Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
784/14.2GBGMR.G1
Relator: CLARISSE GONÇALVES
Descritores: TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
CONDIÇÕES DE CUMPRIMENTO
OMISSÃO DE PLANO DE TRABALHO
NÃO REVOGAÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O cumprimento de uma pena de trabalho a favor da comunidade, depende de um envolvimento, que se quer consistente, dos serviços de reinserção social, designadamente no sentido de se procurar adequada colocação para o arguido prestar trabalho, nos termos impostos por decisão judicial.

II) A inércia da D. G. R. S. P., neste conspecto, não pode prejudicar o arguido, nem levar a que lhe seja revogada uma pena e determinado o cumprimento de pena de prisão.

III) Não resultando nos autos que a não elaboração do plano de trabalho em vista da execução da pena, possa ser assacada ao arguido, impõe-se a conclusão de que não ocorre uma situação de grosseira violação dos seus deveres decorrentes da condenação, por não estar demonstrada a sua recusa em "prestar trabalho".

IV) Assim, não deve ser revogada a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que fundamentadamente foi imposta ao arguido por sentença proferida nos autos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

- 1. No presente processo com o nº 748/14.2GBGMR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães – Instância Local – Secção Criminal – Juiz 2, foi, por despacho datado de 28 de Março de 2017, decidido “revogar a pena de substituição de 160 horas de trabalho a favor da comunidade que foi imposta, nestes autos, ao arguido R. L. e, consequentemente, determinar que este cumpra a pena de 4 (quatro) meses de prisão em que foi condenado” (fls. 263).
Consta desse despacho (transcrição):
“Conforme dos autos decorre, o arguido R. L. foi condenado, por sentença proferida em 17.04.2015, transitada em julgado, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 160 horas de trabalho a favor da comunidade.
Nunca foi elaborado o competente plano de trabalho porquanto o condenado não compareceu nos competentes serviços da DGRS para o efeito nem apresentou quaisquer justificações a tais ausências.
Notificado pessoalmente e na pessoa do seu ilustre defensor, o condenado não se apresentou nos autos a justificar a sua posição.
Designado dia para a audição do condenado, o mesmo não compareceu, nem apresentou qualquer justificação, apesar de ter sido regularmente notificado.
A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela revogação da pena de substituição e consequente cumprimento da pena de prisão aplicada.
Novamente notificado de tal posição, o condenado nada disse no prazo fixado.
Cumpre decidir.
Dispõe o artº 59º, nº 2 alínea b) do Código Penal que “o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado.”
No caso vertente, constata-se, justamente, que o condenado não cumpriu os deveres decorrentes da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade a que foi condenado.
Com efeito, o condenado nunca compareceu nos serviços da DGRS porquanto nunca foi possível sequer elaborar o competente plano de trabalho. Além disso, o condenado nunca deu qualquer justificação ou esclarecimento para o seu desinteresse e sendo que notificado para esclarecer das razões de tal incumprimento nada disse.
Temos, pois, que o condenado violou intencionalmente e frontalmente os deveres que decorrem da pena que lhe foi aplicada, sem que, por qualquer forma, haja cuidado de justificar tais incumprimentos, mesmo depois de expressamente notificado para esse efeito.
Assim sendo, não subsistem dúvidas de que se impõe revogar a pena de substituição em que o arguido foi condenado nos autos.
Pelo exposto, decide-se revogar a pena de substituição de 160 horas de trabalho a favor da comunidade que foi imposta, nestes autos, ao arguido R. L. e, consequentemente, determinar que este cumpra a pena de 4 (quatro) meses de prisão em que foi condenado.
Notifique o arguido, pessoalmente e por intermédio do respectivo defensor.
Após trânsito em julgado, emita os competentes mandados de detenção e remeta boletim ao registo criminal” (fls. 262-263).

- 2. Não se conformando com esta decisão, o arguido R. L. interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
“– O arguido interpõe recurso da decisão que decidiu revogar a sua pena de substituição, com todo o respeito, que é muito, que o Tribunal a quo nos merece.

- Ao contrário do vertido no douto despacho do Tribunal a quo não é verdade “que o arguido nunca compareceu nos serviços da DGRS, porquanto não foi possível sequer elaborar o competente plano de trabalho”. Isto porque, conforme consta dos autos o arguido foi por duas vezes aos serviços de DGRS, uma no dia 12/06/2015, conforme informação datada de 30/09/2015 e outra no dia 02/03/2016, conforme informação datada de 11/04/2016.

- Das duas vezes ficou convencido que ele teria que arranjar o local para cumprir a pena de trabalho a favor da comunidade, tendo efetuado algumas diligências nesse sentido, mas sem sucesso, uma dessas vezes deslocou-se aos Bombeiros Voluntários, mas foi-lhe dito, na altura que não o poderiam ter lá a cumprir trabalho a favor da comunidade.

- O arguido/recorrente não se recusou/nem nunca informou ou deu a perceber às técnicas da DGRS qualquer falta de vontade de cumprir o trabalho a favor da comunidade, simplesmente achou que não conseguindo arranjar sítio para prestar trabalho a favor da comunidade que iria ser, posteriormente, informado do sítio onde o fazer.

- É certo que o recorrente deveria ter sido mais diligente, o que assume, e procurar informação do motivo de ainda não lhe ter sido elaborado um plano, mas não foi de forma dolosa que o não fez;

- Não foi de forma intencional que o arguido incumpriu a sua obrigação de não prestar trabalho a favor da comunidade, mas por incúria, talvez, decorrente da sua juventude, de felizmente nunca ter passado por uma situação semelhante, o arguido era primário à data dos factos, e de não ter percebido a forma como a sua obrigação teria que ser cumprida, ou seja, que teria que se deslocar à DGRS para informar que não conseguiu local para prestar trabalho, afim de as técnicas providenciarem um local para o efeito.

- Foi o próprio arguido arguido/recorrente que requereu, caso viesse a ser condenado, a pena de trabalho a favor da comunidade. Logo, não faz qualquer sentido que conscientemente/dolosamente se recusasse a prestar o que requereu.

- O escopo da norma vertida no artigo 59º, n.º2 alínea b) do CPP é a recusa do condenado a prestar trabalho ou a “infringir grosseiramente os deveres das penas a que foi condenado”.

- Conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 05/05/2010, cujo relator é Élia São Pedro: “Por violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos há-de entender-se a actuação indesculpável em que o comum dos cidadãos não incorre, que não merece, por isso, ser tolerada”, publicado em www.dgsi.pt

Também, o Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 04/05/2016, cujo relator é Vasco Osório: “A lei exige que seja grosseiro ou repetido o que significa que a conduta infractora deve ser especialmente qualificada, deve revelar um grau de culpa muito elevado, uma completa indiferença pelo condenado relativamente ao sentido de ressocialização que a condição imposta significava, na medida em que é parte integrante do ‘projecto’ de recuperação social subjacente ao decretamento da pena de substituição., publicado em www.dgsi.pt.

10º- No seu modesto entendimento, o recorrente julga, ainda, ser possível pelos fundamentos expostos a elaboração do plano pela DGRS para que o mesmo possa cumprir as 160 horas de trabalho a favor da comunidade a que foi condenado, uma vez que pela sua “ ignorância” o mesmo não terá sido elaborado, mas pelos motivos acima explanados, julga que fica demonstrado que não o fez de forma grosseira, com o intuito sério de não cumprir com a obrigação a que foi condenado.

- O recorrente desde a data dos factos pelos quais foi condenado que tem levado uma vida conforme as regras e padrões sociais, pautando a sua conduta de uma forma socialmente responsável.

10º-Sendo certo que, com a revogação da pena de substituição o recorrente perderá o seu atual emprego, o que violará as finalidades das penas cujo intuito máximo é o da ressocialização do individuo.

11º Além de que, pese embora, o Tribunal a quo tenha efetivamente cumprido formalmente todas as diligências necessárias para assegurar o contraditório do recorrente, nomeadamente marcando data para que o recorrente fosse ouvido presencialmente em Tribunal, facto é que o recorrente não tomou conhecimento da data agendada para a sua audição, afirmando não ter recebido essa notificação e, como tal tendo ficado impossibilitado de poder justificar o motivo, ao Tribunal a quo, pelo qual ainda não tinha sido cumprida a pena de substituição, tudo conforme consta do requerimento por si apresentado no Tribunal a quo.

12º- Diga-se que o recorrente compareceu sempre que a sua presença foi necessária em Tribunal durante o julgamento, o que faria, caso tivesse tido conhecimento da data designada para a sua audição em Tribunal.

13º-Fica, assim, por falta de notificação para audição pessoal do arguido, acerca da revogação da pena de substituição, colocado em crise o contraditório do recorrente num dos maiores e basilares direitos do Homem, constitucionalmente consagrados, que é o Direito à Liberdade.

14º- O recorrente entende pelos motivos aduzidos, com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que o douto despacho de revogação da pena de substituição deve ser revogado, devendo o Tribunal a quo proceder à audição do arguido e decidir em conformidade, fazendo-se JUSTIÇA!” (fls. 283 a 286).


-3. A Exmª Procuradora-Ajunta na primeira instância respondeu ao recurso (fls. 293 a 2989), pugnando pela manutenção da decisão recorrida, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):
- 1) A decisão recorrida apreciou correctamente a matéria de facto e de direito, não se mostrando violada qualquer norma legal, substantiva ou adjectiva, que imponha a sua alteração ou revogação.
- 2) Não foram violadas quaisquer normas ou princípios” (fls. 298).

- 4. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de “o despacho criticado ser revogado por não se achar demonstrada uma situação cabível no artº 59º, nº 2, alínea a) e b) do Código Penal, devendo, ao invés, ser ordenado à DGRS a elaboração pronta do plano de execução da pena, nos termos previstos no artº 5º do DL 375/97 de 24 de Dezembro, entidade que deverá, então, indagar por uma “colocação adequada ao arguido com vista ao cumprimento da pena substitutiva aplicada” (fls. 310).

- 5. No âmbito do disposto no artº 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta.

- 6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no disposto no artº 419º, nº 3, al. c) do citado código.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente na respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.

- 1. QUESTÃO A APRECIAR
Como resulta das transcritas conclusões, a questão que se nos coloca é a de saber se deve, ou não, ser revogada a pena de substituição de 160 horas de trabalho a favor da comunidade imposta ao arguido (R. L., identificado nos autos), e, consequentemente, cumprir a pena de 4 (quatro) meses de prisão em que foi condenado.

- 2. FACTOS ASSENTES COM RELEVÂNCIA PARA APURAMENTO DA QUESTÃO SUSCITADA
- 1. Por sentença datada de 17 de Abril de 2015, e no mesmo dia depositada, foi o indicado arguido condenado “pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, 204º, nº 2, al. e) e 26º, nº 1, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 160 (cento e sessenta) horas de trabalho a favor da comunidade” (fls. 133 (117-134) e fls. 137).
- 2. O arguido esteve presente na leitura da sentença (fls. 135-136).
- 3. Como promovido a fls. 163 foi determinado, por despacho de fls. 164, solicitar à DGRS, ”via fax, com menção de urgência, o envio de relatório” referente ao arguido R. L..
- 4. Conforme ofício de fls. 165, dirigido à D.G.R.S.P, foi solicitada a elaboração “de um plano de execução” para o efeito “de se aplicar a prestação de trabalho a favor da comunidade ao arguido R. L.” Foi concedido o prazo de 30 dias, “nos termos e para os efeitos do disposto no artº 496º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.” O ofício data de 11 de Junho de 2015.
- 5. No dia 2 de Setembro de 2015 foi enviado novo ofício à D.G.R.S.P, para “tão urgente quanto possível ser satisfeita a pretensão” formulada no anterior ofício, de 11 de Junho de 2015.
- 6. No fax enviado para o Tribunal de Guimarães, em 1 de Outubro de 2015 pelas 17:47 horas, a D.G.R.S.P, informa sobre o processo de R. L., o seguinte:
“- recebido nos n/Serviços em 12 de Junho de 2015;
- marcada e efectuada entrevista em 7 de Julho;
- não foi dado conhecimento de número de telemóvel, ficando de nos contactar para o efeito, o que não se verificou;
- em Setembro foi convocado via postal para comparecer nestes serviços e faltou.
Assim, não nos foi possível fazer o plano solicitado, dada a falta de colaboração por parte do arguido” (fls. 169-170).
- 7. Conforme promoção de fls. 171, foi, por despacho datado de 9 de Outubro de 2015 (de fls. 172), determinada a notificação do arguido R. L. para que justificasse a falta de comparência na DGRS para elaboração do plano de trabalho a favor da comunidade sob pena de cumprimento da pena principal de prisão.
- 8. Por ofícios datados de 12 de Outubro de 2015 o arguido e a sua Defensora Oficiosa foram notificados do despacho anterior (fls. 174-173).
- 9. Tendo sido aberta Vista no processo, a 15 de Fevereiro de 2016, a Exmª Procuradora-Adjunta promoveu que se determinasse a revogação da pena de substituição e se ordenasse o cumprimento da pena de quatro meses de prisão, já que o arguido R. L. “não se apresentou na DGRS para elaboração do plano de trabalho a favor da comunidade, nem informou o processo de qualquer impedimento ou motivo justificativo para tal ausência, apesar de devidamente notificado para o efeito” (fls. 177).
- 10. Por despacho datado de 19 de Fevereiro de 2016, foi determinado notificar o arguido e o respectivo defensor da posição do Ministério Público “para, querendo e em dez dias, se pronunciar quanto à mesma” (fls. 178).
- 11. Tal foi efectuado por ofícios datados de 22 de Fevereiro de 2016 (fls. 180-181).
- 12. Por fax enviado para o Tribunal a 7 de Março de 2016, pelas 17:37h, a Exmª Defensora Oficiosa do arguido R. L., informou que “tomou conhecimento que o arguido tinha entrevista agendada para o dia 2 de Março de 2016, pelas 16:00h, na DGRSP, em Guimarães. Por contacto telefónico estabelecido no dia de hoje (7 de Março) com aquele serviço a ora signatária confirmou que o mesmo compareceu na data agendada a entrevista. Pelos factos descritos parece que o arguido estará a colaborar com a equipa de DGRSP, de forma a poder cumprir com a pena que foi condenado. Assim sendo, pelos motivos expostos, requer-se a V. Exª que oficie a DGRSP para aferir da situação, não ordenando, por ora a revogação da pena de substituição” (fls.182-183).
- 13. Na sequência do requerimento apresentado foi determinado, por despacho de fls. 186, que se oficiasse “à DGRS solicitando informação se o condenado aí compareceu e se foi possível elaborar o plano de trabalho em questão” (fls. 186).
- 14. Como resposta a DGRS refere: “Cumpre-nos informar Vª Exª que o arguido acima mencionado (R. L.) se apresentou nos n/serviços em 2 de Março de 2016. Manifestou a s/vontade de prestar o trabalho na Junta de Freguesia e intenção de estabelecer contacto com o Presidente a fim de gerir o horário de trabalho em conformidade com o horário laboral. Não forneceu qualquer número de contacto por não ter telefone fixo nem telemóvel. Comprometeu-se a dar informação durante aquela semana. R. L. não voltou a contactar ou apresentar nos n/ serviços. Foi contactada a Advogada, Drª C. A., que não dispõe de contactos telefónicos de R. L.. Assim não foi possível elaborar o plano de trabalho pelo que solicitamos a Vª Exª a determinação que entender como conveniente neste processo e que tal nos seja oportunamente comunicado” (fls. 193).
- 15. A fls. 196 foi renovada a promoção de fls. 177 (2º parágrafo), “que se determine a revogação da pena de substituição e se ordene o cumprimento da pena de quatro meses de prisão.”
- 16. Por despacho de fls. 197, de 22 de Abril de 2016, foi determinada a notificação da ilustre defensora do arguido da informação prestada pela D.G.R.S.P, para querendo e em dez dias se pronunciar.
- 17. Por novo despacho, agora de 25 de Maio de 2016, foi determinada “a notificação do arguido e da sua ilustre defensora da posição que o Ministério Público tomou e manifestou a fls. 177 (2º parágrafo), para, querendo e em dez dias, se pronunciar” (fls. 199).
- 18. De tal despacho o arguido foi notificado pela GNR a 21 de Junho de 2016, conforme fls. 224v.
- 19. Por despacho datado de 11 de Julho de 2016, “considerando a notificação que antecede”, foi determinado notificar “a ilustre defensora do arguido para, em dez dias, informar se tem conhecimento de algum impedimento e/ou justificação para a falta de comparência do arguido nos competentes serviços da DGRS e se conhece a concreta situação económica e social do arguido” (fls. 225).
- 20. Por fax remetido ao tribunal a 18 de Julho de 2016, às 09:33h, a ilustre defensora do arguido, informou não ter qualquer forma de contacto com o arguido, “desconhecendo o motivo pelo qual o mesmo não compareceu à entrevista, assim como desconhece a actual situação social e económica do mesmo” (fls. 218).
- 21. A Exmª Procuradora-Adjunta, a 9 de Setembro de 2016, manteve a posição de revogação da pena de substituição e de se ordenar o cumprimento da pena de quatro meses de prisão, conforme fls. 231.
- 22. A fls. 232-233, a 16 de Setembro de 2016, é proferida decisão que revoga a pena de substituição de 160 horas de trabalho a favor da comunidade, determinando que o arguido cumpra os quatro meses de prisão em que foi condenado.
- 23. Deste despacho o arguido é notificado a 12 de Outubro de 2016, conforme fls. 237v.
- 24. Por fax datado de 27 de Dezembro de 2016, às 15:30h, a Exmª Defensora Oficiosa do arguido invoca a nulidade insanável do dito despacho uma vez que o arguido não foi ouvido presencialmente (fls. 243v.).
- 25. Por despacho, datado de 10 de Janeiro de 2017, de fls. 245-246, é decidido, ao abrigo do disposto no artº 119º, alínea c) do Código de Processo Penal, que se encontra verificada tal nulidade e considera-se sem efeito a decisão de 16 de Setembro de 2016. Foi solicitada a devolução dos mandados de detenção e determinada data para audição do arguido.
- 26. Na data agendada para audição do arguido, 31 de Janeiro de 2017, este não compareceu nem comunicou a impossibilidade da sua comparência, apesar de regularmente notificado, conforme se constata da acta de fls. 256-257.
- 27. A Exmª Procuradora-Adjunta manifesta, de novo, o seu entendimento de que deve ser revogada a pena de substituição de 160 horas de trabalho a favor da comunidade e o arguido obrigado a cumprir os quatro meses de prisão em que foi condenado.
- 28. Desta posição do Ministério Público foram notificados arguido e defensora oficiosa para, querendo e em dez dias, se pronunciarem (fls. 259-261).
- 29. Nada tendo sido dito, foi proferido despacho de revogação da pena de substituição e determinado o cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão em que foi condenado (fls. 262-263). E deste despacho (que já acima transcrevemos), que o arguido interpõe o presente recurso.

- 3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

- 3.1. Deve, ou não, ser revogada a pena de substituição de 160 horas de trabalho a favor da comunidade imposta ao arguido (R. L., identificado nos autos), e, consequentemente, cumprir a pena de 4 (quatro) meses de prisão em que foi condenado.
Dispõe o artº 58º do Código Penal, sob a epígrafe “Prestação de trabalho a favor da comunidade”, nº 1 – “Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, nº 2 – “A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade”, nº 3 – “Para efeitos do disposto no nº 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”, nº 4 – “O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável”, nº 5 – “A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado”, nº 6 – “O tribunal pode ainda aplicar ao condenado as regras de conduta previstas nos nºs 1 a 3 do artigo 52º, sempre que o considerar adequado a promover a respectiva reintegração na sociedade.”
Por seu turno, estabelece o artº 59º do mesmo Código, no que à revogação diz respeito que: “O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:
- a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
- b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado;
Ou
- c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas” (nº 2).
E o nº 3 do citado artigo estipula que: “É correspondentemente aplicável o disposto no artº 57º.”
Segundo o Professor Figueiredo Dias – in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, pág. 372 – A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade possui um “altíssimo valor” que “faz dela, porventura, a criação mais relevante, até hoje verificada, do arsenal punitivo de substituição da pena de prisão. Joga nisto o seu papel, por um lado, a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar da liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra, a manutenção do contacto com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena (e só a ela!) assiste, enquanto se traduz numa prestação activa (e, ao menos numa certa acepção “voluntária” a favor da comunidade.”
No caso concreto, o Tribunal a quo considerou que a aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade ao arguido R. L. (que a havia requerido em caso de condenação), assegurava “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição nos termos do disposto no artigo 58º do Código Penal”, pelo que substituiu a pena de quatro meses de prisão por 160 (cento e sessenta) horas de trabalho a favor da comunidade.
Considerado foi, assim, a existência dos dois pressupostos, o formal e o material, para aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Perante a factualidade assente, após prolação da sentença, e que acima elencámos tendo em consideração a questão a decidir, destacamos, por ser diferente do que se refere no despacho recorrido, que o arguido se deslocou aos serviços da D.G.R.S.P no dia 12 de Junho de 2015 e no dia 2 de Março de 2016.
Nestas duas deslocações o arguido não forneceu qualquer número de telefone por não ter “nem telefone fixo nem telemóvel”, segundo o que esclareceu na última visita.
E, por o arguido não ter telefone (o que a sua advogada também transmitiu), nem ter contactado a D.G.R.S.P, não foi feita qualquer outra diligência por parte destes serviços a não ser comunicar ao tribunal, e só após ofícios, da impossibilidade de elaborar o plano de trabalho.
Realce-se que na segunda presença na D.G.R.S.P, em 2 de Março de 2016, “o arguido manifestou a sua vontade de prestar trabalho na Junta de Freguesia e intenção de estabelecer contacto com o Presidente a fim de gerir o horário de trabalho em conformidade com o horário laboral”, como se pode ler na informação prestada ao tribunal por aquela Direcção-Geral, a fls.193.
Mas estes serviços nada de concreto fizeram, ou melhor, nos autos não está reflectida qualquer acção destes serviços.
Como bem salienta o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, “se na primeira entrevista o arguido declarou que não tinha telefone para agilizar o contacto com o serviço, assim permitindo uma mais fácil elaboração daquele e se o arguido não compareceu a uma convocatória postal do serviço não demonstrando este que o arguido a recebeu, aquando da segunda presença do mesmo naquele, o bom senso exigiria que nessas circunstâncias tudo então ficasse decidido, não colocando nas suas mãos o êxito da elaboração do plano de execução, insistindo, uma vez mais, na sua boa vontade, com pleno conhecimento da falta de contactos telefónicos daquele.”
Os procedimentos e regras técnicas destinados a facilitar e a promover a organização das condições práticas de aplicação e execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, vêm estabelecidos no DL nº 375/97 de 24 de Dezembro e ainda em vigor.
Como se pode ler no ponto 3 do preâmbulo do citado DL, a propósito da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, como se trata de uma pena e de uma modalidade sancionatória que apelam ao “reforço das solidariedades” e à necessidade de desenvolver mecanismos de comunicação entre magistrados e os restantes intervenientes na execução, nomeadamente os serviços de reinserção social, o recurso a esta pena só poderá alcançar sucesso através do envolvimento directo dos diferentes operadores do sistema penal, numa articulação de vontades institucionais e numa concertação de esforços com as comunidades locais.
Como é consabido não havendo um envolvimento, que se quer consistente, dos serviços de reinserção social, designadamente no sentido de procurar adequada colocação para o arguido prestar trabalho, como lhe foi imposto por decisão judicial, tal pena jamais será cumprida.
A inércia da D.G.R.S.P, neste conspecto, não pode prejudicar o arguido, nem levar a que lhe seja revogada uma pena e determinado o cumprimento de pena de prisão.
É o próprio artº 5 do DL citado (DL nº 375/97 de 24 de Dezembro) que preceitua que:
- nº “1 - Quando indagados pelo tribunal, nos termos do nº 1 do artº 496º do Código de Processo Penal, os serviços de reinserção social procurarão colocação adequada ao arguido, tendo em conta o sexo, idade, capacidades e competências profissionais, local de residência, obrigações profissionais, familiares ou sociais e outros factores que devam ser tomados em conta, nomeadamente por indicação do tribunal.
- nº 2 – Os serviços de reinserção social enviarão ao tribunal informação sobre as entidades beneficiárias da prestação de trabalho, indicando, designadamente, o local, o tipo de trabalho e o horário a praticar e facultando os elementos que permitam ajuizar do interesse do trabalho proposto para a comunidade e da adequação deste ao arguido.
- nº 3 – Sempre que concluam fundadamente pela impossibilidade de colocação do arguido, em razão das condições pessoais, profissionais e sociais deste, ou da inexistência de posto de trabalho adequado, os serviços de reinserção social comunicam a impossibilidade na informação referida no número anterior.”
Ora, daqui decorre que a concretização do plano de execução da pena é da competência da D.G.R.S.P, e não do arguido. Este tem, efectivamente, de “responder às convocações do tribunal competente para a execução da pena e dos serviços de reinserção social”, conforme dispõe o artº 7º , nº 2, al. a) do indicado DL.
Se é verdade que o arguido não respondeu atempadamente às “convocações do tribunal”, também é verdade que o mesmo se deslocou por duas vezes aos serviços de reinserção social e não foi elaborado (nem sequer iniciado) qualquer plano.
Não competia ao arguido encontrar um beneficiário do seu trabalho. Tal tarefa é, sem dúvida, do foro daquela Direcção-Geral e, “obviamente que não é pela falta de telefone ou telemóvel por parte do condenado que aquela se mostra desonerada de tal obrigação”, como aduz o Exmº Procurador-Geral Adjunto.
Na sequência do que vem sido dito, concluímos que a não elaboração do plano de trabalho em vista da execução da pena, não pode ser assacada ao arguido.
Não está demonstrada a sua recusa em “prestar trabalho”, nem a grosseira violação dos seus deveres decorrentes da condenação.
Nos termos do artº 59º, nº 2 do Código Penal a revogação da pena de trabalho a favor da comunidade tem sempre subjacente uma conduta culposa do arguido/condenado, o que no caso concreto não se verifica.
Só acrescentar que a D.G.R.S.P, deve dar conta ao tribunal da condenação sempre que o arguido falte às suas convocatórias para que o tribunal possa agir compelindo-o a cumprir.
Por seu turno, faltando o arguido injustificadamente às convocatórias do tribunal, poderá sempre este socorrer-se do disposto no artº 254º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal.
Tudo visto e ponderado cremos não ser de revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que fundamentadamente lhe foi imposta na sentença proferida nos presentes autos.
A D.G.R.S.P deverá elaborar, tão breve quanto possível, o plano de execução da pena, pesquisando por “uma colocação adequada” do arguido com vista ao cumprimento da pena substitutiva aplicada.

III – DISPOSITIVO

Face aos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso procedente, nos termos e com o alcance aludidos, devendo o tribunal a quo determinar à D.G.R.S.P. a elaboração do plano de execução da pena, nos termos previstos no artº 5 do DL nº 375/97 de 24 de Dezembro.
Sem custas.

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(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambas as signatárias – artº 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
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Guimarães, 6 de Novembro de 2017,

(Clarisse Gonçalves)
(Nazaré Saraiva)