Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6696/13.6TBBRG.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL
PARECERES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Decorrido o prazo legal das negociações com vista ao plano de recuperação e revitalização a que se refere o art.º 17º-D, nº 5, do CIRE, sem que o administrador judicial provisório junte o parecer a que está obrigado nos termos do art.º 17º-G, nº 4, no prazo de 10 que o tribunal lhe fixou para o efeito, pese embora o carater urgente do processo, não pode o juiz ultrapassar aquela omissão e declarar desde logo encerrado o processo negocial e extinto o PER, optando pelas consequências relativas a uma situação de não insolvência, nos termos do nº 2 do mesmo art.º 17º-G, em vez de uma situação de insolvência ao abrigo do nº 3 ainda daquele preceito legal.
2- De um modo geral, os prazos relativos aos atos do administrador judicial provisório não são perentórios, mas de ordenação e regulação, e a sua violação, assim como as faltas no dever de colaboração, geram responsabilidade, sob as diversas formas previstas na lei, conforme a gravidade e a censurabilidade da conduta, e não a desnecessidade de praticar o ato omitido que, em si mesma, seria uma via de desresponsabilização e uma fonte de prejuízo processual com afetação do interesse das partes e da realização da justiça.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
H…, divorciada, residente na rua… - Braga, requereu, nos termos do disposto nos artigos 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [1], com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2012, de 2 de abril, Processo Especial de Revitalização [2] relativamente a ela, devedora.
Tendo alinhado os respetivos fundamentos, concluiu assim:
«Requer a Vossa Excelência, nos termos do artigo 17º, nº 3, alínea a), do C.I.R.E. a nomeação imediata do dr. Luís Manuel Ribeiro de Carvalho, com domicílio profissional na rua Doutor Carneiro Pacheco 75-E, 4780 - 446 Santo Tirso, com vista a, nos termos legais, serem desencadeadas todas as diligências necessárias para ser aprovado o plano de recuperação conducente à revitalização da aqui requerente nos termos do artigo 17º-F e seguintes do C.I.R.E., seguindo-se os demais termos dos artigos 17º-A a 17º-I do C.I.R.E., com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2012, de 2 de Abril.
A requerente compromete-se a apresentar o plano de revitalização até ao término do prazo para o Administrador Judicial Provisório apresentar a listagem de credores.» (sic)
O processo foi admitido liminarmente e foi nomeado administrador judicial provisório o Sr. Dr. Luís Manuel Ribeiro de Carvalho.
Decorridos alguns trâmites processuais, depois do Sr. administrador judicial provisório ter apresentado a lista provisória de créditos reclamados e reconhecidos, foi proferido a decisão a 11.3.2014 que se transcreve, ipsis verbis:
«Conforme resulta da referência n.º 12821142, no dia 19 de Dezembro de 2013, foi publicada, no Portal Citius, a lista provisória de créditos, sendo que o prazo de cinco dias úteis para a apresentação de impugnações à mesma findou no dia 27 de Dezembro de 2013 [art.º 17.º-D, n.ºs 2 e 3, do CIRE].
***
Dispunha, desde então, a devedora do prazo de 02 meses para concluir as negociações encetadas, prazo esse que findou no dia 27 de Fevereiro de 2014, tanto mais que nenhum pedido de prorrogação deste prazo foi formulado nos autos [art.º 17.º-D, n.º 5, do CIRE].
***
Pelo exposto, mostrando-se ultrapassado prazo de negociações previsto no artigo 17.º, n.º 5, do CIRE, determino que o Sr. Administrador Judicial Provisório, no prazo de 10 (dez) dias, dê cumprimento ao disposto no artigo 17.º-G, n.ºs 1 e 3, do CIRE.»
*
No dia 8.4.2014 --- nada tendo sido até então requerido --- foi proferida nova decisão, nos seguintes termos:
«- ENCERRAMENTO DO PROCESSO -
Conforme resulta da referência n.º 12821142, no dia 19 de Dezembro de 2013, foi publicada, no Portal Citius, a lista provisória de créditos, sendo que o prazo de cinco dias úteis para a apresentação de impugnações à mesma findou no dia 27 de Dezembro de 2013 [art.º 17.º-D, n.ºs 2 e 3, do CIRE].
***
Dispunha, desde então, a devedora do prazo de 02 meses para concluir as negociações encetadas, prazo esse que findou no dia 27 de Fevereiro de 2014, tanto mais que nenhum pedido de prorrogação deste prazo foi formulado nos autos [art.º 17.º-D, n.º 5, do CIRE].
***
Notificado o Sr. Administrador Judicial Provisório para, no prazo de 10 (dez) dias, dar cumprimento ao disposto no artigo 17.º-G, n.ºs 1 e 3, do CIRE, razão pela qual se concluir que a devedora não está insolvente e, como tal, não será a mesma declarada como tal, nem o presente processo convertido em processo de insolvência.
***
Pelo exposto, mostrando-se ultrapassado o prazo de negociações, nos termos do artigo 17.ºG, n.º 1, do CIRE, declara-se encerrado o processo negocial e, consequentemente, a extinção do presente processo especial de revitalização, com as consequências previstas no artigo 17.º-G, n.º 2, do CIRE.
***
Custas pela devedora, fixando-se à causa o valor de 30.000,00€ (art.º 301.º, do CIRE).

Seis dias depois desta decisão, o administrador provisório informou o tribunal nos seguintes termos:
“Venho por este meio como Administrador Judicial Provisório nomeado nos autos do supra referido processo, dar cumprimento ao disposto no artigo 17° - G, n.° 1,3 e 4 do CIRE.
O maior credor Banco Santander Totta, S. A. não aprovou qualquer acordo.
Deste modo, de acordo com o artigo 17° - G n.° 1 do CIRE dá-se o encerramento do presente PER.
Quanto à devedora, neste momento encontra-se em situação de desemprego o que, demonstra que não conseguirá fazer face às suas responsabilidades.
Deste modo, a devedora encontra-se numa situação de insolvência e, de acordo com o artigo 17° - G n.° 4 do CIRE sou da opinião de requerer a insolvência da mesma.”
Sobre esta comunicação, proferiu então o tribunal o seguinte despacho:
“Considerando o teor da sentença com a ref.ª 13301669, por intermédio da qual já se encerrou o processo e, não tendo o Sr. Administrador Judicial provisório requerido a conversão do mesmo em insolvência, no prazo que lhe foi fixado para o efeito (despacho com a ref.ª 13168346), indefere-se o requerido.”
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Inconformado com a decisão, dela recorreu o BANCO…, S.A., sintetizando as suas alegações na seguinte forma:
«I- A sentença recorrida, a qual determinou o encerramento do processo especial de revitalização requerido pela Devedora H… com a extinção de todos os seus efeitos, não deve, salvo o devido respeito, manter-se, pois não consagra a justa e correcta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis.
II. Conforme se constata pelo teor da sentença ora em riste, a fundamentar a decisão proferida no Tribunal a quo, é invocado pelo M.° Juiz o seguinte:
“Conforme resulta da referência n. ° 12821142, no dia 19 de Dezembro de 2013, foi publicada, no Portal Citius, a lista provisória de créditos, sendo que o prazo de cinco dias úteis para a apresentação de impugnações à mesma findou no dia 27 de Dezembro de 2013 [ar t. ° 17. °-D, n.°s 2 e 3, do CIRE].
***
Dispunha, desde então, a devedora do prazo de 02 meses para concluir as negociações encetadas, prazo esse que findou no dia 27 de Fevereiro de 2014, tanto mais que nenhum pedido de prorrogação deste prazo foi formulado nos autos [art. ° 17. °-D, n. ° 5, do CIRE].
