Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1686/17.2T8BGC.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
RETRIBUIÇÃO ANUAL
SUBSÍDIO DE NATAL
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A indemnização por incapacidade temporária é calculada com base na retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado à data do acidente, o que significa que considerando o padrão de dias anual – 365 – se obtém a retribuição diária dividindo a retribuição anual pelos 365 dias, realçando que no cálculo da retribuição anual a base do cálculo da parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal já ali se encontra contemplada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

APELANTE: X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
APELADO: C. M.

Tribunal da Comarca de Bragança, Juízo do Trabalho de Bragança

Na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado C. M. e responsável X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., não obteve êxito a tentativa de conciliação.

Por esse facto veio o sinistrado C. M. apresentar petição inicial contra X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe:

a) €902,21 relativo a diferenças na indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
b) juros de mora à taxa legal.

Os autos prosseguiram com a sua normal tramitação tendo por fim sido proferida sentença a qual culminou com a seguinte decisão:

2. O regime legal aplicável ao caso em apreço é o que decorre da Lei 98/2009 de 04/09 (NLAT), atenta a data do acidente e o disposto no art. 187º nº 1 desse diploma.

Os critérios de fixação da indemnização devida por incapacidade temporária são os previstos nos artigos 48º, 50º, 71º e 72º da citada lei.

Dispõe o art. 48.º nºs 1 e 4 que a indemnização por incapacidade temporária se destina a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho e é devida enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional. Em caso de incapacidade temporária absoluta, tem o sinistrado direito a uma indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente [nº 3 al. d) do art. 48º]. De acordo com o art. 50.º nº 1 a indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente. Na incapacidade temporária superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 48.º.

Os critérios de determinação da retribuição de base para efeitos de cálculo das prestações legais e a definição do que deve entender-se por retribuição mensal e anual estão estabelecidos no artigo 71º da NLAT. Assim, “A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente (…) são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente” (nº 1); “Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” (nº 2); “Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade” (nº 3); “Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente”(nº 4); “Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos” (nº 5); “O disposto nos nºs 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador”(nº 8); por fim “Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (nº 11).

Enquanto no regime estabelecido no art. 26º da Lei 100/99 de 13/09 se estabelecia um critério diferenciado para o cálculo da indemnização por incapacidade temporária e para o cálculo da pensão por morte ou por incapacidade permanente, tendo o primeiro por base a retribuição diária ou a 30ª parte da retribuição mensal ilíquida e o segundo a retribuição anual ilíquida, compreendendo-se nesta o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de férias e de natal e outras retribuições anuais a que o sinistrado tivesse direito com carácter de regularidade, no regime vigente estabelece-se um único critério para o cálculo da indemnização por incapacidade temporária e da pensão por morte ou por incapacidade, critério esse que se baseia na retribuição anual, entendida esta como o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

Assim sendo, a indemnização diária por incapacidade temporária corresponderá à 365ª parte da retribuição anual. Se, porém, a incapacidade temporária se prolongar por mais de trinta dias, a tal valor acresce a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, calculada com base na mesma retribuição anual (art. 50º nº 3 NLAT). Neste sentido se pronunciou o Acórdão do TRL de 18-05-2016, publicado no sítio www.dgsi.pt. e também o TRG, em Acórdão proferido no processo nº 399/16.7T8BGC, deste Juízo, ainda não publicado

A suposta “duplicação” dos subsídios que tal interpretação acarreta, segundo a argumentação expressa pela R., constitui uma clara opção do legislador e justifica-se pelo carácter compensatório da indemnização por incapacidade temporária. Note-se que a medida da reparação não é aqui a que resultaria do princípio da reconstituição natural ou por equivalente, estabelecido no artigo 562º do Código Civil, segundo o qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga á reparação”. Se assim fosse não se justificaria o “corte” de 30% na retribuição anual do sinistrado para efeitos de cálculo da pensão anual e da indemnização por incapacidade temporária igual ou inferior a 12 meses e 25% no cálculo da indemnização por incapacidade temporária superior a 12 meses. Não se vislumbra, por isso, qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, como defende a Ré, em matéria de retribuição, entre um trabalhador sinistrado em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho por período de 12 meses ou superior e um trabalhador não sinistrado no exercício das suas funções. Desde logo, não pode dizer-se que ambos estejam em igualdade de circunstâncias. E se há tratamento desfavorável, é sobre o trabalhador sinistrado que recai o desfavor, pois este sofre uma redução de 30% ou 25% na sua retribuição, consoante a incapacidade tenha tido duração igual ou superior a 12 meses, ao passo que aquele recebe os seus subsídios de natal e de férias na totalidade.

