Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
901/17.7T8VRL.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Apontando ou indiciando os factos provados um outro motivo de responsabilização do banco, para além da decorrente da omissão da obrigação de informar, consistente no facto do mesmo ter assegurado um determinado resultado — o reembolso do capital, na data em que o cliente o solicitasse, e respectivos juros contratualizados – há que sobre ele fazer recair uma responsabilidade directa.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

O Autor A. C., com domicílio no lugar …, …, da União das freguesias de … e ..., concelho de ..., intentou a acção de processo comum contra o BANCO ... S.A., NIPC ………, sito na Avenida …, n.º …, rés-do-chão, ..., peticionando:
A) Condenar-se a Ré a pagar (restituir) ao Autor a importância de € 50.000,00, acrescida de juros remuneratórios garantidos com uma rentabilidade anual de 1,5%, desde 09.11.2015 até 09.05.2016, que se cifram na importância global de € 1.123,97, bem como juros de mora à taxa legal desde a data de citação até integral reembolso do capital e juros;

Ou, subsidiariamente,
B) Ser declarado, e ser a Ré condenada a reconhecer, a ineficácia em relação ao Autor da aquisição da obrigação denominada YRM2 - Y 2006, melhor identificada nos arts. 5.º a 7.º da presente petição inicial;
C) Condenar-se a Ré a pagar (restituir) ao Autor a importância de € 50.000,00, acrescida de juros remuneratórios garantidos com uma rentabilidade anual de 1,5%, desde 09.11.2015 até 09.05.2016, que se cifram na importância global de € 1.123,97, bem como juros de mora à taxa legal desde a data de citação até integral reembolso do capital e juros;

E, sempre,
D. Condenar-se a Ré a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a importância de € 3.000,00;

Alega, sinteticamente, que:
(i) O Autor era cliente do BANCO ..., agência de ..., com a conta à ordem n.º .............01, onde deposita e movimentava dinheiro, constitua poupanças e efectuava pagamentos;
(ii) Em 18 de Abril de 2006, o Autor subscreveu um “boletim de subscrição” de 1 (uma) obrigação no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com a designação X - Y 2006;
(iii) O Autor desconhecia em absoluto a natureza e extensão da denominada obrigação YRM2 - Y 2006 de que figura como titular;
(iv) O Autor estava convicto que nessa altura havia efectuado uma aplicação do capital de € 50.000,00 cuja liquidez estava assegurada com retorno garantido do capital e juros pelo Banco ...;
(v) Em 18 de Abril de 2006 o gerente do BANCO ... da agência de ... disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido por essa instituição e rentabilidade assegurada, assegurando que tal aplicação tinha uma rendibilidade semestral garantida, nos termos constantes do antecedente art.º 3º, e que, sendo uma aplicação do grupo BANCO ..., estava garantido o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco;
(vi) Não ignorava o dito funcionário que Autor não possuía conhecimentos, formação e qualificação técnica, ou sequer experiência adquirida, que lhe permitisse conhecer e diferenciar os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente;
(vii) No entanto em tempo algum informou o Autor que estava perante uma operação não adequada ao seu perfil;
(viii) O pagamento tempestivo de juros operado manteve-se até ao semestre terminado em 8 de Outubro de 2015;
(ix) Além desses juros a Ré Banco ... não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros nem reembolso do capital;
(x) Caso o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações Y 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BANCO ..., não o autorizaria.
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O Réu BANCO ... S.A. apresentou contestação, arguindo as excepções de incompetência territorial e de prescrição, impugnando as alegações do Autor com referência ao não conhecimento das condições da obrigação subscrita.
Concluiu, propugnando a procedência da excepção de incompetência territorial e a improcedência da acção.
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Proferiu-se saneador-sentença, o qual julgou improcedente a excepção de incompetência territorial e a acção.
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O autor deduziu recurso, vindo a ser proferido pelo Tribunal desta Relação de Guimarães, a 12.4.2018, acórdão que revogou a decisão e determinou o prosseguimento dos autos por forma a fazer prosseguir a acção, ainda que com convite ao aperfeiçoamento quanto ao dano e nexo causal genericamente alegados.
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Pelo tribunal a quo veio a ser proferida posteriormente decisão que julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu do pedido.
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De novo interposto recurso para este tribunal, por acórdão de 14.3.2019, foi julgada procedente a impugnação da matéria de facto, condenando-se o Réu a pagar ao A o capital de 50.000,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento, no mais se tendo absolvido o Réu do pedido.
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Desta vez, por inconformado o R., veio este interpor recurso de revista para o STJ que revogou a decisão recorrida na parte em que esta afirma ter havido omissão do dever de informação por parte do intermediário financeiro, absolvendo-se o Réu do pedido, nessa parte, e determinando a ampliação da matéria de facto conexa com a afirmada "garantia" do pagamento das obrigações Y por parte do BANCO ..., por forma a, após, ser aplicado o direito aos factos provados, baixando, por isso, os autos à 1.ª instância.
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Na 1.ª instância, realizada a audiência final, foi posteriormente proferida sentença que voltou a julgar a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu o Réu BANCO ... S.A. do pedido.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio, de novo, o A. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

I. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A. Razão de fundo de discordância do recorrente.

. Através da presente cação invocava o autor/recorrente que o Banco ..., actual Banco ..., S.A, o determinou em 10.04.2006 a aplicar € 50.000,00 numa uma aplicação em tudo idêntica a um depósito a prazo, sem riscos, com reembolso de capital e juros assegurado (garantido) pelo Banco ..., e que podia movimentar o capital quando quisesse, desde que avisasse o Banco ... com três dias de antecedência;
. Confiando em tal informação, o autor fez uma aplicação de €50.000,00, convicto de que o Banco ... lhe restituiria o capital e os juros, à data do seu vencimento ou quando o solicitasse, o que não veio a suceder;
. O capital que investiu acabou por ser colocado pelo Réu numa obrigação Y 2006, sendo certo que se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações Y 2006 e que o capital não era garantido pelo Banco ..., não a autorizaria;

B. Questão Prévia - Nulidade da sentença

. Por douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14.03.2019, (ref.ª citius 6304498) foi definitivamente fixada a matéria de facto em mérito nos presentes autos (pontos 1. a 15.);
. O douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que alterou e fixou a matéria de facto proferida em primeira instância, condenou a Réu a pagar ao A. o capital de 50.000,00, ao qual acrescem os juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se o Réu do demais peticionado;
. Interposto recurso pela Ré para o Supremo Tribunal de Justiça veio a ser proferido douto acórdão, com data de 11 de julho de 2019 (ref.ª citius 8736381) que revogou o acórdão na parte em que afirmou “ter havido omissão do dever de informação, por parte do intermediário financeiro” e determinou que se ampliasse a matéria de facto “conexa com a afirmada “garantia” do pagamento das obrigações Y por parte do Banco ..., após o que, deve ser aplicado aos factos provados, devendo o processo baixar ao tribunal recorrido”;
. Ou seja, entendeu o STJ que “os factos provados parecem apontar (ou indicar) um outro motivo de responsabilização do banco: o de o mesmo ter assegurado um determinado resultado - o reembolso do capital, na data em que o cliente o solicitasse, e respetivos juros contratualizados.- fls 18 do douto acórdão do STJ.

Sucede que,
. O M.º Juiz “a quo” suprimiu e deu como não provada matéria que estava definitivamente assente, senão vejamos: (i) Quanto aos factos provados suprimiu a factualidade vertida sob o ponto 4. que tinha o seguinte teor: “No circunstancialismo referenciado em 2), o gerente do Banco ... da agência de ... informou que estava garantido o reembolso do capital e juros.”; (ii)Quanto aos factos não provados considerou “não provada” a matéria de facto, no que a esta parte releva, que havia sido dada como provada pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães sob os pontos 9, 10, 11, 12, 13 e 14;
9º.O M.º Juiz “a quo” ao dar como não prova da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da Relação de Guimarães pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento.

Ora,
10º. Nos termos do preceituado na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
11º. Em súmula: A sentença em mérito é nula, e como tal deve ser declarada com todas as legais consequências

Sem conceder,
12º. Decorrente da invocada nulidade da sentença cremos que assente a matéria factual dada como provada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, e atento o douto acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça, cumpre tão só apreciar “o teor e o sentido da garantia de pagamento das obrigações Y por parte do BANCO ...”.
13º. Assente a factualidade dada como provada sob os pontos 1º a 15º do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, anteriormente enunciada, a única questão que resta apreciar na sentença em mérito seria a seguinte matéria de facto dada como não provada sob o ponto 8.: “No circunstancialismo referenciado em 2), o gerente do Banco ... da agência de ... disse ao Autor que o banco procederia ao reembolso do capital e juros com referência à sobredita obrigação.;

Razão de discordância do recorrente.
14º. A acção foi julgada totalmente improcedente, decorrente do facto de o Tribunal se ter limitado, no essencial, a dar como provado que o autor em 18 de Abril de 2006, na agência do Banco ... sita em ..., o Autor subscreveu um “boletim de subscrição” de 1 (uma) obrigação no valor nominal de 50.000,00 (cinquentamil euros), com a designação X - Y 2006, que se encontra depositada em seu nome no Banco ..., S.A.
15º. Reconheceu o Tribunal “a quo” que as declarações prestadas pelas “…testemunhas R. F. (gerente da agência do Banco ... de ... à data dos factos) e E. F. (funcionária da predita agência), num primeiro plano de análise, efetivaram declarações eivadas de razão de ciência e sustentabilidade objetiva com referência ao quadro subjacente àvenda pelo Banco ... das obrigações emitidas pela Y, referenciando que as mesmas eram expostas como um investimento seguro, com uma rentabilidade garantida equivalente à dos depósitos a prazo, o que o que se antolhou linearmente plausível, sendo circunstância de conhecimento geral que os funcionários do Banco ..., no âmbito de um diktat hierárquico-organizacional, comercializavam as anteditas obrigações com o referenciado “verniz cativante. negrito e sublinhado de nossa autoria
16º. Para o Tribunal o facto dos funcionários do Banco ..., cuja depoimento quanto à clareza, espontaneidade e prontidão não mereceu qualquer reparo, terem assegurado ao autor (investidor não qualificado) que as obrigações em mérito eram (i) um investimento seguro, (ii) e com rentabilidade equivalente aos depósitos a prazo mais não era de que um natural “verniz cativante”.
17º. Discorda o autor/recorrente, frontalmente, com a lisonjeira brandura absolutamente descabida e branqueadora do dever de boa fé, de diligência, de lealdade, de informação a que os serviços de intermediação financeira estão obrigados, como ao diante se irá demonstrar. - cfr. artigos 30º, 304º e 312º e ss CVM
18º. Essa afirmação é absolutamente distorcida e contrário às declarações da testemunha R. F., bem como da funcionária E. F., que ao longo do seu depoimento por diversas e insistentes vezes referiram que as ordens superiores do Banco ... era para venderem as obrigações em mérito como depósitos a prazo, sem qualquer risco e com garantia de restituição do capital pelo Banco ..., sendo precisamente dessaforma que aconselharam a sua subscrição ao autor e a todos os outros clientes;
19º. E mais. A testemunha R. F. pouco sabia acerca do que era uma “obrigação” muito menos uma “obrigação subordinada”, nunca tendo explicado isso a qualquer cliente - incluído o autor/recorrente – e a testemunha E. F. nem sequer sabia o que era uma “obrigação”. Tudo era feito na base da confiança, ou seja, como se de um depósito a prazo com garantia de reembolso assegurada pelo Banco ....
20º. Nada disto foi devidamente apreciado na douta sentença em mérito, sendo certo que a “obrigação” em mérito não era um produto semelhante a um depósito a prazo nem o Banco ..., enquanto intermediário financeiro, garantia o reembolso do capital;
21º. Finalmente, o Tribunal permitiu-se extrair do depoimento da testemunha J. C., quando ao facto de ter admitido que o autor/recorrente foi funcionário do Banco BPI, que ele inexoravelmente tinha “…experiência profissional de dezenas de anos no mesmo, tinha a cristalina consciência da subscrição de uma estrita obrigação emitida pela Y e comercializada pelo Banco ...”, o que não é lícito inferir uma vez que não foi dado como provado tal facto; - art.º 351º do Código Civil e art.º 608º, n.º 2 do CPC;
22º. Resulta, isso sim, que o autor/recorrente era avesso a qualquer aplicação que não fosse aplicação a prazo (depósitos a prazo), nunca dado a investimentos especulativos em que o retorno/reembolso do capital não fosse efetivamente garantido;

Com efeito,
23º. Resulta do depoimento da testemunha R. F. que foi gerente da agência do Banco ... de ..., de 2000 a 2008, que, embora não o pudesse assegurar com certeza absoluta, dado o período temporal de corrido (mais de 12 anos), admitiu como muito provável que tenha sido ele quem terá intervindo diretamente na celebração do negócio em causa (subscrição de obrigações), uma vez que habitualmente era ele quem atendia o autor/recorrente;
24º. Esta testemunha, bem como a testemunha E. F. (funcionária da agência do Banco ... na altura), relataram que, na referida agência, os funcionários apresentavam e contratavam o produto transacionado com o autor/recorrente, como sendo um produto equivalente a um depósito a prazo, com reembolso de capital e juros assegurado/garantido pelo Banco ..., nunca como se tratando de uma “obrigação”, mas tão só “igual a um depósito a prazo“;
25º. Tudo como se tratasse de um depósito a prazo normal sem qualquer risco, cujo reembolso do capital e juros era assegurado pelo Banco ....
26º. Não explicavam aos clientes o que era uma “obrigação”, muito menos uma “obrigação subordinada”, sendo que a testemunha E. F. confessou que não sabia sequer o que era uma obrigação, sendo que tal postura decorria das orientações superiores internas e nunca explicaram o conteúdo da Nota Informativa a qualquer cliente, que afirmaram desconhecer;
27º. Ambas as testemunhas coincidiram na afirmação de que o autor/recorrente era um investidor tradicional de depósitos a prazo, com um perfil conservador, avesso ao risco, não dado a aplicações sujeitas a avaliação de mercado ou de bolsa;
28º. Conforme resulta dos factos provados, fixados pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o A. não tinha a consciência de estar a subscrever a obrigação X-Y; efetivou a predita subscrição com a convicção de que de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo; Se o A. soubesse do tipo e características da aplicação que em concreto se encontrava a subscrever não aceitaria fazê-lo;
29º. A testemunha E. F. afirmou que a prática da agência era, tal como o viria a fazer a testemunha R. F., que se as pessoas quisessem ser reembolsadas e/ou mobilizar o dinheiro que aplicavam, antes de terminado o prazo de 10 anos, bastaria avisarem a agência comalgunsdiasdeantecedência. “É chegar e pedir” referiu o R. F.. “Avisa-nos com uns dias de antecedência que o dinheiro fica à ordem, fica disponível” corroborou a E. F.;
30º. A testemunha J. C., amigo de longa data do autor/recorrente, conselheiros um do outro, relatou que ambos costumavam discutir a aplicação de capital, sempre de forma segura e em depósitos a prazo, procurando sempre a melhor remuneração. Sempre com toda a segurança “Em vez de o ter em casa, tínhamos no Banco, que era mais seguro” e aplicaram as poupanças no Banco ... “porque dava mais algum”.
31º. Confirmou que também subscreveu uma “obrigação” de € 50.000,00 que era“dinheiro como se fosse a prazo e davam a garantia, que nos pagavam na hora, tudo isso”, desconhecendo que era uma obrigação, doquenuncafoiesclarecido, mas como sendo um depósito a prazo.
32º. Referida a razão de ciência das testemunhas inquiridas e a essência das suas declarações, merecem credibilidade, até porque nenhuma outra prova se produziu que pudesse pôr tais declarações, na sua essência, seriamente em crise;

B. Factos que se consideram incorretamente julgados.
33º. Assente a factualidade dada como provada sob os pontos 1º a 15º do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a única questão que resta apreciar na sentença em mérito seria a seguinte matéria de facto dada como não provada sob o ponto 8., a saber:
No circunstancialismo referenciado em 2), o gerente do Banco ... da agência de ... disse ao Autor que o banco procederia ao reembolso do capital e juros com referência à sobredita obrigação.
34º. O autor/recorrente entende que o Tribunal deveria ter considerado provado o facto constante do ponto 8. dos factos não provados, com a seguinte redacção, decorrente da factualidade vertida nos art.ºs 11º, 12º, 13º e 14º da petição inicial e da prova produzida:
No circunstancialismo referenciado em 2), um funcionário do Banco ... da agência de ... disse ao Autor que o banco garantia o reembolso do capital e juros com referência à sobredita obrigação, em tudo idêntica a um depósito a prazo, na data em que o autor o solicitasse.

C. Concretos meios de probatórios que impunham decisão diversa.
35º. A consideração dos depoimentos prestados pelas testemunhas, comuns a autor e ré, R. F. da Fonseca (gravado no sistema de gravação digital integradodo Tribunal “aquo” comaduraçãode002:01"a31:16", naspassagens da gravação a 04:16 a 04:36; 04:52 a 05:11; 06:33 a 06:43; 06:56 a 07:04; 08:07 a 08:33; 08:43 a 09:21; 08.51; 0857; 09:02 a 09:08; 09:11 a 09:21; 10:29; 13:07 a 1:12; 14:51 a 15:00; 16:10 a 16:14; 17:12 a 17:51) e E. F. (gravado no sistema de gravação digital integrado do Tribunal“a quo”coma duração de00":01"a17":55",naspassagensdagravação a 0126; 01:32 a 01:42; 01:50 a 01:54; 02:20 a 02:41; 03:19; 03:48 a 03:57; 04:22 a 04:29; 05:34; 05.50; 06:18; 06:21; 08:19; 08:23; 08:32; 08:33; 11:33), transcritos na presente peça processual, foram prestados de forma espontânea e transparente, não foram contrariados por qualquer outra prova, sendo bastantes para dar como provada a factualidade constante do pontos 8., com a redação nesta sede fixada;
36º. No essencial pode retirar-se desses depoimentos que em 10-04-2006, um funcionário do Banco ..., da agência de ..., disse ao autor/recorrente, que tinha uma aplicação no Banco ..., em tudo idêntica a um depósito a prazo, com o reembolso do capital e juros assegurado/ garantido por essa instituição, em que podia levantar o capital quando assim o entendesse, bastando que, para tanto, avisasse a agência com alguns dias de antecedência, e que confiando nessas informações, o autor aceitou aplicar então € 50.000,00, a um prazo de 10 anos, limitando-se a assinar, sem qualquer outra explicação, o boletim de subscrição,empapeltimbrado Dobanco ...,previamente preenchidopelo funcionário do Banco ...;
37º. Face à informação que lhe foi dada e à confiança que nela depositou, o autor julgou estar a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, sem risco, com as características de um depósito a prazo, garantido pelo Banco ..., e que este lhe assegurava a restituição do capital, à data do seu vencimento ou quando lho solicitasse;
38º. Em momento algum foi o A. esclarecido/advertido de qualquer condição contrária ao seu convencimento e nunca foi intenção do autor investir em produtos de risco, o que era do conhecimento da Ré;
39º. Caso o A. tivesse percebido que o capital não era garantido pelo Banco ..., não teria feito tal aplicação, sendo que o capital em causa foi aplicado numa obrigação no valor nominal de € 50.000,00, com a designação YRM2 – Y 2006, depositada em nome do autor, no Ré, tratando-se de uma obrigação subordinada, ao portador, sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00, com data de liquidação financeira de 08-05-2006, com o prazo de emissão a 10 anos;
40º. Por outro lado os depoimentos das testemunhas J. C. (gravado no sistema de gravação digital integrado do Tribunal “a quo” com a duração de 00":01" a 09":56", nas passagens da gravação 01:50 a 02:00; 02:12 a 02:30) e das declarações de parte do autor A. C. (gravado no sistema de gravação digital integrado do Tribunal “a quo” com a duração de 00":01" a24”:29", naspassagensgravadasa01:42 a01:43; 01:52a01:59;02:52 a 03:12; 03:20 a 03:28; 04:32 a 04:47; 05:32 a 05:36; 06:00 a 06:36; 07:18 a 08:27; 08:29 a 08:31; 09:46 a 09:52; 11:21 a 11:43 12:03 a 12:06; 14:18 a 14:45; 15:30 a 15:52) habilitam este Tribunal a dar como provada a factualidade constante no ponto 8. dos factos não provados, com a redação supra pugnada;

D. Decisão que deve ser proferida pela Relação sobre os pontos de facto
41º. Conforme o anteriormente vertido, ao invés do que decidiu o Tribunal “a quo”, com salvaguarda da nulidade arguida, deve ser considerado provado o facto constante do ponto 8. dos factos não provados, com a seguinte redacção:
No circunstancialismo referenciado em 2), um funcionário do Banco ... da agência de ... disse ao Autor que o banco garantia o reembolso do capital e juros com referência à sobredita obrigação, em tudo idêntica a um depósito a prazo, na data em que o autor o solicitasse.

II. Fundamentação de direito
42º. As questões a apreciar são essencialmente as seguintes: a) O direito do A. a ser pago/reembolsado pelo R., da quantia peticionada; b) A prescrição/caducidade dos direitos do A.
a) Quanto ao direito de reembolso do autor
43º. São actividades de intermediação financeira, nomeadamente, os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros, pelo que a intervenção do Banco ..., a que dizem respeito os presentes autos, reconduz-se a um serviço de intermediação financeira, tendo o referido Banco ... celebrado um contrato de intermediação financeira com o A.
44º. O Banco ..., na qualidade de intermediário financeiro, tinha deveres gerais para com o A., designadamente, deveres de atuar segundo ditames de boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, e deveres específicos, dos quais se destacam o dever de informação, de modo a que o A. pudesse tomar uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada, como decorria, e decorre, do disposto nos art.ºs. 304º e 312º, do CVM.
45º. No caso dosautos,se acaso o Banco ... nãotivesseefetivamente pretendido garantir ao A., o reembolso docapital aplicado por este(como defendeoR.), teriaviolado os deveres de boa fé, de lealdade e de informação, a que estava vinculado perante o A., na medida em que, o aconselhou a fazer uma aplicação financeira, informando-o de que, se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo e de que o Banco ... lhe garantia o capital, quando a aplicação financeira em causa não é semelhante a um depósito a prazo e o Banco ..., enquanto intermediário financeiro, não garantia o reembolso do capital.
46º. Agindo de boa fé, de forma leal, o Banco ... teria que ter dito ao A. que, o produto que o aconselhou a subscrever eram obrigações subordinadas (e explicar-lhe que tipo de produto é este, nomeadamente em termos de risco), e não algo semelhante a um depósito a prazo; e nunca lhe teria dito que garantia o capital, se efetivamente não pretendia garanti-lo;
47º. É que, contratar com esta garantia ou sem ela é algo bem distinto para quem, como o A, fez a aplicação financeira em questão, e foi por disso estar o Banco ... bem ciente, que dava essa informação aos clientes, precisamente para com ela, com esse “argumento”, os levar a fazer a aplicação financeira em questão;
48º. Em consequência da violação daqueles deveres que impendiam sobre o Banco ..., este estaria obrigado a indemnizar o A. pelos danos que lhe causou com a violação de tais deveres, ou seja, estaria obrigado a reembolsá-lo do capital que aplicou, nos termos do então art.º 314º e atual art.º 304º-A, do CVM;
49º.E se sobre o Banco ... impende tal obrigação com fundamento em responsabilidade pré-contratual, cremos que a mesma também tem fundamento contratual;
50º.É que, antes ou aquando da aplicação financeira que o A. efetuou, e em ordem a que o A. a fizesse, o Banco ... informou-o de que o capital estava garantido pelo Banco ...;
51º.Cremos que, um declaratário normal, colocado na posição do A., teria deduzido, da declaração do Banco ... que, o Banco ... garantia contratualmente ao A. o reembolso do capital por este aplicado (sendo o que foi entendido pelo A., e o que os funcionários do Banco ... inquiridos e que contratavam em representação do Banco ..., quiseram dar a entender) – art.º 236º, n º 1, do Código Civil.
52º.Trata-se deumcompromisso contratualque o banco ...assumiu perante oA., quanto ao pagamento do capital que este aplicou, que ficou assim legalmente obrigado a honrar, comodecorre,nomeadamente,dodisposto noart.º 406º, nº 1,do C.C.;
53º.Foi no âmbito de um relacionamento geral de confiança existente entre o A. e o Banco ..., e, em particular, na confiança que o A. pôs na informação de capital garantido que o Banco ... lhe deu, que o A. deu o seu acordo à aplicação que lhe foi sugerida, havendo assim um nexo causal entre a informação/garantia prestada e a aplicação efetuada;
54º. E assim sendo, com fundamento, por um lado, em responsabilidade pré-contratual, e, por outro lado, em responsabilidade contratual, o Banco ... constituiu-se na obrigação de reembolsar o A. do capital que este aplicou e dos juros vencidos desde a data de citação até integral pagamento;