***
Notificado o Sr. Administrador Judicial Provisório para, no prazo de 10 (dez) dias, dar cumprimento ao disposto no artigo 17. °-G, n.°s l e 3, do Cl Relação de Évora, razão pela qual se concluir que a devedora não está insolvente e, como tal, não será a mesma declarada como tal, nem o presente processo convertido em processo de insolvência.
***
Pelo exposto, mostrando-se ultrapassado o prazo de negociações, nos termos do artigo 17. °G, n. ° 1, do CIRE, declara-se encerrado o processo negociai e, consequentemente, a extinção do presente processo especial de revitalização, com as consequências previstas no artigo 17. °-G, n. ° 2, do CIRE.”
III. De acordo com o disposto no n.° l do art. 17.° G do C.I.R.E., caso seja ultrapassado o prazo previsto para a conclusão das negociações (n.° 5 do art. 17.° D do C.I.R.E.), o processo negocial é encerrado, “…devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo.”.
IV. E, alcançado esse estado do processo – conclusão sem a aprovação de plano de recuperação – o C.I.R.E. prevê duas vias a seguir:
- Ou o Devedor não se encontra em situação de insolvência, acarretando o encerramento do processo especial de revitalização a extinção de todos os seus efeitos (n.° 2 do art. 17.° G do C.I.R.E.)
- Ou o Devedor está já em situação de insolvência, caso em que o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a declaração de insolvência do mesmo Código do Notariado.° 3 do art 17.° G do C.I.R.E.)
V. De acordo com o disposto no n.° 4 do art. 17.° G do C.I.R.E., o juízo sobre a situação ou não de insolvência do Devedor deverá ser junto aos autos em parecer a elaborar pelo Sr. Administrador Judicial Provisório após audição do Requerente do processo e dos Credores.
VI. Ora, de acordo com o despacho proferido nos autos em 11.03.2014 (despacho com a ref.ª no Histórico dos Autos Processuais do Citius), foi o Sr. Administrador Judicial Provisório notificado para, precisamente, dar cumprimento ao disposto no “artigo 17.°-G, n.°s l e 3, do CIRE”. Sendo que o mesmo ainda não tinha junto aos autos qualquer parecer antes de ser proferida a sentença recorrida.
V [3]. Entende o Apelante que o facto do Sr. Administrador Judicial Provisório ainda não ter junto aos autos o parecer previsto no n.° 4 do art. 17.° G do C.I.R.E., não poderá conduzir automaticamente a que se presuma (como o faz a sentença recorrida) que a Devedora não se encontra em situação de insolvência e, como tal, que o processo deva ser encerrado nos termos do n.° 2 do mesmo artigo com a extinção de todos os seus efeitos.
VI. Com efeito, do regime previsto no C.I.R.E. para o processo judicial de revitalização, crê que se mostra imprescindível a junção aos autos do parecer do Sr. Administrador Judicial Provisório (principal conhecedor das circunstâncias em que se encontra o devedor e o do volume do seu passivo) para se aferir do destino do processo após encerramento, sendo que apenas nos casos previstos no art. 218.° do C. Civil (quando haja lei, uso ou convenção) o silêncio tem valor como declaração negociai, o que não se verifica in casu.
VII. De facto, entende o Apelante que, face à ausência de resposta do Sr. Administrador, sempre o Tribunal a quo poderia e deveria ter enviado nova notificação ao mesmo com a cominação de alguma sanção (nomeadamente, multa) ou até com a comunicação de encerramento do processo caso o silencia/inércia do Sr. Administrador Judicial Provisório se mantivesse, tudo ao abrigo do poder/dever de gestão processual previsto no art. 6.° do C.P.C, ex vi art. 17.° do C.I.R.E., mas crê o Apelante que o que não pode acontecer, e in casu, aconteceu é os Credores serem surpreendidos com uma decisão de encerramento do processo quando ainda estavam a aguardar que o Sr. Administrador Judicial Provisório procedesse à sua audição prévia para depois juntar o seu parecer aos autos.
VIII. Tanto mais que, in casu e ainda que logo após a prolação da decisão recorrida, o Sr. Administrador Judicial Provisório já notificou os Credores para se pronunciarem nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 4 do art. 17.° G do C.I.R.E., estando ainda em curso o prazo para os mesmos se pronunciarem, e até já juntou exposição aos autos informando que a Devedora se encontra em situação de desemprego e que não conseguirá fazer face às suas responsabilidades, sendo de opinião de requerer a insolvência.
IX. A douta sentença recorrida viola as normas e os princípios jurídicos constantes dos n.° l a 4 do art. 17.° G do CIRE, art. 218.° do C. Civil e art. 6.° do C.P.C., porquanto as mesmas não foram interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas considerações anteriores, pelo que se requer a revogação da sentença proferida e a substituição da mesma por despacho que ordene a notificação do Sr. Administrador Judicial Provisório para, no prazo e sob a cominação que vier a ser fixada, juntar aos autos o seu parecer (após audição dos Credores) nos termos e para os efeitos do n.° 4 do art. 17.° G do C.I.R.E.» (sic)
Defende, assim, a credora recorrente a revogação da decisão, a substituir por outra que ordene a notificação do administrador judicial provisório para, no prazo e sob a cominação que vier a ser fixada, juntar aos autos o seu parecer (após audição dos credores) nos termos e para os efeitos do n.° 4 do artº. 17.°G do CIRE.

Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
A questão a tratar encerra apenas matéria de direito, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º, do Código de Processo Civil).
Questão a decidir: saber se decorrido que esteja o prazo de dois meses que a lei prevê para a realização de negociações com vista ao plano de recuperação, sem que o administrador judicial algo comunique ao processo, mantendo ainda a sua inércia apesar de notificado para o efeito, o tribunal pode declarar encerrado o processo negocial e a extinção do PER e de todos os seus efeitos.
III.
Os factos a considerar constam, no essencial, do relatório que antecede.
*
Iniciado o processo de revitalização --- em cujo requerimento inicial o devedor e, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, manifestam a sua vontade de encetar negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação (art.º 17º-C, nº 1) --- e findo que esteja o prazo para as impugnações da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador provisório, “os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius” (art.º 17º-D, nº 5).
“O administrador judicial provisório participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e deve assegurar que as partes não adotam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas” (nº 9 do art.º 17º-D).
Nos termos do art.º 17º-G, nº 1, decorrido que esteja aquele prazo ou a sua prorrogação, o processo negocial deve considerar-se encerrado, sendo obrigação do administrador judicial provisório “comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius”. Nesta comunicação, deve o referido administrador provisório, mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência (nº 4 do art.º 17º-G).
Assim, compete ao administrador provisório comunicar ao processo o encerramento do processo negocial decorrido que esteja o referido prazo ou a sua prorrogação, mais devendo proceder à sua publicação no Citius.
Os efeitos do encerramento sem aprovação do plano variam consoante o devedor se encontre ou não em situação de insolvência, sendo a questão objeto de parecer do administrador judicial provisório, mediante a informação de que disponha, após audição do devedor e dos seus credores (art.º 17º-G, nº 4).
Se o devedor não se encontrar em situação de insolvência, o fim do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos (art.º 17º-G, nº 2), voltando o devedor a poder praticar atos de especial relevo e cessando a suspensão de ações judiciais contra ele. O devedor perde, porém, a possibilidade de voltar a recorrer ao processo especial de revitalização por um período de dois anos (art.º 17º-G, nº 6).
Se o devedor se encontrar em situação de insolvência, a mesma deve ser requerida pelo administrador judicial provisório, com base no parecer por ele elaborado, sendo a mesma imediatamente decretada pelo tribunal, e sendo o processo de revitalização apensado ao processo de insolvência (art.ºs 17º-G, nº 4 e 28°) [4].
Temos assim que o parecer do administrador judicial provisório pressupõe o encerramento do processo negocial --- no caso, com o decurso integral do prazo referido --- a ponderação da informação de que disponha e a audição do devedor e dos credores, ali justificando a situação em que o devedor se encontra.
Sendo objetiva a verificação das situações que justificam o encerramento do processo negocial, o art.º 17º-G não estabelece qualquer prazo para o administrador provisório fazer a comunicação desse facto acompanhada do referido parecer, encontrando-se, porém, balizado pelo caráter urgente do PER (art.ºs 9º e 17º-A, nº 3) e pela regra da razoabilidade.
O prazo de 2 meses previsto para o encerramento do processo negocial terminou no dia 27 de fevereiro de 2014 (não houve qualquer pedido de prorrogação).
Por despacho logo proferido no dia 1 de março, o tribunal fixou em 10 dias o prazo para que o administrador judicial provisório desse cumprimento ao seu dever de comunicação e junção do parecer e, não tendo este dado cumprimento ao solicitado, foi então proferida a decisão recorrida, no dia 8 de abril seguinte, preterindo, assim, o parecer previsto na lei e extinguindo o processo de revitalização e todos os seus efeitos, como se o parecer tivesse sido no sentido de que a devedora não se encontra em situação de insolvência (art.º 17º-G, nº 2).
As funções do administrador judicial provisório não são impertinentes e a sua ação no PER reveste-se de importância fundamental no desenvolvimento do processo que, à semelhança do processo de insolvência, é objeto de assinalável desjudicialização. Elabora a lista provisória de créditos, participa nas negociações do plano de revitalização, zela pela sua equidade e transparência, intervém no respetivo acordo escrito, faz comunicações e publicações, recolhe informação, no que os intervenientes estão obrigados a colaborar com ele, estabelece regras de negociação, orienta e fiscaliza o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, prevenindo expedientes desnecessários, dilatórios e prejudiciais à marcha do processo (art.º 17º-D), elabora o parecer atrás referido. Competem-lhe ainda, com as devidas adaptações, os atos previsto no art.º 33º, ex vi art.º 17º-I, nº 2, do CIRE.
Ademais, a nomeação do administrador judicial provisório implica a inibição do devedor para a prática de atos de especial relevo, tal como são definidos no art.º 161º, a menos que obtenha autorização prévia do administrador judicial provisório (art.º17º-E, nº 2) e, relativamente a outros processo, tem como efeito obstar à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor as ações em curso com idêntica finalidade. Da mesma forma, os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data da publicação no portal Citius do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação (art.º 17º-E, nº 6).
Nos termos do art.º 12º da Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro [5]:
“1-Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes.
2 - Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.
…”.
Por força do art.º 58º do CIRE, o administrador judicial provisório exerce a sua atividade sob a fiscalização do juiz, que pode, a todo o tempo, exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de um relatório da atividade desenvolvida e do estado da administração; pode ainda ser removido ou substituído. Responde ainda disciplinarmente e civilmente (art.ºs 17º-C, nº 3, al. a), 32º a 34º, 58º e 59º do CIRE e art.ºs 17º e seg.s da Lei 22/2013, de 26 de fevereiro).
Além disso, de modo expedito, quiçá suficiente na maior parte das situações processuais de violação do dever de colaboração, com vista à regularização da ação dos diversos intervenientes processuais, dispõe o juiz do mecanismo previsto no art.º 417º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 17º do CIRE, através da aplicação de multa, de que, aliás, o tribunal já lançou mão neste processo contra o administrador judicial provisório (cf. despacho de fl.s 35, proferido em 18.12.2013, por o Sr. administrador não ter apresentado a lista provisória de créditos prazo legal de 5 dias previsto no nº 3 do art.º 17º-D).
O que não pode acontecer é a preterição de atos do administrador, necessários ao desenvolvimento processual e à realização dos interesses das partes e da justiça do caso, como se sobre estas deva recair o efeito da omissão de deveres daquele.
É certo que se impõe urgência nos atos de todos os órgãos do PER, correndo todos os prazos durante as férias judiciais, sem interrupção, incluindo os do administrador judicial provisório. Contudo, os prazos deste não são, ao menos de um modo geral, perentórios. São prazos de ordenação e regulação, cujo incumprimento, pelo seu grau de reiteração ou gravidade, pode gerar responsabilidade, sob qualquer das formas atrás referidas, mas não a preterição definitiva de atos legais como se sobre o administrador recaísse o odioso da omissão da prática dos seus deveres funcionais.
Como refere a recorrente na conclusão nº V., o facto do administrador provisório ainda não ter junto aos autos o parecer previsto no n.° 4 do art.º 17.°-G não poderá conduzir automaticamente a que se presuma (como o faz a decisão recorrida) que a devedora não se encontra em situação de insolvência e, como tal, que o processo deva ser encerrado nos termos do n.° 2 do mesmo artigo com a extinção de todos os seus efeitos.
Não podem, designadamente, os credores ser surpreendidos com uma decisão de encerramento do processo quando ainda estavam a aguardar que o Sr. administrador judicial provisório procedesse à sua audição prévia para depois juntar o seu parecer aos autos. Assiste-lhes o direito de ser ouvidos por aquele órgão do PER, assim podendo influenciar o seu parecer. Esse direito não lhes pode ser coartado só porque aquele não juntou o parecer nos 10 dias fixados pelo tribunal, depois de decorrido o prazo da negociação do plano de revitalização.
Atentos os seus efeitos, não é indiferente ao devedor e aos credores que o PER se extinga por uma ou outra das formas previstas nos nºs 2 e 3 do art.º 17º-G.
Não será despiciendo referir que, no caso, o administrador judicial provisório acabou por juntar o seu parecer no sentido de que a devedora se encontra numa situação de insolvência, opinando no sentido de que ele próprio deva requerer a declaração de insolvência, nos termos do art.º 17º-G, nº 4.
Neste conspecto, a apelação merece proceder, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- Decorrido o prazo legal das negociações com vista ao plano de recuperação e revitalização a que se refere o art.º 17º-D, nº 5, do CIRE, sem que o administrador judicial provisório junte o parecer a que está obrigado nos termos do art.º 17º-G, nº 4, no prazo de 10 que o tribunal lhe fixou para o efeito, pese embora o carater urgente do processo, não pode o juiz ultrapassar aquela omissão e declarar desde logo encerrado o processo negocial e extinto o PER, optando pelas consequências relativas a uma situação de não insolvência, nos termos do nº 2 do mesmo art.º 17º-G, em vez de uma situação de insolvência ao abrigo do nº 3 ainda daquele preceito legal.
2- De um modo geral, os prazos relativos aos atos do administrador judicial provisório não são perentórios, mas de ordenação e regulação, e a sua violação, assim como as faltas no dever de colaboração, geram responsabilidade, sob as diversas formas previstas na lei, conforme a gravidade e a censurabilidade da conduta, e não a desnecessidade de praticar o ato omitido que, em si mesma, seria uma via de desresponsabilização e uma fonte de prejuízo processual com afetação do interesse das partes e da realização da justiça.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, devendo atender-se ao parecer do administrador judicial provisório entretanto junto por telecópia, no dia 11 de abril de 2014, a fl.s 45 e 46 dos autos.
Custas da apelação por quem as dever pagar a final.
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Guimarães, 10 de julho de 2014
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Adiante CIRE; diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Adiante PER.
[3] Há lapso de numeração a partir desta conclusão.
[4] Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina 2012, 4ª edição, pág.s 312 e 313.
[5] Estatuto dos Administradores Judiciais.