Ora, está provado que a retribuição abrangida pelo contrato de seguro era de €850,00x14 meses, o que perfaz a retribuição anual de €11.900,00, atentos os critérios estabelecidos no art. 71º da NLAT. A retribuição diária a atender para efeitos de cálculo da indemnização diária por incapacidade temporária é, pois, de €32,60 (11.900,00:365). A este valor acresce o montante proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, devido nos períodos que excedem os trinta dias, calculada com base na mesma retribuição anual, o que perfaz a quantia diária de €5,36 (€11.900,00:365x30:365x2). Assim, perante os períodos de incapacidade temporária sofridos pelo A., tem este direito às seguintes quantias, a título de indemnização:

- 250 dias de ITA: €5.705,00 (€32,60x70%x250);
- Subsídios de Férias de Natal proporcionais a 220 (250-30) dias de ITA: €825,44 (€5,36x70%x220);
- 40 dias de ITP de 40%: €365,12 (€32,60x70%x40x40%);
- Subsídios de Férias de Natal proporcionais a 40 dias de ITP de 40%: €60,03 (€5,32x70%x40x40%).
- 75 dias de ITP de 30%: €513,45 (€32,60x70%x75x30%);
- Subsídios de Férias de Natal proporcionais a 75 dias de ITP de 30%: €83,79 (€5,32x70%x75x30%).
- 10 dias de ITP de 30%: €73,35 (€32,60x75%x10x30%) (1);
- Subsídios de Férias de Natal proporcionais a 10 dias de ITP de 30%: €11,97 (€5,32x75%x10x30%).
Total: €7.638,15.

Como o A. já recebeu da R. seguradora a quantia de €6.652,62, tem direito à diferença no montante de €985,53.

O montante de €6.652,62 pago pela Ré ao A. a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária foi calculado com base no salário anual de €11.900,00 mas não teve em conta a Ré seguradora o valor da parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal relativos ao período excedente a 30 dias de incapacidade a que se refere o art. 50º nº 3 da LAT.

Embora o montante reclamado pelo A. a título de indemnização por incapacidade temporária seja inferior ao ora determinado, deve o tribunal aplicar o instituto da condenação extra vel ultra petitum estabelecido no art. 74º do Código de Processo do Trabalho, já que a condenação em quantidade superior ao pedido resulta da aplicação à matéria de facto provada de preceitos inderrogáveis da lei.

Procede, pois, a pretensão do A.

Sobre a quantia em dívida acrescem juros de mora, à taxa legal desde a data do respectivo vencimento, ou seja, desde a data da alta, nos termos dos arts. 559º, 798º, 805º n.º 2 e n.º 3, 2ª parte e 806º do Cód. Civil e 50 nºs 1 e 2 e 72º da N.L.A.T.

III
Pelo exposto, julgo totalmente procedente a presente acção e, em consequência, condeno a R. X - Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao A. C. M.:

a) A quantia de €985,53 (novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos) relativa a indemnização por incapacidade temporária em dívida;
b) Juros de mora sobre tal quantia, à taxa legal desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.
Custas pela R.
Notifique.
Registe.
Fixo à causa o valor de €985,53 (art. 120º n.º 3 do Cód. Proc. Trabalho).”

Inconformada com esta sentença, na medida em que determinou o cálculo adicional da parte proporcional das incapacidades temporárias superiores a 30 dias do correspondente subsídio de férias e de Natal, dela veio a Ré Seguradora interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

O presente recurso de apelação é interposto da sentença proferida e versa sobre a apreciação da matéria de direito, que foi objecto de apreciação e decisão, pois que, salvo o devido respeito, a sentença recorrida não procedeu a uma correcta e justa interpretação e aplicação dos preceitos e valores legais pertinentes.
- A questão a apreciar por V. Exªs é simples e resume-se em saber se no caso do sinistrado com a incapacidade temporária superior a 30 dias:

- quando no cálculo da indemnização temporária a retribuição anual é o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescido de subsidio de férias e Natal, se ainda acrescem os valores correspondentes aos subsidios de férias e Natal, conforme defendido na douta sentença estribada no Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 18.05.16 in Proc. 5076/15.3T8LSB.L1-4 ou
- Constando da fórmula de cálculo adoptada a retribuição mensal vezes 14 meses, visto que cada um dos períodos de incapacidade temporária é superior a 30 dias, a base de cálculo da parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e Natal já ali se encontra contemplada, pelo que carece de fundamento o cálculo adicional da parte proporcional das incapacidades temporárias superiores a 30 dias correspondente ao subsídio de férias e Natal, conforme defendido no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2015 in Proc. 257/07.6TTGRD.Cl.S1.
– A sentença recorrida ao condenar a Ré in casu no pagamento da quantia 985,43 € correspondentes aos proporcionais de férias e Natal pelos períodos de ITA, quando a indemnização pelas ITs já foram pagas com base na retribuição mensal x 14 meses, não pode manter-se, por fazer uma errada interpretação do disposto nos arts. 50º e 71º da LAT .
. Considerando o salário do autor para si transferido de 850,00 € x 14 meses/ano, o que perfaz a retribuição anual de 11.900,00 € e os períodos de incapacidade temporária absoluta e de incapacidade temporária parcial, e tendo recebido da recorrente a quantia total de € 6.652,62, nada mais tem a pagar a titulo de ITs , pois os proporcionais de férias e Natal já estavam contemplados ou incorporados nos valores pagos .
. Na fórmula de cálculo utilizada pela recorrente no pagamento já efectuado e pela Mma Juiz a quo já se encontra incluída (“contemplada”) a proporção devida pelos subsídios de Natal e de férias, bastando atentar na redação “850,00€ x 14”;
O cálculo autónomo do valor devido a titulo de subsidio de férias e de Natal determina o pagamento em duplicado de tais valores ao trabalhador, um duplo recebimento por este e enriquecimento ilegítimo.
Aliás, dispõe o art. 50º, nº 3 do LAT: “Na incapacidade temporária superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do nº 3 do art. 48º”, pelo que, contrariamente ao que consta na sentença, a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal “é paga”, e não refere “acresce”.
Aliás, e salvo o devido respeito, a interpretação ao disposto nos arts 50º, nº 3 e 71º, nº 3 da LAT no sentido propugnado na douta sentença, constitui uma duplicação dos subsídios, sendo uma interpretação abusiva e até inconstitucional, porque violadora o princípio da igualdade e constitui uma discriminação negativa para os trabalhadores enquanto tal e superior na condição de sinistrados;
A interpretação que sempre foi e tem sido seguida por unanimidade em todos os tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal de Justiça, está de acordo com o espírito da lei, do sentido legislador e sentido teleológico de que as ITs inferiores a 30 dias devem ser pagas com base na retribuição anual – salário mensal x 12 –, sem os subsídios, e as superiores a 30 dias com base na retribuição anual – salário anual x 12
–, acrescida dos subsídios de férias e de Natal;
10ª Se assim não fosse, salvo o devido respeito, não faria sentido, ou tinha qualquer razão de ser, o disposto no art. 50º, nº 3 da LAT que estabelece exactamente essa diferença;
11ª Uma interpretação no sentido pretendido na douta sentença conduziria no limite que um trabalhador enquanto sinistrado com uma IT superior a 30 dias auferia uma indemnização com base em 16 meses, e se trabalhasse receberia o seu vencimento 14 meses no ano.
12ª Por isso mesmo se estabeleceu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.15 relator Pinto Espanhol in Processo nº 257/07.6TTGRD.C1.S1 in www.dgsi.pt/jstj:

“3- Constando da fórmula de cálculo adotada, o segmento “ € 1.100,00 x 14 meses” visto que cada um dos períodos de incapacidade temporária é superior a 15 dias, a base de cálculo da parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de natal já ali se encontra contemplada, pelo que carece de fundamento o cálculo adicional da parte proporcional das incapacidades temporárias superiores a 15 dias correspondente aos subsídios de férias e de Natal” - (pese embora seja um acórdão proferido no domínio da LAT anterior, o principio geral de cálculo ou fórmula de cálculo é o mesmo, quer no actual art. 50º, nº 3 da NLAT, quer no domínio do art 43º, nº 3 do anterior RLAT, sendo a única alteração passar de 15 para 30 dias).
13ª Pelo que, deve a douta sentença proferida ser revogada, por errada interpretação do disposto nos arts. 23º, al b), 50º, nº 3 e 71º da Lei 98/2009 de 04.09 e substituída por outra que absolva a ré do pedido.

Termos em que, e nos mais e melhores de direito que V. EXªs doutamente suprirão, dever ser concedido provimento ao recurso, e, em consequência, absolver-se a ré do pedido,
E assim se a fará a inteira e sã J U S T I Ç A.”

O apelado/recorrido, com o patrocínio do Ministério Publico apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 653.º, nº 3 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir reporta ao cálculo da indemnização por incapacidade temporária superior a 30 dias.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1- A Ré dedica-se à actividade seguradora.
2- No exercício desta actividade a Ré celebrou com a entidade empregadora do A., A. V. & Filhos, Lda., um contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem titulado pela apólice n.º … no âmbito do qual assumiu parcialmente a responsabilidade infortunística daquela empregadora relativamente aos sinistros ocorridos com o pessoal que emprega na sua actividade, mediante o salário, relativamente ao sinistrado, de €850,00x14 meses/ano.
3- O A. nasceu em ../../1961.
4- No dia 30 de Dezembro de 2016, quando o A., no local e no tempo de trabalho, exercia a sua actividade profissional por conta da empregadora A. V. & Filhos, Lda., sofreu um acidente, que consistiu no seguinte: procedia à instalação de um esquentador na residência de um cliente da empregadora e, ao descer as escadas, escorregou e caiu.
5- Desse evento resultou fractura bimaleolar do tornozelo esquerdo.
6- E em consequência de tal lesão, o A. ficou afectado dos seguintes períodos de incapacidade temporária:
- ITA de 31.12.2016 a 06.06.2017 e de 18.08.2017 a 13.09.2017 e de 07.10.2017 a 10.12.2017, no total de 250 dias;
- ITP 40% de 07.06.2017 a 04.07.2017 e de 11.12.2017 a 22.12.,2017,no total de 40 dias;
- ITP 30% de 07.06.2017 a 17.08.2017 e de 14.09.2017 a 06.10.2017 e de 23.12.2017 a 09.01.2018, no total de 85 dias.
7- Tendo sido dado como curado em 9/1/2018, com uma IPP de 12,3970% em consequência de dores e parestesias nos membros inferiores.
9- O A. já recebeu da R. seguradora a quantia de €6.652,62 a título de indemnização por incapacidade temporária.

IV – DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

Do cálculo da indemnização por incapacidade temporária superior a 30 dias

A questão a apreciar consiste em saber se o cálculo da indemnização devida pelos períodos de ITA e de ITP se encontra correctamente efectuado e se não ofende o estabelecido nos artigos 50.º e 71.º da NLAT.

No recurso ora em apreço à semelhança de outros a Recorrente/Apelante defende que «[a] sentença recorrida ao condenar a Ré in casu no pagamento da quantia 985,43 € correspondentes aos proporcionais de férias e Natal pelos períodos de ITA, quando a indemnização pelas ITs já foram pagas com base na retribuição mensal x 14 meses, não pode manter-se, por fazer uma errada interpretação do disposto nos arts. 50º e 71º da LAT .»

O acidente a que os autos se reportam ocorreu em 30 de Dezembro de 2016, aplicando-se por isso o Regime Jurídico de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais resultante da Lei n.º 98/2009, de 4/09 (doravante NLAT), que entrou em vigor em 1/01/2010.

Antes de mais importa salientar que este Tribunal da Relação de Guimarães, ultimamente tem sido chamado a apreciar esta questão, que tem sido objecto de decisão judicial, todas oriundas do mesmo tribunal de 1ª instância, designadamente nos seguintes acórdãos:

- 06-12-2018, proferido no processo n.º 399/16.7T8BGC.G1 (disponível em www.dgsi.pt), em que foi 1.ª Adjunta a ora Relatora;
- 07-02-2019, proferido no processo n.º 1223/16.6T8BGC.G1, em que foi 2ª a Adjunta a ora Relatora;
- 21-02- 2019, proferido no processo n.º 142/18.6T8BGC.G1 em que foi 2ª Adjunta a ora Relatora.
- 21-02-2019, proferido no processo n.º 1617/17.0T8BGC.G1 (disponível em www.dgsi.pt).
- 24-04-2019, proferido no processo n.º144/17.0T8BGC.G1, em fui 2ª Adjunta e votei vencida.
- 24-04-2019, proferido no processo n.º123/18.0T8BGC.G1 em fui 2ª Adjunta e votei vencida.

Em todas estas decisões não foi dada razão à recorrente, nelas se tendo defendido o seguinte entendimento:

No cálculo da indemnização por incapacidade temporária, a retribuição anual a atender é o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade; e, quando a incapacidade for superior a 30 dias, acrescem os valores correspondentes aos subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo da sua duração.

Contudo importa atentar que em sentido contrário também se tem pronunciado este Tribunal da Relação, dando assim razão à recorrente, designadamente no Acórdão de 04-04-2019, proferido no processo n.º 1662/15.5T8BGC.G1, do qual fui relatora.

Não vislumbrando qualquer razão para que se decida em moldes diferentes daqueles que constam do mencionado acórdão, passo a transcrever o que a este propósito aí se fez consignar.

“No que respeita às prestações por incapacidade temporária prescreve o artigo 48.º da NLAT epigrafado de “Prestações” o seguinte:

“1 - A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
(…)
3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
(…)
d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente;
e) Por incapacidade temporária parcial - indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
(…)”(negrito nosso).

No que respeita à base de cálculo da incapacidade temporária, esta resulta do estatuído no artigo 71.º da NLAT, epigrafado “Cálculo”, o qual estabelece o seguinte:

“1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 – (…).
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
(…)”

Por seu turno o artigo 72.º da NLAT com a epígrafe “Pagamento da indemnização, da pensão e da prestação suplementar” dispõe o seguinte:

“1 – A pensão anual por incapacidade permanente ou morte é paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual.
2 – Os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, são, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro.
3 – A indemnização por incapacidade temporária é paga mensalmente.
(…)”

No que respeita ao modo de fixação da pensão da incapacidade temporária e permanente estabelece o artigo 50.º da NLAT o seguinte:

“1 - A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.
2 - (…)
3 - Na incapacidade temporária superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 48.º”(negrito nosso).

Os citados artigos 72.º e 50.º da NLAT, reportam-se sem margem para qualquer dúvida não o modo de cálculo das prestações a que respeitam, mas sim ao seu modo de pagamento, já que modo de cálculo resulta exclusivamente dos artigos 48.º n.º 3 als. d) e e) e 71.º da NLAT, tal como já resultava do anterior regime designadamente da conjugação dos artigos 17.º n.º 1 als. e) e f), 26.º da Lei n.º 100/97, de 13/09 (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais - LAT).

Daí resultar que quer a LAT quer a NLAT distinguem claramente o modo de cálculo das pensões e indemnizações do seu modo de pagamento, assim o n.º 3 do art.º 50 da NLAT corresponde ao n.º 3 do 43.º do DL n.º 143/99, de 30/04 (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho - RLAT)., com a diferença da alteração de 15 para 30 dias, a qual nos parece estar directamente relacionado com o facto de o pagamento deixar de ser quinzenal, para passar a ser mensal (art.º 72.º da NLAT), mantendo assim o direito do sinistrado receber, em caso de incapacidade superior a 30 dias, a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal.

Tendo presente que a forma de cálculo das pensões e indemnizações resultantes de acidente de trabalho resulta expressamente do previsto nos artigos 48.º n.º 3 als. d) e e) e 71.º n.ºs 1 e 3 da NLAT e respeitando o artigo 50.º n.º 3 e 72.º da NLAT ao modo de pagamento de tal indemnização, a sua redacção não deve nem pode interferir com o modo de cálculo de tal indemnização, quando este tem por base a retribuição mensal vezes 12 vezes, acrescida de subsídios de férias e de Natal, já contemplando assim estas prestações.

Caso o legislador pretendesse acrescer tais subsídios ao valor da retribuição anual, que serve de referência ao cálculo e que já os contempla, então deveria de forma expressa tê-lo feito constar nas normas referentes ao cálculo de tal prestação, designadamente no art.º 71.º da NLAT ou nas als. e) e f) do n.º 3 do art. 48.º da NLAT, já que esta, como a legislação anterior, distingue claramente o modo de cálculo das pensões e indemnizações, do seu modo de pagamento, que não se podem confundir.

Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 11/09/2017, proc. n.º 10922/15.9T8VNG.P1 (relator Domingos Morais) ainda que a propósito do cálculo das incapacidades inferiores a 30 dias, mas com aplicabilidade à situação em apreço “…tratando-se como se trata, de direitos indisponíveis, não deve o intérprete deduzir, à contrário, aquilo que o legislador não expressou na lei”.

Assim de acordo com o que a propósito do cálculo da indemnização por incapacidade temporária se encontra prescrito na lei, designadamente nas al. d) e e) do art.º 48.º e n.º 1 e 3 do art.º 71.º da NLAT, a indemnização por incapacidade temporária é calculada com base na retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado à data do acidente, o que significa que considerando o padrão de dias anual – 365 – se obtém a retribuição diária dividindo a retribuição anual pelos 365 dias, realçando que no cálculo da retribuição anual a base do cálculo da parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal já ali se encontra contemplada.

Como se escreve a propósito dos reflexos dos proporcionais de subsídio de férias e de Natal na indemnização devida por incapacidade temporária no Acórdão da Relação de Lisboa de 7/02/2018, proc. n.º 9721/15.2T8STB.L1-4 (relatora Maria José Costa Pinto) “[a] recorrente alega também que a sentença valoriza duplamente os valores de subsídio de férias e de Natal, porquanto ao valor da remuneração anual que já inclui esses valores, soma-lhe o cálculo dos proporcionais.

De acordo com o artigo 71.º, n.º 1 da LAT, as pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade, são sempre calculadas com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado, que engloba a retribuição mensal vezes 12, acrescida dos subsídios de Natal e de férias, bem como outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

Considerando que na fórmula adoptada a base de cálculo da parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal já se acha ali contemplada - € 1.704,43 x 14 meses -, carece efectivamente de fundamento o referido cálculo autónomo, assistindo razão à recorrente”

Esta mesma posição foi também acolhida pelo Tribunal da Relação de Évora no Acórdão de 11/01/2017, proc. n.º 275/13.5TTSTR.E1(relator João Nunes), que passamos a transcrever.

2. Da indemnização devida a título de incapacidade temporária.

De acordo com o que se encontra prescrito na alínea d) do n.º 3 do artigo 48.º do compêndio legal em referência, a pensão por incapacidade temporária absoluta corresponde a uma indemnização diária de igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente.

E face ao que resulta do n.º 1, do artigo 71.º a indemnização por incapacidade temporária é calculada com base na retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado à data do acidente, o que significa que considerando o padrão de dias anual – 365 – deverá obter-se a retribuição diária dividindo a retribuição anual pelos 365 dias.


Assim, no caso em apreço, temos que a retribuição diária do sinistrado era de € 36,24 (€ 13.226,43 : 365).

Considerando tal retribuição diária de € 36,24, obtém-se a seguinte indemnização por ITA:

- € 36,24 x 70% x 365 dias = € 9.259,32
- € 36,24 x 75% x 113 dias (478 – 365) = € 3.071,34
Total = € 12.330,66 (€ 9.259,32 + € 3.071,34)

Anote-se que na fórmula adoptada, tendo em conta a retribuição anual, a base de cálculo da parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal já ali se encontra contemplada (neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 25-06-2015, Proc. n.º 257/07.6TTGRD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).”

Por fim, importa mencionar o Acórdão do STJ de 25-06-2015, Proc. n.º 257/07.6TTGRD.C1.S1, invocado pela Recorrente nas suas alegações de recurso, que apesar de ter sido proferido ao abrigo da Lei 100/97 de 13/09 (LAT), consideramos que a situação é equiparada à ora em apreço, pois apesar das diferenças de regime entre uma e outra lei no que respeita ao cálculo da indemnização devida por incapacidade temporária, neste aspecto a solução mantêm-se idêntica ou seja se no cálculo do valor da retribuição anual para efeitos de indemnização por incapacidade temporária estiverem incluídos o subsídio de Natal e de férias, estes não acresceram no cálculo quando estiver em causa o cálculo de incapacidade temporária superior a 30 dias, por carecer de fundamento legal para o efeito, daí que se tenha feito constar no sumário do referido Acórdão o seguinte:

“Constando na fórmula de cálculo adotada, o segmento «€1.100,00 x 14 meses», visto que cada um dos períodos de incapacidade temporária é superior a 15 dias, a base de cálculo da parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal já ali se encontra contemplada, pelo que carece de fundamento o cálculo adicional da parte proporcional das incapacidades temporárias superiores a 15 dias correspondente aos subsídios de férias e de Natal”

Em suma, sendo a indemnização por incapacidade temporária calculada com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado, nela se incluindo a retribuição mensal vezes 12, acrescida dos subsídios de férias e de Natal, bem como de outras prestações a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade, a base de cálculo da parte correspondente ao subsídios de férias e de Natal já ali se encontra contemplada, não existindo fundamento legal para proceder a um cálculo adicional para este efeito.”

Importa agora proceder ao cálculo da indemnização devida por incapacidade temporária, tendo presente que o sinistrado esteve 250 dias de ITA, 40 dias de ITP de 40% e 85 dias de ITP de 30%.

Considerando o período de ITA sofrido, que perfaz 250 dias, a este título é devido ao sinistrado a quantia de €5.705,47 assim calculada:

€11.900,00: 365 x 70% x 250 = €5.705,47.

Considerando os períodos de ITP de 40% e 30% sofridos, que perfazem respectivamente 40 e 85 dias, a este título é devido ao sinistrado a quantia global de €951,99 assim calculada:

€11.900,00 : 365 x 70% x 40% x 40 = €365,15;
€11,900,00:365 x 70% x 30% x 75 = €513,49;
€11,900,00:365 x 75% x 30% x 10 = €73,35.

É assim devido ao sinistrado a título de indemnização por incapacidade temporária a quantia global de €6.657,46 (€5.705,47 + €365,15 +€513,49 + €73,35). No entanto, porque a Recorrente já liquidou ao sinistrado a este título a quantia global de €6.652,62, apenas lhe é devida a este título a quantia de €4,84.

Procede parcialmente o recurso.

V -DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., revogando a sentença recorrida na parte em que considerou ser devida ao sinistrado «a quantia de €985,53 relativa a indemnização por incapacidade temporária em dívida», condenando-se a Recorrente a pagar ao Autor a este título, a quantia de €4,84.
No mais mantêm-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrido sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Guimarães, 9 de Maio de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga

Voto vencido

Voto vencida pelas seguintes razões constantes dos Acórdãos que, sobre idêntica questão, relatei, designadamente nos processos n.ºs 1223/16.6T8BGC.G1, 142/18.6T8BGC.G1 e 1617-17.0T8BGC.G1.

Com efeito, o disposto no n.º 3 do art. 50.º do regime de reparação de acidentes de trabalho, pela sua clareza, não admite outro sentido que não o de que o legislador quis distinguir os casos de incapacidade temporária superior a 30 dias relativamente aos de incapacidade temporária até 30 dias, pelo que, fazer tábua rasa da existência com natureza imperativa da citada norma, com o pretexto de se tratar de lapso do legislador (não demonstrado, uma vez que, além do mais, a substituição da referência a 15 dias, constante da lei anterior, pela actual referência a 30 dias, evidencia que houve deliberada ponderação na manutenção do preceito), equivaleria a uma inadmissível correcção da actividade daquele.

Alda Martins


1 - Os últimos 10 dias de incapacidade temporária excedem o período de 12 meses, pelo que o cálculo deve ser feito com base em 75% da retribuição.