Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
29/16.7PEBGC.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: RELATÓRIO SOCIAL
NÃO REALIZAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
NÃO VERIFICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Pese embora não seja um ato obrigatório (artigo 370º do CPP), a realização do relatório social poderá ser essencial para conhecer a inserção familiar e socioprofissional do arguido e da sua personalidade, o que é importante para a determinação da medida da pena, designadamente para a formulação de um juízo de culpa e da fixação da taxa diária da pena de multa, cfr. artigo 71º, nº 1 e nº 2 al. d) e artigo 47º, nº 2, ambos do CP.

II- Logo, da sua não realização poderá decorrer a verificação da nulidade prevista no artigo 120º, nº 2 al. d) do CPP na forma de “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”.

III- No caso vertente, a defesa da arguida não requereu a realização oportuna de relatório social, podendo fazê-lo, e não suscitou a nulidade atrás referida, a qual, por isso, a ter ocorrido, mostra-se sanada. De igual modo, o tribunal recorrido não solicitou a realização de relatório social e, quanto à arguida recorrente, condenou-a numa pena de multa próxima dos limites mínimos legais, sendo a taxa diária da pena de multa fixada no mínimo legal.

IV- Da não realização de relatório social e, eventualmente, de perícia (artigo 351º do CPP) a pretexto de, no decurso da audiência de julgamento, se ter suscitado a questão de a arguida sofrer de doença do foro mental não decorre a verificação do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, a que se alude no nº 2 al. a) do artigo 410º, do CPP, o que teria obrigatoriamente de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum, o que não é manifestamente o caso.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum singular nº 29/16.7PEBGC.G1, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança, em que são arguidos M. S., J. M. e N. M., com os demais sinais nos autos, foi proferida sentença lida, datada e depositada em 19.06.2019, pela qual foi decidido, nos seguintes termos [transcrição]:

Pelo exposto, e sem outras considerações, condeno:

1. O Arguido J. M. pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previstos e punidos pelo artigo 324.º, por referência ao artigo 323.º, do Código da Propriedade Industrial, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, com regime de prova;
2. A Arguida M. S. pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previstos e punidos pelo artigo 324.º, por referência ao artigo 323.º, do Código da Propriedade Industrial, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, com regime de prova;
3. A Arguida N. M. pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previstos e punidos pelo artigo 324.º, por referência ao artigo 323.º, do Código da Propriedade Industrial, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante global de € 400,00;
4. Condeno os Arguidos nas custas fixando-se a taxa de justiça em 2 UC – artigos 513.º, n.º 1 e 514.º n.º 1, ambos do Código de Processo Penal;

2. Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpôs recurso a arguida N. M., formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1- A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não pode, sem fundamentação que o justifique, ser aplicada em conjunto e por generalização, a todos os arguidos.
2- A N. M. é objetivamente doente do foro psíquico, não tem autonomia e depende de terceira pessoa, está medicada cronicamente para tais patologias.
3- A sua doença, dependência de terceira pessoa e medicação para o efeito, consta de atestado médico junto aos autos a fim de justificar a falta na audiência, bem como no atestado que agora se junta, não obstante não poder ter sido apreciado em primeira instância.
4- A testemunha F. F., ainda acabou por referir que a arguida lhe pareceu razoável mas com Q I diferente das outras pessoas.
5- No entanto, como não estava presente na audiência de julgamento e sendo levantada a questão da doença / idoneidade, era razoável que o Tribunal, perante estes factos e antes de decidir, ordenasse a emissão de Relatório Social, dado que nenhum constava dos autos.
6- A N. M. apenas estava presente, como sempre está com quem no momento a acompanha, pois nem se sustenta a si própria.
7- Não consta dos autos qualquer prova que refira atos de venda por parte da N. M., ou que fazia compras e/ou que fixava os preços ou auferia dinheiro.
8- Não consta da fundamentação qualquer declaração ou razão de ciência que sustente e permita concluir que a N. M. tinha “perfeita consciência” ou sequer consciência, de agir de forma livre e voluntária ou de qualquer ilicitude.
9- Para concluir como a douta sentença, era exigível que o crime fosse praticado de facto pelo seu autor, a N. M. (e não genericamente por todos) e que tivesse consciência de agir de forma livre e voluntária.
10- Temos pois, erro de facto e erro de direito, sendo certo que a N. M. foi condenada por lhe serem imputados os factos provados por generalização com os dos restantes arguidos.
11- Os factos provados e respetiva condenação não deve ser extensiva à N. M., pelo que a arguida recorrente deve ser absolvida. 12- Em nosso modesto entendimento, deveria haver uma referência aos 21 anos da arguida, a ausência de antecedentes criminais.
13- Deve também improceder, por impossibilidade a condenação no pagamento de 400,00 € pelo facto de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 € ser igual a 300,00€.

No entendimento da recorrente foram violadas as disposições dos artigos 124 e 127 do C. P. Penal; os artigos 22, 26 e 143 n.º 1 do Código Penal; além de outros que o Venerando Tribunal entenda suprir.

NESTES TERMOS, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Bragança e em consequência
Absolver-se a recorrente da prática do crime em que foi condenada.
Assim se fazendo Justiça.
3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):

1. A sentença padece de lapso de escrita/cálculo no segmento do cálculo da pena de multa aplicada à arguida N. M., que deverá ser corrigido ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b) do CPP.
2. O Tribunal «a quo» não incorreu em qualquer erro de julgamento e/ou de apreciação da prova.
3. Não existe erro de julgamento ou incorreta decisão se o Tribunal simplesmente não adere à tese da defesa.
4. Foi feita prova suficiente de que a arguida N. M. praticou o crime pelo qual foi acusada e condenada.
5. Não resulta/resultava dos autos qualquer elemento que permita suspeitar da inimputabilidade da arguida N. M., nem a defesa requereu no tempo devido qualquer diligência de prova ou junção de documento com tal desiderato.
6. O relatório social não é obrigatório e depende de um juízo de necessidade para a escolha da pena, necessidade que Tribunal não sentiu.
7. O Tribunal fundamentou adequadamente a sua decisão no que respeita ao preenchimento do elemento subjectivo.
8. Ao ter aplicado uma pena de multa como pena principal, o Tribunal não tinha que (nem podia) aplicar o regime especial para jovens, o qual está reservado para os casos de aplicação da pena de prisão.
9. Não foi violado o disposto nos arts. 124.º, 127.º do CPP, 22.º, 26.º ou 143.º do Código Penal.
10. A decisão tomada deve ser mantida nos seus exatos termos.

V. Ex.as, porém, e como sempre, farão Justiça!

4. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando com a reposta do M.P. na 1ª instância, tendo concluído no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.
5. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º, e 412º, nº 1 do C. P. Penal.

Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, as questões a decidir são:

- Vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão do nº2 al. a) do artigo 410º do CPP;
- Vício de erro notório na apreciação da prova do nº 2 al. c) do artigo 410º do CPP; e
- Erro de julgamento da matéria de facto por via do disposto no artigo 412º, nºs 2 e 4 do CPP.

2. A decisão recorrida

1. Na sentença recorrida foram considerados como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação de facto [transcrição]:

Matéria de facto provada

Da prova produzida em audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. Os Arguidos dedicam-se ao comércio, em feiras de artigos de vestuário e perfumaria, pelo que, em seu nome e no seu interesse, procede à aquisição e à venda de tais produtos;
2. No dia .. de Junho de 2016, pelas 8:30 horas, na banca n.º .. da Feira de …, no Forte de …, os Arguidos tinham expostos para venda ao público as seguintes peças de vestuário e perfumaria:
3.
3.1. 2.1. Oitenta e quatro calças de fato de treino da marca “...”;
3.2. Nove fatos de treino da marca “...”;
3.3. Dezasseis calções da marca “...”;
3.4. Quarenta e nove fatos de treino de mulher da marca “...”;
3.5. Dezasseis leggins da marca “...”;
3.6. Quinze boxers da marca “...”;
3.7. Vinte e quatro T-shirts da marca “...”;
3.8. Onze calças de fato de treino da marca “...”;
3.9. Trinta e sete leggins da marca “...”;
3.10. Dezassete T-shirts da marca “...”;
3.11. Trinta e seis polos da marca “…”;
3.12. Vinte e cinco polos da marca “...”;
3.13. Cento e três boxers da marca “...”;
3.14. Dezoito T-shirts da marca “...”;
3.15. Oitenta e quatro polos da marca “...”;
3.16. Cento e três boxers da marca “...”;
3.17. Seis T-shirts da marca “...”;
3.18. Trezentos e oitenta e seis boxers/cuecas da marca “...”;
3.19. Uma T-shirt da marca “...”;
3.20. Oitenta e oito boxers da marca “...”;
3.21. Trinta e oito boxers da marca “...”;
3.22. Trinta T-shirts da marca “...”;
3.23. Trinta e três boxers da marca “…”;
3.24. Catorze boxers da marca “...”;
3.25. Cinco T-shirts da marca “...”;
3.26. Um boxer da marca “…”;
3.27. Três boxers da marca “…”;
3.28. Três T-shirts da marca “…”;
3.29. Sessenta e nove T-shirts da marca “…”;
3.30. Nove T-shirts da marca “…”;
3.31. Um perfume da marca “…”;
3.32. Um perfume da marca “…”;
3.33. Um perfume da marca “…”;
3.34. Um perfume da marca “…”;
4. Estas peças de vestuário e perfumaria estavam na posse dos Arguidos e não foram fabricadas pelos detentores das marcas que ostentavam, sendo peças de características e material diferentes e de qualidade inferior;
5. O fabrico dessas peças foi efetuado sem consentimento e o conhecimento dos legítimos detentores das marcas em questão, o que era do conhecimento dos arguidos;
6. Atribuindo-se um valor mínimo de 5€ por cada peça, temos 1337 peças, o que perfaz um valor mínimo de 6.685€ (seis mil e seiscentos e oitenta e cinco euros);
7. As peças de roupa (oitenta e quatro calças de fato de treino, nove fatos de treino, dezasseis calções, quarenta e nove fatos de treino de mulher, dezasseis leggins, quinze boxers e vinte e quatro T-shirts) da marca “...” não fazem parte da colecção dessa marca, não são modelos originais dessa marca, não respeitam as normas de etiquetagem obrigatórias dessa marca, não apresentam as etiquetas estampadas com as instruções de lavagem e origem de fabrico originais dessa marca, as etiquetas de tamanho não são originais, as etiquetas de cartão não são originais dessa marca nem apresentam todas as informações obrigatórias, os materiais e acabamentos finais e bordados não respeitam os padrões de qualidade da marca, os sacos de plástico que embalam as camisolas não são originais da marca, apresentando um plástico de matéria-prima diferente e apresentação de logotipo incorrecta;
8. As peças de roupa (onze calças de fato de treino, trinta e sete leggins e dezassete T-shirts) da marca “...” não fazem parte da colecção dessa marca, não são modelos originais dessa marca, não respeitam as normas de etiquetagem obrigatórias dessa marca, não apresentam as etiquetas ID e de referência/código de barras, os acabamentos finais não respeitam os padrões de qualidade da marca, apresentando imperfeições, não estão embalados nos sacos originais da marca, não contém furos anti sufocação, nem a informação sobre as características do produto nele embalado;
9. Os vinte e cinco pólos da marca “...” não possuem a etiqueta de código de barras com referência, cor, tamanho, pais de origem e composição do artigo, a qualidade dos produtos é inferior à dos utilizados pela marca, os logotipos apresentam imperfeições e não possuem as embalagens características da marca;
10. Os cento e três boxers da marca “...” apresentam acabamentos e materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais, não possuem as embalagens características da marca e apresentam etiquetas diferentes na cor, desenho e aspecto gráfico das utilizadas pela marca;
11. As dezoito t-shirts da marca “...” apresentam etiquetas de colarinho diferentes das originais na cor, desenho e aspecto gráfico, apresentam materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais e não possuem as embalagens características da marca;
12. Os oitenta e quatro pólos da marca “...”, não possuem as embalagens características da marca, apresentam etiquetas de colarinho diferentes das originais, os acabamentos e a qualidade dos materiais utilizados são inferiores aos utilizados nos originais e as costuras estão mal elaboradas;
13. Os cento e três boxers da marca “...” apresentam acabamentos e materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais, não possuem as embalagens características da marca e apresentam etiquetas diferentes na cor, desenho e aspecto gráfico das utilizadas pela marca;
14. As seis t-shirts da marca “...” apresentam etiquetas de colarinho diferentes das originais na cor, desenho e aspecto gráfico, apresentam materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais e não possuem as embalagens características da marca;
15. Os trezentos e oitenta e seis boxers/cuecas boxers/cuecas e uma T-shirt da marca “...” apresentam acabamentos e materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais, não possuem as embalagens características da marca e apresentam etiquetas diferentes na cor, desenho e aspecto gráfico das utilizadas pela marca;
16. Os oitenta e oito boxers da marca “...” possuem acabamentos e materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais da marca, não tinham embalagens características da marca e as etiquetas diferem das utilizadas pela marca quanto ao desenho, cor e aspecto gráfico;
17. Os trinta e oito boxers oitenta e trinta T-shirts da marca “...” apresentam uma etiqueta interior e exterior que não corresponde às obrigatórias e sempre presentes nos artigos originais da marca, não apresentam nenhuma das etiquetas exteriores obrigatórias e sempre presentes nos artigos originais da marca (nomeadamente etiqueta de composição, fabrico e de códigos);
18. Os catorze boxers da marca “...” apresentam acabamentos e materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais, não possuem as embalagens características da marca e apresentam etiquetas diferentes na cor, desenho e aspecto gráfico das utilizadas pela marca;
19. As cinco t-shirts da marca “...” apresentam etiquetas de colarinho diferentes das originais na cor, desenho e aspecto gráfico, apresentam materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais e não possuem as embalagens características da marca;
20. Os três boxers da marca “...” apresentam acabamentos e materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais, não possuem as embalagens características da marca e apresentam etiquetas diferentes na cor, desenho e aspecto gráfico das utilizadas pela marca;
21. As três t-shirts da marca “...” apresentam etiquetas de colarinho diferentes das originais na cor, desenho e aspecto gráfico, apresentam materiais de qualidade inferior aos utilizados nos originais e não possuem as embalagens características da marca;
22. As sessenta e nove t-shirts da marca “...” apresentam etiquetas de colarinho diferentes das originais, apresentam uma etiqueta exterior que não corresponde às obrigatórias e sempre presentes nos artigos originais da marca, não apresentam as etiquetas interiores obrigatórias e sempre presentes nos artigos originais da marca (nomeadamente etiqueta de composição, fabrico e de códigos);
23. As nove t-shirts da marca “...” apresentam uma qualidade muito inferior à utilizada pela marca, o modelo (cor/logotipo) nunca foi produzido pela marca e não possuem as etiquetas da marca com as condições de lavagem e composição, nem as etiquetas com o número de registo da marca;
24. O perfume da marca “...” apresenta uma embalagem de cor e aspecto gráfico diferente, apresenta um tubo de vaporizador demasiado comprido comparativamente aos originais da marca, apresenta um papel celofane de qualidade inferior e apresenta um vaporizador diferente e de qualidade inferior ao dos originais da marca;
25. O perfume da marca “...” apresenta uma embalagem de cor e aspecto gráfico diferente, apresenta um tubo de vaporizador demasiado comprido comparativamente aos originais da marca, apresenta um papel celofane de qualidade inferior e apresenta um vaporizador diferente e de qualidade inferior ao dos originais da marca;
26. O perfume da marca “...” apresenta uma embalagem de cor e aspecto gráfico diferente, apresenta um tubo de vaporizador demasiado comprido comparativamente aos originais da marca, apresenta um papel celofane de qualidade inferior e apresenta um vaporizador diferente e de qualidade inferior ao dos originais da marca;
27. O perfume da marca “...” apresenta uma embalagem de cor e aspecto gráfico diferente, apresenta um tubo de vaporizador demasiado comprido comparativamente aos originais da marca, apresenta um papel celofane de qualidade inferior e apresenta um vaporizador diferente e de qualidade inferior ao dos originais da marca;
28. Não obstante as diferenças que tais peças de vestuário e perfumes possuem em relação aos artigos originais, são susceptíveis de induzir em erro o consumidor quanto à natureza e características, fazendo este crer que adquire um produto original quando, na realidade, adquire uma imitação do mesmo;
29. As marcas referidas encontram-se registadas em Portugal;
30. Os arguidos adquiriam as referidas peças de vestuário e perfumaria a desconhecidos que não os representantes das marcas em Portugal com a finalidade de as revender a terceiros, por preço concretamente não apurado, e desta forma obter um benefício económico que sabiam não ser devido, aproveitando-se do prestígio que tais marcas tem no mercado;
31. Os arguidos não tinham qualquer documentação relativa aos artigos supra identificados;
32. Os arguidos agiram livre e conscientemente ao pretender vender os produtos acima mencionados, bem sabendo que os mesmos não eram originais da marca registada que lhe estavam apostas e que eram reproduções infiéis e não autorizadas por quem de direito;
33. Não sendo provenientes de fabrico ou do comércio dos titulares das respectivas marcas, nem de outrem autorizado, sendo, no entanto, susceptíveis de induzirem em engano o público consumidor em geral, mormente em virtude de possuírem em relação ao original características semelhantes a nível de modelo;
34. Conclui-se, então, pela utilização abusiva das marcas em causa, registadas em território nacional pelos respectivos titulares;
35. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e intenções, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei penal;

Mais se apurou que:

36. A Arguida N. M. não tem antecedentes criminais;
37. O Arguido J. M. tem os seguintes antecedentes:
37.1. Por sentença proferida no âmbito do PS n.o691/05.6PBGMR, que correu termos extinto 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, transitada em julgado em 09.06.2005, o arguido foi condenado pela prática, em 13.06.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa à razão diária de €1,50, num total de €90,00, a qual já se mostra extinta pelo pagamento;
37.2. Por acórdão proferido no âmbito do PCC n.o763/03.6PBGMR, que correu termos na extinta 1a Vara de Competência Mista de Guimarães, transitado em julgado em 27.03.2006, o arguido foi condenado pela prática, em 23.04.2003, de um crime de roubo (previsto e punido pelos artigos 210, n.o1 e 2, alínea b) do Código Penal), de um crime de furto qualificado (previsto e punido pelo art. 204, n.o2, alínea f) do Código Penal) e de um crime de ofensa à integridade física grave (previsto e punido pelos artigos 146, nos 1 e 2 e 132, n.o2, alínea g) do Código Penal), na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão, já extinta pelo cumprimento;
37.3. Por sentença proferida no âmbito do PS n.o483/06.65GBMTS, que correu termos extinto 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, transitada em julgado em 15.09.2006, o arguido foi condenado pela prática, em 02.07.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa à razão diária de €3,00, a qual já se mostra extinta pelo pagamento;
37.4. Por sentença proferida no âmbito do PCS n.o150/05.5GTBGC, que correu termos extinto 2.o Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mirandela, transitada em julgado em 24.10.2007, o arguido foi condenado pela prática, em 28.09.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 140 dia de multa à razão diária de €3,00, num total de €420,00, já extinta pelo cumprimento;
37.5. Por sentença proferida no âmbito do PCS n.o616/05.9PBGMR, que correu termos extinto 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, transitada em julgado em 21.04.2008, o arguido foi condenado pela prática, em 30.04.2005, de um crime de roubo, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 210, n.os 1 e 2, alínea b), 204, n.o2, alínea f) e 204, n.o4 do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, já extinta;
37.6. Por sentença proferida no âmbito do PCS n.o68/07.9GBMTS, que correu termos extinto 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, transitada em julgado em 25.02.2009, o arguido foi condenado pela prática, em 09.02.2007, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143, n.o1, 145, nos 1, alínea a) e 2 e 132.o do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão efectiva, já extinta pelo cumprimento;
37.7. Por sentença proferida no âmbito do PCS n.o2581/06.6PBBRG, que correu termos extinto 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, transitada em julgado em 17.06.2009, o arguido foi condenado pela prática, em 29.10.2006, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, nas penas de 160 dias de multa à razão diária de €2,50 e de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa à razão diária de €2,50, penas essas que já se mostram extintas;
37.8. Por sentença proferida no âmbito do PCS n.o656/03.2PBGMR, que correu termos extinto 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, transitada em julgado em 06.07.2009, o arguido foi condenado pela prática, em 02.04.2003, de um crime de violência depois da subtracção, previsto e punido pelo art. 211.o do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pena essa já extinta;
37.9. Por sentença proferida no âmbito do PCS n.o 355/15.2PBBGC, que correu termos no Juiz 1, Juízo Central Criminal de Bragança, transitada em julgado em 01-06-2017, o arguido foi condenado pela prática, em 08-08-2015, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.o do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;
38. A Arguida M. S. tem os seguintes antecedentes criminais:
38.1. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 365/09.9JAPRT, que correu termos na 3.ª Vara Criminal do Porto, transitada em julgado em 26-04-2011, foi condenada pela prática, em 06-06-2009, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 10 meses de prisão, suspensa;
38.2. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 910/12.2GAFAF, que correu termos no juízo Local Criminal de Fafe, transitada em julgado em 10-10-2014, foi condenada pela prática, em 12-09-2012, de um crime de venda, ocultação e circulação de produtos, na pena de 50 dias de multa;
38.3. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 127/12.6GCGMR, que correu termos no Juízo Local Criminal de Guimarães, transitada em julgado em 09-09-2016, foi condenada pela prática, em 02-04-2014, de um crime de venda, ocultação e circulação de produtos, na pena de 100 dias de multa;
38.4. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 569/14.2GAFAF, que correu termos no Juízo Local Criminal de Fafe, transitada em julgado em 16-11-2016, foi condenada pela prática, em 20-08-2014, de um crime de venda, ocultação e circulação de produtos, na pena de 110 dias de multa;
*
Consigna-se que não foram considerados os factos negativos (dos factos provados), os factos meramente conclusivos e os factos desprovidos de interesse e relevância para a decisão da causa.
*
C) Motivação da decisão de facto

O Tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto considerada provada, na análise crítica e conjugada das declarações das testemunhas F. F., F. M. e A. E., agentes da PSP, assim como da análise global e pormenorizada do teor dos documentos que constam dos autos, apreciados de acordo com as regras de experiência comum e de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova.
Dessa forma, tendo presentes os meios de prova já referidos, isoladamente ou conjugados entre si, cumpre concretizar como se formou a convicção do Tribunal.
Desde logo, e em primeira linha, cumpre referir que nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas resultou que todos os Arguidos se encontravam, naquele momento, a proceder à atividade de venda ao público dos bens apreendidos nos presentes autos (e descritos a 2.).
Destaque para as declarações do Agente F. F., o qual assumiu conhecer esta família (M. S. é mãe de J. M. e de N. M.) por serem investigados pela prática de outros crimes, mas que nesta data se deslocavam a Bragança para exercer a atividade de venda de artigos de vestuário e perfumaria.
Todas as testemunhas confirmaram que no preciso momento da intervenção estavam todos os Arguidos a exercer a atividade de venda, sendo por esse motivo evidente o descrito em 1. e 3..
As testemunhas, enquanto agentes responsáveis pelas fiscalizações em causa, descreveram as operações em que se deslocaram à feira de Bragança e, em concreto, à banca onde estavam os 3 Arguidos, confirmando na íntegra o que está vertido no auto de notícia e no auto de apreensão (de fls. 4 e 6).
Quanto aos produtos apreendidos e descritos em 2., além destes depoimentos, foi decisivo o auto de apreensão.
O depoimento das testemunhas foi inda relevante para o descrito em 5., destacando-se o depoimento de A. E. que, neste articular, foi incisivo.
Especificamente quanto à factualidade de 3. a 28., considerou-se, ainda, a documentação junta aos autos, designadamente: as perícias efetuadas a fls. 140 (...), fls. 191 (...), fls. 192 (...), fls. 193 (...), fls. 194 (paco rabanne), fls. 195 (...), fls. 196 (...), fls. 197 (...), fls. 198 (...), fls. 199 (...), fls. 200 (...), fls. 201 (...), fls. 202 (...), fls. 203 (...), fls. 253 (...), fls. 259 (...), fls. 265 (...), e informações de fls. 55 a 63, 79 a 113, 127 a 129 e 141 a 148
Quanto aos factos vertidos em 29. a 34., tal resulta do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas, de acordo com as regras da razoabilidade e da experiência comum, já que o dolo e o conhecimento são realidades não diretamente apreensíveis, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Aliás, das declarações prestadas pelas testemunhas resulta que os mesmos tinham perfeita consciência que este tipo de condutas são proibidas e punidas por lei.
Por último, no que se refere aos antecedentes criminais dos Arguidos, o Tribunal baseou-se na análise dos certificados de registo criminal.

3. Apreciação do recurso

Delimitado, nos termos sobreditos, o objeto do recurso interposto pela arguida N. M., vejamos, então, cada uma das questões acima enunciadas.

3.1- A recorrente insurge-se contra a fundamentação sentença recorrida, nos termos referidos nas conclusões 1, 8 e 9, tendo concluído verificar-se “erro notório na apreciação da prova pois que, segundo refere, “a prova produzida analisada e valorada não pode conduzir à matéria de facto provada extensiva para sustentar a condenação da arguida N. M.”. E que “…deveria haver mais rigor por parte dos Tribunais a quo, pois situações como esta (condenar uma dependente de terceiro e não autónoma) chegam ao conhecimento da comunicação e apenas servem para desprestigiar a justiça”.

A procedência da argumentação aduzida pela recorrente, pese embora a recorrente não o referia como seria de supor, conduziria à verificação do vício de erro notório na apreciação da prova da al. c) do nº 2 do artigo 410º do CPP.

Vejamos se lhe assiste razão.

O vício de erro notório na apreciação da prova do nº 2 al. c) do artigo 410º do CPP ocorre quando, analisada a decisão recorrida na sua globalidade por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos extrínsecos, resulta, de forma ostensiva e inequívoca, que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em patente oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 27/10/2010, “ o erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, al. c) do CPP, é uma anomalia de confeção técnica decisória, a resultar do texto da decisão recorrida, quando nela existam ou se revelam distorções de ordem lógica entre factos provados e não provados ou que traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, que, por isso mesmo não passa despercebida imediatamente a uma verificação e observação sem esforço, tomando-se como ponto de referência o homem médio (…)» - cfr. CJ - ASTJ – Ano XVIII, tomo III, pág. 243 e ss.

No caso vertente, em face do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se vislumbra qualquer situação de onde se possa concluir pela verificação do mencionado vício.
Com efeito, no sentido de evidenciar o apontado erro notório na apreciação da prova, a recorrente lança mão de elementos estranhos à decisão recorrida, designadamente a gravação dos depoimentos efetuados pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, bem assim de dois atestados médicos juntos aos autos após a leitura da sentença recorrida (2). Com base nestes elementos, a recorrente conclui, nomeadamente, que a arguida N. M. é doente mental, pessoa não autónoma ou dependente de terceiros, retirando destes factos consequências ao nível dos factos considerados como provados na sentença recorrida.
Porém, a apreciação da prova efetuada pelo tribunal recorrido, considerando apenas no seu texto e conjugada com as regras da experiência comum, é perfeitamente coerente e lógica, baseada na prova documental e pericial junta e nos depoimentos efetuados pelos agentes da PSP F. F., F. M. e A. E. que visualizaram os arguidos que tinham expostos para venda (não estão aqui em causa quaisquer atos de venda) os artigos contrafeitos que vieram a ser apreendidos.
Por isso, temos por não verificado o vício de erro notório na apreciação prova.

3.2- A recorrente sustenta que é objetivamente doente do foro psíquico, não tem autonomia e depende de terceira pessoa, encontrando-se medicada cronicamente para tais patologias, conforme atestados médicos juntos aos autos a fim de justificar a falta na audiência. Acresce que a testemunha F. F., agente da PSP, ainda acabou por referir que a arguida lhe pareceu razoável, mas com QI diferente das outras pessoas, conforme gravação da prova produzida em audiência de julgamento. No entanto, como a arguida N. M. não estava presente na audiência de julgamento e sendo levantada a questão da doença / idoneidade, era razoável que o Tribunal, perante estes factos e antes de decidir, ordenasse a emissão de relatório social, dado que nenhum constava dos autos (cfr. conclusões 2, 3, 4 e 5).

Ao assim concluir, a recorrente suscita, pois, a falta de relatório social a que se refere o artigo 370º, nº 1 do CPP, segundo o qual “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo.”
Tendo presente a redação desta norma, decorre que a realização de relatório social não constitui um ato obrigatório, mas sim facultativo. A lei é clara ao dizer que “o tribunal pode …logo que o considerar necessário à correta determinação da sanção” solicitar a elaborar a realização de relatório social.
Por relatório social entende-se “ a informação sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objetivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei”, cfr. artigo 1º, al. g) do CPP.
Na ausência de outros elementos de prova, o relatório social poderá ser essencial para conhecer a inserção familiar e socioprofissional do arguido e da sua personalidade, o que é importante para a determinação da medida da pena, designadamente para a formulação de um juízo de culpa e da fixação da taxa diária da pena de multa, cfr. artigo 71º, nº 1 e nº 2 al. d) e artigo 47º, nº 2, ambos do CP. Logo, da sua não realização poderá decorrer a verificação da nulidade prevista no artigo 120º, nº 2 al. d) do CPP na forma de “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”.

No caso vertente, o tribunal recorrido não solicitou a realização de relatório social e, quanto à arguida recorrente, condenou-a numa pena de multa próxima dos limites mínimos legais, sendo a taxa diária da pena de multa fixada no mínimo legal.
Por outro lado, a defesa da arguida não requereu a realização oportuna de relatório social, podendo fazê-lo, como é sabido, quer na contestação, quer em audiência de julgamento. E, do mesmo modo, não suscitou a nulidade atrás referida, a qual, por isso, a ter ocorrido, mostra-se sanada.
Porém, a recorrente sustenta que “sendo levantada a questão da doença / idoneidade era razoável que o Tribunal, perante estes factos e antes de decidir, ordenasse” a elaboração de relatório social. Para depois concluir que “Não consta da fundamentação qualquer declaração ou razão de ciência que sustente e permita concluir que a N. M. tinha “perfeita consciência” ou sequer consciência, de agir de forma livre e voluntária ou de qualquer ilicitude” (cfr. conclusão 8).
Ora, por forma algo confusa, a recorrente entende que, no decurso da audiência de julgamento, suscitou-se a questão de sofrer de doença mental e que, por isso, deveria o tribunal de primeira instância ter solicitado a elaboração de relatório social. Acresce que, e seguindo o raciocínio da recorrente, não se encontrando fundamentado na sentença recorrida que a N. M. tinha “perfeita consciência” ou sequer consciência, de agir de forma livre e voluntária ou de qualquer ilicitude, o tribunal deveria, de igual modo, segundo nos parece depreender-se ter sido intenção da alegação da recorrente, ter solicitado a elaboração de perícia com vista ao apuramento da sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída.
A verdade é que da audiência não decorre que pudesse ser possível suspeitar sequer que a arguida N. M. sofresse de doença do foro psiquiátrico e muito menos ainda que fosse de fundadamente suscitar a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, relativamente aos factos constantes da acusação contra ela deduzida.
Com efeito, se assim fosse, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, ordenaria a realização da respetiva perícia médico-legal, por força do disposto no artigo 351º, nºs 1 e 2 do CPP, segundo o qual “1- Quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele. 2 - O tribunal pode também ordenar a comparência do perito quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da imputabilidade diminuída do arguido.”
Aliás, nem a defesa da recorrente, no decurso da audiência de julgamento, requereu o que quer que seja nesse sentido. O que se verificou foi que já depois de concluída a audiência de julgamento e de proferida a sentença é que a defesa do arguido, em face do teor do atestado médico junto com vista à justificação da falta da arguida na audiência de julgamento é que decidiu suscitar a questão apenas em sede do presente recurso. O certo é que o atestado médico, como a recorrente reconhece, não pode ser considerado pelo tribunal de primeira instância na sentença que proferiu, e por via disso também este Tribunal da Relação, na qualidade de tribunal de recurso, não pode considera-lo, uma vez que lhe está vedado conhecer de questões novas.
Outrossim, não se diga, como faz a defesa da recorrente, porque a arguida não esteve presente em audiência de julgamento, nada pôde fazer. Efetivamente, tendo a arguida faltado à audiência de julgamento, a qual decorreu sem a sua presença, a sua defesa poderia ter requerido que fosse ouvida na segunda data designada para o efeito, nos termos do disposto no artigo 333º, nº 3 do CPP, mas nada requereu.
Por conseguinte, e pese embora não invocado pela recorrente, entendemos que da não realização de relatório social e da perícia com vista ao apuramento da inimputabilidade ou imputabilidade diminuída da arguida não decorre a verificação do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão (3), a que se alude no nº 2 al. a) do artigo 410º, do CPP, o que teria obrigatoriamente de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum, o que não é manifestamente o caso.
Pelo exposto, ao contrário do defendido pela recorrente e particularmente com vista à finalidade por ela referida, não tinha o tribunal recorrido que ter ordenado a realização de relatório social relativamente à arguida N. M. e a realização de perícia com vista indagar da sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída.

3.3- A recorrente insurge-se contra a matéria de facto, referindo que a prova produzida em sede audiência de discussão e julgamento não pode ser aplicada, em conjunto e por generalização, a todos os arguidos. Os factos provados e a respetiva condenação não deve ser extensiva à N. M., pelo que deve ser absolvida (conclusões 1 e 11). Assim, a recorrente pretende a alteração da sentença recorrida no que concerne à matéria de facto provada.
O erro de julgamento em matéria de facto ocorre quando o tribunal dá como provado um facto sem que se tenha feito prova do mesmo, ou quando dá como não provado um facto que deveria, em face da prova produzida, ter sido considerado como provado.
Como é sabido, a matéria de facto pode ser impugnada por duas formas: através da invocação dos vícios do artigo 410.º n.º2 do CPP, ou seja, pela designada “revista alargada”, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do artigo 412.º n.º3 e 4 do mesmo diploma.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, os quais têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos àquela, para a fundamentar.

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova produzida em audiência, mas dentro dos limites do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art.412.º do C.P.Penal.

No caso em apreço, a recorrente, suscitou o erro de julgamento, fazendo uso da prova gravada, mais precisamente dos depoimentos efetuados pelas testemunhas F. F., F. M. e A. E..
Ora, o artigo 412º, nº 3, aI. a) e b), do CPP é claro ao estabelecer que quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, assim como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Foi propósito do legislador com a referida norma delimitar claramente o âmbito do recurso interposto sobre a decisão a matéria de facto, em termos de o permitir apenas nos casos em que haja uma identificação do concreto erro de julgamento ocorrido, bem como dos específicos meios de provas que concretamente o demonstram.
Por outro lado, o nº4 do artigo 412 do CPP dá concretização naquela norma, estabelecendo que no caso de as provas terem sido gravadas, as especificações previstas na aI. b) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Ora, a identificação concreta do erro de julgamento, por via da indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida são verdadeiramente essenciais para que o tribunal de recurso possa conhecer do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto.
Acresce que, conforme tem sido, unanime e repetidamente, sustentado pela jurisprudência (4) e doutrina (5), o recurso da matéria de facto visa a deteção do erro de julgamento em matéria de facto, não constituindo um segundo julgamento como se não tivesse ocorrido um julgamento anterior.
O erro de julgamento da matéria de facto tem de ser especificamente apontado, com indicação dos factos concretos a que o mesmo se reporta e especificação das respetivas provas.
A definição do objeto do recurso nos sobreditos termos, não significa que o tribunal da relação não possa apreciar todas as provas, bem assim que o recorrente não possa indicar, por forma especificada, todas as provas se tal se afigura necessário ao conhecimento do objeto do recurso.
Porém, a assim suceder, mesmo nessa hipótese, o tribunal da relação não pode funcionar como tribunal de julgamento em primeira instância, colocando-se no papel do juiz de julgamento, como se o julgamento fosse decorrer agora pela primeira vez.
A razão de assim ser é facilmente compreensível, porquanto o objeto do julgamento em primeira instância é definido pela acusação e pelo pedido de indemnização civil, este no caso de existir, enquanto que o objeto sobre que incide o recurso é a sentença ou acórdão, o qual se pretende sindicar.

Por outro lado, no tribunal da relação, diferentemente do que sucede na primeira instância, os juízes não têm a posição privilegiada do juiz de julgamento no processo da produção da prova quanto à imediação e à oralidade, não podendo intervir no desenrolar da prova pessoal, uma vez que a mesma já decorreu, podendo apenas reexaminar o processo da sua produção no sentido de detetar algum erro que possa ter existido.

Por conseguinte, ao tribunal da relação em sede recurso da matéria de facto, compete apenas sindicar a prova produzida em primeira instância, por forma a averiguar da ocorrência de erro de julgamento, mas sempre segundo o objeto do recurso definido pelo recorrente nas respetivas conclusões. Por último, diga-se não vemos obstáculo a que recorrente indique todas as provas ou indique o depoimento integral das testemunhas, posto que tal se afigure imprescindível para que evidencie o erro de julgamento, o qual terá se indicar, por forma a que o mesmo possa ser corrigido se for caso disso.

No caso vertente, a recorrente, pese embora se insurja contra a generalização da aprova, não indica os pontos de facto sobre os quais o tribunal de primeiro instância incorreu em erro de julgamento, bem assim a indicação das provas que impõe decisão diversa da decisão recorrida, porquanto, para tanto, não basta a mera indicação de tais provas. Estas o recorrente indicou-as, na medida em que as provas que servem de suporte à sua tese recursiva são os depoimentos efetuados pelas testemunhas F. F., F. M. e A. E., todos elementos da GNR, arrolados na acusação deduzida pelo M.P..
Mas o que se impunha era que o recorrente, para além de ter indicado as provas, explicasse, com base nelas, os motivos pelos quais o tribunal recorrido não poderia ter considerado provados os factos contra os quais se insurge e que foram considerados provados. Ou seja, impunha-se que evidenciasse claramente o erro de julgamento, o que tinha obrigatoriamente de ter feito por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. A verdade, porém, é que a recorrente não cumpriu aqueles ónus, não tendo indicado nem os pontos de factos incorretamente julgamos, nem as provas que impõem decisão diversa da recorrida. Assim sendo, este tribunal de recurso está impedido de modificar a matéria de facto, com fundamento na prova gravada.
Na verdade, a mera omissão de tais indicações nas conclusões do recurso conduziria à formulação de convite para as completar, nos termos do nº 3 do artigo 417º do CPP, se tais indicações constassem da motivação. Não constando da motivação, nem sequer é admissível o convite para correção, visto o aperfeiçoamento previsto naquela última norma não permitir a modificação do âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (nº 4 do mesmo artigo).
Neste sentido, vide Ac TC nº 140/2004, de 10.03, procº nº 565/2003, DR, II série, de 17.04.2004, segundo o qual “Não é inconstitucional a norma do artigo 412°, nº 3 do CPP interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nela exigida tem como efeito o não conhecimento da matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências”.
Por conseguinte, decide-se não conhecer do mérito do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, com base na prova gravada, improcedendo, consequentemente, o recurso nesta parte.

3.4- A recorrente insurge-se também contra a circunstância de na sentença não se ter feito qualquer referência ao facto de a arguida ter 21 anos de idade na data da prática dos factos e de não ter antecedentes criminais. Porém, a recorrente não refere a propósito e para que feitos, no seu entender, o tribunal recorrido teria de ter considerado tais factos.

Assim, na resposta ao recurso, o M.P. entendeu que a referência à idade da arguida (21 anos) se pretendia fazer crer que o tribunal deveria ter-se pronunciado sobre a aplicação do DL nº 401/82, de 23.09, que prevê um regime penal especial para jovens, tendo até defendido a sua não aplicação no caso concreto porque o tribunal condenou a arguida em pena de multa e o referido diploma, em seu entender, apenas é de ponderar a sua aplicação quando esteja em causa pena de prisão.
Porém, o invocado diploma legal aplica-se apenas a jovens que à data da prática dos factos tiverem completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos, cfr. artigo 1º do referido diploma legal. O que não é o caso, uma vez que a arguida N. M. na data da prática dos factos já havia completado 21 anos de idade (nasceu a -.01.1995 e os factos tiveram lugar em 17.06.2016). De qualquer forma sempre se dirá que, ao contrário do alegado pela recorrente, o tribunal recorrido atendeu ao facto de a arguida, aqui recorrente, não ter antecedentes criminais (cfr. fls. 548).
Por conseguinte, nenhum efeito há a retirar de a arguida ter 21 anos de idade na data da prática dos factos, bem assim do facto de a arguida não ter antecedentes criminais, uma vez que a recorrente não refere a que propósito e para que efeitos, no seu entender, o tribunal recorrido deveria ter considerado tais factos.

3.5- Por último, importa referir que a sentença recorrida padece de manifesto lapso de escrita ou de cálculo, o qual foi apontado pela recorrente, e que consiste no facto de, no dispositivo da sentença, se ter indicado o valor de €400,00 da multa em que a arguida N. M. foi condenada quando se deveria ter indicado o valor de €300,00, que corresponde ao cálculo da pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €5,00, em que a arguida foi condenada.
Nesta conformidade, impõe-se proceder à correção do referido lapso de escrita ou de cálculo, nos termos do disposto no artigo 380º, nº 1 al. b) e nº 2 do CPP.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

1) Ordenar a correção do dispositivo da sentença recorrida, por forma a que, na parte relativa à condenação da arguida N. M., onde aí se lê €400,00 passe a constar €300,00, em conformidade com o disposto no artigo 380º, nº 1 al. b) e nº 2 do CPP; e
2) Em negar provimento recurso interposto pela arguida N. M. e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.
*
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 Ucs – artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1 do C.P.P. e artigo 8º, nº 9 do R.C.P. e tabela III anexa a este último diploma legal.
Notifique.
Guimarães, 27.04.2020

(Armando da Rocha Azevedo - Relator)
(Clarisse Machado S. Gonçalves - Adjunta)



1. Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. Note-se que em processo penal os documentos devem ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo possível, devem sê-lo até ao encerramento da audiência da 1.ª instância, cfr. artigo 165º, nº 1 do CPP. Por isso, “Os art.º 425.º e 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que em certas condições permitem a junção de documentos com as alegações dos recursos cíveis, não têm aplicação no processo penal por via do art.º 4 deste último código, por não se tratar de caso omisso”, cfr. Ac RE de 18.02.2020, processo 73/15.1GHSTC.E1, rel. Martinho Cadoso, acessível em www.dgsi.pt.
3. O vício da insuficiência da matéria de facto “é impeditivo de bem se decidir, tanto no plano objetivo como subjetivo, o julgador quedou-se por uma investigação lacunar, deixou de indagar factos essenciais à decisão de direito, figurando na acusação, defesa ou resultantes da decisão da causa, impedindo de bem decidir no plano do direito , comprometendo a conclusão final do silogismo judiciário..”, cfr. Ac STJ de 08.01.2014, processo 7/10.0TELSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt. O aludido vício verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição.
4. Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, disponíveis em www.dgsi.pt.
5. Segundo o Prof. Germano Marques da Silva “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância” Forum Justitiae, Maio 99. Em sentido idêntico sustenta Damião Cunha ao afirmar que os recursos “…são entendidos como juízos de censura crítica « e não como «novos julgamentos», in O Caso Julgado Parcial, Publicações Universidade Católica, 2002, pág. 37.