr. minutos 8.00 a 8.48);
29. De facto, e conforme resultou inequivocamente demonstrado nos autos (cfr. ponto 17 dos factos provados, do qual consta, em suma, os argumentos da aludida carta resolutiva, confirmados pela Sra. Administradora de Insolvência), a manutenção de tais contratos/negócios jurídicos celebrados entre a aqui A. e a ali insolvente (...), Lda., diminuiriam drástica e injustificadamente a satisfação dos credores da insolvência;
30. Pretendendo as partes, de facto, através dos referidos negócios jurídicos, beneficiar alguns credores (in casu, a aqui A.), em detrimento dos demais, sem que nada o justificasse;
31. Sendo o aludido negócio, portanto, manifestamente prejudicial à massa insolvente;
32. De facto, a manutenção de tais contratos/negócios jurídicos celebrados entre a aqui A. e a ali insolvente (...), Lda., diminuiriam drástica e injustificadamente a satisfação dos credores da insolvência;
33. Tendo a insolvente “(...), Lda.”, e bem assim a aqui A., plena consciência de que os negócios jurídicos em causa eram celebrados numa altura em que a situação de insolvência da promitente vendedora já era conhecida e notória;
34. Tendo as partes igualmente consciência de que tais negócios jurídicos visavam (claramente) o benefício da aqui A. em detrimento dos demais credores;
35. Forçoso será concluir que os negócios jurídicos em causa foram celebrados com manifesta má-fé, nos termos previstos no artigo 120.º do CIRE.
36. Sendo tal circunstância, de facto, tão notória e evidente que acabou por despertar, de imediato, a atenção da Administradora de Insolvência ali nomeada Dra. (...), a qual prosseguiu assim com a resolução dos negócios em causa, por forma a salvaguardar – tal como lhe impõem os seus deveres de Administração de Insolvência – o acervo patrimonial da massa insolvente da sociedade “(...), Lda”.
37. De modo que, tendo em conta todas as referidas situações de facto, ainda que a acção de impugnação em causa fosse intentada dentro dos 3 meses subsequentes ao recebimento da carta de resolução, a probabilidade de sucesso da pretensão da aqui A. era (salvo melhor e douta opinião em contrário) manifestamente reduzida.
38. Razão pela qual, atendendo ao conjunto de toda a prova produzida nos autos, sempre deveriam os factos constantes dos artigos 42, 47, 54, 55, 57, 59 e 60 da contestação da ora Recorrente, passar a constar do elenco dos factos provados (sob n.ºs 28A, 28B, 28C, 28D, 28E, 28F, 28G, atenta a ordem da factualidade atendida na douta sentença recorrida) na medida em que consubstanciam factos essenciais para a apreciação da alegada “perda de chance” da A. (cfr. tema de prova 2);
39. Sendo certo ainda que, atendendo a tudo quanto supra se expôs, sempre deveria o douto Tribunal recorrido ter concretamente apreciado o facto hipotético que a Recorrente fez constar do artigo 42.º da sua contestação, sendo manifestamente evidente de toda a factualidade supra exposta, e bem assim de toda a prova concretamente produzida nos autos, a resposta ao referido facto hipotético (o qual, nessa medida, deverá ficar a constar do elenco dos factos julgados provados, por consubstanciar factualidade essencial para a apreciação e decisão sobre o 2.º tema de prova elencado pelo douto Tribunal a quo):
28H) Ainda que o 1.º Réu tivesse apresentado acção de impugnação do acto resolutivo em causa nos três meses posteriores à recepção pela A. da referida carta de resolução, a probabilidade de sucesso da pretensão da A. em obter total provimento de tal impugnação era manifestamente reduzida;
40. A doutrina da perda de chance apenas poderá ser atendida e/ou concretamente aplicada quando se demonstre a probabilidade séria, real e credível de sucesso de uma pretensão, não fosse a actuação profissional negligente e/ou omissiva incorrida pelo advogado, continuando a impender sobre o Autor (enquanto pretenso lesado) a demonstração dos factos que possam, a final, conduzir a apreciação positiva do juízo de prognose sobre a “chance perdida”;
41. Tal como tem sido entendido pela actual jurisprudência, a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade, apenas será admissível nas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, e um comportamento de terceiro susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir;
42. A aplicação de tal conceito/raciocínio de prognose futura visa precisamente possibilitar o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a conduta lesiva e um dano mais próximo (como que “antecipado” face ao dano final), consubstanciado numa probabilidade séria e real da obtenção de determinado resultado favorável não fosse a conduta lesiva;
43. Não obstante, a aplicação de tal juízo de probabilidade não poderá deixar de exigir a demonstração séria e segura da possibilidade de obtenção de uma vantagem, entretanto denegada em resultado da ocorrência de determinada conduta omissiva, sob pena do presumível lesado alcançar – por via da responsabilização civil do advogado – um benefício superior ao que alcançaria se não fosse a conduta lesiva;
44. Continuando a impender sobre o Autor (enquanto pretenso lesado) a demonstração dos factos que possam, a final, conduzir à apreciação positiva do juízo de prognose sobre a “chance perdida”;
45. Fora desses cenários, não poderá o julgador atribuir uma indemnização ao lesado, mesmo por via da equidade e, se o fizer, não só viola os princípios da certeza do dano e do nexo de causalidade adequada como promove, com essa violação, um enriquecimento ilícito e/ou ilegítimo por parte do A.;
46. Por outras palavras, conseguir-se-ia por via da responsabilização civil do advogado (e por via do contrato de seguro que garantisse, eventualmente, a sua responsabilidade), um benefício que nunca se teria alcançado se a falta não ocorresse, em completa subversão daquela que é a regra mais básica de responsabilidade civil: o lesado deve ficar investido na mesma situação em que se encontraria, não fosse a lesão (e não melhor);
47. Tal como, in casu, invariavelmente ocorrerá, caso se mantenha a douta decisão recorrida;
48. A perda de chance não poderá ser entendida, com total desprendimento da teoria da causalidade adequada acolhida no direito Civil Português, sendo que, tal entendimento, de uma forma que se tem por inadmissível, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a necessidade de existência de danos e o nexo de causalidade entre a actuação omissiva e os danos sofridos;
49. Não bastará assim que um advogado, por falta de zelo e/ou negligência, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica do seu cliente o direito à indemnização por perda de chance, sem se exigir a verificação cumulativa dos demais pressupostos legalmente previstos, nomeadamente nos artigos 483.º, e 563.º do Código Civil;
50. No caso em apreço nos autos, tendo resultado inequivocamente demonstrado que a probabilidade de sucesso da A., caso tivesse concretamente impugnado o acto resolutivo em causa, era manifestamente reduzida; e,
51. Subsistindo a possibilidade da A. vir a ser ressarcida nomeadamente por via da referida acção de separação e restituição de bens prevista no artigo 146.º do CIRE, e nada sendo alegado e/ou demonstrado pela A. no sentido da definitiva impossibilidade de ver o seu (pretenso) crédito satisfeito, nunca poderão ser tais (alegados) prejuízos imputados à actuação profissional do Réu advogado;
52. Razão pela qual, nunca se encontrará demonstrada a probabilidade séria e credível de sucesso da pretensão da A., não fosse a alegada actuação profissional omissiva que imputam ao Réu advogado;
53. Não se podendo) qualificar a “chance” da A., como séria, real e credível e, como tal, passível de merecer a tutela do direito (nomeadamente com recurso ao conceito de “perda de chance”), não se encontrará estabelecido o necessário nexo causal (ainda que meramente ficcionado através da utilização daquele conceito de “chance perdida”), exigido pelos artigos 483.º e 799.º do C.C., entre a conduta profissional ilícita incorrida pelo Réu advogado e os (pretensos) danos reclamados pela A. nos presentes autos;
54. De modo que, não se podendo responsabilizar o Réu advogado pela reparação de quaisquer danos, presumivelmente, decorrentes da sua conduta profissional, nunca impenderá sobre a Companhia de Seguros, ora Recorrente, qualquer obrigação decorrente da pretensa transferência de responsabilidades operada pela celebração do referido contrato de seguro;
55. Cabendo apenas salientar, por fim, e por mera cautela de patrocínio que, ainda que se considerasse que a A. tem, de facto, direito a ser indemnizada pelos (pretensos) prejuízos sofridos em decorrência da actuação profissional omissiva que imputa ao Réu advogado (o que, de todo, não se admite mas agora se equaciona por mera cautela de patrocínio), encontrando-se transferida a responsabilidade civil do 1.º Réu, por via da apólice de seguro n.º (...), até ao limite de € 150.000,00, com dedução da franquia contratual prevista no montante de € 5.000,00 (cfr. pontos 29 a 31 dos factos provados), nunca poderá a ora Recorrente ser condenada em pagamento superior ao valor de € 150.000,00 (limite do capital seguro), ainda que seja a título de (pretensos) juros de mora, tal como entendeu a douta sentença recorrida.
56. Assim, e salvo o devido respeito, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 4.º, 483.º, 563.º, 564.º e 566.º do C.C., dado não se encontrar demonstrada, nos presentes autos, por um lado, a ocorrência de uma actuação profissional omissiva e/ou negligente incorrida pelo R. advogado no âmbito do patrocínio assumido perante a A. (não se encontrando, nessa medida, demonstrados e/ou preenchidos os requisitos legais previstos no artigo 483.º do CC), não se encontrando igualmente demonstrada a probabilidade séria e credível de sucesso da pretensão da A., não fosse a alegada actuação profissional omissiva que imputa ao 1.º Réu, Dr. (...), não se podendo, assim, concluir pela ressarcibilidade do alegado dano de perda de chance, nos termos determinados na douta sentença recorrida.

Contra-alegou a autora pugnando pela manutenção da sentença e improcedência da apelação, formulando as seguintes conclusões:

1. A matéria de facto fixada não merece reparo e está devidamente fundamentada e em resultado da articulação com os documentos juntos e com os depoimentos das testemunhas.
2. O réu (...) tendo tido conhecimento da resolução do negócio (contrato- promessa a que se alude nos autos), não deduziu como lhe competia qualquer oposição a tal ato resolutivo.
3. Esse facto foi, pelo Tribunal ‘a quo’ devidamente julgado, tendo em conta os documentos juntos que se devem concatenar com o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência.
4. O réu (...) foi ouvido em audiência, na qualidade de réu, em depoimento de parte e não como testemunha.
5. Tal meio de prova designa-se ‘prova por confissão’, sendo que o depoimento só pode ter por objecto factos pessoais (art. 454º do CPC) e só revela quando exista confissão sobre factos que lhes sejam desfavoráveis.
6. A ré seguradora contestante não pode servir-se do depoimento do co-réu para demonstrar em juízo os factos que alegou, porque não constituem os mesmos factos que sejam desfavoráveis ao referido réu (...).
7. Para haver perda de chance basta provar que alguém deixou de ter oportunidade de receber um benefício. Não é necessário saber se, mesmo com todas as diligências recebia o benefício, o importante é que ele não teve a oportunidade de o ter, devido ao comportamento negligente de outro.
8. O advogado tem de estudar com cuidado e tratar com zelo todos os assuntos que lhe são incumbidos, não descuidando de nenhum deles.
9. O 1º réu não foi capaz de cumprir com os seus deveres, e que por causa do seu comportamento a Autora perdeu objectivamente a sua chance.
10. A perda de chance deve ser considerada como um dano actual e autónomo e, por isso, indemnizável.
11. O mandato forense define-se como o contrato celebrado entre um advogado e um interessado, o mandante, cliente ou constituinte, para que o represente, normalmente em juízo.
12. Nas relações entre o advogado referido e a aqui recorrida (sua ex-cliente), impunha-se o cumprimento de deveres qualificados, inerentes à sua profissão, em função das leges artis, o que, como é bom de ver e como resulta da matéria assente, não aconteceu.
13. Os factos apurados revelam o incumprimento, quer do dever de diligência principal que vinculava o réu/mandatário, quer dos deveres acessórios de informação.
14. Os créditos reclamados pela autora no processo de insolvência tinham fundamento suficiente para virem a ser reconhecidos se o réu (...) tivesse, porque estava em tempo, deduzido a exigida oposição à resolução do contrato promessa celebrado.
15. O fim do dever de indemnizar é imputar ao lesante a prática de actos que restituam, o lesado ao estado anterior à lesão.
16. O critério da equidade para apreciação do montante da indemnização é um critério legal e que a lei expressamente prevê o seu uso.
17. No caso concreto e objecto deste processo, o valor do dano final corresponde ao montante global de € 260.000,00.
18. A percentagem da probabilidade de obter a vantagem decorrente da oposição à declaração de resolução do negócio pela Administradora da Insolvência com referência ao crédito de € 260.000,00, não pode ser fixado numa taxa inferior a 90%.
19. O montante global de € 180.000,00 a título de indemnização obedece aos critérios da equidade ao caso concreto.
20. Os juros são devidos à credora, aqui recorrida, desde a citação, porque o montante que se vier a apurar até efectivo e integral pagamento não integra o valor da indemnização fixada na sentença.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 5º, nº 3, 608º, nº 2, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, podem enunciar-se as questões decidendas como segue:

- apreciar da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto – a apelante defende deverem ser julgados não provados os factos que a decisão recorrida considerou provados sobre os números 13, 18 e 19 da fundamentação de facto e bem assim se julgue provada a matéria por si alegada nos artigos 42, 47, 54, 55, 57, 59 e 60 da contestação. Impõe-se apurar se a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação, considerando ser a matéria em questão irrelevante e indiferente ao mérito da causa,
- apreciar do incumprimento do mandato por parte do primeiro réu, gerador da obrigação de indemnizar e dos seus pressupostos, mormente da ‘probabilidade séria, real e credível’ (como invocado pela apelante) da ‘chance’ comprometida pelo referido incumprimento do mandato,
- apreciar se o limite da condenação da recorrente ao montante do capital seguro impede a sua condenação em juros de mora.

Na apreciação dos pressupostos da obrigação de indemnizar pela perda da «chance» processual cumprirá apreciar se a autora, à luz do contrato promessa com tradição da coisa (caso procedesse a impugnação do acto resolutivo), beneficiava de direito de retenção que lhe facultasse, no confronto com os demais credores da insolvente (mormente com os credores privilegiados – Fazenda Nacional e credora hipotecária) e relativamente ao produto da alienação das fracções objecto de tal contrato promessa, ver o seu crédito graduado em lugar que lhe proporcionasse a respectiva satisfação – questão não expressamente aflorada na decisão recorrida nem abordada nas alegações do recurso, mas que as partes foram chamadas a debater, já nesta instância, nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:

1. A autora dedica-se à actividade de venda a retalho de materiais de construção civil, fornecendo empresas e particulares.
2. O réu (...) é advogado, exercendo actualmente a sua profissão na cidade da (...) estando inscrito na respectiva ordem.
3. Em 15.12.2011, o gerente da (...), Lda., como primeira outorgante e promitente vendedora, e o gerente do Centro Abastecedor de (...), Lda., como segundo outorgante e promitente- comprador, subscreveram um escrito com a epígrafe ‘Contrato de Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal’, no âmbito do qual a promitente vendedora declarou prometer vender à autora as fracções B, D, e F que correspondiam aos primeiro, segundo e terceiro andares do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº … da freguesia da (...), pelo preço global de 260.000,00€.
4. Em sede do escrito enunciado em 3), a primeira outorgante/promitente vendedora declarou que ‘já recebeu nesta data, a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado, a quantia de 103.369,37€, quantia da qual desde já dá a respectiva quitação e que se refere às facturas juntas no extracto de conta corrente e que compõe o anexo I ao presente contrato e do qual é parte integrante.’
5. Na cláusula terceira do escrito citado em 3), consignou-se que ‘A restante parte do preço será paga em fornecimentos de matérias e mercadorias ainda a efectuar pela segunda à primeira (…)’.
6. No âmbito da cláusula 8.1 do escrito indicado em 3), consignou-se que ‘As partes estipulam que o presente contrato, além de ter as assinaturas reconhecidas, goza de eficácia real.’
7. No circunstancialismo indicado em 3) a 6), o gerente da (...), Lda. entregou ao gerente da autora as anteditas fracções.
8. Após, a autora, com a convicção de exercer um direito próprio, aplicou nas referidas fracções materiais de construção civil, como sejam cozinhas, casas de banho, portas e janelas, pinturas e equipamento eléctrico.
9- A autora gastou nas anteditas obras a quantia global de 125.140,18€.
10. Em 04/10/2013, foi outorgado aditamento ao referido contrato promessa, consignando-se, designadamente, que ‘Pelo presente entregou a segunda ao primeiro o remanescente do preço acordado, ou seja, 156.630,63€, a título de reforço de sinal e final de pagamento, quantia que a primeira declara expressamente ter recebido pelo que dá a respectiva quitação, motivo pelo qual as três fracções prometidas vender se encontram totalmente pagas.’
11. Em 16.10.2012, o gerente da autora subscreveu um escrito com a epígrafe ‘Procuração’, consignando, designadamente, que ‘constitui seu Advogado e bastante procurador o Exmo. Sr. Dr. (...), Advogado, com escritório na Rua ..., no Peso da (...), a quem com os de substabelecer um ou mais vezes confere os mais amplos poderes em direito permitidos e ainda os especiais para, em seu nome e no âmbito do PER que corre os seus termos sob o número 847/14.0TBLSD, junto do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, participar e votar em assembleias de credores, participar em negociações, fazer acordos (…)’.
12. A sobredita procuração foi também utilizada pelo réu (...) para representar a aqui autora no processo de insolvência da sociedade (...) Lda., que correu termos pelo Juízo de Comércio de Amarante – J2 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, sob o nº 452/14.1.T8AMT, no âmbito do qual, por sentença proferida em 21.11.2014, foi declarada a insolvência da antedita sociedade.
13. Em 13 de Janeiro de 2015 ocorreu a assembleia de credores do processo enunciado em 12), onde se procedeu à eleição da comissão de credores, nela não tendo comparecido o réu (...), facto de que não deu conhecimento à aqui autora.
14. No âmbito do processo indicado em 12), o réu (...), na qualidade de mandatário da autora, deduziu reclamação de créditos da mesma no montante de 286.531,33€, requerendo o seu reconhecimento como crédito privilegiado.
15. Em Janeiro de 2015, a administradora de insolvência do sobredito processo apresentou a lista de créditos reconhecidos, consignando, designadamente, o reconhecimento do antedito crédito da autora com a natureza de crédito comum.
16. Em 23.1.2015, o réu (...), na qualidade de mandatário da Autora, subscreveu a impugnação da lista mencionada em 15), peticionando, designadamente, que ‘(…) deverá a impugnante ver o seu crédito, daí resultante, como, e na parte em que aos andares diz respeito, como usufruindo de direito de retenção e graduando-o como tal e não como comum (…)’.
17. Em 27/02/2015, a Sr.ª Administradora da Insolvência expediu para a autora carta registada com aviso de recepção, na qual declarou, designadamente, que:

‘(…) venho notificar V. Exa., de acordo com o estipulado no art.º 123.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 120.º e 121.º do mesmo Código, da resolução em benefício da massa insolvente do contrato promessa de compra e venda celebrado com V. Exa. e do seu aditamento celebrado em 4/10/2013.
(…)
O contrato promessa foi celebrado pouco mais de dois anos antes do início do processo de revitalização da insolvente (…) A situação de insolvência era já conhecida de todos (…) Do exposto resulta claramente que V. Exas. não só conheciam a situação de insolvência em que se encontrava a devedora mas também que o acto da alegada promessa de compra e venda era e é um acto prejudicial à massa insolvente. (…) Pretendendo todos os intervenientes dar ao acto a aparência real de um negócio que não ocorreu de facto (…) Sendo ainda de salientar que a compensação de créditos que sustenta o contrato promessa de compra e venda e o seu aditamento é manifestamente ilegal, injusta e injustificada, na exacta medida em que a insolvente assume, por via deles, o pagamento de dívidas de uma sociedade terceira ((...) – Sociedade de Construções, Lda) sem nada que o justifique (…) A declarada resolução pressupõe a má fé do terceiro adquirente, in casu V. Ex.ª, a qual é inequívoca (…)
Mas também é feita, à cautela, de forma incondicional, ao abrigo do art.º 121.º/1, alíneas c), e), f), g) e h), do CIRE (…)’.
18. Após o referido em 17), o gerente da autora entregou a predita notificação ao réu (...).
19. O réu (...) recebeu a referenciada notificação e declarou ao gerente da autora que iria opor-se a tal resolução e que o seu crédito estava garantido pelo contrato promessa com eficácia real.
20. Em 10.03.2015 a Administradora de Insolvência juntou ao processo com o nº 452/14.1T8AMT – Secção de Comércio J2 resposta à impugnação de créditos enunciada em 16), consignando, designadamente, que ‘(…) o presente negócio jurídico é simulado, tendo sido concretizado unicamente com o interesse de favorecer um credor em detrimento de outros credores (…) reconhecendo-se apenas o crédito do credor proveniente dos fornecimentos prestados (facturas) no montante total de 286.531,33, pelo que o crédito será classificada com natureza comum (…)’.
21. Nessa informação, a Administradora de Insolvência afirmava que havia já procedido à resolução em benefício da massa insolvente do referido contrato promessa e seu aditamento.
22. O réu (...) teve conhecimento do indicado em 21).
23. O réu (...) não intentou a acção de impugnação da resolução indicada em 17).
24. Em 7.12.2016, o réu (...), na qualidade de mandatário da autora, intentou acção de verificação ulterior de créditos por apenso ao sobredito processo de insolvência.
25. Por sentença proferida em 28.4.2017, a acção referenciada em 23) foi julgada improcedente.
26. Em 11.5.2017, foi proferido despacho saneador no apenso de reclamação de créditos do processo mencionado em, o qual julgou improcedente a impugnação descrita em 16).
27. Em 15.9.2017, foi exarada sentença no antedito apenso de reclamação de créditos, a qual decidiu:

I - HOMOLOGAR a lista de créditos reconhecidos de fls. 3 e ss., com as alterações introduzidas pelas decisões proferidas em sede de audiência prévia.;
II - GRADUAR os créditos reconhecidos nos seguintes moldes:
A - Sobre o produto da venda dos bens imóveis descritos nas verbas n.ºs 1 a 6, do auto de apreensão, deverá pagar-se:
1. as dívidas e despesas da massa insolvente.
2. o crédito garantido da Fazenda Nacional referente a IMI, com privilégio imobiliário especial (que recaia especificamente sobre o imóvel pelo qual é devido – cfr. fls. 6);
3. o crédito da credora hipotecária Caixa (...), S.A., que beneficia de garantia hipotecária, até ao montante máximo assegurado pela respectiva hipoteca;
4. o crédito da Fazenda Nacional referente a IRS e o crédito da Segurança social, rateadamente.
5. O remanescente será para pagar rateadamente, aos credores comuns.
6. Por último, serão graduados os créditos subordinados (artigo 48º do CIRE).’
28. A autora não recebeu qualquer valor relativo ao produto da venda dos bens liquidados no sobredito processo de insolvência, onde foram apreendidas as fracções descritas em 3).
29. Pela apólice de seguro (...), subscrita entre a Ordem dos Advogados de Portugal e a (...) SEGUROS, S.A., a mesma declarou garantir, até ao limite de capital seguro e nos termos expressamente previstos nas referidas condições particulares da apólice de seguro, o eventual pagamento de ‘indemnizações pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados.’
30. No âmbito da apólice indicada em 29) estipulou-se o limite indemnizatório máximo contratado para o período das 0:00h do 01 de Janeiro de 2017 até às 0:00h de 1 de Janeiro de 2018 fixado em 150.000,00€, consignando-se a franquia, a cargo do segurado, no valor de 5.000,00€ por sinistro.
31. Em sede do item 15) das condições particulares da predita apólice, enuncia-se que ‘Franquia: Importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e cujo montante está estipulado nas Condições Particulares. A franquia será aplicável a cada reclamação e para todo tipo de danos e gastos, não sendo, porém, oponível a terceiros lesados.
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Factos não provados

Considerou a sentença recorrida inexistirem outros factos com relevância para a discussão da causa.
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Fundamentação de direito

A. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Impugna a apelante a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto pretendendo se considere não provada matéria que a decisão recorrida julgou provada nos números 13, 18 e 19 da fundamentação de facto e se julgue provada matéria que a decisão recorrida desconsiderou e por si alegada nos artigos 42, 47, 54, 55, 57, 59 e 60 da contestação.

Sustenta a apelante a sua pretensão de alteração da decisão de facto (quer relativamente à matéria considerada provada e que entende dever ser julgada não provada, quer relativamente à matéria que pretende ver incluída no acerco factual provado) argumentando que a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (prova testemunhal e documentos sem força probatória plena quanto à matéria em questão) importará tal reclamada alteração.

Acolhe-se a deduzida impugnação no art. 662º do CPC – pretende-se a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC – v. g., documentos particulares sem valor confessório e depoimentos de testemunhas) –, tendo cumprido o apelante os ónus de impugnação prescritos no art. 640º, nº 1 do CPC – especifica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados nas conclusões, indica (na motivação ou corpo das alegações) o sentido que preconiza para o seu correcto julgamento e identifica os concretos meios de prova que impõem decisão diversa (também na motivação), enunciando de forma clara os reais motivos da sua discordância (fazendo análise crítica da prova produzida).

Ademais, em cumprimento do nº 2 do art. 640º do CPC, porque funda a discordância em meio probatório (depoimentos testemunhais) gravado, indica com exactidão as passagens das gravações que fundamentam a sua posição.

Impor-se-ia, assim, a este tribunal apreciar da impugnação da decisão da matéria de facto, com tais fundamentos.

Porém, constata-se não se mostrar necessário apreciar da impugnação da matéria de facto em vista de decidir a apelação, devendo esta Relação abster-se de a apreciar e conhecer.

A Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados (2).

O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleologicamente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que circunscreve a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir.

Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito (3)), não deverá a Relação sequer conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril.

Tal é, precisamente, o que ocorre no caso dos autos ocorre.
Assim acontece, mesmo considerando os termos em que a questão jurídica vem sendo perspectiva pelas partes, relativamente ao facto que com o número 13º foi incluído na fundamentação de facto – e que a apelante pretende ver alterado na parte em que se refere não ter o primeiro réu dado conhecimento à autora da sua não comparência à assembleia de credores ocorrida no âmbito do processo de insolvência identificado e aludido nos números 12 e seguintes da fundamentação de facto.

O facto gerador da responsabilidade do primeiro réu, porque configurador do incumprimento relevante e causador do dano a ressarcir, não o radica a autora (e também a decisão recorrida) no não comparecimento do réu à assembleia de credores levada a efeito no processo de insolvência onde reclamara crédito e muito menos na não comunicação de tal não comparência, antes assentando o incumprimento gerador do dano (e consequente responsabilidade indemnizatória) na circunstância do réu não ter impugnado a resolução do contrato levada a efeito pela administradora da insolvência, contrato em que a autora fundamentava a invocada garantia real do crédito (direito de retenção sobre fracções autónomas) – essa falta de reacção a tal acto resolutivo em benefício da massa insolvente levada a efeito pela administradora de insolvência é que corporiza e consubstancia o invocado inadimplemento dos deveres de diligência profissional que, na versão da autora (acolhida na decisão recorrida) causou, adequadamente, o dano em questão nos autos.

Se a falta de comparência do primeiro réu à assembleia de credores é irrelevante para a sorte da presente acção (pois que não é esse o facto que consubstancia o inadimplemento de dever de diligência profissional causador da impossibilidade da autora fazer valer naquele processo a sua pretensão de ver o seu crédito reconhecido como crédito privilegiado, garantido por direito de retenção sobre fracções autónomas), muito menos relevante é o facto de não ter comunicado tal não comparência à autora – e note-se que só nesta parte o facto é impugnado pela apelante.

Ter ou não ter o réu comunicado/informado a autora da sua não comparência na assembleia de credores ocorrida no âmbito do processo de insolvência, e na qual se procedeu à eleição da comissão de credores, é matéria irrelevante e indiferente à decisão da causa, considerando qualquer solução plausível da solução de direito, face ao objecto da lide (a causa de pedir invocada pela autora e a defesa – por impugnação – deduzida pela ré).

Tal falta de comunicação (como julgado provado pela decisão recorrida) – ou não (como defende a apelante) – é alheia e indiferente à sorte da acção e, por isso, também da apelação; não é pela valorização jurídica (autónoma ou sequer conjugada com a demais) de tal matéria que a acção procederá, nem a sua exclusão do acervo probatório permitirá alcançar a procedência da pretensão da apelante.

Trata-se de matéria alheia à substanciação do facto jurídico gerador do direito invocado pela autora (situa-se fora do âmbito factual essencial respeitante à causa de pedir, sequer complementar ou mesmo instrumental), totalmente irrelevante – a sua alteração é insusceptível de permitir (por si ou em conjugação com a demais matéria) alterar o sentido da decisão.

Constitui, pois, a constante no número 13 da fundamentação de facto da sentença, matéria irrelevante e indiferente para a decisão do mérito da causa, não interferindo de modo algum na decisão, tendo esta Relação de abster-se de conhecer da impugnação que a tem por objecto.

Conclusão igualmente válida quanto à restante matéria impugnada, considerando as soluções doutrinais e jurisprudenciais que se apresentam como plausíveis e dignas de ser consideradas (4).
Restante matéria impugnada que respeita à não impugnação, pelo primeiro réu, do acto de resolução em benefício da massa do contrato promessa de compra e venda promovido pela administradora da insolvência e da probabilidade de sucesso de tal impugnação – na omissão da impugnação de tal acto de resolução do contrato promessa de compra e venda de três fracções autónomas alicerça a autora a pretensão indemnizatória formulada nos presentes autos, argumentando que desse inadimplemento dos deveres de diligência do primeiro réu no exercício do patrocínio forense lhe resultou a impossibilidade de obter a satisfação do crédito consubstanciado naquele referido contrato promessa.

Todavia – e como já foi salientado no convite endereçado às partes para se pronunciarem sobre a questão –, a indemnização por perda de ‘chance’ processual pressupõe uma chance real e séria, a determinar num «julgamento dentro do julgamento» realizado incidentalmente pelo tribunal da indemnização para apurar como teria sido decidida a acção pelo respectivo tribunal, em vista de apurar se o lesado sofreu um dano patrimonial em resultado da perda de oportunidades (radicadas no inadimplemento dos deveres profissionais do mandatário) – nos casos de indemnização por ‘perda de chance’ processual o que se pretende é uma indemnização pelo ganho que se teria provavelmente obtido com a decisão favorável do processo e que se frustrou pela actuação inadimplente do mandatário –, pelo que no caso dos autos importará apreciar, num juízo de prognose, inerente à valoração da chance, se a pretensão da autora, procedendo a acção de impugnação do acto resolutivo, teria tido desfecho diferente (ou seja, se na graduação de créditos decidida no processo de insolvência da sua devedora a sua situação seria diferente se fosse considerada a manutenção do contrato promessa).

Efectivamente, a demonstração de que a ‘chance’ consistente e real de satisfação do seu crédito foi frustrada por actuação inadimplente do mandatário só poderá ser concluída se tal contrato promessa pudesse ter relevo na graduação de créditos – se o seu crédito, graduado como comum, pudesse ter sido considerado privilegiado e graduado em lugar que permitisse à autora obter satisfação, o que considerando a matéria a valorizar não poderá concluir-se (o referido contrato promessa, acompanhado da tradição das fracções, não facultava à autora direito de retenção – AUJ nº 4/2014, de 23/04/2014 – como adrede melhor se explicará).

Donde resulta desnecessário apreciar da chance real e séria da procedência da impugnação do acto resolutivo – e por isso que a matéria impugnada é indiferente à sorte da acção, já que mesmo considerando a procedência da referida impugnação do acto resolutivo sempre o crédito da autora teria de ser graduado como comum (como foi).
Por tais razões, abstém-se a Relação de apreciar e conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto.

B. Os pressupostos da obrigação de indemnizar pela perda da «chance» processual

Insere-se a presente demanda no âmbito da responsabilidade fundada na falta de cumprimento dos deveres de mandatário forense, causadora de ‘perda de chance’ ou ‘oportunidade’.

Sustenta a autora que do inadimplemento dos deveres de diligência do primeiro réu no exercício do patrocínio forense lhe resultou a impossibilidade de obter a satisfação de um crédito - tendo mandatado o primeiro réu para a patrocinar em processo de insolvência de sociedade com quem tinha celebrado contrato promessa com eficácia real relativo a três fracções autónomas, com tradição delas, elaborou aquele a reclamação do crédito (no montante de 286.531,33€), requerendo o seu reconhecimento como privilegiado (com fundamento no direito de retenção), mas tendo a administradora da insolvência reconhecido o crédito como comum e procedido à resolução do contrato promessa em benefício da massa insolvente, a não impugnação de tal acto resolutivo pelo primeiro réu originou que o seu crédito fosse reconhecido e verificado como comum e que na sentença de graduação de créditos o produto da venda dos imóveis fosse destinado a pagar (para lá das dívidas e despesas da massa insolvente) os valores de IMI devidos à Fazenda Nacional, os créditos garantidos por hipoteca, os créditos de IRS e da Segurança Social e depois os créditos comuns, o que determinou que não tivesse recebido qualquer valor do produto da venda das referidas fracções.

Fundamenta, pois, a autora o seu dano (não satisfação do crédito reclamado na insolvência da sua devedora) na falta de diligência do primeiro réu, que não impugnou a resolução em benefício da massa do contrato promessa em que baseava o direito de retenção que garantia aquele crédito.

A indemnização por perda de chance processual pressupõe se apure, em apreciação incidental, da probabilidade de obtenção de ganho de causa na acção frustrada (o ‘julgamento dentro do julgamento’), da consistência e seriedade concreta de obtenção de resultado positivo (favorável à aqui autora) em tal processo (5) – uma chance real e séria, a determinar num «julgamento dentro do julgamento» realizado incidentalmente pelo tribunal da indemnização para apurar como teria sido decidida a acção pelo respectivo tribunal (6), devendo o ‘lesado que pede o ressarcimento de um dano provocado pela perda de «chances» processuais’ fornecer ‘elementos para a prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado’, cumprindo ao tribunal perante o qual é deduzido o pedido de indemnização ‘fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado, numa espécie de «julgamento dentro do julgamento» (um «trial within the trial»)’, prognose que, em conformidade com o seu objectivo deve ser ‘realizada a partir da perspectiva do tribunal que teria julgado a acção’ (7).

Está em causa apurar se o lesado sofreu um dano patrimonial em resultado da perda de oportunidades (radicadas no inadimplemento dos deveres profissionais do mandatário), o que implica determinar se estas se iriam ou não traduzir numa sua diversa situação patrimonial (8) – as ‘chances’ ou oportunidades perdidas só serão relevantes na medida em que se prove que o lesado teria obtido benefícios (ou evitado prejuízos) em consequência da sua verificação (9), pois que nos casos de indemnização por ‘perda de chance’ processual o que se pede é uma indemnização pelo ganho (ou por uma parte do ganho) que se teria provavelmente obtido com a decisão favorável do processo (10).

Assim que decisivo para apreciar do mérito da pretensão deduzida na presente acção é apurar se a aqui autora tinha direito de retenção sobre as fracções objecto do contrato promessa celebrado com a sociedade entretanto declarada insolvente e se esse direito não pôde ser esgrimido no apenso da graduação de créditos por não ter sido impugnada a resolução do contrato em benefício da massa insolvente.

De forma mais clara e incisiva – importa apreciar se o referido contrato promessa, acompanhado da tradição das fracções, facultava à autora direito de retenção sobre as mesmas que, no confronto com os demais credores da insolvente (mormente com os credores privilegiados – Fazenda Nacional e credora hipotecária), lhe permitisse ser graduado em posição que lhe garantisse satisfação (pagamento) pelas forças do produto da respectiva alienação.

Efectivamente, a procedência da acção de impugnação do acto resolutivo teria como única e directa consequência a manutenção dos efeitos do contrato promessa e não directamente a satisfação do crédito da autora. Por isso que dano directamente resultante do imputado inadimplemento do primeiro réu só poderá existir se a manutenção dos efeitos daquele contrato promessa tivesse consequência no âmbito da graduação de créditos a decidir no processo de insolvência – que a oportunidade ou ‘chance’ de graduação do crédito em lugar que lhe garantisse satisfação tivesse sido frustrada pela não impugnação do acto resolutivo.

Assim que o ‘julgamento dentro do julgamento’ no presente caso não se circunscreve a apreciar da consistência das probabilidades de sucesso da acção de impugnação do acto resolutivo, estendendo-se também à consistência das probabilidades de sucesso da pretensão da autora no âmbito da graduação de créditos.

Admitindo – partindo para a exposição do argumento que temos por decisivo para decidir a causa – ser consistente e séria (com elevado índice de probabilidade) a probabilidade de ganho de causa na referida acção de impugnação do acto resolutivo, cumprirá apreciar se a manutenção de tal contrato importaria diversa decisão na graduação de créditos, mormente se a autora podia aí valer-se de direito real de garantia que implicasse preferir a outros credores preferentes – só se assim for se poderá concluir ter a autora sofrido dano patrimonial em resultado da perda de oportunidades radicadas no inadimplemento dos deveres profissionais do mandatário, primeiro réu.

Tal conclusão não pode retirar-se, pois que a situação patrimonial da autora seria exactamente idêntica à que veio a concretizar-se.
Fazendo incidir o juízo de prognose póstuma sobre a decisão que teria sido tomada pelo tribunal que proferiu a sentença de graduação de créditos, considerando para tanto ‘o estado da jurisprudência’ à data em que foi proferida (pois essa ‘teria evidentemente sido a decisão jurisprudencial do processo a definir os direitos e obrigações das partes, e é dela que teria resultado, ou não, o sucesso ou o decaimento do lesado’) (11), há que considerar que o referido contrato promessa, acompanhado da tradição das fracções, não facultava à autora direito de retenção, considerando a doutrina do AUJ nº 4/2014, de 23/04/2014, publicado no DR, Iª Série, nº 95, de 19/05/2014 – e ponderando que nada é alegado quanto ao seu incumprimento prévio à declaração de insolvência.

Tal jurisprudência uniformizadora – vinculativa para os tribunais judiciais e que vem sendo seguida de forma reiterada pelo STJ (12) – doutrinou que no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil.

Assim que o reconhecimento do direito de retenção estabelecido no artigo 755º, nº 1, f) do CC, por força de tal AUJ, fica circunscrito ao promitente comprador que, vendo o contrato incumprido pelo administrador da insolvência (13), tenha a qualidade de consumidor, – qualidade entendida no sentido estrito, correspondente à pessoa que adquire bem para uso privado, em vista da satisfação de necessidades pessoais e familiares, no sentido de não o afectar a actividade profissional ou lucrativa ou a revenda, como considerado pela jurisprudência do STJ emanada até à prolação da decisão de graduação no processo de insolvência da devedora da aqui autora e que graduou o crédito desta como comum (14).

Significa o que vem de dizer-se que mesmo considerando não resolvido o referido contrato (v. g., face à procedência da acção de impugnação do acto resolutivo), sempre o tribunal da insolvência teria de considerar aquele AUJ (os acórdãos de uniformização de jurisprudência criam precedente qualificado de carácter persuasivo, que apenas pode ser desconsiderado com fundamento em fortes razões ou especiais circunstâncias neles não ponderadas (15)), e não podendo reconhecer à aqui autora a qualidade de consumidor (até porque à autora incumbia alegar a matéria destinada a provar tal qualidade – note-se que o AUJ é anterior à reclamação de créditos no referido processo de insolvência, considerando que a declaração desta ocorreu em Novembro de 2014), não podia considerar que o crédito reclamado beneficiava de direito de retenção.

Não beneficiando o crédito da autora de direito de retenção, teria de ser graduado (mesmo considerando a manutenção do contrato promessa – ou seja, mesmo configurando a procedência da acção de impugnação do acto resolutivo) como crédito comum, nos termos em que o foi – o que significa que a perda de oportunidade de impugnar o acto resolutivo, em razão do inadimplemento dos deveres profissionais do primeiro réu, não aportou qualquer consequência negativa à situação patrimonial da autora, já que sempre o seu crédito teria de ser considerado como crédito comum por, não tendo ela a qualidade de consumidor, não beneficiar de direito de retenção.
Conclui-se, assim, que a pretensão da autora naquele processo de insolvência, mesmo que se verificasse proficiente actuação processual do primeiro réu e que fosse procedentemente impugnado o acto resolutivo, teria tido o mesmo desfecho – o seu crédito sempre seria graduado como comum, o que significa que não havia uma ‘chance’ consistente e real de satisfação do crédito que tenha sido frustrada pela actuação inadimplente do primeiro réu.

Por isso que o ‘julgamento dentro do julgamento’, como juízo de prognose, inerente à valoração da chance claramente aponta para a inexistência de uma oportunidade de ganhar, consistente, plausível, que se haja perdido pela omissão cometida pelo primeiro réu, enquanto mandatário da autora naquele processo de insolvência (16).

Considerandos que evidenciam a improcedência da pretensão da autora – mesmo concedendo que o primeiro réu incumpriu os seus deveres de diligência, sempre terá de concluir-se que de tal incumprimento não resultou para a autora a perda de qualquer oportunidade séria e consistente de ver satisfeito o seu crédito.

Breve nota final: mesmo ponderando que a autora poderia, caso procedesse a acção de impugnação, fazer valer a eficácia real do contrato, sempre haveria que considerar que as fracções se mostravam oneradas com garantias reais (os créditos da Fazenda Nacional e os créditos hipotecários) que sempre subsistiriam e que as forças da massa não conseguiriam expurgar – e também nessa perspectiva a posição patrimonial da autora não se alteraria.
Face ao que vem de dizer-se impõe-se concluir ser improcedente a pretensão indemnizatória da autora.

DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida, em absolver os réus do pedido.
Custas (da acção e da apelação) pela apelada.
Ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, justifica-se que a conta final não considere o remanescente da taxa de justiça dado que a complexidade da matéria abordada não excede o já considerado valor de 275.000,00€.
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Guimarães, 6/06/2019
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico)


1. Apelação nº 1976/17.4T8VRL.G1; Relator: João Ramos Lopes; Adjuntos: José Fernando Cardoso Amaral; Helena Melo
2. Assim, ainda que considerando o anterior regime processual civil, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298. Os argumentos expendidos mantêm inteira valia à luz do regime processual vigente.
3. Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1. Devem considerar-se como tais as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418.
4. A ponderação da intervenção do STJ em recurso de revista – a revista tem de equacionar-se face à posição tomada pelo autor recorrido quando chamado a pronunciar-se sobre o enquadramento que se tem por adequado para solucionar a questão – não determina a necessidade de conhecer da impugnação da matéria de facto: admitindo a possibilidade do STJ ter outra posição quanto à solução jurídica que temos por aplicável, sempre haverá que reconhecer que em tal caso os autos voltariam à Relação para apreciar das questões que, face à solução adoptada, se terão agora por prejudicadas, dado não funcionar na revista a regra da substituição ao tribunal recorrido (art. 679º do CPC).
5. P. ex., Paulo Mota Pinto, ‘Perda de chance processual’, in RLJ, Ano 145, Março-Abril de 2016, pp. 174 e sesg, máxime pp 195 a 199. Na jurisprudência, os acórdãos do STJ de 14/03/2019 (Hélder Almeida), de 19/12/2018 (Fonseca Ramos), de 15/11/2018 (Rosa Tching) e de 17/05/2018 (Maria da Graça Trigo), todos no sítio www.dgsi.pt/jstj.
6. Paulo Mota Pinto, obra citada, p. 199 (primeira coluna).
7. Paulo Mota Pinto, obra citada, p. 198, primeira coluna (itálicos no original).
8. Autor e obra citados, p. 200 (primeira coluna).
9. Autor e obra citados, p. 200 (segunda coluna).
10. Autor e obra citados, p. 201 (primeira coluna).
11. Autor e obra citados, p. 201 (transição da primeira para a segunda colunas).
12. P. ex., acórdão de 25/11/2014 (Fernandes do Vale) e, mais recentemente (traduzindo porém jurisprudência que se mantém constante desde aquele AUJ e que era seguida ao tempo da decisão de graduação de créditos, proferida em Setembro de 2017 – ver o facto 27 da fundamentação de facto), o acórdão de 2/04/2019 (Graça Amaral), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
13. Cfr., a propósito, o acórdão do STJ de 11/09/2018 (Graça Amaral), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
14. P. ex., além dos citados acórdãos de 25/11/2014 e de 2/04/2019, os acórdãos do STJ de 14/02/2017 (João Camilo), de 29/07/2016 (Júlio Gomes) e de 24/05/2016 (Nuno Cameira), no sítio www.dgsi.pt/jstj..
15. Cfr., a propósito, o acórdão STJ de 24/05/2016 (Nuno Cameira).
16. Asserção utilizada pelo citado acórdão do STJ de 19/12/2018 (Fonseca Ramos) para concluir pela não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar no caso que apreciava.