b) Quanto à prescrição
55º. O início do prazo de prescrição ocorre na data em que o A. terá ficado a saber que afinal não fizera uma aplicação num produto semelhante a um depósito a prazo e que o Banco ... não garantia o reembolso do capital aplicada;
56º. E não se sabe quando tal ocorreu, e muito menos que tal haja ocorrido 2 anos antes da citação do R. para a presente acção;
57º. Era sobre o R., porque estamos perante uma excepção, que impendia o ónus de alegação e prova dos pressupostos da prescrição invocada, ónus que entendemos nãoter observado, pelo que, a invocada exceção de prescrição terá de ser julgada improcedente;
58º. Acresce dizer-se que, o referido prazo de prescrição de 2 anos, só tem aplicação caso não haja dolo ou culpa grave do intermediário financeiro;
59º. E cremos que, o Banco ... actuou, ao menos, com culpa grave, o que conduz à inaplicabilidade do prazo de prescrição em causa;
60º. Na verdade, o grau de diligência que é exigível ao intermediário financeiro é o consagrado no art.º 304º, n º 2, do CVM, que consagra que, nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência;
61º.Ora, no caso dos autos, o Banco ... não só inobservou os deveres de informação que sobre ele impendiam, como informou erroneamente o A., dizendo-lhe que a aplicação em questão era semelhante a um simples depósito a prazo, o que não era verdade, e que o Banco ... assegurava/garantia ao A. o reembolso do capital aplicado (o que, no dizer do agora Banco ..., também não seria verdade);
62º. Actuou, assim, em nosso entendimento, ao menos com culpa grave e, assim sendo, ficaria afastada a aplicação do prazo de prescrição consagrado no art.º 324º, n º 2, do CVM;
63º.Seríamos assim remetidos para o prazo de 20 anos consagrado no art.º 309.º, do C.C., prazo este que ainda não decorreu;
64º. E ainda que houvesse responsabilidade contratual e extracontratual, o regime da responsabilidade contratual, como vem sendo entendimento dominante, consome o da responsabilidade extracontratual (a título de exemplo, veja-se neste sentido, os Ac. da RL de 24-09-2015 e da RG de 12-01-2017, ambos em www.dgsi.pt), pelo que, não poderia considerar-se prescrito o direito do A., com fundamento no disposto no art.º 498º, do C.C.
65º. Impõe-se, pois, julgar improcedente a exceção de prescrição.
66º. Pelo exposto, deve, por via do presente recurso, julgar-se parcialmente procedente a presente acção, instaurada pelo autor A. C. contra o réu "Banco ... - Banco ..., SA" e, em consequência, condenar o réu:
a)No pagamento ao autor da quantia (capital) de € 50.000,00(cinquentamil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 24 de maio de 2017 até efectivo e integral pagamento;
b)Tudo com custas a cargo do Réu.
67.º Ao não decidir no sentido pugnado a douta sentença terá feito incorrecta análise critica das provas, relevando ilações de forma indevida e desconsiderando a prova testemunhal efetivamente produzida, concatenada com a prova documental constante dos autos, em clara violação do preceituado no art.º 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC e, consequentemente, resultaram violados, por manifesto erro de interpretação e aplicação, o preceituado nos art.ºs 227º, 236º, n.º 1, 405º, 406º, n.º 1, 487º, n.º 2, 798º e 799º, todos do Código Civil; art.ºs 7º, 304º, 312º, 314º, n.º 1 e atual 304-A, todos do CVM.
Termos em que, deve revogar-se a douta sentença recorrida, decidindo-se no sentido pugnado, permitindo que assim se faça, Justiça.
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O Réu apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a nulidade arguida, a reapreciação da matéria factual ampliada e subsequente aplicação do direito.
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Fundamentação de facto

Factos dados como provados

1. O Autor era cliente do Banco ..., agência de ..., com a conta à ordem n.º .............01, onde deposita e movimentava dinheiro, constitua poupanças e efectuava pagamentos.
2. Em 18 de Abril de 2006, na agência do Banco ... sita em ..., o Autor subscreveu um “boletim de subscrição” de 1 (uma) obrigação no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com a designação X - Y 2006, que se encontra depositada em seu nome no Banco ..., S.A..
3. O boletim de subscrição referenciado em 2) consigna, designadamente, que:
a) O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 9 de Maio de 2016;
b) Juros pagos semestral e postecipadamente às seguintes taxas: 1º (primeiro) semestre à taxa nominal bruta 4,5%, a que correspondia uma Taxa Anual Efetiva e Líquida de 3,632%); 9 (nove) cupões seguintes à taxa Euribor 6 meses acrescida de 1,15%; Restantes semestres à taxa Euribor 6 meses acrescida de 1,50%.
4. Pela ap. 4893/2012.06.25, afigura-se registada a fusão entre o Banco ... de Negócios S.A., como sociedade incorporante, e o Banco ..., S.A., como sociedade incorporada.
5. Após o indicado em 4), a conta mencionada em 1) passou a corresponder no Banco ... o número de identificação bancário .............49.
6. Os juros descritos em 3) foram pagos ao Autor até outubro de 2015.
7. No ano de 2017, o Autor apresentou uma “reclamação” junto do Réu, consignando:
“1. O reclamante é titular da conta a que corresponde o NIB n.º .............49, na agência da ...;
2. No ano de 2006 o reclamante adquiriu uma obrigação no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com a designação YRM2 - Y 2006, que se encontra depositada em seu nome nesta instituição;
3. O produto foi-me vendido ao balcão pelo gerente à data “R. F.” como sendo um produto com capital garantido;
4. Até à presente data continuo à espera da sua liquidação e para além de não estar a receber os respetivos juros ainda não fui ressarcido do capital;
5. Solicito a regularização urgente desta situação, sob pena de recurso imediato à via judicial.”
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E como factos não provados

8. No circunstancialismo referenciado em 2), o gerente do Banco ... da agência de ... disse ao Autor que o banco procederia ao reembolso do capital e juros com referência à sobredita obrigação.
9. No circunstancialismo mencionado em 2), o Autor tinha a convicção de que havia efectuado uma aplicação de 50.000,00€ e que o Banco ... lhe restituiria o capital e juros à data do seu vencimento, o que era do conhecimento do gerente e funcionários da Ré.
10. No circunstancialismo indicado em 2), o Autor tinha a convicção de que o Banco ... colocaria na sua conta a quantia aplicada assim que o solicitasse.
11. No circunstancialismo citado em 2), o Autor não tinha a intenção de subscrever a obrigação X -Y 2006.
12. O Autor efectivou a predita subscrição com a convicção de que de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo.
13. No circunstancialismo referido em 2), se o Autor soubesse que estava a dar ordem de compra de obrigações Y 2006, não o autorizaria, o que era do conhecimento do gerente e funcionários da Ré.
14. No circunstancialismo referenciado em 2), o gerente e os funcionários do Banco ... não informaram o Autor que a entidade emitente da sobredita obrigação era a Y.
15. O descrito em 8) a 14) tem provocado ao Autor transtorno de ansiedade, tristeza, apresentando-se em estado de “stress” e sem alegria de viver.
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Fundamentação jurídica

Começando pela nulidade arguida há que ter em conta que os vícios determinantes de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) — als. a) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
Tais nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito.
Assim, as nulidades da sentença são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, configurando, no fundo, uma violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, segundo o qual “o[O] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
No que especificamente tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões não abrangidas pelo objeto do litígio.
Como se afere das considerações supra expostas, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a omissão ou excesso de pronúncia enquanto causas de nulidade da sentença têm por objeto questões a decidir na sentença, e não propriamente factos.
No caso concreto, o A./Recorrente entende verificar-se o apontado vício da nulidade insanável por excesso de pronúncia por o tribunal a quo ter dado como não provados os factos que tinham já sido dados como provados por este tribunal e que não foram alvo da ampliação determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Na verdade, este tribunal, perante a prova produzida, considerou ser de reformular a redacção dada ao ponto 4, por forma a dele constar que “n[N]o circunstancialismo referenciado em 2), o gerente do Banco ... da agência de ... informou que estava garantido o reembolso do capital e juros”, dando como provada a factualidade constante dos pontos 9, 10, 12 e 14, elencada nos factos dados como não provados.
De igual forma, alterou-se a resposta dada à factualidade vertida nos pontos 11, 13 e 15 ainda que em parte, por forma a dar como provada a factualidade em causa com a seguinte redacção:
11- No circunstancialismo mencionado em 2), o A. não tinha a consciência de estar a subscrever a obrigação X-Y.
13- Igualmente no circunstancialismo referido em 2), se o A. soubesse do tipo e características da aplicação que em concreto se encontrava a subscrever não aceitaria fazê-lo.
15. O Autor passou a apresentar sintomas de ansiedade, tendo alterado o seu comportamento.
Assim, perante o objecto do litígio, temas de prova enunciados e factos dados como provados, este tribunal, considerando, em suma, que o R, na qualidade de intermediário financeiro violou o seu dever de informação para com o cliente, julgou a acção parcialmente procedente, condenando, em consequência, o R. a pagar ao A. o capital de 50.000,00€ e os respectivos juros, desde a citação até efectivo pagamento, no mais absolvendo o R. do pedido.
No entanto, também em suma, o STJ concluiu que, no caso sub judice, a matéria de facto provada não permitia imputar ao Banco réu qualquer violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação, daí ter revogado a decisão recorrida na parte em que esta afirma ter havido omissão do dever de informação por parte do intermediário financeiro, absolvendo-se a Ré do pedido nessa parte.
Contudo, referiu que “os factos provados parecem apontar (ou indiciar) um outro motivo de responsabilização do banco: o de o mesmo ter assegurado um determinado resultado — o reembolso do capital, na data em que o cliente o solicitasse, e respectivos juros contratualizados.
Considerou, no entanto, que os factos provados não permitiam concluir nesse sentido, pelo que se teria de apurar, para além da convicção do A. constante do facto 9, a razão porque a formou, em termos de saber quem responderia pelo reembolso, determinando, assim, com base no disposto no art. 682.0, n.o 3 do CPC, a baixa dos autos para se apurarem, se possível, factos que explicitem o sentido da garantia indicado, por forma a, posteriormente, se julgar a causa de direito.
Como tal, apenas competia ao tribunal a quo decidir, mediante a prova indicada e produzida pelas partes, sobre a matéria da ampliação e, quando muito, concatená-la com os outros pontos de facto com o fim de evitar contradições.
Aliás, como decorre do disposto no art. 662.º, n.º 3, al. c), do Cód. Proc. Civil, no caso de se ter determinado a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo, no entanto, da apreciação de outros pontos de facto com o fim de evitar contradições.
Fazendo o devido paralelismo com a situação dos autos, o mesmo se deveria verificar quanto ao decidido pelo STJ nos casos restritos relativos à apreciação/alteração da matéria de facto, nas hipóteses contempladas nos arts. 674.º, n.º 3, 682.º, n.º s 2 e 3, do CPC, isto é, quando, nomeadamente, entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada.
Pois, das decisões da Relação sobre a matéria de facto não cabe recurso para o STJ, como decorre do n.º 4 do art. 662.º do mesmo diploma legal.
Como tal, tem de se entender ter o tribunal a quo excedido o âmbito do seu poder de decisão quanto à matéria de facto já fixada por este tribunal, enfermando, nessa parte, da nulidade arguida que se julga, assim, procedente.
Pelas mesmas razões, não se conhecerá de outras questões que não a que se prende com a matéria factual ampliada.
Ora, sobre a matéria factual atinente à ampliação, não dada como provada e que é objecto do presente recurso, cumpre, agora, proceder à sua reapreciação, atento o que se dispõe nos arts. 639.º e 640.º, do CPC.
Nesse sentido, o A./Recorrente, referente à matéria sobre “o teor e o sentido da garantia de pagamento das obrigações Y por parte do Banco ...” e considerando especificamente a matéria de facto dada como não provada sob o ponto 8, pede que a mesma seja dada como provada com a seguinte redacção: “No circunstancialismo referenciado em 2), um funcionário do Banco ... da agência de ... disse ao Autor que o banco garantia o reembolso do capital e juros com referência à sobredita obrigação, em tudo idêntica a um depósito a prazo na data em que o autor o solicitasse”.
Indicou, para o efeito, o depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas sobre essa matéria, bem como o depoimento do A. que apontam, no seu entender, em sentido contrário àquele que foi seguido pelo tribunal a quo.
Antes de procederemos a essa (re)ponderação da prova, há que ter em conta, antes de mais, como já se tinha anteriormente referido, que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens (Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.).
É que, para o referido efeito, o que releva e é exigível é, tão só, que em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto, ou, dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida) da sua verificação.
Como refere Tomé Gomes, in “Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil”, in Revista do CEJ, 2005, nº 3, 158, o convencimento do julgador deve basear-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, e sendo verdade que “ Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do Juiz “, basta porém para o referido efeito a formação de uma convicção“ suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades do caso “.
Ora, tendo-se procedido à audição desses depoimentos, constatou-se que as testemunhas R. F. (gerente da agência do Banco ... de ... à data dos factos) e E. F. (funcionária da mesma agência a essa data), para além do que já tinham declarado quanto a tratar-se de um produto financeiro comercializado como sendo um investimento seguro, com uma rentabilidade garantida, como se de um depósito a prazo se tratasse e como uma aplicação do “grupo Banco ...”, afirmaram que, à data, atestavam perante os clientes que o capital investido era garantido pelo banco, tal como estavam convictos.
Concretamente a testemunha R. F. confirmou ter transmitido aos clientes que o capital era garantido pelo banco, de acordo com as orientações que tinha como correctas, atestando ter sido ele a assinar o respectivo boletim de subscrição junto aos autos, tendo como seu subscritor o A.
Peremptoriamente afirmou que ‘quem reembolsava o capital era o banco’, dado que, na altura, era a indicação que tinham e de que se tratava de uma aplicação a prazo, mas com um juro mais atractivo.
Atestou, ainda, que o reembolso, como o referia aos seus clientes, poderia ser efectuado antecipadamente, tal como disso estava convencido, só não se recordando se tal importaria alguma penalização.
Por sua vez, a testemunha E. F., para além de ter já confirmado que o A. era um cliente tido como conservador, que ‘não ia para além de depósitos a prazo’, que o mesmo confiava plenamente nos funcionários do Banco, e que o que transmitiam é que, para levantar o capital, bastava avisar, dado que se tratava de uma aplicação do próprio Banco, por advir de quem detinha o capital deste, atestou que essa aplicação era comercializada como um depósito a prazo do banco, com um juro mais apelativo, em conformidade com as indicações que tinham a essa data.
Declarou, ainda, que, nessa altura, todos os funcionários davam essas indicações aos clientes, que o ‘responsável pelo reembolso era o banco’ e que ‘no vencimento liquidavam automaticamente em conta pelo banco’, referindo, ainda, que o ‘prazo era quando o cliente quisesse’, tal como respectivo reembolso.
Acresce que, tal como afiançado pela testemunha J. C. o A. nunca iria subscrever qualquer aplicação financeira de risco.
Por último, ouvido o A., o mesmo atestou ter sido a primeira das testemunhas referidas a atendê-lo, enquanto responsável pela agência, tal como resulta do facto de ser dessa testemunha, como a própria o atestou, a assinatura que consta do respectivo boletim de subscrição, confirmando nunca ter tido outros depósitos que não à ordem e a prazo.
Referiu, também, que se tratava de uma aplicação com um juro mais favorável e progressivo, sem restrição quanto a poder fazer levantamentos antecipados e sempre com recebimento do capital a final pelo banco, dado que, aliás, era a este que estava a entregar o seu dinheiro.
Para além de tais depoimentos, há que ter em conta o teor do boletim de fls. 15-verso, do p.p., que não permite de forma clara, expressa e transparente perceber que se estava a proceder à subscrição de um produto financeiro com as características constantes da nota interna de fls. 27 e a nota informativa de fls. 28-43 que enunciam os termos da comercialização pelo Banco ... das obrigações emitidas pela Y.
Aliás, no boletim de subscrição, o que aparece em letras garrafais é o logótipo do Banco ... e o nome deste, colocado bem em evidência, sem que nos possamos esquecer que, em 2006, não se sabia o que se sabe hoje. Tanto assim que nem os próprios funcionários sabiam o que eram obrigações e tinham recebido indicações de estarem a vender o equivalente a um depósito a prazo, com uma excelente taxa, conforme e-mail recebido e que se encontra junto aos autos, como doc. 6, do p.p., atestando-se que ‘foi com orientação da Administração e Direcções à data, em que claramente era assumido, internamente e junto dos clientes, a segurança dos produtos (idêntica à de um depósito a prazo)’, tendo sido, nessa base, que acturam.
Há, assim, também quanto a factos a aditar e a concretizar, ter em conta o teor do boletim de subscrição, bem como ao supra atestado pelos funcionários bancários.

Como tal, perante a prova produzida, há que, quanto à matéria ampliada, dar como provado que:
- “No circunstancialismo referenciado em 2), pelo funcionário bancário da agência de ... foi assegurado ao A. o reembolso, pelo banco, do capital e juros, com referência à sobredita obrigação”, procedendo-se à respectiva correlação de tal factualidade com a que consta dos pontos 9 e 10, por forma a completar e esclarecer também tal matéria, com exclusão, como tal, do ponto 8, dos factos dados como não provados, e todos os demais, por já dados como provados por este tribunal.

Ainda, perante a prova produzida e adentro ainda do determinado pelo STJ, devem ser aditados os seguintes factos apurados:
16- Contrariamente ao referido ao A. pelo respectivo funcionário bancário quanto ao reembolso poder ser efectuado a qualquer momento por aquele junto do banco, o reembolso antecipado só seria possível por iniciativa da Y-Sociedade Negócios ..., SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
17-O A., até essa data, apenas tinha tido contas à ordem e a prazo, sendo avesso a qualquer tipo de investimento de risco, tal como era do conhecimento do Réu, neste e nos seus funcionários depositando total e cabal confiança.

Assim, face ao supra exposto, para feitos de aplicação do direito, deve atender-se à seguinte factualidade dada como provada:

1. O Autor era cliente do Banco ..., agência de ..., com a conta à ordem n.º .............01, onde deposita e movimentava dinheiro, constitua poupanças e efectuava pagamentos.
2. Em 18 de Abril de 2006, na agência do Banco ... sita em ..., o Autor subscreveu um “boletim de subscrição” de 1 (uma) obrigação no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com a designação X - Y 2006, que se encontra depositada em seu nome no Banco ..., S.A..
3. O boletim de subscrição referenciado em 2) consigna, designadamente, que:
a) O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 9 de Maio de 2016;
b) Juros pagos semestral e postecipadamente às seguintes taxas: 1º (primeiro) semestre à taxa nominal bruta 4,5%, a que correspondia uma Taxa Anual Efectiva e Líquida de 3,632%); 9 (nove) cupões seguintes à taxa Euribor 6 meses acrescida de 1,15%; Restantes semestres à taxa Euribor 6 meses acrescida de 1,50%.
4. No circunstancialismo referenciado em 2), pelo funcionário bancário da agência de ... foi assegurado ao A. o reembolso, pelo banco, do capital e juros, com referência à sobredita obrigação.
5. Pela ap. 4893/2012.06.25, afigura-se registada a fusão entre o Banco ... de Negócios S.A., como sociedade incorporante, e o Banco ..., S.A., como sociedade incorporada.
6. Após o indicado em 4), a conta mencionada em 1) passou a corresponder no Banco ... o número de identificação bancário .............49.
7. Os juros descritos em 3) foram pagos ao Autor até Outubro de 2015.
8. No ano de 2017, o Autor apresentou uma “reclamação” junto do Réu, consignando:
“1. O reclamante é titular da conta a que corresponde o NIB n.º .............49, na agência da ...;
2. No ano de 2006 o reclamante adquiriu uma obrigação no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com a designação YRM2 - Y 2006, que se encontra depositada em seu nome nesta instituição;
3. O produto foi-me vendido ao balcão pelo gerente à data “R. F.” como sendo um produto com capital garantido;
4. Até à presente data continuo à espera da sua liquidação e para além de não estar a receber os respectivos juros ainda não fui ressarcido do capital;
5. Solicito a regularização urgente desta situação, sob pena de recurso imediato à via judicial.”
9. Face ao referido em 4), o Autor formou a firme convicção de que havia efectuado uma aplicação de 50.000,00€, como se a prazo fosse, e que o Banco ... lhe restituiria o capital e juros à data do seu vencimento, face às informações prestados pelo funcionário bancário nesse sentido.
10. Perante esse mesmo circunstancialismo, o Autor igualmente formou a firme convicção de que o Banco ... colocaria na sua conta a quantia aplicada assim que o solicitasse.
11. Também nesse circunstancialismo que é mencionado em 2), o A. não tinha a consciência de estar a subscrever a obrigação X-Y.
12. O Autor efectivou a predita subscrição com a convicção de que de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo.
13. Igualmente no circunstancialismo referido em 2), se o A. soubesse do tipo e características da aplicação que em concreto se encontrava a subscrever não aceitaria fazê-lo.
14. Nesse mesmo circunstancialismo referenciado em 2), o gerente e os funcionários do Banco ... não informaram o Autor que a entidade emitente da sobredita obrigação era a Y.
15. O Autor passou a apresentar sintomas de ansiedade, tendo alterado o seu comportamento.
16- Contrariamente ao referido ao A. pelo respectivo funcionário bancário quanto ao reembolso poder ser efectuado a qualquer momento por aquele junto do banco, o reembolso antecipado só seria possível por iniciativa da Y-Sociedade Negócios ..., SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
17-O A., até essa data, apenas tinha tido contas à ordem e a prazo, sendo avesso a qualquer tipo de investimento de risco, tal como era do conhecimento do Réu, neste e nos seus funcionários depositando total e cabal confiança.
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Fundamentação jurídica

Sendo estes os factos apurados, agora de acordo com o determinado em função da ampliação determinada, cumpre determinar o direito que julgamos ser de aplicar ao presente caso.
Como se referiu, já sobre ele nos pronunciamos, tendo, então, considerado existir responsabilidade do intermediário financeiro com base na omissão do dever informativo que sobre ele impendia, justificativo da responsabilidade civil do banco.
A esse título considerou-se que nas relações com o autor, o Banco réu, como instituição de crédito, está sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos artigos 73.º, 74.º e 75.º, na redacção então em vigor, devendo, nas relações com os clientes, proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
Assim, enquanto intermediário financeiro (cf. artigos 289.º n.º 1 al. a) e 290.º n.º 1 al. c) do CVM), estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM, e bem assim, como se estabelece no artigo 7.º do CVM, a uma prestação de qualidade da informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
Pois, igualmente como se mencionou, a informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, mencionando sobre o assunto Gonçalo André Castilho dos Santos, in A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 135, que “são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (…) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele”.
Já António Pedro Azevedo Ferreira, in “A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura”, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654, refere que o dever geral de informar que impende sobre o banco é, “forçosamente enquadrado pelo âmbito da relação negocial estabelecida entre o banco e o seu cliente (…). Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares”.
Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correcta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.
Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respectiva actuação, no âmbito daquela relação, pelos vectores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes”.
Citando Menezes Cordeiro, in Direito Bancário, in Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997, pág 24, “o Direito dos actos bancários é, fundamentalmente, um direito contratual: ele submete-se ao Direito das Obrigações, com os desvios ditados pela natureza comercial dos actos em causa e, ainda, com as especificidades propriamente bancárias, que tenham aplicação. Ao lado do Direito dos actos bancários, encontramos outras áreas normativas relevantes, (…) o que se poderá chamar de vinculações extra negociais, que incluem os deveres de informação e de lealdade pré contratuais e pós-eficazes (…) matéria que traduz o prolongamento dogmático dos deveres acessórios e pode ser considerada do tipo contratual”.
Como refere Paulo Câmara, in Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 691, a informação constitui, por um lado, “um instrumento de protecção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento” e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados” (Ob cit pág. 685).

Acresce que, quanto à responsabilidade civil, o art. 314º do CVM, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, se estipulava que:

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Pese embora, nesta base, se tenha considerado verificarem-se todos os requisitos necessários para responsabilizar o R./Recorrido, de forma diferente assim o entendeu o STJ, ao referir que os factos ‘parecem apontar (ou indicar) um outro motivo de responsabilização do banco: o de ter assegurado um determinado resultado – o resultado do capital, na data em que o cliente o solicitasse, e respectivos juros contratualizados’.
Pois, na posição defendida estar-se-ia perante uma responsabilidade directa por ter assumido uma obrigação de reembolso e remuneração e não uma responsabilidade por violação do dever de informação.
Assim, nessa conformidade, tendo-se provado (ponto 4, dos factos provados) que foi assegurado ao A., pelo intermediário financeiro, o reembolso pelo banco do capital e juros com referência à obrigação subscrita, tal levaria, segundo o entendimento esgrimido pelo STJ, a concluir pela responsabilização directa do banco ao ter assumido essa obrigação.
De qualquer das formas, e agora face aos novos factos colhidos, continuamos a entender que sempre a essa conclusão se teria de chegar, pela via enveredada já por este tribunal e que de igual forma recentemente se defendeu no acórdão da Relação de Lisboa proferido no proc. 13636/18.4T8LSB.L1-6 de 8.10.2020, publicado na dgsi.
Concretamente, aí se mencionou que, tal como aqui, e é do conhecimento de todos, o grupo em que se integrava o Réu deliberou executar uma operação de subscrição de obrigações da Y, sociedade que detinha a totalidade do capital do Banco ..., subscrição a ser feita aos balcões do Banco ..., tendo o A. subscrito .
Também à semelhança da factualidade aí apurada, provou-se ainda que o Autor julgava estar a celebrar um negócio sem riscos e com o capital garantido (à semelhança de um depósito a prazo), assim tendo formado essa convicção pelo que lhe foi transmitido pelo funcionário do banco, subscrição essa que jamais ocorreria caso conhecesse suficientemente a natureza do mesmo.
De forma acrescida, apurou-se que ao A. foi assegurado o reembolso, pelo banco, do capital e juros, com referência à sobredita obrigação e a qualquer momento, quando, na verdade, tal reembolso antecipado só seria possível por iniciativa da Y-Sociedade Negócios ..., SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
Certo é que, se o A. soubesse do tipo e características da aplicação que em concreto se encontrava a subscrever não aceitaria fazê-lo.
Aliás, o A., até essa data, apenas tinha tido contas à ordem e a prazo, sendo avesso a qualquer tipo de investimento de risco, tal como era do conhecimento do Réu, neste e nos seus funcionários depositando total e cabal confiança.
Dos factos decorre, terem sido prestadas informações inexactas ao Autor.
Pois, ainda que se considerasse formalmente exacta a informação de capital garantido, face ao funcionamento do produto, uma vez que na maturidade o capital seria pago, por não sujeito a oscilações que o aumentassem ou diminuíssem no decurso da sua vigência, tal não satisfaria o dever de informação com as qualidades assinaladas da sua completude, segundo o princípio da proporcionalidade inversa a estabelecer entre o âmbito e conteúdo da informação e o facto do A. não ter experiência e quanto a esse tipo de aplicações financeiras.
Certo é que, embora a rentabilidade fosse superior à do depósito a prazo, essa diferença era explicada pela menor liquidez, uma vez que a disponibilidade do capital antes da maturidade era bem difícil, por só ser possível por iniciativa da Y-Sociedade Negócios ..., SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
Acresce que, no que às obrigações diz respeito, tal como o refere Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2011, 2.ª edição, p. 135, o titular da obrigação é fundamentalmente um credor perante a entidade emitente e como relação jurídica subjacente na base deste valor mobiliário existe tipicamente um contrato de mútuo, ao que acresce como característica do título a quase ausência de controle da gestão desta e a quase nula intervenção dos obrigacionistas no processo decisório ligado ao governo societário.
De considerar ainda, neste domínio da incompletude da informação prestada, a ausência de referência ao carácter subordinado das obrigações em causa, matéria que não é despicienda para a opção do investidor na medida em que implica uma menor garantia de reembolso dos seus créditos face aos credores comuns.
De notar, ainda, que nas obrigações subordinadas, havendo insolvência da emitente, o titular da obrigação apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns, tal como o mesmo autor citado esclarece na mencionada obra, a págs. 137.
Já, por outro lado, a protecção concedida aos depósitos a prazo, nos termos dos artigos 164.º e 166.º do RGICSF, mesmo na redacção vigente à data, torna muito diversa a segurança do investimento que estes concedem face à concedida pelas obrigações, tal como se enuncia nos acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2019, proferido no processo 31/17.1T8PVZ.P1.S1 (ROSA TCHING) e de 26 de Março de 2019, proferido no processo 2259/17.5T8LRA.C1.S1 (ALEXANDRE REIS).
Diferenças essas que deveriam ter sido explicadas ao Autor, por nada nos permitir concluir, face ao seu perfil de investidor, que o Autor dominasse o conceito de obrigação ou de credor obrigacionista, as suas diferenças face ao depósito bancário e à protecção do depositante bancário, ou as suas especiais características de vulnerabilidade face à gestão da empresa emitente.
Não se ignora a este respeito, a múltipla jurisprudência que considera irrelevante ponderar os riscos de insolvência da Y, à data da emissão obrigacionista, como praticamente irrelevantes e como correspondentes aos riscos de insolvência do Banco ..., que seria o garante do depósito a prazo, no sentido de se afirmar que, na data da subscrição, não era exigível ao Banco ... qualquer previsão da insolvência da Y dez anos depois.
Mas, o certo é que a diferença entre a garantia de cumprimento que a sociedade oferecia e a que oferecia o depósito a prazo num Banco, não era despicienda face ao específico regime entre um e outro, de acordo com o supra exposto, ao que acresce a maior disponibilidade dos Estados para assegurar a solvabilidade de um Banco face à de uma empresa e que a experiência recente voltou a lembrar.
Nesse sentido também já o Supremo Tribunal de Justiça se tinha pronunciado no seu Acórdão de 7 de Fevereiro de 2019, proferido no processo 31/17.1T8PVZ.P1.S1, ao referir, nesta senda, que “nem se diga, como o faz o recorrente que, à data da subscrição desta obrigação, o intermediário financeiro não tinha o dever legal de informar o investidor sobre os riscos deste instrumento financeiro.
É que, enquanto as obrigações clássicas são tipicamente empréstimos obrigacionistas, cujas condições de reembolso e remuneração, são fixadas à partida pela entidade emitente e que, na expressão do art. 348.º do Código das Sociedades Comerciais, conferem direitos de crédito iguais sobre esta entidade, as obrigações subordinadas distinguem-se destas por estarem abrangidas por uma cláusula de subordinação, isto é, no caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo todavia prioridade sobre os acionistas (cfr. art. 48.º, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE), representando, por isso, um maior risco potencial, pois, considerando o facto de, na graduação de créditos, cederem perante os créditos privilegiados e sobre os créditos comuns, facilmente se pode aceitar como certa a inviabilidade de os autores obterem no processo de insolvência o retorno do capital que a emitente se obrigou a realizar e os respetivos juros.
Deste modo, mesmo aceitando que o intermediário financeiro não estava obrigado a informar o investidor acerca do risco de insolvência da entidade emitente, nem acerca da robustez financeira da entidade emitente, temos por certo impender sobre o mesmo o dever de, em momento anterior à subscrição da obrigação, dar a conhecer ao autor as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor.
Mas, não só não o fez, como, em vez disso, assegurou aos autores que a obrigação era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, o que não pode deixar de consubstanciar uma informação que, para além de incompleta, por não dar a conhecer aos autores as características da obrigação por eles subscrita nem os ter alertados para os riscos específicos da obrigação subordinada em causa, era inexata, por não ser totalmente verdadeira, violando, desse modo, disposto nos arts. 7.º, n.º 1 e 312.º, n.º 1, al. a) do CVM, tanto mais que provado ficou que os autores adquiriram a obrigação em causa, porque lhes foram dadas aquelas condições”.
Assim, quer pela via plasmada no acórdão do STJ que determinou a ampliação da matéria de facto, ao se ter logrado demonstrar ter o R, assumido uma responsabilidade directa de reembolso (responsabilidade contratual), quer por esta que defendemos (de responsabilidade extracontratual), tendo agora por base os novos factos apurados, encontra-se o intermediário financeiro constituído na obrigação de indemnizar o A. pelos danos que lhe foram causados, verificados os seus pressupostos, em que a ilicitude corresponde à violação do dever de informação e dela decorre presunção de culpa quanto ao dano causado por essa violação.
O mesmo é dizer que a ilicitude demonstrada constitui o próprio incumprimento contratual do contrato de intermediação que, por si só, também estabeleceria presunção de culpa nos termos da lei geral consubstanciada no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, sem que o Réu tenha ilidido a presunção de culpa, nos termos do artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil.
E, quanto ao dano, não colhe a tese de que o dano decorre do incumprimento por parte da sociedade emitente das obrigações, dado que também decorre do incumprimento do próprio banco nos termos assinalados.
Isto dito, decorre do art. 562.º, do Código Civil, que o princípio básico da obrigação de indemnização obriga a que, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento se não fosse a lesão.
Por outro lado, o dever de indemnizar compreende, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão ( cfr. artºs 563º e 564º,ambos do CC).
Ou seja, a indemnização devida abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando os primeiros uma diminuição efectiva e actual do património e , os segundos, a frustração de um ganho.
Aliás, ao abrigo do disposto no artigo 563.º, do Código Civil, e segundo a tese da causalidade adequada, poder-se-ia afirmar que se considera causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo (cfr. Professor Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, Almedina, 1979, p. 391), sendo o dano a supressão ou diminuição de uma situação favorável.
A respeito, refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 2019, proferido no processo 2259/17.5T8LRA.C1.S1 (ALEXANDRE REIS) que “a[A] causa (normativamente adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano.
Todavia, por outro lado, não é suposta a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. Na verdade, a lesão e a consequente produção do dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, não sendo qualquer deles, singularmente considerado, suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha que um deles seja causa adequada do por ele desencadeado, imputável a outro agente.
E «[q]uando ocorre um tal concurso de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que se dispõe nos arts. 490.º e 570.º C. Civil (cfr. P. Coelho “O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, 31-34)», como decidiu o mesmo Ac. de 13-01-2009.
Uma coisa é, assim, o dano e outra a sua medida, a respeito da qual regula o artigo 562.º, do Código Civil, ao estatuir que o obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação anterior à lesão.
E, não se olvidando que, em sede de responsabilidade pré-contratual, não é a doutrina e a jurisprudência consensual quanto à questão de saber se a indemnização está limitada ao interesse contratual negativo ou, ao invés, se abrange o interesse contratual positivo, entendemos que essa controvérsia não se justifica, porque, para todos os efeitos, o relacionamento entre A e Réu não se quedou pela fase pré-contratual e/ou meros contactos e negociações, antes culminou com a efectiva conclusão/subscrição pelos AA de um concreto instrumento financeiro ou instrumento mobiliário.
Ora, o dano a considerar no caso concreto é a privação do montante de € 50.000,00 que o Autor tinha a expectativa de receber no final do prazo estabelecido, ainda que deduzido do valor que o A. recebeu periodicamente a título de juros das obrigações até ao momento em que a emitente deixou de os pagar e não reembolsou o capital, como o entende o acórdão do STJ que determinou a ampliação dos factos, na sua pág. 18, mas, então, dizemos nós, também acrescido do valor que o A. receberia se se tratasse de um depósito a prazo a um juro a esse título praticado pelo banco entre o período da respectiva subscrição até à data de Outubro de 2015 (ponto 7, dos factos assentes).
Relativamente à prescrição, face à posição aqui adoptada consideramos assim aplicável o prazo prescricional geral de 20 anos, louvando-nos, para o efeito, do que se mencionou já no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2018, proferido no processo 753/16.4TBLSB.L1.S1 (FONSECA RAMOS), por impossibilidade de abordar a questão de modo diverso ou mais exaustivo, e que refere o seguinte: “O art.324.º, n.º 2, do CVM estabelece um prazo de prescrição de dois anos: “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão o do negócio e dos respectivos termos”. O prazo de dois anos é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima como resulta da ressalva inicial, “salvo dolo ou culpa grave”.
Na definição de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª, Edição, Almedina, 2003, pág. 577, nota 2: “A culpa lata (a que mais frequentemente se chama culpa grave) consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjectivos, concretos, ou em termos objectivos, abstractos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam”.
Atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura, face aos factos apurados.
No sentido de que deve aplicar-se, fora dos casos previstos no art. 324.º, n.º 2, do CVM, o prazo geral de prescrição do Código Civil, Fátima Gomes, no Estudo “Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado” pág. 580, in Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa:“Quanto aos prazos de prescrição da responsabilidade contratual, o Cód.VM introduz um prazo de dois anos, a contar da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, nas situações de negligência do intermediário financeiro (art. 324º/2), omitindo-se qual o prazo aplicável às restantes hipóteses. No silêncio do legislador seremos forçados a utilizar as normas subsidiárias aplicáveis, por força das regras de interpretação e integração, que conduzem ao direito comum do Código Civil [Serão aplicáveis os arts. 309.º e ss. quanto ao prazo de prescrição. Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in Cadernos do MVM, Coimbra Editora, n.º7, 2000, p. 364 aponta para o prazo de 20 anos. Se a responsabilidade for extracontratual vigora o disposto no art. 398.º do Código Civil (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2018, proferido no processo 20403/16.8T8SLB.L1.S1 (MARIA OLINDA GARCIA)” .
De qualquer das formas, o certo só é possível atender-se ao facto de se ter provado que foi no ano de 2017 que o Autor apresentou uma “reclamação” junto do Réu, pelo que, instaurada a acção nesse mesmo ano, não estava prescrito o seu direito.
Por outro lado, cabendo essa prova ao R., sem que a tenha feito, também sempre essa excepção teria de improceder.
Assim, tem, pois, o recurso de proceder nos termos supra expostos, com a subsequente revogação, nessa medida, da decisão proferida.
*
III- Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso procedente, nos termos supra expostos, com a subsequente revogação, nessa medida, da decisão proferida, condenando-se o Réu a pagar ao A o capital de 50.000,00€, deduzido do valor que o A. recebeu periodicamente a título de juros das obrigações até ao momento em que a emitente deixou de os pagar e não reembolsou o capital, acrescido do valor que o A. receberia se se tratasse de um depósito a prazo a um juro a esse título praticado pelo banco até à data de Outubro de 2015, acrescendo a esse valor assim encontrado os juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Custas provisoriamente a cargo do A/apelante e R/apelado, na respectiva proporção do decaimento, fazendo-se o rateio final, se necessário, aquando da liquidação de sentença.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 11.2.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida