Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
307/13.7GAALJ-G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: INJUNÇÃO
INCUMPRIMENTO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
DESCONTO DO PERÍODO DE INIBIÇÃO CUMPRIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A inibição de conduzir veículos motorizados prevista no art. 69º, nº 1, do C. Penal, é uma verdadeira pena criminal, embora acessória, é imposta independentemente da vontade do arguido e o seu incumprimento faz incorrer o arguido na prática de um crime. Diferentemente, a injunção, aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, é um instrumento que visa a composição social, é uma sanção de índole especial penal e o seu incumprimento acarreta apenas o prosseguimento do processo
II - Não obstante, são puramente conceptuais as averbadas diferenças, pois a pena acessória e a injunção visam, uma e outra, os mesmos factos, têm o mesmo conteúdo e alcance prático, para além de comungarem o mesmíssimo modo de execução e idêntica razão de ser, designadamente quanto à paridade das respectivas funções de prevenção especial e geral.
III - Atendendo à evidente equivalência substantiva e funcional de ambas as prestações, o tempo da inibição de conduzir veículos motorizados já cumprida pelo arguido a título de injunção, por razões de justiça material, deve ser descontado no da duração da pena acessória de proibição de conduzir tais veículos em que o mesmo veio a ser condenado no mesmo processo, para evitar o duplo sancionamento da mesma conduta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum singular nº 307/13.7GAALJ da Instância Local, Secção de Competência Genérica de Alijó, da Comarca de Vila Real, o arguido António L. foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1, do C. Penal, na pena de multa de 75 (setenta e cinco) dias, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), que, após efectuado o desconto de um dia de multa, nos termos do art. 80º do C. Penal e de 60 horas de trabalho a favor da comunidade, se situou em 14 (catorze) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no montante total de € 77 (setenta e sete euros). E o arguido foi, ainda, condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 5 (cinco) meses, de harmonia com o disposto no artigo 69º nº 1 al. a) do C. Penal, tendo também sido advertido de que, caso conduzisse veículos motorizados durante o período da inibição, incorreria na prática de um crime de violação de proibições (art. 353º do C. Penal).

Inconformado, o arguido interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«1º O tribunal fez uma interpretação incorreta dos factos julgados e dados como não provados, pelo que a sua correta apreciação impunha decisão diversa;
2º Para julgar não provados os factos que julgou, o tribunal recorrido não considerou o depoimento do arguido António L.,
3º Ignorando em absoluto as declarações prestadas pelo arguido recorrente.
4º De igual modo ignorou os depoimentos das testemunhas Alceu M. e José C.
5º A deficiente avaliação da matéria de facto consubstancia erro notório na apreciação da prova, nos termos do n.º 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal.
6º O recorrente não pode conformar-se com a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, pois ao decidir como decidiu, não fez correta interpretação dos factos e não valorou devidamente a prova produzida em audiência de julgamento, o que se veio a traduzir numa deficiente decisão sobre a matéria de facto dada como não provada.
7º Os factos que foram dados como não provados, atenta a prova produzida em audiência de julgamento, não deveriam tê-lo sido.
8º Deveria assim ter-se dado como provado que:
a) Desde 23 de dezembro de 2013 até 20 de maio de 2014, o arguido não conduziu qualquer veículo a motor;
b) E não mais voltou a conduzir nos dias 20, 21, 22 e 23 de maio de 2014;
c) Na ocasião descrita em 14., o arguido estava na convicção, por força da sua manifesta má contagem dos prazos, de que a injunção de não conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses havia terminado nesse mesmo dia 20 de maio de 2015.
9º Na douta sentença recorrida apenas foi descontada à pena de multa aplicada, a prestação de trabalho a favor da comunidade cumprida pelo arguido em sede de suspensão provisória do processo.
10º Mas no mesmo processo já havia sido aplicada uma medida de suspensão com imposições complementares, designadamente cinco meses de inibição de condução.
11º Da qual o aqui Recorrente cumpriu a totalidade, com exceção do dia 20 de maio de 2014;
12º Apenas tendo ficado por cumprir o dia 20 de maio, único dia em que o arguido conduziu, o que fez, convicto que estava, por força da sua manifesta má contagem dos prazos, de que a injunção de não conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses havia terminado nesse mesmo dia 20 de maio de 2015.
13º Dispõem os artigos 80º e seguintes do Código Penal que a detenção, prisão preventiva, obrigação de permanência na residência, bem como qualquer pena ou medida de pena cumprida no mesmo processo pelos mesmos factos, deve ser descontada na pena aplicada.
14º Contesta assim a ausência, (na douta sentença recorrida) na pena acessória aplicada de inibição de conduzir pelo período de cinco meses, de desconto da injunção de inibição de conduzir já cumprida em sede de suspensão provisória do processo (e que foi de cinco meses, menos um dia)
15º Pelo que, na pior das hipóteses, deverá o arguido cumprir apenas um dia de inibição de conduzir, por força do desconto que deverá ser feito.».

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo.
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, defendendo que deve ser descontado no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir o período de tempo que o arguido cumpriu por força da injunção.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, sem que houvesse resposta.
«
Constitui jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada pelo recorrente (arts 403º e 412º, nº 1, do C.PP), sem prejuízo das questões que importe conhecer, oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito. Perante as conclusões formuladas neste recurso, suscitam-se as questões de saber se:
1ª - Existe erro notório na apreciação da prova produzida quanto aos factos considerados não provados nas alíneas a), b) e c), por ter sido desconsiderado os depoimentos de duas testemunhas e do próprio arguido;
2ª – Deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, por forma, a que da mesma fique a constar todos os factos que foram tidos por não provados;
3ª – A inibição de conduzir veículos motorizados já cumprida pelo arguido a título de injunção aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo é equiparável à pena acessória de proibição de conduzir tais veículos em que o mesmo veio a ser condenado no mesmo processo e, por isso, o tempo daquela deve ser descontado no da duração desta.

Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados na decisão recorrida (transcrição):
«1. No dia 17 de Outubro de 2013, pelas 02h44m, na Estrada Nacional 322-Alto da Portela-Favaios, em Alijó, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …., com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,60g/l uma vez que a taxa constante do talão extraído do aparelho “Drager 7110MKIIP” era de 1,72g/l;
2. O arguido ingeriu de forma voluntária e consciente, em momento anterior ao do início da condução, bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para apresentar aquela taxa de alcoolemia, bem sabendo que não podia conduzir o referido veículo na via pública nessas condições;
3. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
4. No meio social em que se insere, o arguido é tido como uma pessoa respeitadora e sociável;
5. O arguido é reformado e aufere a quantia de €277,00 a título de reforma;
6. Vive sozinho, em casa da sua ex-esposa;
7. Além das despesas correntes, não tem encargos fixos mensais;
8.Tem o 4º ano de escolaridade;
9. No âmbito do processo nº 22/15.7GAALJ, que correu termos neste Tribunal, o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 18.03.2015, pela prática, em 24.01.2015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º nº 1 e 69º nº 1 al. a) do C.P, numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €5,50 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses e 15 dias;
10. No âmbito dos presentes autos, por despacho proferido em 21.11.2013, foi determinada a aplicação da suspensão provisória do processo pelo período de 9 meses, mediante as injunções de prestar 60 horas de serviço de interesse público, a prestar na Associação dos Bombeiros Voluntários de …, nos moldes a delinear pela DGRS, e de não conduzir quaisquer veículos a motor pelo período de 5 meses, comprometendo-se o arguido a entregar a sua carta de condução neste Tribunal, no prazo de 10 dias, a contar da sua notificação da decisão de aplicação da suspensão provisória do processo;
11. O arguido cumpriu a injunção referente à prestação de 60 horas de serviço de interesse público na Associação dos Bombeiros Voluntários de S…;
12. No dia 23 de Dezembro de 2013, o arguido procedeu à entrega nestes autos da guia de substituição de documento (renovação) com o número nº …, válida até 17.04.2014
13. No dia 19 de Maio 2014, foi emitida e entregue ao arguido uma guia de substituição da carta de condução com validade de 19.05.2014 a 19.11.2014;
14. Em 20 de Maio de 2014, às 18h30m., o arguido foi fiscalizado no exercício da condução do veículo referido em 1., na Estrada Municipal 1337, em Cheires, em Alijó.
B. Factos não provados:
A. Desde 23 de Dezembro de 2013 até 20 de Maio de 2014, o arguido não conduziu qualquer veículo a motor;
B. E não mais voltou a conduzir nos dias 20, 21, 22 e 23 de Maio de 2014;
C. Na ocasião descrita em 14., o arguido estava na convicção, por força da sua manifesta má contagem dos prazos, de que a injunção de não conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses havia terminado nesse mesmo dia 20 de Maio de 2015.».

– Fundamentação da matéria de facto (transcrição):
«O Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações do arguido que confessou, livre, integralmente e sem reservas, os factos de que vinha acusado, em conformidade com o preceituado no artigo 344º nº 2 al. a) do Código do Processo Penal. Efectivamente, não se suscitaram quaisquer dúvidas acerca do carácter livre da confissão do arguido ou quanto à veracidade dos factos confessados, razão pela qual foi valorada para efeitos probatórios.
Quanto à concreta taxa de álcool de que o arguido era portador considerou-se o talão extraído da máquina de análise quantitativa de presença de álcool no sangue, junto a fls. 4 dos autos.
Relativamente à factualidade enunciada em 4., a mesma foi dada como provada com base nos depoimentos de Alceu C., amigos do arguido que aludiram a esta matéria de modo convergente.
Para a prova do antecedente criminal registado do arguido, foi tido em conta o teor do seu certificado de registo criminal, a fls. 126 e 127 dos autos.
A prova dos factos elencados em 10., 11., 12., 13. e 14. estribou-se no teor dos elementos juntos a fls. 43, 52, 53, 55, 57, 66 a 68 e 93 a 95 dos autos.
No que se refere aos factos dados como não provados, há que referir que a justificação apresentada pelo arguido não logrou convencer o Tribunal, por forma a que se considerasse cabalmente demonstrado que o mesmo apenas tinha conduzido na situação descrita em 14. e que, em tal ocasião, apenas conduziu porque estava convicto de que já tinha cumprido a injunção aplicada nos autos.
Com efeito, relativamente aos factos que motivaram a revogação da suspensão provisória do processo, o arguido assumiu, na sua expressão corporal e no seu discurso, uma postura tensa e de desculpabilização que não foi considerada verosimilhante e espontânea. O arguido sustentou que tinha calculado erradamente e, por isso, julgava que o termo do período de cinco meses fixado no despacho de aplicação da suspensão provisória findava no dia 20 de Maio de 2014 (data em que foi interceptado a conduzir na via pública). O arguido também justificou o pretenso equívoco com a circunstância de a G.N.R. lhe ter entregado uma guia de substituição da sua carta de condução no dia 19 de Maio de 2014, o que teria reforçado a sua convicção de que a injunção em causa já estaria cumprida.
Ora, esta versão não foi considerada credível, desde logo porque não vemos que o facto de ter sido entregue ao arguido uma guia de substituição no dia 19 de Maio de 2014 pudesse criar ou reforçar a convicção de que a injunção estaria cumprida, uma vez que é o próprio arguido que invoca que, segundo as suas contas, o integral cumprimento da injunção apenas teria lugar no dia 20 de Maio de 2014. Isto é, se a guia de substituição lhe foi remetida numa data que, mesmo de acordo com os seus cálculos, era anterior à data em que findavam os cinco meses fixados em injunção, o mais natural seria presumir que a G.N.R. não possuía a informação acerca da existência da injunção em causa. Por outro lado, o arguido demonstrou ser uma pessoa perspicaz e, simultaneamente, uma pessoa que se sente particularmente perseguida pelas autoridades policiais, motivos que deveriam levar o mesmo a agir de forma cautelosa e não de uma forma distraída.
Finalmente, a simples circunstância de os depoentes Alceu C. (que sobre os factos em causa nos autos apenas sabiam o que o arguido lhes dizia) terem referido que, durante um longo período, que não balizaram temporalmente, o arguido pedia boleia aos amigos e andava de bicicleta não é suficiente para nos levar a dar como provados os factos plasmados em A. e B.».
«
1. Erro notório na apreciação dos factos.
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias, pelo âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
O eventual erro (de julgamento) na apreciação da prova não se identifica nem, por regra, emerge como a errónea construção de silogismo judiciário (contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) ou qualquer outro dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou erro notório), necessariamente resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Com efeito, a jurisprudência tem considerado tais vícios apenas como os erros que, ponderados os factos provados e não provados, advêm de o tribunal ter retirado uma conclusão ilógica ou arbitrária, à margem duma análise racional ou em violação das regras de experiência comum, e que, por isso, não escapa à análise do homem médio ( Cfr. v. g., o Ac. STJ de 2/2/2011 (p. 308/08.7ECLSB.S1 - Maia Costa): «O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito».).
O que significa que só assumem tal natureza os erros constatáveis pela simples leitura do teor da própria decisão da matéria de facto, como já se disse e resulta do citado normativo, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ( Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª ed., p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 8ª Edição, pp. 73 e ss.). Apenas será de admitir a conveniência ou a cautela de, ainda assim, sindicar a fundamentação que haja sido feita sobre os factos provados e não provados, para se fazer uma avaliação correcta e poder concluir se, afinal, para um facto em aparente contradição com a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, não foi fornecida naquela fundamentação um qualquer esclarecimento que torne compreensível o julgamento efectuado: por exemplo, se um facto dado como provado (ou não provado) contraria o senso comum, ou seja, a normal e corrente compreensão e interpretação das situações da vida, só a clara explicitação do percurso trilhado para a formação da respectiva convicção e a razoabilidade desta poderão legitimar a sua aquisição processual.
Assim, apenas existe erro notório na apreciação da prova quando, de acordo com o texto da sentença, o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente ( Cfr. Germano Marques da Silva, loc. e p. cit..). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, traduzido, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido ( Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, loc. cit., p. p. 80.) ou dar-se como não provado o que não pode ter deixado de ter acontecido.
Identicamente, o vício atinente à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – que também tem que resultar do texto da decisão – só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada ( Como assinalam os já mencionados autores Simas Santos e Leal Henriques, (ob. cit., p. 74) este vício existe quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (cf. também Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 340).
Também o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena e circunstâncias relevantes para a determinação desta -, e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão (entre outros, cfr. Acs sumariados em Sumários de Acórdãos do STJ - Secções Criminais de: 4/10/2006, Proc. n.º 06P2678, em www.dgsi.pt; de 5/9/2007, Proc. n.º 2078/07; e de 14/11/2007, Proc. n.º3249/07). ). Porém, este vício também não deve ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, enquanto questão do âmbito da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) ( Cfr. Acs. do STJ de 7/1/2004, Proc. n.º 3213/03, e de 29/4/1992, Proc. n.º 42535.).
Porém, normalmente, a imputação de qualquer dos mencionados vícios também suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, ou seja cinge-se a um problema de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.
Ora, no caso em apreço, não se constatam pela simples leitura do teor da decisão recorrida os vícios do erro notório ou da insuficiência que o recorrente lhe assaca, com os mencionados contornos que a lei lhes oferece, aliás, incompatíveis com os próprios termos do arrazoado recursivo. Com efeito, quando o recorrente questiona, não o texto da sentença, mas o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova, ataca a decisão, não no plano dos aludidos vícios, mas no da violação do princípio da livre apreciação da prova.

2. A decisão sobre a matéria de facto.
O recorrente insurge-se contra a decisão por nela não terem sido tidos por provados os factos insertos nas alíneas a), b) e c). Para tanto, invoca que o Tribunal recorrido não apreciou devidamente o depoimento por si prestado, bem como o das testemunhas de defesa Alceu C. e José P., asseverando que foi violado o princípio acima referido.
Adiantamos, desde já, que não lhe assiste razão.
Com efeito, se nada existia nos factos que constam da decisão recorrida (e da sua fundamentação) que permitisse considerar verificado o erro notório na apreciação da prova, nos termos delineados supra, após o exame crítico de toda a prova produzida em audiência, também nos convencemos da inexistência do imputado erro de julgamento.
Em boa verdade, o recorrente manifesta, tão-só, o seu desacordo em relação à forma como a prova foi apreciada, pois pretendia que os ditos factos – alegados na contestação – fossem dados como provados. Vejamos.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
O núcleo essencial dos factos que levaram à condenação do recorrente diz respeito à condução efectuada pelo mesmo sob o efeito do álcool.
Era esta a matéria que constava da acusação e foi ela que, uma vez tida por provada, levou à condenação do recorrente.
Essa factualidade, o recorrente confessou-a de modo espontâneo, vindo nessa sequência a ser dispensada toda a demais prova arrolada na acusação.
É certo que o recorrente – a quem assistia, como é evidente, o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que considerasse mais adequada à sua defesa – para além da mencionada confissão dos factos constantes da acusação, tendo na mira a provável condenação numa pena acessória de inibição de conduzir, procurou convencer o Tribunal de que estava no exercício da condução de pleno direito, pois, já havia decorrido o prazo que lhe tinha sido fixado, em sede de suspensão provisória do processo. Porém, fê-lo de modo desordenado e muito pouco convincente, pois, para além da confusão que disse ter feito com as datas de entrega da guia de substituição da carta, também foi adiantando que pensava que o podia fazer, já que lhe tinham entregue a guia da carta, acabando, finalmente, por afirmar que no dia em que foi fiscalizado quem tinha vido a conduzir o veículo era um seu amigo, facto por si só revelador de que o recorrente bem sabia que ainda se encontrava a decorrer o dito prazo que lhe havia sido imposto. Não convenceu, minimamente. Aliás, a este propósito, o Tribunal recorrido explicou, cabalmente, as razões pelas quais o seu depoimento não lhe mereceu credibilidade nessa parte.
Acresce que as testemunhas Alceu M. e João P., amigos do arguido, sobre esse ponto, de concreto, nada sabiam, tendo-se limitado a relatar acontecimentos e a adiantar explicações para dizerem que o recorrente não conduziu durante o período da injunção que lhe foi fixada, pelo que, do teor dos depoimentos que prestaram, não podem ser retiradas as ilações que o recorrente pretendia.
É pacífico que o Tribunal forma a sua convicção com base na apreciação, de forma livre, crítica e à luz das regras da lógica e da experiência comum, das declarações, dos documentos, dos resultados de perícias e dos demais elementos, entre si conjugados, tudo em conformidade com o disposto no art. 127º do CPP. E é por demais sabido que, de acordo com o citado preceito, o Tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta. Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos ( A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: “(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.).
Com efeito, a prova não pressupõe uma certeza absoluta, nem, por outro lado, a mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta, sim, no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida ( Como dizia Manuel de Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil”, p. 191).), na convicção para além de toda a dúvida razoável. Não qualquer dúvida, mas apenas a dúvida fundada em razões adequadas, devendo tal convicção ser objectivável, raciocinada e motivável ( Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições Policopiadas – 1988/89, p. 140-141).), e, embora formada livremente, seguir as regras da experiência comum e o sentido lógico do homem médio (cf. art. 127º CPP).
Ora, neste caso, os elementos de prova produzidos, analisados e avaliados segundo as ditas regras da experiência comum e o sentido lógico do homem médio não suscitam qualquer dúvida séria e razoável, fundada em razões adequadas, de que o recorrente teve a actuação que o tribunal recorrido lhe atribuiu e de que não foram produzidos meios de prova suficientes que permitisse dar como provados os factos descritos na contestação do recorrente. E também se não vislumbra que tenha havido uma apreciação desses elementos de prova arbitrária, caprichosa, discricionária ou desprovida de racionalidade e sentido crítico.
Pelo contrário, eles afirmam-se como bastantes quanto ao alto grau de probabilidade de verificação dos factos assente no raciocínio lógico do julgador, sustentando, idoneamente, a decisão proferida. De resto, como é sabido, estando fundamentadas as opções tomadas na decisão, o tribunal de recurso apenas as poderá criticar demonstrando que elas são inadmissíveis face às regras da experiência comum ou insuficientes para ultrapassar uma dúvida razoável o que não é seguramente o caso.
Não é, por isso, fundamentada a afirmada discordância do recorrente, com invocação da incorrecta apreciação das provas produzidas.

3. O desconto da inibição de conduzir já cumprida.
Resulta dos autos que, na sequência do incumprimento da injunção de proibição de condução de veículos motorizados aplicada ao arguido no âmbito da suspensão provisória do processo, os mesmos prosseguiram para julgamento, vindo a ser aplicada àquele, entre outra, uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que não foi objecto de desconto de qualquer período relativo à inibição de conduzir já cumprida no âmbito de tal injunção.
Para fundamentar esta opção a decisão recorrida expendeu: (transcrição): «relativamente ao eventual desconto das injunções aplicadas em fase de suspensão provisória do processo na pena aplicada em sede de sentença, vemos que, na situação sub judice, não há que proceder a qualquer desconto na pena acessória aplicada ao arguido. Efectivamente, repisamos que, em nosso entender, o desconto apenas deve ter lugar nos casos em que se encontra comprovado o cumprimento da injunção em causa e em que a suspensão provisória do processo não foi revogada por motivos atinentes a essa mesma injunção.
Ora, no caso que nos ocupa, não se pode considerar cumprida a injunção de não conduzir veículos a motor pelo período de cinco meses, sendo certo que o fundamento de revogação da suspensão provisória do processo foi precisamente esse incumprimento.».
Vejamos.
Como é defendido na jurisprudência e na doutrina o instituto da suspensão provisória do processo estabelece uma manifestação do princípio de consenso, constituindo uma forma alternativa de processamento do inquérito na sua fase inicial.
Perante a existência de indícios de crime punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, da identidade do seu autor e desde que verificados os demais os pressupostos a que alude o nº 1 do art. 281º, do CPP, o inquérito fica suspenso com a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, exemplificadamente enunciadas no nº 2 do mesmo preceito.
Mas, precisamente porque são impostas pelo Ministério Público, as mesmas não assumem natureza penal, antes consubstanciam comandos dados ao arguido para que cumpra determinadas obrigações, de facere ou de non facere, consistem em «equivalentes funcionais» de uma sanção penal e só assim se explica que se espere delas a realização do mesmo interesse público, por via de regra e em alternativa, satisfeito através de uma pena. Do ponto de vista do direito penal substantivo, trata-se aqui de uma sanção de índole especial penal a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena nem a correspondente comprovação da culpa ( Cfr. Costa Andrade, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, 1988, p. 353.).
Da mencionada norma retira-se, ainda, que, tratando-se de crime punível com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor (nº 3) e que, em caso de revogação da suspensão provisória do processo com o prosseguimento deste, «as prestações feitas não podem ser repetidas» (nº 4).
Daqui resulta que a injunção, aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, tem uma natureza diversa e um regime diferente da pena prevista no art. 69º, nº 1, do C. Penal: enquanto esta é uma verdadeira pena criminal, embora acessória, a primeira é apenas uma sanção de índole especial penal; a injunção é um instrumento processual que visa a composição social, por via de um acordo obtido com o arguido, e a pena, imposta independentemente da vontade deste, tem fins de prevenção geral e especial; o incumprimento da injunção acarreta o prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento da pena acessória de proibição de conduzir faz incorrer o arguido na prática de um crime; durante o cumprimento da injunção (entrega da carta de condução), o arguido pode, em qualquer momento, pedir a sua devolução, sem que o Ministério Público possa opor-se, o que aquele não pode fazer durante o cumprimento da dita pena acessória, decretada independentemente da vontade do mesmo.
É precisamente com base, essencialmente, na distinta natureza jurídica da pena acessória e da injunção, a par das distintas cominações para a inobservância de uma ou de outra, que uma corrente jurisprudencial ( A qual, contabilizando apenas a publicada, se nos afigura ser claramente minoritária.) tem defendido a não aplicabilidade dos arts. 80º a 82º do C. Penal, para efeitos do ora questionado desconto.
Relativamente à não aplicabilidade do art. 80º, embora se reconheça, que a lógica do mesmo preceito não está pensada para o caso da injunção, o certo é que se trata de uma norma muito abrangente, porquanto, para além do desconto da prisão preventiva na pena de prisão, versa ainda sobre o desconto de penas de diferente natureza.
O Professor Figueiredo Dias ( In “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do crime -, pp. 300. In “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do crime “, p. 300.), sobre os preceitos em questão afirma: «Da leitura dos artigos 80º a 82º parece resultar que, no pensamento da lei, o instituto do desconto só funciona relativamente a privações da liberdade processuais, a penas de prisão e (ou) a penas de multa, já não relativamente a outras penas de substituição e a medidas de segurança. Uma tal restrição não parece porém, ao menos em todos os casos pensáveis, político-criminalmente justificável. Melhor será, por isso, considerar que se está perante uma lacuna, que o juiz pode integrar – tratando-se, como se trata, de uma solução favorável ao delinquente -, sempre que possa encontrar um critério de desconto adequado ao sistema legal e dotado de suficiente determinação.» E, na parte respeitante ao desconto equitativo de que fala a lei, afirma: «Esta “equitatividade” não pode ser avaliada pelo juiz apenas em função de considerações puras de justiça e muito menos em função de considerações de “retribuição” ou de “expiação” já sofridas pelo delinquente. Decisivo será determinar o quantum da nova pena que, por razões de tutela dos bens jurídicos e de ressocialização do delinquente, se torna ainda indispensável aplicar tendo em atenção o quantum de pena anteriormente já cumprido.».
Como ensina este autor, o critério da “equitatividade” permite que se preencha a lacuna anotada na lei relativamente a penas diferentes das de prisão ou multa, ou inclusivamente medidas de segurança. Seguindo o critério da “equitatividade” não poderá o julgador deixar de proceder ao desconto equitativo não só de penas mas também de medidas de segurança, estas com natureza distinta das penas, mas representando, sempre, uma reacção a um facto delituoso criminal. Por isso, admitindo-se embora que, para a questão em apreço, inexiste norma a prever o desconto, tal circunstância não deve, em nosso entender, constituir impedimento à sua realização. Não se compreenderia que assim não fosse: as averbadas diferenças entre a pena acessória e a injunção são puramente conceptuais e têm o mesmo conteúdo e alcance prático, para além de comungarem o mesmíssimo modo de execução e idêntica razão de ser, designadamente quanto à paridade das respectivas funções de prevenção especial e geral; visando uma e outra os mesmos factos ( A injunção e a pena em causa decorrem da prática do mesmo crime, mesmo que não se deva considerar, em bom rigor, estarmos perante uma violação do princípio ne bis in idem, como bem se regista no Ac. da RP de 7/4/2016 (195/14.6PFPRT.P1 - Ribeiro Coelho).), a defender-se uma posição diversa, tal constituiria uma evidente injustiça material porque, não se atendendo à evidente equivalência substantiva e funcional de ambas as prestações, da falta do questionado desconto adviria o duplo sancionamento da mesma conduta ( A inibição de condução afecta os direitos de circulação rodoviária do arguido de igual modo em ambas as prestações.).
Como se salientou no acórdão da RE de 11/7/2013 ( P. 108/11.7PTSTB.E1 - Sénio Alves.
), a afirmação de que «só há duas semelhanças entre a injunção e a pena acessória: em ambas, a arguida tem de entregar a carta e abster-se do exercício da condução» significa que, «bem vistas as coisas, é o mesmo que dizer: as duas figuras são distintas, à excepção do facto de serem iguais…». «Em termos materiais, substantivos, de fundo, os efeitos decorrentes de uma e outra medida são rigorosamente os mesmos: o arguido entrega a sua licença de condução e abstém-se de conduzir veículos motorizados. A distinta natureza jurídica das duas figuras tem, seguramente, um interesse doutrinário relevante mas não afasta a questão de fundo: caso uma e outra sejam cumpridas, são-no da mesma forma, exigindo do arguido a mesma conduta».
Quanto ao argumento da invocada diferença de cominação para os casos de incumprimento, retirado do aludido nº 4 do art. 282º do CPP, consideramos que o princípio aí estabelecido tem de ser entendido em termos de evitar que, caso o processo prossiga por incumprimento das injunções ou cometimento de crime no período da suspensão, o arguido venha a «reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já efectuadas tenham de ser efectuadas outra vez» ( V. citado Ac. da RP de 7/4/2016.), ou que o mesmo seja compensado pelo período «de tempo de injunção que excedeu em concreto a medida de pena acessória aplicada», ou o de evitar «também, por exemplo, a restituição de prestações feitas em caso eventual de absolvição» ( V. ac. da RE de 26/4/2016 (443/14.2GFSTB-A.E1 - Ana Brito.):
Finalmente importa assinalar que no sentido de aproximação dos efeitos práticos da injunção e da pena acessória de condução de veículos motorizados, caminha o legislador como o acabou por fazer com a recente redacção introduzida pelo DL nº 116/2015 de 28/08, ao art. 148º, nº 2, do Código da Estrada ao prescrever: «A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor».
Por tudo isso, e embora se reconheça que para a questão em apreço inexiste norma a prever o desconto, tal circunstância não deve, em nosso entender, constituir impedimento à sua concretização ( Neste sentido, podem ver-se, entre outros e para além dos já referidos, os acórdãos: da RE de 21/6/2016 (28/14.3PTFAR.E1 - Fernanda Palma); da RP 19/11/2014 (24/13.8GTBGC.P1 - Lígia Figueiredo); da RC de 24/2/2016 (129/12.2GTCBR.C1 - Vasques Osório), de 4/11/2015 (11/13.6PFCTB.C1 - Abílio Ramalho) e de 10/12/2014 (23/13.0GCPBL.C1 - Maria José Nogueira); e desta Relação (de Guimarães) de 22/9/2014 (7/13.8PTBRG.G1 - António Condesso).).
Neste contexto, apesar de o recorrente ter incumprido a injunção que lhe foi aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, tendo sido esse incumprimento que levou a que os autos prosseguissem para julgamento, por razões de justiça material deve ser operado o desconto correspondente ao período da injunção que o recorrente cumpriu na pena acessória que lhe veio a ser aplicada.
*
Decisão:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, por consequência, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, determina-se o desconto integral na pena acessória de inibição de conduzir, agora aplicada ao arguido, do período de inibição de conduzir já cumprido que a injunção a título de injunção na fase de suspensão provisória do processo.

Sem tributação.
Guimarães, 10/10/2016
Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado