Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1684/14.8T8VCT.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: CONTRATO PROMESSA
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
HIPOTECA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do relator:

1- O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, quando adota o comportamento (positivo ou negativo) que satisfaz o interesse do respetivo credor. Satisfeito esse interesse, esgota-se a finalidade para que foi constituída a obrigação e, portanto, a mesma deixa de ter razão de existir e extingue-se.

2- No contrato promessa não é diferente. Tratando-se de um negócio jurídico através do qual as partes se obrigam a celebrar um outro contrato (definitivo), nos termos ajustados e legalmente estabelecidos, cumprido este objeto, o mesmo extingue-se.

3- Convencionando as partes num contrato de compra e venda que o do registo da hipoteca ainda pendente sobre o imóvel alienado deveria ser cancelado dentro do limite temporal aí estabelecido, esse convénio deve ter-se por derrogatório de uma outra cláusula estabelecida no contrato promessa que o antecedeu, celebrado entre as mesmas partes, no qual estas convencionaram que o contrato definitivo só poderia ser celebrado se nenhum ónus ou encargo impendesse sobre tal imóvel.

4- Como tal, este contrato promessa não pode ser resolvido com base no incumprimento de tal cláusula, nele aposta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

1- António, e esposa, Maria, intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra X – Sociedade de Construção e Promoção Imobiliária, Ldª (X), e Banco A, S.A., alegando, em breve resumo, que o A., no dia 11/08/2000, celebrou um contrato promessa com a sociedade, Y – Compra e Venda de Propriedades, Ldª, mediante o qual se comprometeu a comprar-lhe, livre de ónus ou encargos, um armazém pela mesma construído, pelo preço de 30.000.000$000.

Não obstante ter pago 27.000.000$00, a título de sinal, porém, nunca celebrou o contrato de compra e venda definitivo, por aquela sociedade ter entrado em crise financeira.

Fruto dessa crise, a mesma sociedade cedeu a sua posição contratual à Ré, X, que passou a ocupar o lugar de promitente vendedora do referido armazém, mas agora pelo preço global de 177.779,37€, contemplado num outro contrato promessa de compra e venda celebrado com os AA., o qual incorporava todo o demais conteúdo do contrato anterior.

Entretanto, foi-lhes cedida a posse do dito armazém, mas ficou convencionado que o remanescente de 14.963.94€ só seria pagou aquando da celebração do contrato definitivo.

E este, efetivamente, veio a ser celebrado no dia 21/05/2003. Porém, ficou pendente o registo de uma hipoteca a favor do Banco A, S.A.
Por isso, acordaram as partes que os 14.963.94€ em falta seriam pagos quando a Ré procedesse ao distrate da dita hipoteca, o que aquela se comprometeu a fazer até 31/12/2003, prazo que convencionaram poder ser prorrogado por seis meses, uma única vez e a pedido da Ré.

Tal distrate, no entanto, nunca veio a ser realizado. Isto, apesar de já terem decorrido todos os prazos e de para isso a referida Ré ter sido interpelada informal e formalmente, incluindo com concessão de novo prazo para cumprimento, sob pena dos AA. perderem o interesse no cumprimento dos contratos. Mas, nada foi feito, tendo a dita Ré encerrado toda a sua atividade.

Neste contexto, consideram ambos os contratos (o último contrato promessa e o contrato de compra e venda) definitivamente incumpridos.

Por isso, pedem que (i) se reconheça que é imputável à Ré X o incumprimento culposo e definitivo do contrato de compra e venda e da anterior promessa; (ii) que se considerem resolvidos ambos os contratos; e (iii) se condene a Ré X a pagar-lhes a quantia de 210.036,06€, acrescida de juros de mora, à taxa máxima legal, até efetivo e integral pagamento.

2- Contestou a Ré, Banco A, refutando esta pretensão, porquanto, em suma, não se verifica, a seu ver, qualquer incumprimento definitivo dos aludidos contratos.
Daí que pugne pela improcedência desta ação e pela absolvição das Rés do pedido.
3- A Ré X foi citada editalmente e o Ministério Público assumiu a sua representação em juízo, sem, no entanto, contestar.
4- Terminados os articulados, depois de conferida a regularidade e validade da instância, foi proferida sentença na qual se julgou improcedente a presente ação quanto ao pedido de resolução do contrato promessa celebrado entre a Ré X e o A., no dia 26/12/2002, pedido do qual foram absolvidos os RR.
5- Esta decisão, no entanto, veio a ser revogada em sede de recurso, tendo aí sido determinado que os autos prosseguissem “para apreciação do mérito do pedido de resolução do contrato promessa na sentença final após apreciação do pedido de resolução do contrato definitivo”.
6- Entretanto, foi também proferida sentença na qual se julgou parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, declarou-se resolvido o contrato de compra e venda “celebrado entre o A. marido e a Ré X em 21 de Maio de 2003, condenando esta a restituir ao Autor a quantia de € 134.675,43, actualizada pela aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda de 1,20, até à data da citação, acrescida de juros de mora a contar da citação, à taxa de 4% ao ano, contados sobre esse capital actualizado, até integral e efectivo pagamento”.
7- Quando conhecido o resultado do já referido recurso, foi, no dia 11/09/2017, determinada a realização de uma nova audiência prévia para seleção dos temas da prova considerados relevantes para o objeto que aí se considerou como sobrante; ou seja, a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 26/12/2002.
8- Dado a conhecer às partes o despacho que assim decidiu, nenhuma delas reagiu e foi realizada a dita audiência prévia.
9- Depois, realizou-se a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que julgou improcedente a presente ação quanto ao pedido de resolução do contrato promessa celebrado entre a Ré X e o A., no dia 26/12/2002, pedido do qual absolveu as Rés.
10- Inconformados com esta sentença, reagiram os AA., terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

A. Do ponto 1) dos factos dados como provados na sentença, consta que “Encontra-se inscrita a favor da Ré Banco A, S.A. na descrição predial n o 658/19940103, da Conservatória do Registo Predial, a constituição de uma hipoteca para garantia de um crédito de € 1.870.493,00 até ao limite de € 2.615.884,46, conforme se retira da cópia da certidão de fls. 45 a 47 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;”

B. Contudo, ela deverá passar a ter a seguinte redacção, com base nos factos alagados pela Ré BANCO A, e nos documentos constantes dos autos:

“Encontra-se inscrita a favor da Ré Banco A, S.A. na descrição predial n° 658119940103, da Conservatória do Registo Predial, através da apresentação (AP. 6 de 2002. 01.16), a constituição de uma hipoteca para garantia de um crédito de € 1.870.493,00 até ao limite de € 2.615.884,46, conforme se retira da cópia da certidão de fls. 45 a 47 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, hipoteca essa lavrada por escritura pública de 26 de Fevereiro de 2002;

C. A sentença recorrida, ao julgar improcedente o pedido de resolução do contrato­ promessa, entra em contradição com o que nos autos já havia sido entendido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, sobre esta mesma questão, no acórdão proferido nestes mesmos autos, por este Tribunal, em 20 de Abril de 2017.

D. Isto porque, o acórdão já proferido nos presentes autos pela Relação de Guimarães, deu resposta clara e concisa às questões suscitadas na decisão então recorrida, e que atrás se enunciaram, posto o que decidiu, de forma inteiramente clara, duas coisas:

a. que a resolução do contrato prometido, opera retroactivamente, tal como opera a declaração judicial da nulidade do negócio jurídico.
b. que a celebração do contrato definitivo não obsta ao pedido de resolução do contrato promessa que visou cumprir;

E. Ora, a sentença ora recorrida, utilizou precisamente os mesmos fundamentos, pelo que violou claramente o caso julgado formal, resultante daquele primeiro acórdão desta mesma Relação de Guimarães.

F. Na verdade, ao julgar improcedente o pedido de declaração de resolução do contrato promessa de compra e venda, não porque os Autores não lograram provar os factos alegados, mas apenas porque insiste nos mesmos argumentos julgados improcedentes no recurso que revogou o saneador/sentença proferido, a sentença violou claramente o julgado formal resultante daquele primeiro recurso.

G. A sentença recorrida, ao deitar mão à argumentação e fundamentos usados no saneador revogado, para sustentar a decisão de, de novo julgar improcedente o pedido de resolução do contrato-promessa, ofendeu claramente o caso julgado formal constituído no acórdão desta relação, já proferido nos presentes autos, pelo que, nessa medida, viola claramente o disposto no artigo 620.° (Caso julgado formal) n° 1 do CPC, segundo o qual “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”

H. Segundo a sentença, “Uma vez que o pedido de resolução do contrato definitivo já foi julgado, determinou-se o prosseguimento dos autos para conhecimento, tal como determinado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, do mérito do pedido de resolução do contrato-promessa.”

I. Esta opção do julgador parece-nos correcta e adequada, quanto ao julgamento de facto, até por razões de economia processual, mas parece-nos, contudo, que ela não deveria incluir o julgamento de direito já proferido, por ele poder, natural e obviamente, conflituar com o julgamento da questão relativa ao pedido de resolução do contrato de compra e venda, porquanto tal pedido conduziu a uma condenação que se pode revelar insuficiente, face à eventual resolução do contrato promessa, resultante do segundo julgamento.

J. A eventual procedência do presente recurso, julgando-se a final também procedente o pedido de resolução por incumprimento do contrato promessa, poderá acarretar a condenação daquela Ré num valor superior, que há-de corresponder, tal como pedido, não apenas à restituição do entretanto prestado pelos compradores, mas, acima disso, ao valor da coisa “ou do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”, tal como prescreve o artigo 442° n° 2 do CC.

K. Ou seja, a procedência do presente recurso, irá por certo conduzir a uma condenação que não poderá coexistir com parte da condenação já proferida no processo, relativa à quantia que a Ré X deve pagar aos Autores, que se baseou apenas na restituição do que foi prestado pelo comprador.

L. Daí resulta que, que se deve entender que aquele primeiro acórdão proferido pela Relação de Guimarães, ao revogar o saneador, na parte em que julgou improcedente o pedido de resolução do contrato promessa, terá abranger igualmente a revogação da condenação proferida na primeira sentença.

M. Aliás, o dispositivo de tal acórdão, ao mandar “...os autos prosseguir para apreciação do mérito do pedido de resolução do contrato-promessa na sentença final após apreciação do pedido de resolução do contrato definitivo”, inculca claramente o sentido de que, na nova sentença final a proferir, o tribunal, em face dos factos julgados provados, iria apreciar o pedido de resolução do contrato promessa, “após apreciação do pedido de resolução do contrato definitivo.”
N. Ou seja, o tribunal terá de se pronunciar de novo sobre o pedido de resolução do contrato de compra e venda, o que, como se vê do dispositivo da sentença, se nos afigura não ter sido feito.

O. Tendo-se presente que a revogação de um despacho como o saneador, tem um efeito equivalente ao da sua anulação, não devemos perder de vista que a revogação do saneador, resultante do acórdão já proferido nos presentes autos, terá o efeito de revogar igualmente, “…os termos subsequentes que dele dependam absolutamente”, como determina o artigo 195° n° 2 do CPC, o que manifestamente sucede, como atrás se viu, com a condenação anteriormente proferida.

P. Ou seja, tribunal, em cumprimento do acórdão já proferido, deveria ter ainda julgado revogada a anterior sentença, quiçá preservando o julgamento da questão de facto nela proferido, mas pronunciando-se de novo, na sentença sob recurso, sobre o pedido de resolução do contrato de compra e venda.

Q. Não o tendo feito, a sentença acaba por padecer do vício a que alude o artigo 615.° (Causas de nulidade da sentença) n° 1 alínea d), do CPC, segundo o qual “É nula a sentença, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”, o que significa que o tribunal não deveria ter dado por adquirida no processo, a anterior condenação, pronunciando-se de novo sobre o pedido de resolução do contrasto de compra e venda.

R. Caso ao invés do defendido no anterior ponto das presentes alegações, se venha a entender que se mantém inteiramente válida a sentença já proferida, designadamente na parte em que declarou resolvida a compra e venda, então parece-nos que neste acervo de factos provados ainda se deveria incluir que “Por sentença proferida já nos presentes autos, foi declarada a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre o Autor marido e a Ré X em 21 de Maio de 2003, tendo ainda esta última sido condenada esta a restituir ao Autor a quantia de € 134.675,43, actualizada pela aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda de 1,20, até à data da citação, acrescida de juros de mora a contar da citação, à taxa de 4% ao ano, contados sobre esse capital actualizado, até integral e efectivo pagamento”.
S. Como consta da alínea b) da matéria provada, “a escritura só poderá ser realizada se nenhum ónus ou encargo, de qualquer espécie ou natureza impender sobre o armazém objecto do negócio”.

T. Quando, mais tarde, foi celebrado o contrato de compra e venda, as partes voltaram a reafirmar que o imóvel tinha que ser liberado do ónus que sobre ele pendia, para o que foi fixado um prazo, prorrogável por uma única vez, ficando dependente dessa desoneração o pagamento de uma parte do preço de venda - tudo como consta da escritura de compra e venda.

U. As partes, tendo introduzido alguma alteração quanto aos termos em que se predispunham celebrar o contrato prometido, mantiveram a cláusula fundamental de que o imóvel tinha que ser vendido livre de ónus e encargos e de que a promitente vendedora se obrigava a desonerar o prédio da hipoteca que sobre ele impendia.

V. Porque não cumpriu esta obrigação que era a mesma obrigação do contrato promessa, foi o contrato prometido - de compra e venda do imóvel - resolvido, por decisão judicial.

W. Os efeitos da resolução do contrato - contrariamente ao que enuncia a sentença recorrida, que os restringe ao dever de restituição de tudo quanto tiver sido prestado - são, nos termos do disposto no art.º 433° e 434.° do Código Civil, os efeitos equivalentes aos que resultam da declaração de nulidade do negócio jurídico.

X. Por isso, a resolução terá eficácia retroactiva, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução, o que não sucede in casu.

Y. A resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado”, in Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral,” Vol, II, pág. 238.
Z. A “resolução do contrato, encerra a destruição da relação contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado”, ac. STJ de 24-01-2012, relatado pelo Cons. Azevedo Ramos no Processo n.º 343/04.4TBMTJ.Pl.Sl,

AA. “A resolução (contratual) é uma forma condicionada, vinculada e retroactiva de extinção dos contratos: condicionada por só ser possível quando fundada em lei ou convenção; vinculada por requerer que se alegue e demonstre determinado fundamento e retroactiva por operar desde o início do contrato (art° 433 do Código Civil)”, ac. STJ de 06-12-2011, relatado pelo Cons. Henrique Antunes no Processo n." 32112002.Cl, acessível em www.dgsi.pt.

BB. A situação em que as partes estariam se o contrato de compra e venda não tivesse sido celebrado, era a de se encontrarem unidas negocialmente por um contrato promessa de compra e venda, por cumprir.

CC. Por tudo isto, a sentença recorrida fez uma interpretação incorrecta dos dispositivos do Código Civil citados, ao arrepio da doutrina e jurisprudência dominantes, desconsiderando o efeito retroactivo da resolução, o qual, se bem entendemos, parece ter restringido ao dever de restituir o que na execução do resolvido contrato foi prestado.

DD. Porém, neste particular aspecto da sua tese, a sentença, salvo o devido respeito, confunde claramente a causa com o efeito, quando refere ou sustenta, que a retroactividade da resolução do contrato, se limita ao dever de restituição de tudo quanto tiver sido prestado.

EE. Como refere Pedro Romano Martinez in “Da Cessação do Contrato”, 2005, pago 204 “...tradicionalmente, tem-se defendido que a indemnização cumulada com a resolução do contrato, na hipótese prevista no nº 2 do art. 801º do CC, será pelo interesse contratual negativo do credor (parte lesada), visando somente ressarcir os danos emergentes e lucros cessantes sofridos com a celebração do contrato incumprido; ou seja, pretende-se indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos, colocando-o na situação em que estaria se não tivesse negociado e ajustado o contrato que não foi cumprido pelo devedor.”.
FF. Tendo, pois a resolução do contrato eficácia retroactiva, e tendo a parte lesada optado pela destruição ex tunc do negócio, seria incoerente e contraditório conferir­-lhe uma indemnização por danos que decorrem do incumprimento ou cumprimento defeituoso, o que naturalmente pressupõe a existência e eficácia da relação contratual incumprida.

GG. Como se refere no ac. STJ de 28-11-2013, relatado pelo Cons. Lopes do Rego, no Processo n." 268/03.0TBVPA.P2.SI, acessível em www.dgsi.pt, situações há em que a resolução é dotada de efeito retroactivo pleno, repondo real e efectivamente as partes na situação em que estariam se o contrato não tivesse sido celebrado.

HH. A situação dos autos, como já analisado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, é de uma resolução dotada de efeito retroactivo pleno, sem que a sentença recorrida tenha encontrado na matéria de facto provada qualquer circunstância que aponte em sentido divergente.

II. Com a resolução do contrato de compra e venda, tudo se passa como se ele nunca tivesse existido, para todos os efeitos legais, nomeada e principalmente para aferir do cumprimento do contrato promessa que se mostra, assim, frontal e definitivamente incumprido, também, a determinar a respectiva resolução aqui peticionada pelo promitente comprador.

JJ. A eficácia extintiva do contrato prometido, sobre o contrato-promessa - que a sentença considera, mas que, como se concluiu no acórdão já proferido nos presentes autos, não ocorreu, tendo em conta que a venda só ficaria completa se se procedesse, posteriormente, ao levantamento da hipoteca - encontra-se, pois, no plano prático e jurídico, plenamente apagada ou precludida pelo efeito retroactivo da resolução do contrato de compra e venda e, por assim ser, não há que converter, como pretende a sentença recorrida, a relação contratual resolvida numa relação de liquidação, com ponderação adequada dos interesses das partes, mas tão só que definir quais os direitos da parte a quem não pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo incumprimento, isto é, os autores.

KK. A resolução do contrato de compra e venda, já sem possibilidade de ver os seus efeitos perturbados, por ter tido origem numa decisão judicial, reafirmamos, assente na prova do incumprimento definitivo do contrato de compra e venda, coloca as partes na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato de compra e venda. Isto é, coloca-as perante o contrato promessa que se mostra por cumprir.

LL. Os A.A. pagaram a título de sinal a quantia de € 134.675,43, sendo que, face ao incumprimento definitivo da promessa de compra, e à tradição da coisa prometida, provada em p) dos factos provados, teriam, direito nos termos do disposto no art. ° 442° n° 2 do CC, a receber o valor da coisa prometida, “ou do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.”

MM. Ora, segundo o que se deu como provado em o) dos factos provados da sentença, o valor da coisa prometida à data do incumprimento, era de Eur 207.655,36.

NN. O cumprimento de tal obrigação não ocorreu, sendo que a Ré X foi entretanto interpelada para cumprir o contrato, levantando os ónus, o que não fez (facto provado sob as alíneas i) a k) dos factos provados da sentença).

OO. Está a X, segundo os factos provados, em situação de inactividade e insolvência técnica, o que nos permite antever que alguma vez tal obrigação venha a ser cumprida.

PP. Por outro lado, foi, como se viu, interpelada para cumprir em prazo razoável, sem qualquer sucesso.

QQ. Assim sendo, seja por estarmos face a uma impossibilidade objectiva de cumprimento imputável aos promitentes vendedores, seja por recusa de cumprimento pelo devedor, deve declarar-se resolvido por incumprimento o contrato-promessa celebrado, e em causa nestes autos- artigos 801° nº1 e 808° n° 1 in fine, do CC - com subsequente condenação da Ré X, no pagamento aos Autores do valor da coisa à data do incumprimento- Eur

RR. 207.655,36 - deduzindo-se-lhe, depois, o preço convencionado- Eur 177.779,37 - acrescentando-lhe ainda a parte do preco paga- Eur 134.675,43 - sendo que esta última quantia, nos termos da sentença, que nessa parte se não impugnam, devem ser actualizados pela aplicação do factor de correcção monetária 1,20, para a quantia de Eur 161.610,516”.

Terminam, pois, pedindo que se julgue procedente o presente recurso e que se revogue a sentença recorrida, determinando a resolução por incumprimento do contrato de compra e venda e do contrato promessa de compra e venda, com a subsequente condenação da Ré X, nos termos constantes das conclusões antecedentes.

11- O Ministério Público respondeu em apoio do julgado.
12- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la.
*
II- Mérito do recurso

A- Definição do seu objecto

Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações dos recorrentes (artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil), reconduz-se a saber se:

1) A sentença recorrida é nula pela razão indicada pelos Apelantes;
2) É de modificar a matéria de facto nos termos pelos mesmos pretendidos;
3) A sentença recorrida violou o caso julgado;
4) Deve ser reconhecida a resolução, por incumprimento, do contrato do contrato promessa de compra e venda, celebrado no dia 26/12/2002, e, na afirmativa, quais as consequências jurídicas e patrimoniais daí decorrentes.
*
B- Fundamentação

1- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

a) No dia 11 de Agosto de 2000, a sociedade Y – Compra e Venda de Propriedades, Ldª, na auto-intitulada qualidade de promitente-vendedora, e António, na auto-intitulada qualidade de promitente-comprador, celebraram o acordo, por eles apelidado de contrato de promessa de compra e venda, nos termos do qual a primeira prometia vender ao segundo, e este prometia comprar, o direito ao prédio descrito na cláusula 1ª do dito acordo, conforme se retira de fl. 14 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) Nos termos do dito acordo, designadamente da cláusula 8ª, nº 4, “a escritura só poderá ser realizada se nenhum ónus ou encargo, de qualquer espécie ou natureza impender sobre o armazém objecto do negócio”;
c) No dia 26 de Dezembro de 2002, a sociedade X – Sociedade de Construção e Promoção Imobiliária, Ldª, na auto-intitulada qualidade de promitente-vendedora, e António, na auto-intitulada qualidade de promitente-comprador, celebraram o acordo, por eles apelidado de contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual a primeira prometia vender ao segundo, e este prometia comprar a fracção autónoma designada pela letra ‘B’ a que corresponde pavilhão destinado a indústria, armazenagem, comércio e/ou serviços constituído por dois pisos, melhor descrito na cláusula 1ª do dito acordo, conforme se retira de fls. 15 a 17 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) Nos termos do dito acordo, designadamente da cláusula 2ª, alínea a), o valor da venda consta no contrato promessa de compra e venda celebrado a 11.08.2000, entre Y, Ldª e o segundo outorgante, que fica anexo e faz parte deste contrato”;
e) No dia 21 de Maio de 2003, foi celebrado, por escritura pública, no Segundo Cartório Notarial, entre o Autor António e a Ré X, um acordo, por estes apelidado de compra e venda, com os termos que constam de fls. 18 e 19 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
f) Nos termos do referido acordo o Autor declarou comprar e a Ré X declarou vender a fração autónoma identificada pela letra “B” correspondente a um pavilhão, destinado a indústria, armazenagem, comércio e/ou serviços, de rés-do-chão e andar, com a composição constante da descrição registal, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado no lugar …, da freguesia de …, do concelho de Valença, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, da freguesia de …;
g) Nos termos do referido acordo, “sobre o prédio recai uma hipoteca a favor do Banco A, S.A., registada na Conservatória pela inscrição C-um, que garante a dívida de cento e quarenta e dois mil quinhentos e dezanove euros e doze cêntimos obrigando-se a sociedade a proceder ao seu cancelamento, quanto à fracção ora vendida, até trinta e um de Dezembro do ano em curso, prazo este prorrogável por uma única vez, por seis meses, a pedido da vendedora”;
h) Foi ainda acordado no acto “que a venda é feita pelo preço de oitenta e cinco mil e quatrocentos euros. (…) Que do referido preço a sociedade vendedora recebeu, neste acto, a importância de sessenta e quatro mil seiscentos e sessenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos, devendo a restante parte do preço, no valor de vinte mil setecentos e trinta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos, ser paga pelo comprador logo que a sociedade proceda ao levantamento e distrate da hipoteca atrás referida;
i) Em 17 de Outubro de 2012, o Autor enviou a Manuel a missiva cuja cópia se encontra a fl. 24 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
j) O gerente da Ré, X – Sociedade de Construção e Promoção Imobiliária, Ldª, é, desde 13 de Fevereiro de 2009, Fernando, conforme os termos constam da certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial que antecede e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
k) São sócios da Ré, desde 13 de Fevereiro de 2009, Fernando e Manuel, conforme os termos constam da certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial que antecede e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
l) Encontra-se inscrita a favor da Ré Banco A, S.A. na descrição predial nº 658/19940103, da Conservatória do Registo Predial, a constituição de uma hipoteca para garantia de um crédito de 1.870.493,00€ até ao limite de 2.615.884,46€, conforme se retira da cópia da certidão de fls. 45 a 47 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
m) Na sequência dos acordos de promessa de compra e venda, cujos termos constam de fls. 14 a 17 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, celebrados entre o Autor, por um lado, e a sociedade Y – Compra e Venda de Propriedades, Ldª e a sociedade Ré, por outro, o primeiro entregou a estas a quantia global de 134.675,43€;
n) A Ré X encontra-se sem atividade e o seu gerente incontactável e com paradeiro incerto;
o) A fração descrita na alínea b) tinha, em Outubro de 2012, o valor de 207.655,36€;
p) Em 2001, o gerente da Y, entregou as chaves da fração prometida vender, então já construída, ao Autor, tendo este, a partir daí a ocupá-la e usá-la exclusivamente, a zelar pela sua conservação e a limpá-la, e nela depositando coisas suas, pagando os respetivos consumos de água e luz, até hoje.
*
2- Da alegada nulidade da sentença recorrida

Nesta parte, defendem os Apelantes, em suma, que a sentença recorrida não devia ter dado por adquirido o decidido na anterior sentença que apreciou o pedido de resolução do contrato de compra e venda celebrado no dia 21/05/2003, entre o A. e a Ré X, mas devia, antes, ter reapreciado esse pedido, por forma a harmonizá-lo com as consequências da também pretendida resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado, no dia 26/12/2002, entre as mesmas partes.

Ora, independentemente de outras considerações de ordem substantiva, é já certo que a dita falta de reapreciação não importa qualquer nulidade para a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, como pretendem os Apelantes.

Com efeito, o juiz deve resolver todas as questões que as partes lhe tenham colocado ou sejam de conhecimento oficioso, mas não está obrigado a pronunciar-se sobre aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

E este é, justamente, o caso.

Na verdade, tendo-se concluído na sentença recorrida que o pedido de resolução do já falado contrato promessa era de julgar improcedente, nenhuma modificação se impunha em relação ao já decidido a propósito de idêntico pedido quanto ao contrato definitivo. Isto, mesmo que fosse lícita essa modificação, o que não é líquido, em razão da restrição imposta pelo despacho proferido no dia 11/09/2017, não impugnado.
Mas, sendo-o, repetimos, nenhuma pronúncia haveria que emitir a esse propósito.
Portanto, nenhuma nulidade também, por este motivo, pode ser imputada à sentença recorrida.
Passemos à questão seguinte.

3- Da pretendida modificação da matéria de facto

Está em causa o teor da al.l) dos Factos Provados que, recorde-se, tem o seguinte teor “Encontra-se inscrita a favor da Ré Banco A, S.A. na descrição predial nº 658/19940103, da Conservatória do Registo Predial, a constituição de uma hipoteca para garantia de um crédito de 1.870.493,00€ até ao limite de 2.615.884,46€, conforme se retira da cópia da certidão de fls. 45 a 47 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”.

Pretendem os Apelantes que a esta alínea sejam aditadas duas datas: aquela em que foi celebrada a escritura constitutiva da hipoteca aí referida; e a data em que foi apresentada a registo essa hipoteca.

Pois bem, tendo esses factos sido alegados pela Ré (artigos 8.º e 10.º da contestação) e encontrando-se os mesmos documentados (fls. 45v.º), nenhum obstáculo existe a esse aditamento. Antes pelo contrário, há todo o interesse em ter essas datas entre os factos provados, por forma a melhor compreender a sequência dos diversos acontecimentos relevantes para o desfecho deste litígio.

Por conseguinte, essa alínea [l)] passará a ter a seguinte redação:

“Encontra-se inscrita a favor da Ré, Banco A, S.A., na descrição predial n° 658119940103, da Conservatória do Registo Predial, através da apresentação AP.6, de 2002/01/16, a constituição de uma hipoteca para garantia de um crédito de 1.870.493,00€, até ao limite de 2.615.884,46€, conforme se retira da cópia da certidão de fls. 45 a 47 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, hipoteca essa constituída por escritura pública celebrada no dia 26/02/2002”.

4- Passemos, agora, à análise da alegada violação do caso julgado

Do que se trata de saber, em suma, é se a sentença recorrida contrariou o decidido por este Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão proferido no dia 20/04/2017, que consta do apenso A.
Se contrariou, há essa ofensa. Mas, na hipótese inversa, não.
Parte-se, assim, do princípio que as decisões judiciais, transitadas em julgado, são vinculativas, inclusive para os tribunais.
“Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa – prescreve o artigo 619.º, n.º1, do Código de Processo Civil-, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 792.º”.

E também as “sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo” – artigo 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Ou seja, não mais podem ser contrariadas, nem repetidas. De tal modo que se houver duas decisões contraditórias sobre a mesma questão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar. E se houver duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, também se aplica a mesma regra – artigo 625.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Não há, pois, maneira de contrariar, de forma juridicamente válida, uma decisão judicial transitada em julgado.
Falamos em decisão e não é por acaso. É que, designadamente, “não constituem caso julgado os fundamentos da decisão (embora tais fundamentos constituam conclusões, de certo modo decisões, do juiz)”(1). Mas, não constituem caso julgado. São, esses fundamentos, tal como outros elementos, meios interpretativos, mas não são, eles próprios, só por si, que constituem o caso julgado (2).
Ora, aplicando este princípio ao caso em apreço, facilmente se conclui que a sentença recorrida não contrariou o decidido por este Tribunal no Aresto já indicado.

Senão vejamos:

Nesse Aresto, decidiu-se o seguinte: revogar o despacho aí recorrido, proferido na audiência prévia realizada no dia 21/06/2016, quanto à improcedência do pedido de resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Ré X e o A., no dia 26/12/2002, e determinar o prosseguimento dos autos “para apreciação do mérito do pedido de resolução do contrato promessa na sentença final após apreciação do pedido de resolução do contrato definitivo”.

Na sentença ora recorrida, por sua vez, depois de decidida (num outro ato decisório) a resolução do último contrato mencionado, ou seja, do contrato de compra e venda, julgou-se improcedente o pedido de resolução do contrato promessa que o antecedeu.

Assim, fácil é perceber que esta última decisão não só não contrariou aquela primeiramente referida, como até lhe deu cumprimento.
É verdade no citado Acórdão se considerou, em sede de fundamentação, que o contrato definitivo não cumpria todas as especificações prometidas e que, por esse motivo, o pedido de resolução do contrato promessa em causa não podia ser julgado improcedente. Mas, num segundo momento, concedeu-se no entendimento contrário para justificar porque é que este pedido de resolução não devia ter sido já apreciado e decidido e seria de admitir a cumulação dos pedidos de resolução de ambos os contratos.

Assim, o que se decidiu, em definitivo, não foi que o contrato promessa de que estamos a tratar foi incumprido – pois, se assim fosse, tê-lo-ia referido na parte decisória, julgando o pedido de resolução desse contrato procedente -, mas que a decisão a esse respeito não era então, como antes, oportuna e que, portanto, o dito incumprimento devia ser apreciado ulteriormente, o que, de resto, determinou.
Neste contexto, fácil é concluir, pois, que não há qualquer incompatibilidade de decisões que determine a ofensa de caso julgado, de que se queixam os Apelantes. Daí que também não se acolha este fundamento recursivo.

5- Vejamos, por fim, se deve ser reconhecida a resolução, por incumprimento, do contrato do contrato promessa de compra e venda, celebrado no dia 26/12/2002, e, na afirmativa, quais as consequências jurídicas e patrimoniais daí decorrentes
Na sentença recorrida respondeu-se negativamente à primeira parte desta questão. Aí se considerou, em suma, que, estando já cumprido aquele contrato, mediante a celebração do contrato prometido, não mais o mesmo pode ser resolvido.
Mas os Apelantes contrapõem que assim não é; que, efetivamente, o dito contrato promessa não foi cumprido em toda a sua abrangência, pois pressupunha que o imóvel nele referenciado fosse alienado sem ónus ou encargos, como estava convencionado, e que, portanto, tendo sido resolvido o contrato definitivo com base no incumprimento dessa obrigação, com a destruição de todos os seus efeitos jurídicos, igual destino deve ter o contrato promessa que imediatamente o precedeu e lhe deu origem.
Tudo se resume, assim, a saber, antes de mais, se este contrato promessa foi ou não definitivamente incumprido.

Começamos por recordar este princípio importante: “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado” – artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil. Ou seja, quando adota o comportamento (positivo ou negativo) que satisfaz o interesse do respetivo credor. Satisfeito esse interesse, esgota-se a finalidade para que foi constituída a obrigação e, portanto, a mesma deixa de ter razão de existir e, por esse motivo, extingue-se.

No contrato promessa não é diferente (3). Tratando-se de um negócio jurídico através do qual as partes se obrigam a celebrar um outro contrato (definitivo), nos termos ajustados e legalmente determinados (4), cumprido este objeto, o mesmo extingue-se.

E extingue-se porque, “não obstante o conteúdo da prestação devida ser um negócio jurídico, a celebração do contrato prometido é a atuação ou realização efetiva da prestação devida, funcionando como simples ato jurídico devido. Embora em si mesmo seja um negócio jurídico, causa de efeitos próprios, a celebração do contrato prometido é ao mesmo tempo cumprimento da obrigação de contratar, válida e eficazmente assumida, e “enquanto atuação do vínculo creditório funciona como ato simples”” (5).

Daí que essa obrigação de contratar se extinga nos termos já referenciados.

Evidentemente que, como já demos a entender, essa obrigação tem de ser cumprida nos termos devidos; ou seja, nos termos convencionalmente estabelecidos e legalmente estipulados (artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil). Além disso, como negócio jurídico que é, o contrato promessa só se pode ter por plenamente cumprido, “enquanto manifestação de duas (ou mais) vontades livres e esclarecidas, se as mesmas tiverem sido obtidas dessa forma, sem quaisquer deformações provindas de influências externas. Se a formação da vontade foi abalada por algum vício que a toldou, é óbvio que a expressão da mesma ficou viciada” (6).

Mas, não é de quaisquer vícios de vontade que estamos a tratar no caso presente. O que importa aqui determinar, como já vimos, é se o contrato promessa em apreço foi definitivamente incumprido.
Ora, do nosso ponto de vista, é inequívoco que a resposta só pode ser negativa. Ou seja, esse contrato não só não foi incumprido, como foi executado com a celebração do contrato de compra e venda outorgado no dia 21/03/2003.
É verdade que, entre a promitente vendedora e comprador foi convencionado (por integração do clausulado de um convénio anterior) que a escritura referente ao contrato prometido “só poderá ser realizada se nenhum ónus ou encargo, de qualquer espécie ou natureza impender sobre o armazém objeto do negócio”. Tal como é verdade que, não obstante esta previsão, assim não sucedeu; ou seja, o dito contrato de compra e venda foi celebrado pendendo sobre mencionado imóvel uma hipoteca a favor do Banco A, que a Ré X se obrigou a cancelar ulteriormente, o que também não fez.

Simplesmente, este novo acordo sobre aquela hipoteca, representa uma convenção derrogatória sobre a essencialidade da obrigação de cancelamento dessa hipoteca, já antes assumida. Representa, por outras palavras, a extinção consensual dessa obrigação, a qual, por acordo, foi instituída num novo convénio e transferido o seu cumprimento para um momento ulterior.

Por conseguinte, não se pode afirmar, como pretendem os Apelantes, que essa obrigação continue a fazer parte do contrato promessa que temos estado a analisar. Tal como não se pode afirmar, consequentemente, que a mesma obrigação esteja por cumprir. Pelo contrário, as partes, dentro da liberdade que a lei lhes confere (artigos 405.º e 406.º, do Código Civil), extinguiram essa obrigação e constituíram uma nova, em seu lugar, no contrato definitivo.

Daí que não se possa basear o incumprimento do dito contrato promessa no inadimplemento de tal obrigação. Nem, consequentemente, o direito de resolução que os Apelantes lhe associam.

Por esse motivo, a defesa de tal tese que é feita neste recurso deve ser julgada improcedente, assim se confirmando o decidido na sentença recorrida.
*
III- DECISÃO

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se o decidido na sentença recorrida.
*
- Porque decaíram na sua pretensão, as custas deste recurso serão suportadas pelos Apelantes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.


1. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil II.º Vol., Revisto e atualizado, AAFDL, pág. 776.
2. Seguimos, assim, uma tese mista de acordo com a qual o caso julgado abrange apenas a decisão, mas a motivação deva ser considerada, quando se torne necessário reconstruir e fixar o conteúdo do ato decisório. Neste sentido, por exemplo, o Ac. do STJ de 03/02/2011, Processo n.º 190-A/1999.E1.S1, e Ac. STJ de 19/01/2016, Proc. 126/12.8TBPTL.G1.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt
3. Assim, por exemplo, Mário Júlio de Almeida Costa, Contrato-Promessa - Uma Síntese do Regime Vigente, 9ª edição, Almedina, pág. 55, afirma que “vigoram no contrato promessa as normas gerais respeitantes ao cumprimento das obrigações”.
4. Neste sentido, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª edição, Almedina, pág. 313.
5. João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, Almedina, pág.104.
6. Ac. STJ de 17/01/2017, Processo n.º 4527/14.9T8FNC.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt