Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
212/12.4TBPTL.G2
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO DE TRANSAÇÃO
COACÇÃO MORAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO
(da responsabilidade da Relatora - art. 663º, n 7 do C.P.C.)

I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).

II. Para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida.

III. Na interpretação do um contrato há que aplicar as regras gerais da interpretação dos negócios jurídicos, correspondendo o declaratário normal à figura do contratante médio (medianamente inteligente, diligente e sagaz), sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, devendo o sentido por ele deduzido reflectir quer o concreto texto contratual em causa, quer a específica natureza e objecto do dito acordo, e ponderando-se na sua determinação todas as circunstâncias que rodearam a sua inicial celebração e posterior execução.

IV. O contrato de transacção (art. 1248.º do CC) tem como pressuposto um conflito de interesses entre as respectivas partes, e como objecto uma auto-regulação do mesmo, por meio de recíprocas concessões e cedências, que precludem a discussão sobre a existência e o conteúdo das situações jurídicas controvertidas pré-existentes.

V. A coacção moral (art. 255.º do CC) pressupõe que haja vontade de acção, vontade negocial, mas viciada, por meio de uma ameaça ilícita, que extravasa o exercício normal de um direito (v.g. não exerce coacção moral o credor que ameaça o seu devedor de que intentará contra ele execução judicial, caso o mesmo não lhe pague), ou o simples temor reverencial (isto é, o receio de desagradar às pessoas a quem se deve submissão e respeito).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães,
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. D. L. (aqui Recorrido), residente no Lugar …, freguesia de …, em Ponte da Barca, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo então ordinário, contra M. M. (aqui Recorrente), residente no Lugar …, freguesia de …, em Ponte de Lima, pedindo que

· (a título principal) fosse declarada a nulidade do «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», outorgado por ele próprio e pela Ré em 28 de Fevereiro de 2011 (conforme documento escrito que juntou);

· ou (subsidiariamente) fosse anulado tal negócio;

· (cumulativamente) fosse a Ré condenada a devolver-lhe tudo o que já lhe prestou em consequência da mesma declaração, ascendendo o seu montante a € 620.000,00, acrescido de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, ser tal negócio nulo, uma vez que o seu objecto e fim é contrário à lei, designadamente por violação de normas imperativas que regem o direito dos sócios à distribuição dos lucros do exercício de sociedade, e respectivas normas fiscais quanto à tributação de tais lucros (arts. 280.º e 281.º, ambos do CC).
Mais alegou que, caso assim se não entendesse, seriam as suas declarações ali plasmadas - em especial, o reconhecimento de dívida feito -, anuláveis, por o referido documento ter sido obtido sob coacção moral (art. 255.º do CC).
Por fim, alegou que, em face dos vícios que afectariam o dito «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», teria o direito de obter a restituição do já prestado à Ré, em cumprimento parcial do mesmo.

1.1.2. Regularmente citada, a (M. M.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, e o Autor fosse condenado como litigante de má fé, em multa exemplar e numa indemnização a seu favor, em valor não inferior a € 20.000,00.
Alegou para o efeito, em síntese, serem falsos os factos por ele alegados como caracterizadores da pretensa invalidade do «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» (assim os impugnando); e deduzir o Autor uma pretensão que sabia carecida de fundamento, alicerçada em factos cuja falsidade não ignoraria, tendo ainda omitido outros essenciais à descoberta da verdade, com o propósito exclusivo de prosseguir um fim ilegal e contrário ao direito, e de lhe causar prejuízo directo.

1.1.3. Em sede de audiência preliminar, foi proferido despacho: saneador fixando o valor da acção em € 1.751.646,00, e certificando a validade e a regularidade da instância); e definindo o elenco dos factos já assentes e dos factos ainda controvertido (estes últimos integrantes da base instrutória).

1.1.4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção procedente, nomeadamente por se ter considerado consubstanciar o «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» um negócio unilateral de reconhecimento de dívida e ter o Autor demonstrado inexistir causa para a mesma, o que se declarou, condenando-se ainda a Ré a devolver-lhe o montante de € 620.000,00 (já recebidos mercê do seu cumprimento parcial), acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal (de 4% ao ano), desde a citação até ao integral pagamento.

1.1.5. Tendo a Ré interposto recurso de apelação desta primeira sentença, veio o mesmo a ser julgado parcialmente procedente, por acórdão proferido por este mesmo Tribunal ad quem, que a declarou nula, por consubstanciar uma decisão-surpresa, ordenando ao Tribunal a quo que reabrisse a discussão da causa (anunciando às partes a possibilidade de vir a enquadrar juridicamente o litígio como o fizera antes, e convidando-as a exercer o respectivo direito de contraditório), prosseguindo depois a acção os seus ulteriores e normais termos.

1.1.6. Reaberta a discussão pelo Tribunal a quo nos termos determinados, foi depois proferida nova sentença (reiterando nos seus precisos termos a previamente por ele dada), julgando a acção procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
III- Decisão.
1) Pelo exposto, o Tribunal decide julgar procedente a presente acção e, em consequência, decide declarar inexistente a dívida reconhecida pelo A. constante do documento intitulado de “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento” outorgado em 28 de Fevereiro de 2011, por Autor e Ré, junto sob documento 10 com a p.i. (fls. 99 e ss) e respectiva adenda.
2) Em consequência, decide-se condenar a Ré devolver ao Autor o montante de 620.000,00 € (seiscentos e vinte mil euros), acrescidos de juros, à taxa de 4%, desde a citação até ao integral pagamento.
3) Custas a cargo da Ré.
4) Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso (da Ré)

1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a (M. M.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado provido; e, em consequência, se revogasse sentença recorrida, substituindo-se a mesma por decisão julgando a acção totalmente improcedente, sendo ela própria absolvida dos pedidos formulados contra si.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que julgou a acção procedente e, em consequência, “decidiu declarar inexistente a dívida reconhecida pelo A. constante do documento intitulado de “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento” outorgado em 28 de Fevereiro de 2011, por Autor e Ré, junto sob documento 10 com a p.i. (fls. 99 e ss) e respectiva adenda” e decidiu “condenar a Ré devolver ao Autor o montante de 620.000,00€ (seiscentos e vinte mil euros), acrescidos de juros, à taxa de 4%, desde a citação até ao integral pagamento”.

2 - O presente recurso tem por objecto a decisão da matéria de facto e de direito, com reapreciação de prova gravada.

3 - São as seguintes as razões da discordância da Recorrente:

Recurso da Decisão da Matéria de Facto

4 - A Recorrente discorda do julgamento do ponto 1.37 dos factos provados, pois entende que o mesmo deveria ter sido dado como provado com a seguinte redacção: “Não obstante a dissolução do matrimónio por mútuo consentimento, e após o seu decretamento, o relacionamento entre A. e Ré degradou-se consideravelmente ao nível profissional e pessoal, culminando com ruptura de diálogo e comunicação entre ambos”.

5 - Os meios de prova que impunham decisão diversa são os seguintes:
- fls. 35 - doc. n.º 2, junto com a p.i. (acta de conferência de processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 12581/2007, da qual resulta que a dissolução do matrimónio ocorreu em 04/01/2008);
- fls. 1061 - docs. n.º 1, junto com a contestação, e doc. n.º 30, junto ao doc. n.º 23 da contestação (fls. 102/140 do requerimento apresentado nos autos em 30/03/2012, às 16:49:20 – referência 9797437) – contrato-promessa de partilha outorgado em 04/01/2008;
- fls. 1068 - doc. n.º 2, junto com a contestação (carta de 28/04/2008);
- fls. 1071 - doc. n.º 3, junto com a contestação (nota de culpa de 06/05/2008 e deliberação da gerência, representada pelo Autor, de 03/05/2008);
- fls. 1077 e 1093 - docs. n.º 4 e 5, juntos com a contestação (providência cautelar de suspensão provisória do despedimento, termo de transacção e acordo-aditamento ao contrato de trabalho);
- fls. 1427 - doc. n.º 6, junto ao doc. n.º 28, junto à contestação – comunicação à Autora do seu despedimento, promovido pelo Autor, enquanto gerente da sociedade X;
- fls. 1128 - doc. n.º 18, junto com a contestação;
- fls. 1138 - doc. n.º 20, junto com a contestação;
- fls. 1192 - doc. n.º 21, junto com a contestação;
- declarações prestadas pela Ré na sessão da audiência de julgamento realizada em 07/06/2016,na gravação com início às 10:48:39, no excerto de minutos 05:00 a 07:36 e 12:14 a 14:36;
- declarações prestadas pela testemunha M. A. na sessão da audiência de julgamento realizada em 17/01/2017, com início às 10:55:39, no excerto de minutos 09:30 a 11:50;
- depoimento prestado pela testemunha J. R. na sessão de 17/01/2017, com início às 15:10:33, no excerto de minutos 03:30 a 04:00.

6 - A locução “nunca aceitou o fim do casamento” é absolutamente irrelevante para a apreciação do mérito da acção e não deveria constar sequer da decisão da matéria de facto.

7 - A não aceitação do fim de um casamento não é, em si mesma, um facto que possa ser contraditado e objecto de prova. Pelo contrário, é uma conclusão que, no limite, poderia resultar de um conjunto de factos que teriam de ser alegados.

8 - A locução “nunca aceitou o fim do casamento” deverá, pura e simplesmente, ser eliminada do ponto 1.37 dos factos provados, por não constituir um facto, mas uma mera conclusão.

9 - Mas ainda que assim se não entendesse, esse “facto” sempre seria infirmado pela prova produzida, acima elencada.

10 - No ponto 1.38 da decisão da matéria de facto o Tribunal recorrido deu como provado que “As sociedades comerciais “X Supermercados L.da” e “Y Sociedade de Gestão Imobiliária Lda foram prejudicadas no seu normal funcionamento pelas acções intentadas pela Ré, supra descritas em 1.19., 1.30. e 1.31. contra o gerente/ ex-marido e as próprias sociedades, acções essas que provocaram instabilidade no desenvolvimento da exploração e actividade comercial de tais sociedades, as quais, para além da degradação de relacionamento entre os sócios, viram prejudicadas as relações com fornecedores e entidades financeiras.”.

11 - A Recorrente discorda do julgamento desse ponto da matéria de facto, pois entende que o mesmo não encerra matéria de facto e, por inerência, não poderia ser dado como provado.

12 - No limite e caso assim se não entendesse, esse facto deveria ter sido dado como não provado.

13 - O meio de prova que impunha decisão diversa é o depoimento prestado pela testemunha Dr. A. C., na sessão da audiência de julgamento realizada em 29 de Maio de 2016 – gravação iniciada às 15:46:25, no excerto de minutos 04:40 a 07:23.

14 - As locuções “foram prejudicadas no seu normal funcionamento”, “acções essas que provocaram instabilidade no desenvolvimento da exploração e actividade comercial de tais sociedades” e “para além da degradação de relacionamento entre os sócios, viram prejudicadas as relações com fornecedores e entidades financeiras” não constituem factos, mas meras conclusões que se poderão extrair (ou não) de um conjunto de factos que tem previamente de ser alegado.

15 - Quando, em lugar de se lidar com factos, se lida com conclusões ou opiniões pessoais, é o próprio direito ao contraditório que é posto em causa, pois a contraparte (no caso, a Ré) deixa de poder sindicar tais afirmações com base em elementos de prova concretos e objectivos.

16 - Resulta, assim, do exposto que o ponto 1.38 dos factos provados não poderá deixar de se ter por não escrito.

17 - Caso assim se não entenda, esse facto é infirmado pela prova produzida e deve ser dado como não provado.

18 - A Recorrente discorda, ainda, do julgamento do ponto 1.39 dos factos provados, pois entende que, embora o mesmo deva ser dado como provado, deve ser expurgado de quaisquer considerações próprias dos articulados e reduzir-se à matéria de facto propriamente dita, passando a ter a seguinte redacção: “provado apenas que a sociedade X apresentou resultados negativos em 2009”.

19 - No ponto 1.45 dos factos provados foi dado como provado que “O A pretendia pacificar as relações com a Ré em prol do bem estar dos filhos e estabilidade económico-financeira das sociedades”.

20 - A Autora discorda do julgamento desse ponto da decisão da matéria de facto, pois entende que o mesmo deveria ser dado como não provado.

21 - Os meios de prova que impunham decisão diversa são os seguintes:

- fls. 1775 - doc. n.º 39, junto com a contestação (pág. 28/57 do requerimento apresentado via Citius em 02/04/2012, às 11:23:11, com a referência 9804305), que corresponde a petição inicial de processo de insolvência;
- fls. 2830 - sentença proferida no processo de insolvência que correu termos com o n.º 52/12.0TBAVV, junta aos autos com o requerimento probatório apresentado em 26/06/2013, às 18:24:11 – referência 13827065;
- fls. 2866 - sentença proferida no processo de insolvência que correu termos com o n.º 75/12.0TBAVV, junta aos autos com o requerimento probatório apresentado em 26/06/2013, às 18:24:11 – referência 13827065;
- fls. 2702 - doc. n.º 48, junto com a contestação – requerimento executivo de acção executiva instaurada pela Ré contra o Autor (fls 3/55 de requerimento apresentado em 02/04/2012, às 14:21:08 – referência 9806379);
- fls. 2635 - doc. n.º 44, junto com a contestação (pág. 20/89 de requerimento apresentado via Citius em 02/04/2012, às 13:00:44 – referência 9805973), que corresponde a petição inicial de acção para regulação de responsabilidades parentais;
- fls. 99 - doc. n.º 10, junto com a p.i. (pág. 49/56 de requerimento apresentado via Citius em 22/02/2012, às 09:29:19 – referência 9437586), que corresponde ao “acordo de reconhecimento de dívida e pagamento em prestações” visado pela presente acção;
- depoimento prestado pela testemunha M. A. em 17/01/2017, com início às 10:55.39, no excerto de minutos 15:00 a 25:30;
- depoimento prestado pela testemunha J. R. na sessão de 17/01/2017, com início às 15:10:33, no excerto de minutos 18:00 a 21:30;
- declarações prestadas pela Ré M. M. na sessão de 07/06/2016, com início às 10:48:39, no excerto de minutos 37:30 a 45:24.

22 - O facto de ter assinado o reconhecimento de dívida e acordo de pagamento e de, ademais, ter cumprido todas as obrigações aí assumidas até à desistência de todos os processos, por parte da Ré, evidencia, sem margem para dúvidas, que o propósito que levou o Autor a subscrever tal documento foi o de obter da Ré a desistência desses processos, e não quaisquer preocupações com o bem-estar dos filhos e das sociedades.

23 - Face aos depoimentos da Ré e das testemunhas Dra. M. A. e Dra. J. R., corroborados pelo teor do documento de fls. 99 e seguintes, dúvidas não poderão restar de que o montante fixado no mesmo foi estabelecido como contrapartida, entre o mais, pela desistência dos processos pendentes.

24 - Resulta, de forma cristalina, da prova produzida que o único interesse visado pelo Autor foi o de não ver as contas das empresas inspeccionadas e de não correr o risco de ser destituído da gerência das mesmas, o que só seria obtido com a desistência dos processos e nada tem que ver com o bem-estar dos filhos ou das empresas, mas antes com o seu próprio bem-estar.

25 - O doc. n.º 10, junto com a p.i. é um documento particular, sendo certo que as letras e assinaturas que deles constam não foram impugnadas pelas partes.

26 - Daí que esse documento - que consta do ponto 17 dos factos provados -, face ao disposto no art. 376.º, n.º 1 do Cód. Civil, fizesse prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor. No que para aqui releva, resulta expressamente desse documento que o Autor declarou-se devedor à Ré de € 1 736 636,00 em contrapartida da desistência, por parte desta, dos processos pendentes e da quitação quanto a todos os prejuízos sofridos durante a gerência do Autor.

27 - Face ao teor de tal documento e à sua força probatória plena, terá forçosamente de se concluir que a subscrição do dito documento foi feita pelo Autor com o propósito de obter da Ré a constituição nas obrigações de desistência de processos e quitação integral, nos moldes previstos nas cláusulas quinta e sexta desse acordo.

28 - Relativamente ao doc. n.º 7, ora junto, estando em causa documento destinado a demonstrar um facto novo, ocorrido após a prolação de sentença, a sua junção sempre seria admissível, à luz do disposto no art. 651.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, razão pela qual se requer a V. Exas. se dignem admitir tal junção.

29 - Por todas as razões acima expostas, impõe-se alterar a resposta ao ponto 1.45 dos factos provados, o qual deverá ser dado como não provado.

30 - No ponto 53 dos factos provados deu-se como provado que “As sociedades não apresentaram lucros que permitissem à ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do A. obter lucros nos 4 anos em causa, no montante de €1.751.546,00 (referido no reconhecimento de dívida nesse montante)”.

31 - A Recorrente discorda do julgamento desse ponto da matéria de facto, pois entende que deveria ter-se dado como provado, tão-somente, o seguinte: “De acordo com a contabilidade das sociedades (que mereceu voto contra da Ré), as mesmas não apresentaram lucros que permitissem à ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do A. obter lucros nos 4 anos em causa, no montante de €1.751.546,00 (referido no reconhecimento de dívida nesse montante), mas apenas € 782 778,44”.

32 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são os seguintes:
- relatório pericial de fls. 3233;
- esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos na sessão da audiência de julgamento de 07/06/2016, com início às 14:23:37, no excerto de minutos 27:00 a 29:50;
- depoimento prestado pela testemunha A. C. em 29/05/2017, com início às 16:20:11, no excerto de minutos 09:40 a 16:00.

33 - Só quem lida directamente com o giro comercial é que pode certificar-se da autenticidade dos documentos lançados na contabilidade – e foi por essa razão e por ter conhecimento directo do modo como as contas poderiam estar inquinadas ou subvertidas é que a Ré votou contra a sua aprovação e, depois de as mesmas terem sido aprovadas, instaurou acções com vista à anulação das deliberações sociais de aprovação – cfr. ponto 19 dos factos provados.

34 - Assim, no limite, de modo a reflectir de forma mais rigorosa o que resulta da prova produzida, apenas se poderia dar como provados que, “De acordo com a contabilidade das sociedades (que mereceu voto contra da Ré), as mesmas não apresentaram lucros que permitissem à ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do A. obter lucros nos 4 anos em causa, no montante de € 1.751.546,00 (referido no reconhecimento de dívida nesse montante)”.

35 - Os Senhores Peritos afirmaram que, mesmo com base na contabilidade aprovada (e não aceite, recorde-se, pela Ré), resultaria um saldo a favor desta, no que diz respeito a lucros a distribuir, de € 782 778,44.

36 - Daí que, para além da alteração acima requerida ao ponto 1.53 dos factos provados, haja também de se alterar o mesmo, aditando-se-lhe a seguinte locução: “mas apenas € 782 778,44.”

37 - Assim, o presente recurso deverá ser julgado procedente, com a consequente alteração da resposta ao ponto 1.53 dos factos provados, que deverá passar a ter a seguinte redacção: “De acordo com a contabilidade das sociedades (que mereceu voto contra da Ré), as mesmas não apresentaram lucros que permitissem à ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do A. obter lucros nos 4 anos em causa, no montante de €1.751.546,00 (referido no reconhecimento de dívida nesse montante), mas apenas € 782 778,44”.

38 - No ponto 1.54 dos factos provados foi dado como provado que “A ré declarou várias vezes perante terceiros depois do divórcio que tudo faria para levar as empresas do A à insolvência e afastar os filhos do pai por ter sido preterida, pretendendo com os seus actos deixar o A na miséria.”

39 - A Ré discorda do julgamento desse ponto da matéria de facto, pois entende que o mesmo é totalmente irrelevante para a apreciação do mérito da causa, atenta a fundamentação jurídica constante da decisão recorrida.

40 - Entende, por isso, que o mesmo deve, pura e simplesmente, ser eliminado da decisão da matéria de facto.

41 - Caso assim se não entenda, a Recorrente entende que a decisão da matéria de facto deve ser alterada, de molde a que o mesmo seja dado como não provado.

42 - O meio de prova que impunha a prolação de decisão diversa é o seu depoimento, nomeadamente, no excerto de minutos 48:05 a 49:54 das declarações prestadas pela Ré M. M. na sessão de 07/06/2016, na gravação com início às 10:48:39.

43 - No ponto 2.2 dos factos não provados deu-se como não provado que “Em 2008/2009/2010 o A não prestou à Ré informações sobre a gerência da sociedade”.

44 - No ponto 2.3 dos factos não provados, por sua vez, deu-se como não provado que [o Autor] “Não deu acesso a dados da contabilidade da empresa”.

45 - A Ré discorda do julgamento desse ponto da decisão da matéria de facto, pois entende que o mesmo deveria ter sido dado como provado, com a seguinte redacção: “Provado apenas que em 2008/2009/2010 o Autor disponibilizou documentação contabilística das sociedades, para consulta, no período que antecedeu as assembleias-gerais anuais, sem possibilidade de reprodução de documentos e sem que toda a documentação contabilística estivesse disponível para consulta”.

46 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são os seguintes:
- fls. 1102 - doc. n.º 8, junto com a contestação (declaração manuscrita datada de 13/05/2008);
- fls. 1109 - doc. n.º 9, junto com a contestação (carta manuscrita datada de 16/05/2008);
- fls. 1111 - doc. n.º 10, junto com a contestação (carta manuscrita datada de 16/05/2008);
- fls. 1112 - doc. n.º 11, junto com a contestação (carta de 20/05/2008);
- fls. 1113 - doc. n.º 12, junto com a contestação (email de 24/05/2008);
- fls. 1114 - doc. n.º 13, junto com a contestação (fax de 25/05/2008);
- fls. 1115 - doc. n.º 14, junto com a contestação;
- fls. 1117 - doc. n.º 15, junto com a contestação;
- fls. 1121 - doc. n.º 16, junto com a contestação;
- fls. 1123 - doc. n.º 17, junto com a contestação;
- fls. 1129 - doc. n.º 18, junto com a contestação;
- fls. 1132 - doc. n.º 19, junto com a contestação;
- declarações de parte prestadas pela Ré M. M. em 07/06/2016, no excerto de minutos 17:20 a 23:30;
- declarações da testemunha A. P., prestadas em 14/06/20106, na gravação com início às 10:42:53, no excerto de minutos 01:22:00 a 01:23:00;
- declarações prestadas pela testemunha Dr. A. C. em 29/05/2017, na gravação com início às 16:55:06, no excerto de minutos 02:17 a 04:20;
- declarações prestadas pela testemunha Dr. A. C. em 29/05/2017, na gravação com início às 15:46:25, no excerto de minutos 15:00 a 16:00;
- declarações prestadas pela testemunha Dr. A. C. em 29/05/2017, na gravação com início às 16:20:11, no excerto de minutos 14:20 a 17:30.

47 - Os meios de prova acima referidos, aliados à total e absoluta ausência de contraprova, por banda do Autor, relativamente a este ponto da decisão da matéria de facto, sustentam, de forma que não deixa dúvidas, a alegação da Autora de que apenas lhe era facultado acesso a documentação contabilística no período de 15 dias, previsto na lei, que antecedia a realização das assembleias-gerais.

48 - Daí que se imponha alterar a resposta aos pontos 2.2 e 2.3 da decisão da matéria de facto, os quais deverão ser dados como provados, com a seguinte redacção: “Provado apenas que em 2008/2009/2010 o Autor disponibilizou documentação contabilística das sociedades, para consulta, no período que antecedeu as assembleias-gerais anuais, sem possibilidade de reprodução de documentos e sem que toda a documentação contabilística solicitada pela Ré lhe fosse disponibilizada”.

49 - A Recorrente discorda também do julgamento do ponto 2.4 dos factos não provados, pois entende que o mesmo deveria ter sido dado como provado.

50 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são os seguintes:
- fls. 3233 - relatório pericial;
- fls. 1069 - doc. n.º 2, junto com a contestação (carta de 28/04/2008);
- fls. 1071 - doc. n.º 3, junto com a contestação (nota de culpa de 06/05/2008 e deliberação da gerência, representada pelo Autor, de 03/05/2008);
- fls. 1077 e 1092 - docs. n.º 4 e 5, juntos com a contestação (providência cautelar de suspensão provisória do despedimento, termo de transacção e acordo-aditamento ao contrato de trabalho);
- fls. 1427 - doc. n.º 6, junto ao doc. n.º 28, junto à contestação – comunicação à Autora do seu despedimento, promovido pelo Autor, enquanto gerente da sociedade X;
- fls. 1102 - doc. n.º 8, junto com a contestação (declaração manuscrita datada de 13/05/2008);
- fls. 1109 - doc. n.º 9, junto com a contestação (carta manuscrita datada de 16/05/2008);
- fls. 1111 - doc. n.º 10, junto com a contestação (carta manuscrita datada de 16/05/2008);
- fls. 1112 - doc. n.º 11, junto com a contestação (carta de 20/05/2008);
- fls. 1113 - doc. n.º 12, junto com a contestação (email de 24/05/2008);
- fls. 1114 - doc. n.º 13, junto com a contestação (fax de 25/05/2008);
- fls. 1115 - doc. n.º 14, junto com a contestação;
- fls. 1117 - doc. n.º 15, junto com a contestação;
- fls. 1121 - doc. n.º 16, junto com a contestação;
- fls. 1123 - doc. n.º 17, junto com a contestação;
- fls. 1129 - doc. n.º 18, junto com a contestação;
- fls. 1132 - doc. n.º 19, junto com a contestação;
- fls. 1192 - doc. n.º 21, junto com a contestação;
- fls. 1292 - doc. n.º 22, junto com a contestação;
- fls. 1317 –doc. n.º 23, junto com a contestação;
- declarações de parte prestadas pela Ré M. M. em 07/06/2016, na gravação com início às 10:48:39, nos excertos de minutos 05:00 a 07:36 e de minutos 17:20 a 23:30;
- declarações prestadas pela testemunha Dr. A. C. em 29/05/2017, Na gravação com início às 16:55:06, no excerto de minutos 02:17 a 04:20.
- declarações prestadas pela testemunha M. A. na sessão da audiência de julgamento realizada em 17/01/2017, na gravação com início às 10.55:39, no excerto de minutos 09:30 a 11:50.

51 - Tal como se salientou na fundamentação da impugnação da resposta ao ponto 37 dos factos provados – que aqui se dá por integralmente reproduzida -, resulta da prova produzida que a ruptura da relação pessoal entre Autor e Ré ocorreu entre 4 de Janeiro e 26 de Abril de 2008.

52 - Entre Março e Abril de 2008 (altura em que ocorreu a ruptura de relacionamento pessoal entre Autor e Ré) ocorreram movimentos financeiros de contas da X para contas pessoais do Autor em valores na ordem do milhão de euros.

53 - Face ao que se acaba de expor, torna-se, salvo melhor opinião, incontornável a conclusão de que foi feita prova da factualidade alegada no ponto 2.4 dos factos não provados.

54 - Não pode retirar-se da prova produzida que a Ré tomou conhecimento de tais movimentos através do Autor ou por informação prestada por ele, pois o que a prova documental e testemunhal acima referida revelam é a existência de graves constrangimentos à consulta de documentação societária pela Ré, após a ruptura da relação pessoal com o Autor.

55 - Pelas razões expostas, o presente recurso deverá proceder, com a consequente alteração da resposta ao ponto 2.4 dos factos não provados, que deverá ser dado como provado.

56 - No ponto 2.5 dos factos não provados deu-se como não provado o seguinte facto: “No ano 2008 o A recebeu da X 633.952,81€.”

57 - A Ré discorda do julgamento desse ponto da matéria de facto, pois entende que o mesmo deveria ter sido dado como provado, nos seguintes termos: “Provado apenas que, no exercício de 2008, a subconta “255113 – D. L.”, da sociedade comercial X, apresentava um saldo devedor de € 633.952,81, que significava que a empresa tinha um crédito desse montante sobre o Autor.”

58 - O meio de prova que impunha a prolação de decisão diversa é o relatório pericial apresentado nos autos em 27/04/2015 – fls. 323 e seguintes.

59 - Face ao teor do relatório pericial, encontra-se demonstrado que, em Dezembro de 2008, a subconta 255113 apresentava um saldo devedor de € 633 952,81 (valor que o Autor devia à X).

60 - Daí que se imponha a procedência do presente recurso, alterando-se a resposta ao ponto 2.5 dos factos provados, que deverá passar a ter a seguinte redacção: “Provado apenas que, no exercício de 2008, a subconta “255113 – D. L.”, da sociedade comercial X, apresentava um saldo devedor de € 633.952,81, que significava que a empresa tinha um crédito desse montante sobre o Autor.”

61 - No ponto 2.6 dos factos não provados deu-se como não provado que “A e R outorgaram um contrato de partilha de bens comuns do casal em 4 de Janeiro de 2008.” A Ré discorda do julgamento desse ponto da matéria de facto, pois entende que o mesmo deveria ter sido dado como provado.

62 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são os seguintes:
- fls. 1061 - doc. n.º 1, junto com a contestação;
- fls. 1384 - doc. n.º 23, junto com a contestação - petição inicial de acção de anulação de deliberações sociais, cujo doc. n.º 30 é precisamente o contrato-promessa de (não) partilha outorgado por Autor e Ré em 04/01/2008;
- fls. 1353 - doc. n.º 24, junto com a contestação (carta de 22/12/2010, com proposta de lotes para a partilha);
- depoimento prestado pela testemunha Dra. J. R., na sessão da audiência de julgamento de 17/01/2017, no excerto de minutos 03:18 a 06:47;
- declarações prestadas pela testemunha M. A. na sessão da audiência de julgamento realizada em 17/01/2017, na gravação com início às 10:55:39, no excerto de minutos 09:30 a 11:50.

63 - O doc. n.º 1, junto com a contestação, e o doc. n.º 23, junto com a contestação (ao qual está anexada, na íntegra, o contrato-promessa acima referido) são suficientes para a prova do ponto 2.6 dos factos não provados – o que é reforçado pelo doc. n.º 24, junto com a contestação.

64 - Impõe-se alterar a resposta ao ponto 2.6 dos factos provados, dando-se como provado que “A e R outorgaram um contrato de partilha de bens comuns do casal em 4 de Janeiro de 2008.”

65 - No ponto 2.9 dos factos não provados deu-se como não provado o seguinte (relativamente às contas das sociedades): “Estas tinham fortes irregularidades na gerência do autor”.

66 - A Recorrente discorda do julgamento desse ponto da matéria de facto, pois entende que o mesmo deveria ter sido dado como provado, com a seguinte redacção: “Estas tinham irregularidades na gerência do autor, traduzidas na indevida circulação de capitais entre contas das empresas e entre estas e contas do Autor”.

67 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são os seguintes:
- relatório pericial de fls. 3233;
- fls. 1102 - doc. n.º 8, junto com a contestação (declaração manuscrita datada de 13/05/2008);
- fls. 1117 - doc. n.º 15, junto com a contestação;
- fls. 2750 - doc. n.º 51, junto com a contestação.

68 - Na apreciação deste ponto da decisão da matéria de facto interessava essencialmente aferir se, entre 4 de Janeiro de 2008 (data do divórcio) e o 28 de Fevereiro de 2011 (data do acordo visado por esta acção) existiam, ou não, indícios de irregularidades nas contas das sociedades do Grupo W pertencentes às partes.

69 - O relatório de gestão acima revela (facto corroborado pelo relatório pericial) circulação de capitais entre uma das empresas (X) e contas do Autor fora à margem da lei.

70 - A fls. 3241 do relatório pericial (resposta quesito 6.º), os Senhores Peritos referem que o total dos “empréstimos” feitos pela X ao Autor ascende a € 1 320 000,00 (mil milhão trezentos e vinte mil euros)”. Os Senhores Peritos afirmam também que, desse montante, foi devolvido pela Z ao Autor uma quantia de € 640 000,00, o qual, por sua vez, os devolveu à X.

71 - No quesito 7.º, por sua vez, os Senhores Peritos afirma que do valor de € 1 320 000,00 entregue ao Autor pela X, foram devolvidos pelo Autor € 640 000,00, ficando por regularizar a diferença, ou seja (€ 1 320 000,00 - € 640 000,00) € 680 000,00.

72 - Apesar do teor desse segmento do relatório pericial, os Senhores Peritos afirmam também, a fls. 3239, que, relativamente aos valores de € 483 000,00, € 50 000,00 e € 160 000,00, supostamente devolvidos pela Z e registados em contas do Autor, não foi disponibilizado qualquer documento da Z a informar destes movimentos, como a cópia dos cheques ou titular da transferência em causa.

73 - Os financiamentos entre empresas mostram-se, também eles, contrários ao objecto social das empresas, na medida em que a existência de aquisição e pagamentos de umas empresas em nome e por conta de outras representa uma forma de financiamento que não é admissível no quadro do objecto da actividade das empresas.

74 - Por outro lado, meses após a partilha e a celebração do acordo de pagamento visado nesta acção, a Ré foi confrontada com a instauração de uma acção judicial pela sociedade comercial K contra a sociedade DISTRI... – que lhe havia sido adjudicada, em que era peticionado o pagamento de mais de € 700 000,00 (facto que foi dado como provado na sentença proferida no processo de insolvência n.º 52/12.0TBAVV, junta aos autos pela Ré com o seu requerimento probatório).

75 - A falta de registo na contabilidade de tal passivo contingente, depois de o pagamento do mesmo ter sido reclamado pela possível credora, é mais uma irregularidade patente nas contas das empresas, para além de não permitir à Ré ter total conhecimento da situação financeira dos bens que lhe foram adjudicados na partilha – facto que já motivou pedido de anulação da mesma, em processo que corre termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo.

76 - Face ao que resulta dos meios de prova acima referido, o presente recurso não poderá deixar de ser julgado procedente, com a consequente alteração do ponto 2.9 dos factos como não provados, o qual deverá ser dado como provado, com a seguinte redacção: “Estas tinham irregularidades na gerência do autor, traduzidas na indevida circulação de capitais entre contas das empresas e entre estas e contas do Autor”.

77 - No ponto 2.10 dos factos não provados deu-se como não provado que havia fortes indícios de que o Autor tinha desviado quantias para seu proveito pessoal e para pessoas da sua confiança.

78 - A Recorrente discorda do julgamento desse ponto da matéria de facto, pois entende que o mesmo deveria ter sido dado como provado, com a seguinte redacção: “provado que existiam indícios de desvios de dinheiro das empresas, em benefício do Autor”.

79 - No limite e caso assim se não entendesse, sempre se deveria ter dado como provado o seguinte: “Provado apenas que a Ré tinha suspeitas de desvios de dinheiros das empresas, em benefício do Autor.”

80 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão distinta são os seguintes:
- relatório pericial de fls. 3233;
- fls. 1068 - doc. n.º 2, junto com a contestação (carta de 28/04/2008);
- fls. 1071 - doc. n.º 3, junto com a contestação (nota de culpa de 06/05/2008 e deliberação da gerência, representada pelo Autor, de 03/05/2008);
- fls. 1077 e 1093 - docs. n.º 4 e 5, juntos com a contestação (providência cautelar de suspensão provisória do despedimento, termo de transacção e acordo-aditamento ao contrato de trabalho);
- fls. 1427 - doc. n.º 6, junto ao doc. n.º 28, junto à contestação – comunicação à Autora do seu despedimento, promovido pelo Autor, enquanto gerente da sociedade X;
- fls. 1100 - doc. n.º 7, junto com a contestação;
- fls. 1102 - doc. n.º 8, junto com a contestação (declaração manuscrita datada de 13/05/2008);
- fls. 1109 - doc. n.º 9, junto com a contestação (carta manuscrita datada de 16/05/2008);
- fls. 1111 - doc. n.º 10, junto com a contestação (carta manuscrita datada de 16/05/2008);
- fls. 1112 - doc. n.º 11, junto com a contestação (carta de 20/05/2008);
- fls. 1113 - doc. n.º 12, junto com a contestação (email de 24/05/2008);
- fls. 1114 - doc. n.º 13, junto com a contestação (fax de 25/05/2008);
- fls. 1115 - doc. n.º 14, junto com a contestação;
- fls. 1117 - doc. n.º 15, junto com a contestação;
- fls. 1121 - doc. n.º 16, junto com a contestação;
- fls. 1123 - doc. n.º 17, junto com a contestação;
- fls. 1129 - doc. n.º 18, junto com a contestação;
- fls. 1132 - doc. n.º 19, junto com a contestação;
- fls. 1192 - doc. n.º 21, junto com a contestação;
- fls. 1325 - doc. n.º 22, junto com a contestação;
- fls. 1317 - doc. n.º 23, junto com a contestação;
- declarações de parte prestadas pela Ré M. M. em 07/06/2016, na gravação com início às 10:48:39, no excerto de minutos 05:00 a 07:36 e 17:20 a 23:30;
- declarações prestadas pela testemunha Dr. A. C. em 29/05/2017, na gravação com início às 16:55:06, no excerto de minutos 02:17 a 04:20.
- declarações prestadas pela testemunha M. A. na sessão da audiência de julgamento realizada em 17/01/2017, na gravação com início às 10:55:39, no excerto de minutos 09:30 a 11:50.

81 - A matéria deste ponto da matéria de facto passava por saber se, face aos elementos de que dispunha e informações após o divórcio, a Ré tinha razões para crer na existência de indícios de desvios de dinheiro, por parte do Autor, em seu benefício e de pessoas da sua confiança.

82 - Para um correcto julgamento deste ponto de matéria de facto, impõe-se fazer um juízo de prognose, recuando aos anos de 2008, 2009 e 2010 para apurar se, com base nos elementos contabilísticos a que a Ré teve acesso nesse período, havia razões para crer, de forma legítima, na possibilidade de desvio de dinheiro por parte do Autor.

83 - Ora, como resulta do alegado a respeito da impugnação do ponto 37 dos factos provados – alegação que aqui se dá por integralmente reproduzida, para os devidos efeitos -, em 4 de Janeiro de 2008, Autor e Ré mantinham relacionamento pessoal e consumaram o seu divórcio, por mútuo consentimento.

84 - A prova produzida permite também concluir que, entre o divórcio (4 de Janeiro de 2008) e até 26 de Abril de 2008 (data da primeira das cartas registadas com aviso de recepção enviadas pela Autora (cfr. fls. 1415), Autor e Ré deixaram de ter relacionamento pessoal.

85 - Escassos meses após a dissolução do matrimónio e num momento de ruptura de relações pessoais entre Autor e Ré, a contabilidade das empresas, coincidentemente, revelava circulação de capitais da conta da X para a conta do Autor no montante de € 1 060 000,00 (um milhão e sessenta mil euros), seguida de uma possível restituição parcial desse capital (possível restituição de € 640 000,00, de acordo com informações prestadas aos Senhores Peritos pelo Autor) – do que resultaria, mesmo considerando as informações prestadas pelo Autor (o que não é o caso), um saldo credor da X, só nesse período, de (€ 1 060 000,00 - € 640 000,00) € 420 000,00.

86 - Por outro lado, os docs. n.º 6 a 19 (fls. 1097 a 1137) evidenciam que, no ano de 2008, as assembleias-gerais para aprovação de contas societárias não se realizaram no prazo previsto no art. 65.º, n.º 5 do Cód. Sociedades Comerciais (três meses após o encerramento do exercício), mas apenas no mês de Maio de 2008 e só após interpelação escrita da Ré (doc. n.º 6, junto com a contestação) a solicitar a sua marcação.

87 - A acrescer ao exposto, todo o quadro que antecedeu a realização das assembleias-gerais de Maio de 2008 foi caracterizado por constrangimentos na consulta de documentos – os quais se encontram evidenciados nos docs. n.º 7 a 19 (fls. 1097 a 1137), juntos com a contestação.

88 - Por outro lado, nesse período – e até à obtenção do acordo agora posto em causa nesta acção, ou seja, 28 de Fevereiro de 2011 -, a Ré foi assessorada pelo Revisor Oficial de Contas, que a alertou para outros dados susceptíveis de acentuar as desconfianças da Ré – diminuição do lucro líquido das empresas, não implementação do inventário permanente ou não fornecimento à Ré dos dados do mesmo e quebra na margem bruta nas vendas.

89 - Relativamente ao exercício de 2008, os próprios contabilistas das empresas terem excluído da certificação da legal das contas alguns aspectos, entre os quais se destaca a existência de um saldo devedor, na subconta 255113 – D. L., de € 633 952,81 (dívida do Autor à X) – tal como se encontra cristalinamente espelhado no doc. n.º 51, junto com a contestação (Relatório Anual da Fiscalização Efectuada).

90 - Toda a desconfiança acima referida foi exponenciada por outros factos, designadamente, a existência de fornecimentos sucessivos a uma empresa de que o pai do Autor é sócio, por parte da X (a Distric…) e o exponencial aumento de património, por parte do Autor, nos anos de 2008 e 2009.

91 - Era perante este quadro que se teria de aferir se haveriam, ou não, indícios de desvios de dinheiro, por parte do Autor, em proveito próprio. E a resposta a essa questão não poderia deixar de ser positiva, ou seja, face aos elementos de que dispunha, era legítimo que a Ré concluísse pela existência de indícios de tais desvios.

92 - Daí que, na perspectiva da Recorrente, a resposta ao ponto 2.10 dos factos provados deva ser alterada, dando-se tal facto como provado, com a seguinte redacção: “Provado que existiam de indícios de desvios de dinheiro das empresas, em benefício do Autor”.

93 - No limite e caso assim se não entenda, deveria ser dado como provado o seguinte: “Provado apenas que a Ré tinha suspeitas de desvios de dinheiros das empresas, em benefício do Autor.”

94 - No ponto 2.11 dos factos não provados deu-se como não provado que “Os resultados líquidos das sociedades relativas a 2007/2008/2009/2010 estavam viciados e eram falsos”.
95 - A Ré não pode deixar de admitir que na prova pericial realizada à ordem dos autos não foi demonstrada a falsidade dos resultados líquidos das empresas, no período acima referido.

96 - O facto de não se ter logrado apurar se havia falsidade nas contas das sociedades não significa o seu contrário, ou seja, que se tenha apurado que elas são verdadeiras.

97 - A Recorrente discorda do julgamento dos pontos 2.13, 2.14, 2.15 e 2.16 dos factos não provados, pois entende que os mesmos deveriam ter sido dados como provados.

98 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diferente, em relação a cada um dos citados pontos da decisão da matéria de facto, são os seguintes:
- fls. 99 - doc. n.º 10, junto com a p.i. (pág. 49/56 de requerimento apresentado via Citius em 22/02/2012, às 09:29:19 – referência 9437586), que corresponde ao “acordo de reconhecimento de dívida e pagamento em prestações” visado pela presente acção;
- fls. 1158 - doc. n.º 20, junto com a contestação, nomeadamente, a acta da audiência de julgamento junta com o mesmo, da qual resulta que, em 23 de Novembro de 2010, Autor e Ré suspenderam a instância no proc. n.º 607/08.9TBPTL, por se encontrarem em negociações com vista a uma possível transacção;
- fls. 1167 - doc. n.º 20, junto com a contestação, nomeadamente o pedido de extinção da instância apresentado por Autor e Ré, no proc. n.º 607/08.8TBPTL e respectiva sentença homologatória;
- fls. 1288 e 1290 - doc. n.º 21, junto com a contestação, nomeadamente, a desistência do pedido, por parte da Ré, no proc. n.º 438/09.8TBPTL e respectiva sentença homologatória;
- fls. 1315 - doc. n.º 22, junto com a contestação, designadamente, o despacho de arquivamento junto com o mesmo;
- fls. 1351 - doc. n.º 23, junto com a contestação, concretamente, a acta de tentativa de conciliação realizada em 18 de Janeiro de 2011, no Tribunal Judicial de Ponte de Lima;
- depoimento prestado pela testemunha M. A. em 17/01/2017, à 10:55:39, no excerto de minutos 16:30 a 25:30;
- depoimento prestado pela testemunha J. R. na sessão de 17/01/2017, no excerto de minutos 18:00 a 21:30;
- declarações prestadas pela Ré M. M. na sessão de 07/06/2016, na gravação com início ás 10:48:39, no excerto de minutos 37:30 a 42:30.

99 - No acordo de fls. 99 e seguintes dos autos, Autor e Ré, de forma perfeitamente sinalagmática, convencionaram que o pagamento da quantia constante do acordo de pagamento era uma contrapartida pela desistência dos processos pendentes, fazendo coincidir a mesma com o pagamento da primeira e segunda prestações.

100 - E, efectivamente, a Ré desistiu desses processos após o pagamento da primeira e segunda prestações.

101 - Resulta dos meios de prova acima referidos que o propósito visado pelo Autor com a celebração do acordo visado por esta acção foi o de pôr fim aos processos pendentes e de se poupar ao risco de ser destituído da gerência das empresas, de ver inspeccionadas as contas das empresas e quantificado, em sede judicial, o montante do prejuízo causado à Ré e, ainda, às implicações jurídico-criminais que poderiam advir da sua gestão.

102 - E resulta também dos meios de prova acima referidos a prova inequívoca da factualidade alegada nos pontos 2.13, 2.14, 2.15 e 2.16 dos factos não provados.

103 - Como resulta da documentação junta aos autos (sucessivas suspensões da instância nos processos de destituição de gerente e de impugnação de deliberações sociais), bem como do depoimento da Ré e das testemunhas J. R. e M. A., a subscrição do “reconhecimento de dívida e acordo de pagamento” visado por esta acção foi precedida de intensas e morosas negociações, levadas a cabo entre advogados (do lado do Autor, a mandatária dele, Dra. S. R., e do lado da Ré as mandatárias desta – as já citadas Dra. J. R. e Dra. M. A.).

104 - As referidas advogadas, melhor do que ninguém, estavam plenamente conscientes das implicações inerentes à subscrição deste documento e dos prós-e-contras inerentes à sua formalização.

105 - Ora, a respeito das razões que o levaram a subscrever aquele documento, o Autor poderia ter arrolado como testemunha a Dra. S. O., sua advogada, que estaria em posição privilegiada para, conjuntamente com as mandatárias da Ré, esclarecer o Tribunal quanto aos contornos em que o referido documento foi elaborado e assinado. Certo é, contudo, que o não fez.

106 - De tal modo que as únicas testemunhas com conhecimento directo desse facto eram as referidas testemunhas da Ré: Dra. J. R. e Dra. M. A..

107 - As testemunhas do Autor, não tendo intervenção directa no processo negocial nem sabendo, de todo, quais as contrapartidas negociadas com a Ré para o pagamento da quantia de € 1 736 636,00, prevista no acordo de pagamento, não poderiam nem puderam esclarecer o Tribunal quanto às razões que estiveram, de parte a parte, na base da celebração desse acordo.

108 - Resulta, pois, do exposto que o Autor não produziu prova rigorosamente nenhuma relativamente a esta matéria.

109 - O doc. n.º 10, junto com a p.i. é um documento particular, sendo certo que as letras e assinaturas que deles constam não foram impugnadas pelas partes.

110 - Daí que esse documento – que consta do ponto 17 dos factos provados -, face ao disposto no art. 376.º, n.º 1 do Cód. Civil, fizesse prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.

111 - No que para aqui releva, resulta expressamente desse documento que o Autor declarou-se devedor à Ré de € 1 736 636,00 em contrapartida da desistência, por parte desta, dos processos pendentes e da quitação quanto a todos os prejuízos sofridos durante a gerência do Autor.

112 - Face ao teor de tal documento e à sua força probatória plena, terá forçosamente de se concluir que a subscrição do dito documento foi feita pelo Autor com o propósito de obter da Ré a constituição nas obrigações de desistência de processos e quitação integral, nos moldes previstos nas cláusulas quinta e sexta desse acordo.

113 - Por força de tudo quanto acima se vem de expor, o presente recurso deverá proceder, alterando-se a resposta aos pontos 2.13, 2.14, 2.15 e 2.16 dos factos não provados, os quais deverão ser dados como provados.

114 - A factualidade alegada no art. 43.º da contestação não ficou a constar da decisão da matéria de facto, por ter sido considera irrelevante para a apreciação do mérito da acção.

115 - A Ré discorda dessa decisão do Tribunal recorrido e entende que tal facto não só é relevante como deveria ter sido dado como provado.

116 - Tal facto é demonstrado pelos seguintes meios de prova, que impunham decisão diversa:
- fls. 1097 - doc. n.º 6, junto com a contestação;
- fls. 1100 - doc. n.º 7, junto com a contestação;
- fls. 1102 - doc. n.º 8, junto com a contestação (declaração manuscrita datada de 13/05/2008);
- fls. 1109 - doc. n.º 9, junto com a contestação (carta manuscrita datada de 16/05/2008);
- fls. 1111 - doc. n.º 10, junto com a contestação (carta manuscrita datada de 16/05/2008);
- fls. 1112 - doc. n.º 11, junto com a contestação (carta de 20/05/2008);
- fls. 1113 - doc. n.º 12, junto com a contestação (email de 24/05/2008);
- fls. 1114 - doc. n.º 13, junto com a contestação (fax de 25/05/2008);
- fls. 1115 - doc. n.º 14, junto com a contestação;
- fls. 1117 - doc. n.º 15, junto com a contestação;
- fls. 1121 - doc. n.º 16, junto com a contestação;
- fls. 1123 - doc. n.º 17, junto com a contestação;
- fls. 1129 - doc. n.º 18, junto com a contestação;
- fls. 1132 - doc. n.º 19, junto com a contestação.

117 - É sabido que o prazo legal para realização de assembleia-geral de aprovação de contas societárias termina em 31 de Março de cada ano, face ao disposto no art. 65.º, n.º 5 do Cód. Sociedades Comerciais.

118 - Resulta do doc. n.º 6, junto com a contestação que, em 28 de Abril de 2008, as assembleias-gerais para aprovação das contas societárias ainda não se tinham realizado e que a Ré interpelou o Autor para esse efeito.

119 - As actas dessas reuniões da assembleia-geral (docs. n.º 18 e 19), por seu turno, atestam que as mesmas se realizaram já no mês de Maio de 2008.

120 - O facto alegado no art. 43.º da contestação releva para a apreciação do mérito da causa pois é mais um factor susceptível de gerar desconfiança na Ré e de explicar a instauração das acções judiciais que antecederam o acordo visado por esta acção.

121 - Assim, na procedência do presente recurso, deverá levar-se o facto contido no art. 43.º da contestação ao leque dos factos provados, dando-se como provado que “a primeira assembleia realizada após o divórcio apenas ocorreu por solicitação expressa da Ré e após o prazo legal”.

122 - No art. 45.º da contestação alegou-se que “A R. foi impedida pelo Segurança de Serviço de entrar nas instalações da X”.

123 - Esse facto não consta da decisão da matéria de facto, por ter sido considera irrelevante para a apreciação do mérito da acção.

124 - A Ré discorda dessa decisão do Tribunal recorrido e entende que tal facto não só é relevante como deveria ter sido dado como provado, pois permite compreender o estado de coisas que precedeu a instauração de acções judiciais para discutir a validade da aprovação das contas das sociedades.

125 - Tal facto é demonstrado pelos seguintes meios de prova, que impunham decisão diversa:

126 - fls. 1112 - doc. n.º 11, junto com a contestação (carta de 20/05/2008);

127 - fls. 1113 - doc. n.º 12, junto com a contestação (email de 24/05/2008);

128 - fls. 1114 - doc. n.º 13, junto com a contestação (fax de 25/05/2008);

129 - declarações de parte da Ré M. M., prestadas na sessão de 07/06/2016 da audiência de julgamento, na gravação com início às 10:48:39, no excerto de minutos 05:18 a 07:44.

130 - Resulta dos meios de prova acima referidos que efectivamente, pelo menos por uma ocasião, a Ré e a testemunha A. C. foram impedidos por um segurança de aceder às instalações da X – facto corroborado pelos docs. n.º 11, 12 e 13 da contestação, em que a Ré se pronuncia sobre esse impedimento.

131 - Face à prova produzida, impõe-se, pois, alterar a decisão da matéria de facto, dando como provado o facto alegado no art. 45.º da contestação, ou seja, que “A R. foi impedida pelo Segurança de Serviço de entrar nas instalações da X”.

132 - No art. 69.º da sua contestação, a Ré alegou que “As negociações entre Autor e Ré, que culminaram com os documentos que se encontram juntos aos autos (contrato-promessa de partilha e reconhecimento de dívida e acordo de pagamento) arrastaram-se no tempo e só se concretizaram mais de seis meses após o seu início”.

133 - O Tribunal não levou tal facto à decisão da matéria de facto, por entender que o mesmo não era relevante para a apreciação do mérito da causa.

134 - A Recorrente discorda de tal decisão, por entender que tal facto era relevante para apreciação do mérito da causa e, ainda, por entender que o mesmo deveria ter sido dado como provado, com a seguinte redacção: “As negociações entre Autor e Ré, que culminaram com os documentos que se encontram juntos aos autos (contrato-promessa de partilha e reconhecimento de dívida e acordo de pagamento) arrastaram-se no tempo e só se concretizaram, pelo menos, três meses após o seu início”.

135 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são os seguintes:

- fls. 1138 - doc. n.º 20, junto com a contestação, nomeadamente, a acta de audiência de julgamento, com suspensão da instância, de 23 de Novembro de 2010;
- fls. 1351 - doc. n.º 23, junto com a contestação, concretamente, acta de tentativa de conciliação, de 18 de Janeiro de 2011;
- fls. 3369 verso a f3371 verso - certidão judicial junta aos autos por requerimento de 28/03/2017;
- depoimento prestado pela testemunha M. A. em 17/01/2017, na gravação com início às 10:55:39, no excerto de minutos 16:30 a 25:30;
- depoimento prestado pela testemunha J. R. na sessão de 17/01/2017, no excerto de minutos 18:00 a 21:30;
- declarações prestadas pela Ré M. M. na sessão de 07/06/2016, na gravação com início às 10:48:39, no excerto de minutos 37:30 a 42:30.

136 - De acordo com o depoimento prestado pelas testemunhas M. A. e J. R. – mandatárias da Ré em todo o processo negocial que antecedeu a celebração do reconhecimento de dívida e acordo de pagamento visado pela presente acção -, estas deram conta de que, na pendência dos processos judiciais, foram várias vezes pressionadas pelos Senhores Julgadores no sentido de obter uma solução consensual (vulgarmente designada como transacção…) que permitisse às partes pôr termo a todos os processos.

137 - Essas testemunhas esclareceram também que, a data altura, tendo sido questionado à Ré quanto queria receber para desistir dos processos pendentes, relacionados com as contas das sociedades e prejuízos sofridos no período da gerência do Autor, esta afirmou que pretendia receber € 1 500 000,00.

138 - Esse valor foi negociado (de forma astuta, note-se) pelas mandatárias acima referida, que conseguiram, no âmbito do acordo, fixar o valor a pagar pelo Autor à Ré em € 1 751 636,00.

139 - As referidas Advogadas afirmaram também que foram feitas suspensões da instância, com vista à negociação do acordo que constitui o reconhecimento de dívida e acordo de pagamento visado pela presente acção.

140 - Os documentos acima elencados comprovam documentalmente que ocorreram, pelo menos, uma suspensão da instância e uma tentativa de conciliação nos processos pendentes, em 23/11/2010 e 18/01/2011.

141 - Face aos meios de prova acima referidos, impõe-se, pois, julgar procedente o recurso da matéria de facto, dando-se como provado o facto alegado no art. 69.º da contestação, com a seguinte redacção: “As negociações entre Autor e Ré, que culminaram com os documentos que se encontram juntos aos autos (contrato-promessa de partilha e reconhecimento de dívida e acordo de pagamento) arrastaram-se no tempo e só se concretizaram, pelo menos, três meses após o seu início”.

142 - No art. 74.º da sua contestação, a Ré alegou que “Autor e Ré reataram, em 18 de Janeiro de 2011, em plenas instalações do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, as suas negociações com vista ao acordo quanto à partilha dos bens comuns do ex-casal e à sobredita “prestação de contas” da administração do património comum e gerência das sociedades, em sede de tentativa de conciliação realizada no âmbito do processo judicial de destituição de gerente, acima identificado.”

143 - O Tribunal não levou tal facto à decisão da matéria de facto, por entender que o mesmo não era relevante para a apreciação do mérito da causa.

144 - A Recorrente discorda de tal decisão, por entender que tal facto era relevante para apreciação do mérito da causa e, ainda, por entender que o mesmo deveria ter sido dado como provado.

145 - Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são os seguintes:

- fls. 1351 - doc. n.º 23, junto com a contestação, concretamente, acta de tentativa de conciliação, de 18 de Janeiro de 2011;
- fls. 3369 verso a f3371 verso - certidão judicial junta aos autos por requerimento de 28/03/2017;
- depoimento prestado pela testemunha J. R., na sessão de 17/01/2017 da audiência de julgamento, na gravação com início às 15:10:33, no excerto de minutos 05:20 a 08:43.

146 - Os meios de prova acima referidos tornam absolutamente incontroverso que, em Janeiro de 2011, nas instalações do Tribunal Judicial de Ponte de Lima foram reatadas as negociações entre Autor e Ré quanto à partilha do património comum e prestação de contas por prejuízos causados à Ré, no período em que o Autor geriu as sociedades do Grupo W.

147 - Daí que se imponha dar como provado que “Autor e Ré reataram, em 18 de Janeiro de 2011, em plenas instalações do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, as suas negociações com vista ao acordo quanto à partilha dos bens comuns do ex-casal e à sobredita “prestação de contas” da administração do património comum e gerência das sociedades, em sede de tentativa de conciliação realizada no âmbito do processo judicial de destituição de gerente, acima identificado.”

148 - No art. 83.º da sua contestação, a Ré alegou que “Em Fevereiro de 2012, como forma de obrigar a R. a abdicar do recebimento da quantia correspondente à prestação da confissão de dívida com vencimento em 14 de Março de 2012, o A. instaurou contra a Ré acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, onde peticiona a guarda dos menores - que corre termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima com o n.º 61/12.0TBPTL.”

149 - O Tribunal não levou tal facto à decisão da matéria de facto, por entender que o mesmo não era relevante para a apreciação do mérito da causa.

150 - A Recorrente discorda de tal decisão, por entender que tal facto era relevante para apreciação do mérito da causa e, ainda, por entender que o mesmo deveria ter sido dado como provado.

151 - O meio de prova que impunha a prolação de decisão diversa é o doc. n.º 50, junto com a contestação (fls. 2635) – citação da Ré para alegar, em processo alteração da regulação das responsabilidades parentais, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima com o n.º 61/12.0TBPTL.

152 - Daí que o presente recurso não possa deixar de proceder, incluindo-se o facto alegado no art. 83.º no leque dos factos provados.

153 - Pode concluir-se de forma perfeitamente segura que, através do acordo de fls. 99 e seguintes dos autos, as partes acordaram na fixação de um valor, que seria pago pelo Autor como contrapartida pela desistência de todos os processos, por parte da Ré, do compromisso de não instaurar mais e, ainda, de uma declaração de quitação quanto aos prejuízos que lhe foram causados pelo Autor, enquanto gerentes das empresas do Grupo W.

154 - Na negociação que culminou com a celebração do mesmo, a Ré renunciou ao direito a apurar o montante desse prejuízo, mediante o pagamento de compensação pecuniária – o que, como adiante se verá, legitima a qualificação de tal negócio como bilateral e como uma transacção, nos moldes definidos no art. 1248.º do Cód. Civil.

155 - O que mais resulta da prova produzida é que todos os actos levados a cabo pelo Autor após a celebração do referido acordo (e do contrato-promessa de partilha celebrado no mesmo dia – cuja validade está a ser analisada no proc. n.º 1084/12.4TBPTL) foram pensados de forma perfeitamente meticulosa, com o propósito exclusivo de, assinados os acordos e obtida a desistência dos processos pela Ré, desencadear nova lide judicial, tendo em vista a recuperação das empresas adjudicadas à Ré (que seria conseguida através dos processos de insolvência) e pelo incumprimento das obrigações assumidas no acordo visado por esta acção.

156 - Resulta, pois, do acima exposto, do leque dos factos que resultarão provados, na sequência da procedência deste recurso, e de toda a documentação junta aos autos que, contrariamente ao por si propalado na petição inicial, o epíteto de “bom da fita” ou “coitadinho” não se ajusta, de todo, aos comportamentos do Autor.

157 - Perante o conjunto de evidências que resultam da produção de prova, a Ré não pretende ser vista como mártir nem apodar o Autor de mau da fita. Pretende, tão-somente, que este Tribunal de recurso faça um esforço mínimo no sentido de compreender, por um lado, as circunstâncias que antecederam a celebração do acordo visado por esta acção e, por outro, o manifesto desvalor ético-jurídico da conduta assumida pelo Autor antes e após a celebração do mesmo.

158 - Se tal for feito, a Ré está certa de que o recurso da matéria de facto não poderá deixar de proceder.

Recurso da Matéria de Direito

159 - No caso dos autos, o Tribunal recorrido declarou a inexistência da dívida quando a mesma não lhe tinha sido pedida nem integrava sequer a causa de pedir.

160 - Ao fazê-lo, cometeu a nulidade a que alude a al. e) do art. 615.º do Cód. Proc. Civil.

161 - É essa nulidade que expressamente se invoca e cuja procedência deverá determinar a revogação da decisão recorrida e sua substituição por Douta Acórdão que julgue improcedente a acção.

162 - O princípio da estabilidade da instância, previsto no art. 260.º do Cód. Proc. Civil, impõe a estabilidade da instância quanto aos sujeitos e ao objecto, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

163 - Fora dum quadro de acordo das partes quanto à alteração da causa de pedir, esta só pode ocorrer nos circunstancialismos previstos nos vários números do art. 265.º do Cód. Proc. Civil.

164 - Está vedado ao Julgador alterar unilateralmente a causa de pedir.

165 - O Autor invocou, como causa de pedir a nulidade do negócio, por suposta impossibilidade legal do seu objecto, e a anulabilidade do negócio, por ter ocorrido vício de coacção moral.

166 - Não consta, pois, da petição inicial a invocação, como causa de pedir, da circunstância de o acordo de fls. 99 dos autos ser um negócio jurídico unilateral – não bastando, para cumprir tal desiderato, uma referência perfunctória ao regime do art. 458.º do Cód. Civil.

167 - Com efeito, sendo tal factualidade constitutiva de um suposto direito do Autor a ver declarada a inexistência da dívida, com fundamento na natureza unilateral do negócio, impendia sobre ele o ónus de alegar e provar que, contrariamente ao que resulta do documento, o mesmo não tinha natureza bilateral e, por inerência, as concessões ou renúncias da Ré nada tinham que ver com aquele pagamento.

168 - Foi precisamente por essa factualidade não ter reflexo na petição inicial que tais factos não constituíram objecto de produção de prova, a qual, atenta a causa de pedir invocada, se centrou na suposta nulidade do negócio, por ter objecto contrário à lei, ou na sua alegada anulabilidade, por ter sido celebrado sob coacção moral.

169 - Ao centrar a sua decisão na natureza alegadamente unilateral do negócio, o Tribunal recorrido, de forma unilateral e sem que tal tivesse sido requerido pelo Autor ou merecido a concordância da Ré, alterou a causa de pedir imediatamente antes da prolação de sentença e claramente fora do quadro admitido pelo art. 265.º do Cód. Proc. Civil.

170 - A mera concessão do contraditório não bastava nem basta, nem de longe nem de perto, para legitimar a alteração da causa de pedir unilateralmente operada pelo Tribunal recorrido, fora do quadro previsto no art. 268.º do Cód. Proc. Civil.

171 - Uma vez que a possível declaração de inexistência da dívida, no quadro de um negócio unilateral, não integrava a causa de pedir, estava vedado ao Tribunal recorrido pronunciar-se sobre essa matéria.

172 - De acordo com o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, é nula a sentença quando o juiz tome posição conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

173 - No caso dos autos e como acima se referiu, o Tribunal recorrido socorreu-se de causa de pedir não alegada e declarou a inexistência da dívida quando a mesma não lhe tinha sido pedida nem integrava sequer a causa de pedir.

174 - Violou, além do mais, o disposto no art. 265.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.

175 - Ao fazê-lo, cometeu a nulidade a que alude a al. d) do art. 615.º do Cód. Proc. Civil.

176 - É essa nulidade que expressamente se invoca e cuja procedência deverá determinar a revogação da decisão recorrida e sua substituição por Douta Acórdão que julgue improcedente a acção.

177 - O Tribunal recorrido qualificou o negócio jurídico de fls. 99 dos autos como negócio jurídico unilateral, pelo menos no que respeita às cláusulas primeira e segunda.

178 - Analisando-se o teor do acordo de fls. 99 dos autos facilmente se compreenderá que o Tribunal recorrido se equivocou em tal qualificação, já que o mesmo é, como veremos, claramente um negócio jurídico bilateral.

179 - O acordo de fls. 99 dos autos não pode ser lido parcelarmente, interpretando-se apenas o teor da cláusula primeira - qualificando-o como um negócio jurídico unilateral - e ignorando-se toda a demais economia do documento, que aponta claramente para contrapartidas e cedências mútuas, nomeadamente, nas cláusulas quinta e sexta do documento.

180 - Se na cláusula primeira o Autor se confessa devedor de € 1 751 636,00, na cláusula segunda há claramente um acordo entre Autor e Ré, nomeadamente, um acordo de fixação do prazo de pagamento, em prestações, de tal quantia. Relativamente à cláusula segunda, há um acordo da Ré – e uma declaração de vontade, por parte desta – no sentido de aceitar o pagamento em prestações, nas condições e prazos aí fixados.

181 - Na cláusula quinta do acordo de fls. 99 dos autos a Ré obrigou-se a desistir dos processos então pendentes contra o Autor, o que significa que, nesse acordo, a Ré também assumiu obrigações – o que reforça a natureza bilateral do negócio, pois dele resultaram direitos e obrigações para ambas as partes.

182 - No n.º 2 da cláusula quinta do acordo, as partes, de forma perfeitamente sinalagmática, chegaram ao ponto de fazer equiparar temporalmente a desistência dos processos pendentes do pagamento da primeira e segunda prestação, prevendo que, com o pagamento da primeira, a Ré “obriga-se a proceder imediatamente à extinção do processo judicial n.º 405/10.9TAPTL”, ao passo que, com o pagamento da segunda prestação, a Ré “obriga-se a proceder imediatamente à extinção dos processos judiciais n.º 438/09.8TBPTL (…) e 607/08.8TBPTL”.

183 - Na cláusula sexta do acordo de fls. 99 dos autos, a Ré, como contrapartida pelo pagamento da quantia referida na cláusula primeira, renunciou (ao declarar-se plenamente ressarcida) ao direito a reclamar quaisquer lucros ou outros direitos que pudesse exigir às sociedades e ao Autor, declarou-se integralmente ressarcida relativamente a prestações de contas, respeitantes ao período da gerência do Autor, que pudesse exigir a este e às sociedades e comprometeu-se a não instaurar quaisquer acções judiciais contra o Autor e as sociedades.

184 - Intui-se, pela via interpretativa, que a designação, do documento de fls. 99 como “reconhecimento de dívida e acordo de pagamento” e, bem assim, a configuração da cláusula primeira como uma confissão de dívida assumida pelo Autor visou apenas tornar claro que tal documento constituía um título executivo.

185 - Resulta da produção de prova – destacando-se os depoimentos da Ré e das testemunhas Dra. M. A. e Dra. J. R. -, que a fixação do valor previsto na cláusula primeira foi uma contrapartida pela desistência dos processos e quitação integral quanto a lucros, prejuízos e prestações de contas, e não um valor decorrente de uma dívida previamente existente e contabilizada com rigor e ao cêntimo.

186 - E se assim é (e não pode deixar de ser), mais uma vez se terá de concluir que o negócio jurídico de fls. 99 é bilateral.

187 - Tendo toda a arquitectura jurídica da decisão recorrida assentado no (falso) pressuposto de que o acordo de fls. 99 dos autos é um negócio jurídico unilateral, a conclusão, pela via interpretativa, de que o mesmo é bilateral faz colapsar toda essa construção e, por inerência, o segmento decisório da sentença recorrida.

188 - Nesta parte, a sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 457.º e 458.º, n.º 1 do Cód. Civil.

189 - Contrariamente ao defendido pelo Tribunal recorrido, o facto de supostamente se não ter apurado um saldo favorável à Ré, nas contas a prestar pelo Autor, não implicava, em si mesmo, que a dívida de € 1 751 636,00, prevista no acordo visado por esta acção, não existisse.

190 - E assim é porque o documento visado por esta acção não é uma confissão de dívida similar à prevista no art. 358.º do Cód. Civil, mas antes um negócio jurídico bilateral, ou seja, uma transacção, como tantas outras realizadas por esse país fora, judicial e extrajudicialmente.

191 - Traduzindo-se o documento de fls. 99 num acordo em que as partes, mediante recíprocas concessões, puseram termo aos litígios pendentes, o mesmo enquadra-se no conceito de transacção previsto no art. 1248.º, n.º 1 do Cód. Civil e é, para todos os efeitos, uma transacção.

192 - Ora, sendo a transacção um negócio jurídico bilateral e, até, um contrato típico, previsto expressamente no art. 1248.º do Cód. Civil, facilmente se conclui que o mesmo é, em si mesmo, uma fonte das obrigações e, no caso, a fonte da obrigação, a cargo do Autor, de pagar à Ré a quantia prevista na cláusula primeira do acordo de fls. 99.

193 - Decorrendo de tudo o exposto que, no caso dos autos, a fonte da obrigação de pagamento a cargo do Autor é, em si mesma, o negócio jurídico bilateral (transacção – art. 1248.º do Cód. Civil) corporizado pelo acordo de fls. 99, a obrigação de pagamento e dívida confessada nesse documento não só existe como não poderá deixar de ser cumprida.

194 - Se assim não fosse e se aderisse à tese do Tribunal recorrido, dar-se-ia o caso de serem restituídas ao Autor as quantias por ele já prestadas, em cumprimento do acordo, ao passo que a Ré já não estaria em condições de retomar os processos de que oportunamente desistiu. A ser assim, haveria uma distorção grosseira no equilíbrio das obrigações assumidas pelas partes, pois o Autor conseguiria ver restituída a sua prestação sem que o mesmo sucedesse com a Ré.

195 - Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou as disposições dos arts. 236.º, n.º 1, 798.º e 1248.º, n.º 1 do Cód. Civil.

196 - Caindo por terra toda a fundamentação jurídica da decisão recorrida, mais não resta a este Tribunal senão julgar procedente a presente apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida e sua substituição por Douto Acórdão que julgue a acção improcedente, por não provada, absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados.

197 - Toda a construção jurídica que constitui a causa de pedir da acção assentou em dois pilares fundamentais: por um lado, a nulidade do negócio, decorrente do disposto no art. 280.º do Cód. Civil, decorrente do facto de o negócio ser, na tese do Autor, legalmente impossível e, por outro, a anulabilidade do negócio, prevista no art. 255.º, n.º 1 do Cód. Civil, por coacção moral.

198 - O terceiro pedido surge como mera consequência lógica e necessária da anulação do negócio jurídico acima referido, traduzida no dever de restituição de tudo quanto foi prestado, em consequência do facto de o mesmo deixar de produzir quaisquer efeitos jurídicos (que se reconduz ao conceito de restituição previsto no art. 291.º do Cód. Civil).

199 - Para proferir sentença condenatória, o Tribunal não poderia deixar de mover-se no quadro traçado e delimitado na petição inicial, o que equivale a dizer que a procedência do pedido formulado em 3 (devolução, repetição ou restituição do indevido) estava dependente, por imperativo lógico, da procedência do pedido anulatório ou de declaração de nulidade.

200 - Ao decidir pela improcedência do pedido de restituição de € 620 000,00 sem a prévia procedência dos pedidos de anulação ou declaração de nulidade, a decisão recorrida violou a disposição do art. 291.º do Cód. Civil.

201 - Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue a acção improcedente, por não provada, absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados.

202 - Caso improcedessem todos os argumentos acima expendidos (o que, face ao que se vem de expor, só é mesmo concebível como hipótese de raciocínio), a acção teria, ainda assim, de improceder.

203 - Resulta do relatório pericial de fls. 3233 e resultará da procedência do recurso da matéria de facto, quanto ao ponto 53 dos factos provados, que “De acordo com a contabilidade das sociedades (que mereceu voto contra da Ré), as mesmas não apresentaram lucros que permitissem à ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do A. obter lucros nos 4 anos em causa, no montante de €1.751.546,00 (referido no reconhecimento de dívida nesse montante), mas apenas € 782 778,44”.

204 - Assim, os Senhores Peritos afirmaram que, mesmo com base na contabilidade aprovada (e não aceite, recorde-se, pela Ré), resultaria um saldo a favor desta, no que diz respeito a lucros a distribuir, de € 782 778,44.

205 - É certo que esses lucros dizem respeito a resultados transitados, e não exclusivamente ao período de 2008 a 2011.

206 - Não obstante, a Ré declarou, na terceira linha do n.º 1 da cláusula sexta do acordo de fls. 99, que se declarava integralmente ressarcida quanto a lucros das empresas e tendo sido adjudicadas ao Autor, na partilha, as sociedades de Ponte de Lima (que concentravam praticamente todo esse lucro acumulado), o que significa que, com a subscrição desse documento, a Ré deixou de poder exigir ao Autor o pagamento de tais lucros, mesmo relativamente ao período em que era sócia das empresas.

207 - E se a Ré deixou de poder exigir ao Autor a distribuição de lucros relativa a anos anteriores, no âmbito do acordo feito com ele, tendo-se apurado um saldo devedor, a favor dela, essa quantia não poderá deixar de lhe ser paga pelo Autor (já que, em relação às empresas de Ponte de Lima, que concentram esse lucro, a Ré já não poder exigir o pagamento de lucros, por não ser sócia das mesmas).

208 - Assim, tendo a Ré renunciado a exigir quaisquer lucros ao Autor e tendo-se apurado, em sede de prova pericial, que existia um saldo a favor desta de € 782 778,44, forçosa se torna a conclusão de que, ainda que se seguisse a tese do Tribunal recorrido, a Ré sempre teria direito a receber aquela quantia – ou melhor, uma vez que o Autor já lhe pagou € 620 000,00, ela sempre teria direito a receber (€ 782 778,44 - € 620 000,00) € 162 778,44.

209 - Deste modo, não poderia o Tribunal recorrido declarar inexistente a dívida do Autor, pois, no limite e em caso de improcedência dos demais argumentos, essa dívida sempre existiria no montante de € 782 778,44, dos quais faltariam pagar € 162 778,44.

210 - E do que se vem de expor resulta que, mesmo que se seguisse esse entendimento, o Autor não poderia obter a devolução dos € 620 000,00 já prestados, já que os mesmos eram devidos.

211 - Assim, caso improcedam os demais fundamentos do recurso, a presente acção, ainda assim, não poderá deixar de ser julgada totalmente improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos contra ela formulados.

212 - Neste particular foi violada a disposição do art. 798.º do Cód. Civil.

213 - Resta dizer que a decisão recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 236.º, n.º 1, 457.º, 458.º, n.º 1, 798.º e 1248.º, n.º 1 do Cód. Civil.

214 - Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue a presente acção totalmente improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos contra ela formulados.
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1.2.2. Contra-alegações

O Autor (D. L.) contra-alegou, pedindo que o recurso de apelação interposto pela Ré (M. M.) fosse julgado improcedente.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

Sobre a matéria de direito:

A) A recorrente veio colocar em sede de recurso a questão nova - nunca alegada em primeira instância e nunca lá discutida por não ter feito parte da base instrutória - que o que estava em causa era a interpretação da confissão de dívida e que, este documento mais não era do que uma transação pela desistência dos processos judiciais que a recorrente mantinha contra o recorrido e as sociedades comerciais de que ambos eram sócios.

Ora,

B) Salvo o devido respeito, na esteira de jurisprudência reiterada e pacífica, por ser esta de acordo com a lei vigente, está vedado a este tribunal de recurso conhecer de questões novas.

C) Provado ficou, porque foi apurado à saciedade que as 4 sociedades, nos anos 2007 a 2010, não geraram lucros suscetíveis de permitir à recorrente locupletar-se com € 1.751,616, à custa do património do recorrido.

D) Tal prova é patente no relatório pericial fls 3233 e ss e fls 3301 a 3303.

E) Não há qualquer condenação ultra petitum porquanto, a causa de pedir foi, precisamente a inexistência de lucros nas quatro sociedades, entre 2007 e 2010, que permitissem à recorrente auferir tal montante pecuniário àquele título, em função das suas participações sociais naquelas.

F) Dai se ter afirmado que o recorrido, firmou tal confissão coagido; que e tal distribuição de lucros sempre seria ilegal, por violação de normas de direito imperativo - Código das Sociedades Comerciais e Código do IRS.

G) Com clamoroso prejuízo para a fazenda pública quantificado em quatrocentos e noventa mil, quatrocentos e cinquenta e oito euros (€ 1.751 636,00 x 28% (taxa liberatória).

H) Ademais, apesar de o tribunal não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação de regras de direito, a verdade é que, a recorrida, na sua PI também invocou as normas jurídicas aplicadas na sentença para atingir a decisão agora posta em crise.

Na verdade,

I) Estando, como de facto e de direito estamos, perante uma confissão de dívida pessoal, isto não significa que “por si só e automaticamente o reconhecimento da sua responsabilidade na gerência das sociedades em causa, responsabilidade essa conducente a um eventual direito indemnizatório por parte da Ré, no montante correspondente ao referido saldo indemnizatório”.

J) Numa palavra, não houve qualquer transação entre recorrente e recorrido, nos termos em que - como questão nova - a recorrente pretende que este tribunal de recurso aprecie.

K) Até porque, repete-se as ações eram, também, contra as sociedades de que a recorrente era sócia e, nessa medida,

L) Não cabia ao recorrido, enquanto sujeito individual de direitos, “transacionar” em nome das sociedades, admitindo a existência de lucros que as contas não espelham, assim como deliberando a sua “distribuição” à recorrente (em claro prejuízo do sócio Q. e da fazenda nacional e da própria sociedade).

M) A distribuição de lucros é competência exclusiva da Assembleia Geral, não podendo o recorrido, enquanto gerente daquelas, substituir aquele órgão na decisão da sua distribuição (isto, caso tais lucros houvesse para distribuir, o que não foi manifestamente o caso).

Na verdade,

N) A confissão de dívida assumida pelo recorrido, teve subjacente uma eventual distribuição de lucros de 4 sociedades comerciais.

O) O recorrido/recorrente, enquanto gerente, não podia substituir-se à Assembleia Geral das sociedades, deliberando a distribuição de lucros pelos sócios;

P) Assim como não podia distribuir lucros aos sócios em valor superior aquele que é, legalmente, permitido e sem pagamento dos correlativos impostos legais em sede de IRS.

Q) Este modo de distribuição de lucros é duplamente ilegal, por contrariar normas imperativas do Código das Sociedades Comerciais e porque causa enorme prejuízo à fazenda nacional.

R) Há, nas sociedades comerciais, uma “delimitação negativa do lucro distribuível”; seja pela cobertura de prejuízos transitados ou reservas obrigatórias, seja pela cobertura de despesas de investigação e desenvolvimento.

S) Sendo a distribuição na proporção das respetivas quotas de cada sócio e a responsabilidade do pagamento, da respetiva sociedade.

T) No caso em apreço, a distribuição de lucros realizada é um negócio contrário à ordem pública, pois evitou que a recorrida declarasse este rendimento à AT, para efeitos de pagamento de IRS.

U) Motivo pelo qual, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a confissão de dívida, também, ser considerada nula, ou anulada nos termos do artigo 281.º do C. Civ.

V) De resto, é falso que esta agora apelidada de “transação” por desistência dos processos, fosse como a recorrente quer convencer este tribunal, uma transação judicial.

W) Na verdade, não aparece um único elemento probatório que permita atestar essa realidade.

X) Sendo que, na modesta opinião do recorrido, a sentença recorrida não padece de nenhum vício apontado pela recorrente e decidiu bem a questão de direito ao afirmar que estamos perante “uma declaração unilateral do ora A. através da qual reconheceu uma divida à Ré, sem dedicação da respetiva relação fundamental ou causal – art.º 458.º, n.º 1 CC”.

Quanto à matéria de facto,

Y) não se olvide que o tribunal recorrido estribou as suas alegações e conclusões, essencialmente nos depoimentos de M. A. e J. R. (ex advogadas da recorrente) e A. C. – ROC das sociedades da recorrente, desde que estas lhe foram atribuídas por partilha de bens comuns do casal.

Z) Sobre estas testemunhas, recorde-se que o tribunal recorrido descredibilizou por completo o seu depoimento.

AA) Aliás, a recorrente desistiu das outras, tantas, testemunhas que arrolou, e não valorizou, por exemplo,

BB) O depoimento das testemunhas comuns, L. I. e A. P., que, à data de hoje, ainda são as pessoas que fazem a contabilidade das suas empresas (por isso da sua confiança, por dizê-lo de algum modo) e à data dos factos eram os contabilistas das sociedades em causa.

CC) Obviamente que o respeito pelo princípio da oralidade e da imediação, permitiram ao tribunal a quo formar a sua convicção sobre o papel de cada uma das testemunhas, e sempre tendo em conta a restante prova produzida.

DD) Nessa medida, não merece a sentença qualquer reparo.

EE) Relativamente aos pontos da matéria de facto dados como provados, diga-se, desde já, que não padecem de qualquer erro que se lhes possa apontar,

FF) Sendo que os elementos de prova indicados pela recorrente, não permitem alterá-los do modo pretendido.

GG) Sobretudo se tivermos em conta, relativamente a cada um destes, os meios de prova indicados pelo recorrido nas suas alegações e que aqui, por mera economia, se dão por integralmente reproduzidos.

HH) Em qualquer caso, uma pequena alteração à redação dos factos dados como provados, tal com sugeridos pela recorrente não tem - mantendo-se o facto provado - a virtualidade de alterar a, aliás, douta decisão recorrida.

II) Quanto à matéria de facto não provada, diga-se que andou bem o tribunal a quo por assim a ter julgado.

JJ) São os depoimentos das testemunhas acima indicadas sobre estes pontos, bem como os demais meios de prova, e que aqui por economia se dão por integralmente reproduzidos, que não permitiram ao tribunal recorrido e na nossa modesta opinião, não permitem a este tribunal, dar como provados os factos, até aqui não provados.

KK) Os elementos de prova indicados pela recorrente não têm essa virtualidade.

LL) Toda a litigância gerada pela recorrente contra o recorrido teve origem no facto de nunca ter aceite o fim do seu casamento e que o seu ex marido iniciasse uma nova relação.

MM) A partir daí a recorrente “começou a ser roubada” (na sua mente, claro).

NN) Tendo-se rodeado de pessoas que lhe alimentaram (convenientemente, diga-se, desde já) aquela magnífica convicção.

OO) Gerando processos e mais processos contra as sociedades e gerente.

PP) Afinal, sobre as contas, sempre tudo foi explicado - em sede própria - à sócia (mas já não à cônjuge), o dinheiro “desviado” das contas da X para a conta do recorrido, afinal, foi para benefício do património comum do extinto casal, para proceder à instalação das empresas de Arcos de Valdevez, que hoje pertencem à recorrente.

QQ) E o que o recorrido comprava, com a nova companheira era, afinal, a crédito. “A montanha pariu um rato”…

RR) Relativamente ao ponto 2.6 dos factos não provados, o próprio documento, apesar da sua denominação, prova ser um contrato de não partilha, ao contrário do que a recorrente pretende que se dê como provado (tal vai cegueira…).

SS) Concomitantemente, como os Srs. peritos, o revisor oficial de contas e contabilistas (também da recorrente) deixaram claro, as contas não tinham irregularidades (aliás, por isso eram sempre certificadas).

TT) Irregulares eram as mentes de quem as via e fazia tal afirmação que, aliás, nunca foi levada a nenhuma declaração de voto (da recorrente) das atas das sociedades.

UU) Nem a AT, que acompanha desde sempre a X, achou, nas suas contas, qualquer irregularidade.

VV) A matéria 74 a 76 das, aliás mui doutas, conclusões da recorrente não é, sequer, matéria a ser conhecida nestes autos, por com eles não estar relacionada.

WW) Não podem ser dados como provados os pontos 2.2, 2.3, 2.4, 2.5, 2.6 2.9 e 2.10.

XX) O dinheiro “desviado” não se regista e provado ficou que não foi para benefício do autor, apesar da saída desse dinheiro da sociedade estar registada unicamente em seu nome, por ser ele o gerente. Em rigor, como admitiu L. R., deveria estar registado em nome do recorrido e da recorrente pois ambos foram os beneficiários do mesmo, para injetar na instalação das empresas de Arcos de Valdevez.

YY) Relativamente aos pontos 2.11, 2.13 a 2.16, verifica-se uma absoluta ausência de prova, para que os mesmos pudessem ser dados como provados.

ZZ) Apesar da recorrente, pela sua experiência na gestão de facto das sociedades pensar que tinha direito a € 1.500.00,00, esqueceu-se que a maior parte do lucro da sociedade X em 2005 e 2006, não foi do seu giro comercial, mas do trespasse do seu estabelecimento comercial em Gouveia.

AAA) Em regra, a receita dos anéis que se vendem, só se recebe uma vez.

BBB) Por isso os exercícios da sociedade em causa não são comparáveis com o ano de 2005 e 2006.

CCC) Aliás, em 2005, o W de Ponte de Lima era a única grande superfície de distribuição, sendo que depois surgiram outras (muitas como, por exemplo o C.).
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

1.ª - É a sentença recorrida nula, por o Tribunal a quo ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d, II parte, do CPC), e ter condenado em objecto diverso do pedido (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. e), II parte, do CPC) ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque

. não permitia que se dessem como provados os factos enunciados na sentença recorrida sob os números 1.37., 1.38., 1.39., 1.45., 1.53. e 1.54.;

. impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2.2., 2.3., 2.4., 2.5., 2.6., 2.9., 2.10., 2.11., 2.13., 2.14., 2.15. e 2.16.;

. e impunha que se dessem como provados outros factos, retirados nomeadamente da contestação da Ré (artigos 43º, 45º, 69º, 74º e 83º) ?

3.ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita, mas também de forma independente dele), por forma a que se julgue a acção improcedente (absolvendo-se a Ré de todos os pedidos formulados) ?
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidades

3.1. Conhecimento de nulidades - Momento

3.1.1. Lê-se no art. 663.º, n.º 2 do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
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3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Ré (M. M.) recorrente a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo (por alegado excesso de pronúncia), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
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3.2. Nulidade da sentença

3.2.1.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por ter-se errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14).
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3.2.1.2. Em particular

3.2.1.2.1. Excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), II parte, e al. e), do CPC)
Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. d), II parte, e al. e), do CPC, respectivamente, que «é nula a sentença quando»:

. excesso de pronúncia - «O juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» e/ou «condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras»; e lê-se no art. 609.º, n.º 1 do mesmo diploma que a «sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir».

«Questões», para este efeito, são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143) (1).
Por outras palavras, «questões» são aqui os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não também as «razões» ou os «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que se afirme que «as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, e o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa» (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1979, pág. 220).

Esta nulidade colhe o seu fundamento quer no princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual), quer no princípio do contraditório, com isso significando que - em sede de processo civil, onde se discutem e dirimem conflitos de natureza privada, e não pública - o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedido por uma das partes, e sem que a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
Compreende-se, por isso, que se lesse no art. 264.º, n.º 2 do anterior CPC que «o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa»; e no art. 664.º do mesmo diploma que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º».
Contudo, com a última reforma do CPC, mantendo-se o respeito pelo princípio do dispositivo, deu-se mais um passo no sentido da busca de uma justiça cada vez mais substancial/material e menos formal, lendo-se agora no art. 5.º, n.º 1 e n.º 2 do actual CPC que, cabendo às partes «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas», serão ainda considerados pelo juiz os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa», os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», e - tal como outrora - os «factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções»; e mantendo-se no n.º 3 da mesma disposição que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».
Compreende-se, por isso, que a regra enunciada no n.º 1 do art. 609.º do CPC deva ser interpretada em sentido flexível, de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo; ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela (conforme Ac. do STJ, de 23.01.2004, Ferreira Girão).

Do mesmo modo o vem entendendo o STJ, na uniformização da jurisprudência que lhe incumbe fazer, nomeadamente:

. no Assento do STJ n.º 4/95, de 28 de Março (DR, I Série A, de 17.05.1995) - onde se consignou que, quando «o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no art. 289.º, n.º 1 do CC»;

. no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2001, de 23 de Janeiro (DR, I Série A, de 09.02.2001) - onde se consignou que, tendo «o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (art. 616.º, n.º 1 do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art. 664.º do CPC» [hoje, art. 5.º, n.º 3 do mesmo diploma].

Deverá porém, em hipóteses como estas, ser assegurado o cumprimento do princípio do contraditório, salvo caso de manifesta desnecessidade, por forma a que as partes não venham a ser confrontadas com uma «decisão surpresa», isto é, com a qual não podiam contar e, por isso, não apreciaram, nomeadamente contraditando (art. 3.º, n.º 3 do CPC).

Precisando uma vez mais, e agora no que tange à proibição de condenação em quantidade superior, dir-se-á que o «objeto da sentença coincide (…) com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem além do que lhe foi pedido» (José Lebre de Freitas, António Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, Outubro de 2008, pág. 648).
Contudo, o limite quantitativo da condenação é o da importância global do pedido (2), isto é, os limites da condenação não se reportam às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo (3).

Precisando derradeiramente, e no que tange à proibição de condenação em objecto diverso do que se pediu, dir-se-á que não se «pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, págs. 67 e 68, com bold apócrifo).

Concluindo, o «juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes»; e, «na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes» (Alberto dos Reis, ibidem).
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3.2.1.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que o Autor (D. L.) pediu expressamente que se certificasse a invalidade do reconhecimento de dívida feito por ele próprio no documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», ou por ser nulo (já que violaria normas imperativas do direito societário, pertinentes à distribuição de lucros aos sócios), ou por ser anulável (já que teria sido realizado sob coacção moral); e, em consequência, se condenasse a Ré (M. M.) a devolver tudo o que, no pressuposto da validade do dito reconhecimento de dívida, já lhe prestara, isto é, € 620.000,00 (quantia acrescida ainda de juros de mora, contados desde a citação até integral devolução).
Mais se verifica que, na sentença proferida pelo Tribunal a quo, o mesmo, depois de desenvolver o seu esforço interpretativo sobre o dito documento, considerou consubstanciar o mesmo o reconhecimento de uma dívida e a promessa de a pagar, sem indicação da respectiva causa, conforme previsto no art. 458.º do CC; e, que tendo-o intentado, o Autor (D. L.) provara ser a mesma inexistente e, por isso, condenou a Ré (M. M.) a devolver-lhe o peticionado montante de € 620.000,00, com os respectivos juros de mora (já que, por prévia decisão deste Tribunal ad quem, ouvira previamente ambas as partes sobre a qualificação jurídica que entendia melhor caber aos factos sub judice).
Dir-se-á assim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que o Tribunal a quo - movendo-se escrupulosamente no estrito âmbito dos factos alegados pelas partes, e concedendo ao Autor (D. L.) o único efeito jurídico por ele pretendido (a não produção de efeitos da sua prévia declaração de dívida, por forma a obter da Ré (M. M.) a devolução do que lhe prestara no pressuposto contrário), não incorreu em qualquer excesso de pronúncia.
Por outras palavras, resulta do art. 581.º, n.º 3 do CPC, que o pedido é o «efeito jurídico» pretendido pelo autor por via da acção, o concreto meio de tutela jurisdicional por ele pretendido (4); e resulta do n.º 4 do mesmo preceito que a causa de pedir é o «facto jurídico» de onde procede a pretensão do autor, «não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, págs. 121 e 123).
Ora, movendo-se permanentemente o Tribunal a quo no círculo de factos concretos aduzidos pelas partes (que não são a abstracta causa de não produção de efeitos do reconhecimento de dívida - nulidade ou anulação -, mas sim os factos que a justificam e concretizam), e concedendo ao Autor (D. L.) a precisa tutela que pretendia (a dita não produção de efeitos, com a consequente devolução do que prestara no seu inverso pressuposto), não conheceu de qualquer questão subtraída à sua apreciação (muito pelo contrário), nem condenou em objecto diverso do que lhe tinha sido pedido.

Improcede, assim, a arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por pretenso, e inexistente, excesso de pronúncia).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância

4.1.1. Factos provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente -, completados - com escrupuloso respeito pelo teor dos documentos neles referidos -, e expurgados de expressões interlocutórias ou conclusivas - próprias dos articulados, mas não deste elenco):

1- D. L. (aqui Autor) e M. M. (aqui Ré) contraíram casamento, sem convenção antenupcial, em - de Fevereiro de 1992 (conforme «Assento de Nascimento n.º ... do ano de 2008», pertinente ao Autor, que é fls. 2649 a 2650 dos autos, e «Assento de Casamento n.º … do ano de 2009», que é fls. 1393 e 1394 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.1.)

2 - Do casamento entre o Autor e a Ré nasceram dois filhos, T. B., nascido a - de Outubro de 1996 (conforme «Assento de Nascimento n.º ... do ano de 2007», que é fls. 2652 e 2653 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido), e L. R., ambos menores à data de instauração da presente acção.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.3.)

3 - Na pendência do seu casamento, o Autor e a Ré, e para além do mais, constituíram quatro sociedades comerciais:

a) em 26.05.1998, X - Supermercados, Lda., sociedade comercial por quotas;
b) em 12.01.2005, Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., sociedade comercial por quotas;
c) em 02.03.2007, Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., sociedade comercial por quotas;
d) em 30.05.2007, DISTRI... - Supermercados, Lda., sociedade comercial por quotas.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.4.)

4 - O casamento entre o Autor e a Ré foi dissolvido, por divórcio, em 04 de Janeiro de 2008 (conforme «Assento de Nascimento n.º ... do ano de 2008», pertinente ao Autor, que é fls. 2649 a 2650 dos autos, já integralmente reproduzido supra).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.2.)

5 - À data da dissolução do matrimónio do Autor e da Ré (04.01.2008) ainda não se tinha procedido à partilha dos bens comuns do casal.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.11.)

6 - O Autor, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, chegou a obter a concordância da Ré em manter indiviso o património comum do casal, designadamente por estar em curso o desenvolvimento do projecto comercial das sociedades Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... - Supermercados, Lda..
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.55.)

7 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, o capital social de X - Supermercados, Lda. era de € 110.000,00, integralmente realizado em dinheiro.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.5.)

8 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, as quotas de X - Supermercados, Lda. estavam divididas da seguinte forma, e pertenciam às pessoas/entidades:

. Autor - uma quota no valor nominal de € 74.250,00;
. Ré - uma quota no valor nominal de € 24.750,00;
. Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. - uma quota no valor nominal de € 11.000,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.6.)

9 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, o capital social de Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., era de € 180.000,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.7.)

10 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, as quotas de Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. estavam divididas, e pertenciam às seguintes pessoas/ entidades:
. Autor -uma quota no valor nominal de € 91.800,00;
. Ré - uma quota no valor nominal de € 41.400,00;
. Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. - uma quota no valor nominal de € 46.800,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.8.)

11 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, o capital social de Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. estava integralmente realizado em dinheiro, era de € 105.000,00, e pertencia a:

. Autor - uma quota no valor nominal de € 53.550,00;
. Ré - uma quota no valor nominal de € 24.150,00;
. Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. - uma quota no valor nominal de € 27.300,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.9.)

12 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, DISTRI... - Supermercados, Lda. detinha um capital social integramente realizado, no valor de € 200.000,00, pertencentes a:
. Autor - uma quota no valor nominal de € 150.000,00;
. Ré - uma quota no valor nominal de € 30,000,00;
. Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. - uma quota no valor nominal de € 20.000,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.10.)

13 - A sócia Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimentos, S.A. nunca pôs em causa a gestão/gerência das sociedades feita pelo Autor, até aos dias de hoje.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.40.)

14 - A Ré nunca pôs em causa a gestão das sociedades feita pelo Autor, antes da data do divórcio entre ambos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.41.)

15 - Depois do divórcio (04 de Janeiro de 2008), Ré declarou várias vezes perante terceiros que tudo faria para levar as empresas do Autor à insolvência e afastar os filhos do pai, por ter sido preterida, pretendendo com os seus actos deixar o Autor na miséria.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.54.)

16 - Em 2008, 2009 e 2010, o Autor não repartiu lucros.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.56.)

17 - A Ré, em 28 de Abril de 2008, solicitou à gerência de X - Supermercados, Lda. a consulta das contas e a convocação de uma assembleia (conforme carta cuja cópia é fls. 1097 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.29.)

18 - Em 06 de Maio de 2008, o Autor, enquanto gerente de X - Supermercados, Lda., intentou contra a Ré um processo disciplinar, com vista ao seu despedimento (conforme cópia de carta e nota de culpa que são fls. 1071 a 1074 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), que deu origem ao processo n.º 527/08.6 TTVCT, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo, o qual viria depois a terminar por acordo entre as partes.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.26.)

19 - Em 15 de Setembro de 2008, o Autor, enquanto gerente da X - Supermercados, Lda., celebrou com a Ré, e esta aceitou, o «ACORDO-ADITAMENTO A CONTRATO DE TRABALHO», através do qual ficou ajustada a suspensão do vínculo laboral desta com aquela Sociedade até 4 de Janeiro de 2013 (conforme documento que é fls. 1094 a 1096 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.27.)

20 - Por força do «ACORDO-ADITAMENTO A CONTRATO DE TRABALHO» referido no facto anterior, a Ré passou a retribuição de € 1.000,00 para € 4.000,00 mensais, com a manutenção de um veículo automóvel A3 e das comunicações móveis, pertencentes à sociedade empregadora X - Supermercados, Lda..
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.28.)

21- As Sociedades convocaram a Ré para as respectivas Assembleias Gerais.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.24.)

22 - A Ré, enquanto sócia minoritária, votou contra a ordem de trabalhos de aprovação das contas e relatório de gestão das Sociedades.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.57.)

23 - A Ré votou contra as contas de X - Supermercados, Lda., relativas aos anos de 2007 e 2008, impugnando judicialmente as respectivas deliberações de aprovação, através da Acção n.º 607/08.8TBPTL, intentada em 17 de Junho de 2008, e da Acção n.º 438/09.8 TBPTL, intentada em 30 de Abril de 2009, correndo termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, desistindo dos pedidos posteriormente (conforme cópia de petições iniciais que são, respectivamente, fls. 2212 a 2228, e fls. 2264 a 2280, dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.19.)

24 - A Ré, em 25 de Junho de 2010, participou criminalmente contra o Autor, numa queixa que deu origem ao inquérito n.º 405/10.9TAPTL, que correu termos nos Serviços do MP do Tribunal Judicial de Ponte de Lima (sendo ela denunciante, e ele denunciado), por alegados crimes de furto e abuso de confiança; e tendo posteriormente desistido da queixa, o procedimento criminal encontra-se arquivado por despacho de 29 de Março de 2011 (conforme cópia parcial dos ditos autos de inquérito, que são fls. 1292 a 1316, fls. 2299 a 2309, e fls. 2409, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.30.)

25 - A Ré, em 13 de Agosto de 2010, instaurou contra X - Supermercados, Lda. e o Autor, uma acção com forma de processo especial, de destituição de gerente, com imediata suspensão do cargo, que correu termos sob o n.º 829/10.1 TBPTL, no 2.º Juízo no Tribunal Judicial de Ponte de Lima (conforme cópia parcial, que é fls. 1317 a 1352, e fls. 2310 a 2337, dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.31.)

26 - As sociedades comerciais X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. foram prejudicadas no seu normal funcionamento pelas acções intentadas pela Ré (supra descritas - nos três factos provados anteriores), contra o gerente/ex-marido e as próprias sociedades, acções essas que provocaram instabilidade no desenvolvimento da sua exploração e da sua actividade comercial, as quais, para além da degradação de relacionamento entre os sócios, viram prejudicadas as relações com fornecedores e entidades financeiras.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.38.)

27 - Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. apresentou os seguintes resultados (conforme página 39 - a fls. 3271 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos):
. Ano 2007: € - 66.415,00;
. Ano 2008: € - 74.971,73;
. Ano 2009: € - 41.841,14;
. Ano 2010: € + 67.540,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.46.)

28 - DISTRI... - Supermercados, Lda. apresentou os seguintes resultados (conforme página 40 - a fls. 3272 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos):
. Ano 2007: € - 6.349,28;
. Ano 2008: € - 390.678,18;
. Ano 2009: € - 272.791,00;
. Ano 2010: € - 61.927,00,
num total de - (negativo) € 731.745,46.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.47.)

29 - Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. apresentou os seguintes resultados (conforme página 40 - a fls. 3272 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos):
. Ano 2007: € + 61.041,18;
. Ano 2008: € +75.764,97;
. Ano 2009: € +80.752,16;
. Ano 2010: € + 97.379,31,
num total de + (positivo) € 31.4937,62.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.48.)

30 - X - Supermercados, Lda. apresentou os seguintes resultados (conforme página 39 - a fls. 3271 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos):
. Ano 2007: € +105.288,59;
. Ano 2008: € + 30.241,69;
. Ano 2009: € - 61.069,55;
. Ano 2010: € +56.601,42.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.49.)

31- X - Supermercados, Lda. apresentou resultados negativos em 2009 (conforme página 39, a fls. 3271, do relatório pericial de fls. 3233 a 3276 dos autos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.39.)

32 - Não obstante a dissolução do matrimónio por mútuo consentimento, e após o seu decretamento, o relacionamento entre o Autor e a Ré degradou-se consideravelmente, ao nível profissional e pessoal, culminando com ruptura de diálogo e comunicação entre ambos, em consequência dos factos provados enunciados sob os números 23, 24 e 25, da autoria da Ré, a qual nunca aceitou o fim do casamento.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.37.)

33 - O desentendimento entre Autor e Ré reflectiu-se na estabilidade emocional dos filhos de ambos, então menores.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.43.)

34 - A existência de vários processos entre o Autor e a Ré, por ela intentados, provocou desgaste na relação pessoal de ambos; e trouxe sofrimento aos filhos do casal e avós paternos dos mesmos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.52.)

35 - A Ré marcou a escritura pública de partilha, que notificou ao Autor por carta de 15 de Dezembro de 2010; e este respondeu, por carta datada de 22 de Dezembro de 2010 (cuja cópia é fls. 1353 a 1356 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.32.)

36 - O Autor recusou-se a outorgar a escritura pública de partilha com os fundamentos que constam do documento notarial cuja cópia é fls. 1363 a 1366 dos autos, datado de 28 de Dezembro de 2010, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
que pretendiam outorgar uma escritura de partilha de divórcio, previamente marcada para esta hora e dia, a qual não se realizou, em virtude do outorgante D. L., ter recusado a assinar, tendo alegado as seguintes razões, as quais passo a transcrever:
“1 - o contrato promessa de partilha de bens comuns assinado em quatro de Janeiro de dois mil e oito, por si e pela D. M. M., tem como suporte basilar de não se proceder à partilha das quotas das sociedades Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Limitada, Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Limitada, X - Supermercados, Limitada, Distri... - Supermercados, Limitada, e a casa de morada de família, antes de decorridos cinco anos sobre a data do divórcio.
Ora, estes cinco anos só terminam em dois mil e treze, não podendo haver lugar a qualquer partilha destes bens comuns na presente data. O contrato promessa de partilha em causa não poderá agora ser alvo de outra interpretação por parte da D. M. M., quando o objectivo na sua celebração foi precisamente manter a actual situação quanto aos bens comuns, durante um período de cinco anos. De resto, do texto do contrato não resulta a obrigação de celebrar a escritura em causa nesta data.
2 - Numa segunda ordem de razões, qualquer alteração estatuária nas sociedades supra referidas, carece de autorização do sócio comum a estas sociedades, ou seja, da Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A..
Mais qualquer alteração societária nas sociedades X e Distri... pode conduzir à resolução do contrato de insígnia que tem permitido a estas sociedades usufruir da insígnia W, o que acarretaria graves prejuízos para as mesmas.
3 - Além disso, nos pactos sociais de todas as sociedades em causa está estipulado um direito absoluto de preferência à sócia Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A., na alienação de qualquer participação social, incluindo entre sócios.
Assim, a celebração da presente escritura, pode determinar riscos sérios para a vida das sociedades, por violação do contrato de sociedade e insígnia, sem esquecer que a mesma representa uma contradição com o estipulado no contrato promessa de partilha, pelo que não aceita a sua celebração.
(…)».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.34.)

37 - Em consequência das acções instauradas pela Ré contra o Autor e Sociedades, este passou a desejar a partilha dos bens comuns do casal, partilha que a Ré fez depender da prestação de contas da administração do património do ex-casal, durante o tempo que mediou após o divórcio até à data da partilha e gerência das sociedades.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.58.)

38 - O Autor disponibilizou-se para extrajudicialmente efectuar a partilha de bens comuns do casal.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.12.)

39 - Em 28 de Fevereiro de 2011, o Autor e a Ré outorgaram um contrato promessa de partilha (conforme documento que é fls. 71 a 81, e fls. 1877 a 1887, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido); e em 30 de Março de 2011 firmaram a respectiva adenda (conforme documentos que é fls. 82 a 84 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.13.)

40 - Desse contrato-promessa de partilha resulta que o Autor pagaria de tornas à Ré a quantia de € 1.400.000,00 (um milhão, quatrocentos mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.14.)

41 - Na mesma data da outorga do contrato-promessa de partilha (referido em 1.13.) - 28 de Fevereiro de 2011 -, o Autor e a Ré outorgaram um documento epigrafado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», tendo sido elaborada adenda ao mesmo em 30 de Março de 2011, conforme documentos que é fls. 99 a 105, e fls. 2404 a 2407, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido, e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Entre os abaixo assinados:
Primeira Outorgante: M. M. (…),
Segundo Outorgante: D. L. (…),
é celebrado o presente reconhecimento e confissão de dívida e acordo de pagamento, que passa a reger-se pelas seguintes:
Cláusula Primeira
Na presente data, o segundo outorgante procedeu à prestação de contas do exercício da sua gerência das sociedades “Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…), “X - Supermercados, Lda.” (…), “IMO... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…) e “DISTRI... - Supermercados, Lda.” (…), referente aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, tendo resultado um saldo positivo a favor da segunda [lapso material, devendo ler-se primeira] outorgante no valor global de € 1.751.646,00 (um milhão, setecentos e cinquenta e um mil, seiscentos e quarenta e seis euros).
Cláusula Segunda
O segundo outorgante reconhece e confessa-se devedor à primeira outorgante da importância referida na cláusula precedente e compromete-se a pagá-la da seguinte forma:
a) uma primeira prestação no valor de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), com vencimento no dia 15 de Março de 2011;
b) uma segunda prestação no valor de € 500.000,00 (quinhentos mi euros), com vencimento no dia 30 de Março de 2011;
c) uma terceira prestação no valor de € 565.823,00 (quinhentos e sessenta e cinco mil oitocentos e vinte e três euros), com vencimento no dia 15 de Março de 2012;
d) uma quarta e última prestação no valor de € 565.823,00 (quinhentos e sessenta e cinco mil oitocentos e vinte e três euros), com vencimento no dia 15 de Março de 2013.
(…)
Cláusula Quarta
A falta de pagamento tempestivo de qualquer uma das prestações em débito implica o vencimento automático de todas as restantes prestações em dívida e respectivos juros à taxa legal, podendo a primeira outorgante exigir de imediato (judicial ou extrajudicialmente) do segundo outorgante o pagamento do remanescente em débito.
Cláusula Quinta
1 - Após o efectivo e integral pagamento da primeira prestação identificada na precedente cláusula segunda, na sua alínea a), pelo segundo outorgante à primeira outorgante, esta obriga-se a proceder imediatamente à extinção do processo judicial n.º 405/10.9TAPTL, que corre termos pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Ponte de Lima;
2 - Após o efectivo e integral pagamento da segunda prestação identificada na precedente cláusula segunda, na sua alínea b), pelo segundo outorgante à primeira outorgante, esta obriga-se a proceder imediatamente à extinção dos processos judiciais n.º 438/09.8TBPTL, que corre termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima e n.º 607/08.8TBPTL, que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima.
Cláusula Sexta
1 - Após efectivo e integral pagamento da totalidade das quatro prestações identificadas na precedente cláusula segunda, nas suas alíneas a), b) c) e d), a primeira outorgante declara-se plenamente ressarcida a título de prestação de conta, lucros e outros direitos que poderia exigir às sociedades “Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…), “X - Supermercados, Lda.” (…), “IMO... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…) e “DISTRI... - Supermercados, Lda.” (…), bem como ao segundo outorgante na qualidade de gerente das mesmas.
2 - Após efectivo e integral pagamento das três prestações identificadas na precedente cláusula segunda, nas suas alíneas a), b) e c), a primeira outorgante mais declara que renuncia de exercer qualquer acção judicial contra as sociedades “Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…), “X - Supermercados, Lda.” (…), “IMO... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…) e “DISTRI... - Supermercados, Lda.” (…), bem como ao segundo outorgante na qualidade de gerente das mesmas.
Cláusula Sétima
Ambos os outorgantes reconhecem e conferem ao presente documento força executiva, nos termos do disposto no artigo 46.º alínea c) do Código de Processo Civil.
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.17.)

42 - As Sociedades (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., DISTRI... - Supermercados, Lda., X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) não apresentaram lucros que permitissem à Ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do Autor, obter lucros nos quatro anos em causa (de 2007 a 2010), no montante de € 1.751.546,00, referidos no documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» (conforme páginas 41, 42 e 43 - de fls. 3273 a 3275 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.53.)

43 - Toda a litigância descrita nos factos provados enunciados sob os números 23, 24 e 25, e respectivas consequências supra descritas (verificadas ao nível da instabilidade económico-financeira das sociedades), pressionaram o Autor a assinar o documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.42.)

44 - Foi neste contexto de pressão que o Autor assinou o documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.44.)

45 - O Autor pretendia pacificar as relações com a Ré, em prol do bem-estar dos filhos e da estabilidade económico-financeira das sociedades.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.45.)

46 - Em 07 de Abril de 2011, foi efectuada a partilha, por escritura pública no Cartório Notarial, em …, do Notário A. J. (conforme documento epigrafado «PARTILHA», que é fls. 86 a 98, e fls. 2391 a 2403, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.15.)

47 - Em consequência da partilha, a Ré adquiriu as quotas que o Autor detinha nas sociedades Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... - Supermercados, Lda.; e o Autor adquiriu as quotas que a Ré detinha junto das sociedades X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda..
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.16.)

48 - O Autor, a partir de 07 de Abril de 2011, deixou de exercer o cargo de gerente/administrador das sociedades DISTRI... - Supermercados, Lda. e Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda..
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.36.)

49 - A Ré desistiu de todas as acções contra as Sociedades e contra o Autor logo que obteve a confissão de dívida (plasmada no «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES»); e disponibilizou-se a aprovar todas as contas societárias.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.51.)

50 - A Ré aprovou as contas relativas ao ano de 2010 em 31 de Março de 2011, depois de ter obtido, em 28 de Fevereiro de 2011, a assinatura do Autor no documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.50.)

51- A Ré votou a favor da aprovação das contas de Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., relativas ao ano de 2010, em Assembleia Geral realizada em 31 de Março de 2011.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.18.)

52 - A Ré aprovou as contas de X - Supermercados, Lda., relativas ao exercício de 2010, em final de Março de 2011.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.20.)

53 - O Autor, no âmbito do negócio intitulado de «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» (referido em 1.17.), pagou duas prestações, no montante total de € 620.000,00 (seiscentos e vinte mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.21.)

54 - Em 03 de Fevereiro de 2012, X - Supermercados, Lda. intentou conta Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e contra DISTRI... - Supermercados, Lda., dois processos de insolvência (um contra cada uma delas), correndo então os mesmos no Tribunal Judicial da Comarca de Arcos de Valdevez (conforme cópias parciais, que são fls. 1775 e seguintes, e fls. 2830 e seguintes, dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.35.)

55 - Em 10 de Fevereiro de 2012, a Ré notificou o Autor de que cedera os créditos de tornas de que era titular sobre ele (por partilha dos bens comuns do antes casal) às sociedades de que actualmente é sócia maioritária (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI..., supermercados Lda.), conforme carta cuja cópia é fls. 1008 e 2430 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Venho, pela presente, nos termos e para os efeito do disposto no artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil, notificar V. Exa., na qualidade de devedor, de que, nesta data, através de contrato, efectuei a cessão do crédito no valor de € 1.400.000,00 (…) correspondente ao montante de tornas emergentes da partilha de bens comuns subsequentes a divórcio, titulado por contrato, de que sou titular sobre V. Exa., nos termos seguintes:

a) cessão à “DISTRI... - Supermercados, Lda.”, (…) da quantia de € 947.000,000 (…);
b) cessão à sociedade “Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.”, (…), da quantia de € 453.000,00 (…).
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.22.)

56 - Em 10 de Fevereiro de 2012, as sociedades de que a Ré é sócia maioritária e gerente (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... -Supermercados Lda.) notificaram o Autor e as sociedades de que este, por sua vez, é gerente (X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) para procederem ao acerto do saldo de contas entre elas (conformes cartas cujas cópias são fls. 1009, 1012, 2435 e 2633 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.23.)

57 - Foi instaurada acção executiva no Tribunal Judicial de Ponte da Barca sob o n.º 207/12.8 TBPTB, a fim de ser cobrada a dívida decorrente do negócio intitulado de «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» (referido em 1.17.).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.25.)

58 - Corre termos no 2.º Juízo deste Tribunal, processo n.º 1084/12.4 TBPTL, uma acção de simples apreciação negativa, na qual se requer que o Tribunal declare que o Autor não deve quaisquer tornas, razão pela qual não se encontram pagas.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.34.)
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4.1.2. Factos não provados

O Tribunal de 1.ª Instância considerou não provados os seguintes factos:

2.1. A Ré notificou o Autor da cedência dos créditos a seu favor, com o intuito de evitar que as empresas que lhe tocaram na partilha (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... - Supermercados, Lda.) pagassem às empresas do Autor (X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) as dívidas contraídas.

2.2. Em 2008, 2009 e 2010, o Autor não prestou à Ré informações sobre a gerência da sociedade X - Supermercados, S.A..

2.3. Em 2008, 2009 e 2010, o Autor não deu à Ré acesso a dados da contabilidade da empresa.

2.4. Em 2008, 2009 e 2010, o Autor não deu à Ré conhecimento das avultadas movimentações das contas bancárias, em particular das transferências das contas das sociedades (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., DISTRI... - Supermercados, Lda., X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) para as contas pessoais dele próprio.

2.5. No ano 2008, o Autor recebeu de X - Supermercados, Lda. a quantia de € 633.952,81.

2.6. O Autor e a Ré outorgaram um contrato de partilha de bens comuns do casal em 4 de Janeiro de 2008.

2.7. A Ré tinha em exclusivo os dois filhos menores a seu cargo.

2.8. O Autor ofereceu à Ré um veículo Audi A5 sportback, no valor de € 50.000,00, na data de julgamento do Processo n.º 607/08.8TBPTL e do processo n.º 438/09.8TBPTL, no intuito de a aliciar a aprovar as contas.

2.9. Estas contas tinham fortes irregularidades na gerência do Autor.

2.10. Havia indícios de que o Autor tinha desviado dinheiro, para seu proveito pessoal e para pessoas da sua confiança.

2.11. Os resultados líquidos das sociedades (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., DISTRI... - Supermercados, Lda., X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) relativos a 2007, 2008, 2009 e 2010 estavam viciados e eram falsos.

2.12. O Autor reconheceu a veracidade das acusações que lhe eram imputadas nos diferentes processos instaurados pela Ré, contra ele e sociedades comerciais em causa, designadamente na acção de destituição de gerente.

2.13. O Autor acabou por propor o pagamento de € 1.751.646, como forma de compensar a Ré do prejuízo que lhe causou no seu património pessoal, em função de metade do valor das quotas comuns e do usufruto das quotas de Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A..

2.14. Tudo como condição de a Ré desistir de todos os processos já instaurados e se comprometer a não avançar com os outros.

2.15. A Ré aceitou a proposta do Autor.

2.16. Foi neste contexto que o Autor e a Ré redigiram e assinaram o documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES».
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4.2. Modificabilidade da decisão de facto - Erro de julgamento

4.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação

Lê-se no art. 607.º, n.º 5 do CPC que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art. 389.º (para a prova pericial), art. 391.º (para a prova por inspecção) e art. 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art. 607.º do CPC citado, com bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 662.º, n.º 1 do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607.º, n.º 4 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358.º do CC, e arts. 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351.º e 393.º, ambos do CPC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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4.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova

4.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação

Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art. 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1.ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, pág. 29 e ss.).
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4.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640.º, n.º 1 do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (5) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art. 205.º, n.º 1 da CRP) e processual civil (arts.154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1.ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
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4.2.2.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto

Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).
Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo) (6).
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4.2.2.4. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)

Concretizando, considera-se que a Recorrente (Ré) cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640.º, n.º 1 do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados e como não provados, e para o aditamento de outros).
Com efeito, a Recorrente (Ré) indicou, quer no corpo das alegações do seu recurso, quer nas respectivas conclusões: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 1.37., 1.38., 1.39., 1.45., 1.53. e 1.54., os factos não provados aí enunciados sob os números 2.2., 2.3., 2.4., 2.5., 2.6., 2.9., 2.10., 2.11., 2.13., 2.14., 2.15. e 2.16., e os factos a aditar correspondentes aos artigos 43.º, 45.º, 69.º, 74.º e 83.º da sua contestação); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, discriminando-os quanto a cada facto por si eleito (uma diferente ponderação quer da prova pericial, quer da prova pessoal, quer da prova documental, produzida em sede de audiência de julgamento); as exactas passagens da gravação dos depoimentos seleccionados para fundar a sua sindicância; e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como não demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 1.37., 1.38., 1.39., 1.45., 1.53. e 1.54., o darem-se como demonstrados os factos não provados aí enunciados sob os números 2.2., 2.3., 2.4., 2.5., 2.6., 2.9., 2.10., 2.11., 2.13., 2.14., 2.15. e 2.16., e aditarem-se no elenco dos factos provados os correspondentes aos artigos 43.º, 45.º, 69.º, 74.º e 83.º da sua contestação).

Já relativamente ao juízo crítico próprio da Recorrente (Ré), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer da perícia, e dos depoimentos e documentos que seleccionou como base para a sua sindicância.
Recorda-se, a propósito, que os arts. 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que ter contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos, e consultou criteriosamente a perícia e os documentos escolhidos, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova pessoal que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
Contudo, e no caso dos autos, a Ré () recorrente nem sempre o fez correcta e completamente, limitando-se em parte da sua sindicância a grosso modo a reiterar (subjectiva, genérica e conclusivamente) a suficiência da prova por si eleita para sufragar a sua tese.
Recorda-se, porém, que vem a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a defender que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).
Crê-se, assim, estar este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art. 640.º do C.P.C., à reapreciação da matéria de facto pretendida pela Ré (), aqui recorrente.
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4.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto

4.3.1. Natureza do relacionamento das partes e consequências
(factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 1.37., 1.38., 1.39. e 1.54., e artigo 83.º da contestação)

Veio a Recorrente (M. M.) defender que a prova produzida não permitia que se desse como provada a degradação da relação do antes casal, a sua actuação promovendo-a, por não se conformar com o fim do seu casamento, e as consequências que teve para a vida das sociedades que tinha em comum com o Autor.
Esta matéria contém-se, grosso modo, nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 1.37., parte final («Não obstante a dissolução do matrimónio por mútuo consentimento, e após o seu decretamento, o relacionamento entre o Autor e a Ré degradou-se consideravelmente ao nível profissional e pessoal, culminando com ruptura de diálogo e comunicação entre ambos, em consequência dos factos supra descritos em 1.19., 1.30. e 1.31., da autoria da Ré, a qual nunca aceitou o fim do casamento»), 1.38. («As sociedades comerciais X - Supermercados Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda foram prejudicadas no seu normal funcionamento pelas acções intentadas pela Ré, supra descritas em 1.19., 1.30. e 1.31. contra o gerente/ ex-marido e as próprias sociedades, acções essas que provocaram instabilidade no desenvolvimento da exploração e actividade comercial de tais sociedades, as quais, para além da degradação de relacionamento entre os sócios, viram prejudicadas as relações com fornecedores e entidades financeiras»), 1.39., quando na sua versão inicial («Sendo que a sociedade X - Supermercados, Lda. apresentou resultados negativos em 2009») e 1.54. («A Ré declarou várias vezes perante terceiros depois do divórcio que tudo faria para levar as empresas do Autor à insolvência e afastar os filhos do pai por ter sido preterida, pretendo com os seus actos deixar o Autor na miséria»), e no artigo 83.º da contestação («Em Fevereiro de 2012, como forma de obrigar a Autora a abdicar do recebimento da quantia correspondente à prestação da confissão de dívida com vencimento em 14 de Março de 2012, o Autor instaurou contra a Ré acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, onde peticiona a guarda dos menores - que corre termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima com o n.º 61/12.0TBPTL»).
Invocou para o efeito a suficiência das declarações prestadas por si própria em audiência de julgamento, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas A. C. (revisor oficial de contas, contratado por ela para a assessorar na fiscalização das contas das quatro sociedades que possuía com o Autor), M. A. e J. R. (advogadas que a patrocinaram, em outros litígios com o Autor); e diversos documentos.

Dir-se-á, antes de mais, encontrar-se prejudicada a sindicância feita pela Ré ao facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.39., do qual penas pretendia que fossem expurgadas as expressões próprias dos articulados, o que este Tribunal ad quem desde logo fez na sua reprodução.
Dir-se-á ainda ser de todo em todo irrelevante, para qualquer solução plausível da causa, o eventual aditamento do artigo 83.º da contestação, já que se reporta a momento posterior ao início do incumprimento do «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» em causa, por parte do Autor (quando o que se pretende é identificar a sua natureza, nomeadamente mercê das circunstâncias que o determinaram); e, assim, não se conhece do mesmo.

Limitado, assim, este Tribunal ad quem à demais matéria enunciada supra, começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (Ré).

Assim, ponderou-se na mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais significativos, atento o objecto da sindicância):
«(…)
Com base nos resultados da prova pericial, o Tribunal alicerçou também a sua convicção quanto aos factos provados nos depoimentos das testemunhas L. I. e A. P. (técnicos oficiais de contas prestando serviços desde 2005 e até à data para as sociedades em causa, quer para o A., quer para a Ré), e que de forma idónea, objectiva, isenta, com conhecimento directo dos factos não tiveram dúvidas em afirmar (…) que o “mau clima ou relacionamento” instalado entre A, e R. após divórcio foi provocado por dificuldades postas por parte da Ré ao nível da aprovação das contas (sendo que nas contas anteriores nunca colocou qualquer entrave à sua aprovação), a Ré não aprovava as contas limitando-se a afirmar que não tinha tido os esclarecimentos necessário, sendo que as contas apenas eram aprovadas pelo A. por ser o sócio maioritário. Dúvidas também não tiveram em afirmar que todos estes entraves colocado pela Ré, acrescido das diversas acções instauradas contra o A. e sociedades (acções judiciais de impugnação de deliberação de aprovação das contas, de destituição do A. como gerente, acções essas registadas na Conservatória do Registo Comercial) causou sérias dificuldades de relacionamento das sociedades com os Bancos e os Fornecedores e até com os funcionários da empresa tendo provocado nos mesmos apreensão séria pelo futuro, para além do A. ter andando psicologicamente afectado, o que era notório, tudo conduzindo a sérias dificuldades na gestão das empresas. Explicaram que em 2009 a “X” apresentou resultados negativos porque é o ano da abertura de empresa concorrente muito próxima do W de Ponte de Lima, o “C.”; e os custos / encargos suplementares com o aumento dos vencimentos quer da Ré, quer do A., em milhares de euros por mês. (…)
Igualmente a testemunha L. P., auditor da “X” ainda das empresas dos Arcos de Valdevez nos anos de 2010 e 2011, e director de uma empresa de revisão oficial de contas, produziu um depoimento sério, honesto, isento e objectivo (…), não hesitando em afirmar que os vários processos judiciais instaurados pela Ré (anulação de deliberações sociais, destituição de gerência publicitadas no registo comercial e na própria base de dados do programa Citius) ameaçavam a continuidade da empresa “X”, na pendência dessas acções houve uma quebra de qualidade da intervenção da gerência do A. nas empresas o que levou a que a testemunha e sua empresa de auditoria aumentasse o nível de risco da empresa (…).
A estes depoimentos juntaram-se no mesmo sentido os depoimentos das testemunhas M. F. (contabilista da empresa “X” desde Fevereiro de 2005), a qual referiu e descreveu factos de onde resulta que a Ré era gerente de facto, com total controlo e conhecimento da vida da empresa; F.P. e C. S. (directores de loja, nas respectivas secções, da X), sendo que este último ainda esclareceu ter ouvido da boca da Ré, depois de uma reunião: “Se não é para mim – a empresa X – não é para ninguém”).
As testemunhas R. J. (mãe do A.), e M. P. (companheira do A., tendo vivido com este em união de facto desde 2008 até fins de 2011, princípio de 2012), também de forma objectiva e conhecimento directo narraram e descreveram as condutas e comportamentos da Ré, consideradas provadas, reactivas ao fim do seu casamento com o A. em especial a partir do momento em que teve conhecimento de que o ex-marido havia refeito a sua vida com outra mulher, e todas as consequências negativas que isso teve para o A. e mesmo para os filhos do casal.
Em face da idoneidade destas provas - pericial, documental e testemunhal - apresentadas pelo A., o Tribunal não considerou ou acolheu a prova testemunhal apresentada pela Ré: relativamente a determinados depoimentos padecendo os mesmos de falta de isenção, objectividade, notoriamente influenciados e interessados como sucedeu com a testemunha Sr. Dr. A. C. (revisor oficial de contas contratado pela Ré para a assessorar na fiscalização das contas das quatro sociedades), com um depoimento “autista”, negativamente exaustivo (foi múltiplas vezes chamado à atenção para responder directamente às questões que lhe eram colocadas especialmente pelo Mandatário do A., persistindo nessa conduta repetidas vezes relativamente à mesma questão, desviando a resposta ou não querendo mesmo dá-la!), pouco esclarecedor e conclusivo; e relativamente a outras testemunhas por revelarem ainda não possuírem conhecimento directo, seguro, suficiente e convincente (…) (Sra. Dra. M. A. e Sra. Dra. J. R.) (…). Aliás, do depoimento destas citadas últimas testemunhas resultou que a sua intervenção era ao nível do tratamento jurídico dos dados que lhes eram fornecidos, tendo até declarado a Sra. Dra. M. A. ter tido pouca intervenção ou nenhuma nesta parte do relacionamento das partes, já que a sua intervenção foi mais ao nível da resolução das questões do direito da família.
(…)»

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de prova relativo aos factos provados agora aqui em causa, ponderou toda a prova produzida a esse respeito (nomeadamente, a pessoal e documental eleita pela Ré recorrente para a sua sindicância), aferindo-a à luz das regras da experiência, cujo sentido deixou bem expresso; e, sendo a mesma parcialmente contraditória entre si, privilegiou a que demonstrou ter um conhecimento pessoal e directo dos factos em causa, beneficiando ainda de segura objectividade e isenção, quer por a própria Ré continuar a beneficiar dos serviços de alguns dos depoentes (revelando desse modo confiar no seu carácter), quer pela forma serena, objectiva e desapaixonada como depuseram.
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, e consultados os documentos juntos aos autos, afirma-se desde já que se sufraga inteiramente o juízo de prova do Tribunal a quo, pelas mesmíssimas razões expostas no juízo que se reproduziu, e que a prova carreada pela Ré (M. M.) foi insusceptível de contrariar.

Enfatiza-se apenas que as declarações que ela própria prestou, a propósito destes ou doutros factos sindicados, são inidóneas para, desacompanhadas de outra prova que as confirmasse, estabelecer a realidade por si alegada, face nomeadamente à manifesta conflitualidade que ainda hoje se regista entre as partes (com novas acções propostas por elas em juízo, após o incumprimento pelo Autor do assumido no «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES»), e ao facto de, aqui, nenhuma outra prova produzida por sua iniciativa - possível - ter conhecimento directo dos factos agora sob sindicância (caso das testemunhas A. C., M. A. e J. R.), desse modo deixando por confirmar/corroborar, isenta e objectivamente, as suas anteriores declarações.
Com efeito, as declarações de parte não confessórias serão livremente apreciadas pelo Tribunal, por naturalmente beneficiarem o próprio declarante (art. 466º, n.º 3 do C.P.C.).

Assim, e de forma conforme com o reconhecimento da inegável fragilidade decorrente do interesse próprio de quem depõe, ou se defende: que, em regra, as declarações de parte devem ser consideradas apenas como um princípio ou complemento de prova (exigindo a demonstração do facto que afirmam por uma prova adicional), ou como um de meio de prova eminentemente integrativo (clarificando o resultado dos demais) ou subsidiário (quando inexistam outros) (7); ou que não deve ser antecipadamente degradado o valor probatório das declarações de parte, pelo que a maior ou menor idoneidade que lhes seja conferida, no caso concreto, dependerá nomeadamente da possibilidade, ou impossibilidade, de recurso a outros meios de prova, e da forma como foram prestadas, isto é, com ou sem serenidade e relativo desapego face à realidade retratada (circunstâncias a ponderar cum grano salis, face à natureza de parte do depoente), com ou sem convicção e assertividade, nomeadamente na fundamentação (incluindo corroborações periféricas), com ou sem contradições (incluindo correcções espontâneas), com ou sem hesitações ou tibiezas (incluindo reacção da parte a perguntas inesperadas), com ou sem espontaneidade e fluidez (incluindo contextualização espontânea do relato, e riqueza de detalhes) (8).
Contudo, e face às particularidades já assinaladas do caso concreto, as declarações de parte prestadas pela Ré - quanto aos factos aqui e agora sob sindicância - mostram-se insuficientes para os afirmar, face a qualquer um dos dois entendimentos possíveis sobre elas.

Enfatiza-se ainda, e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, que não se reconhece a nenhum dos factos agora sob sindicância o carácter conclusivo que a Ré reclamou para eles (v.g. «nunca aceitou o fim do casamento», as Sociedades «foram prejudicadas no seu normal funcionamento», «acções essas que provocaram instabilidade no desenvolvimento da exploração e actividade comercial de tais sociedades» e «para além da degradação de relacionamento entre os sócios, viram prejudicadas as relações com fornecedores e entidades financeiras»); e que se tem por muito relevante no apuramento das circunstâncias que determinaram a emissão do «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» por parte do Autor (e conforme a tese por ele sustentada na petição inicial) que ela própria tenha actuado antes determinada por inconformismo com o fim do seu casamento.

Mostra-se, assim, infundado nesta parte o recurso sobre a matéria de facto apresentado pela Ré (M. M.) recorrente (permanecendo inalterados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 1.37., 1.38., 1.39. e 1.54.).
*
4.3.2. Realidade contabilística e económico-financeira das quatro sociedades que as partes tinham em comum e conhecimento por elas
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.53., factos não provados aí enunciados sob os números 2.2., 2.3., 2.4., 2.5., 2.9., 2.10., 2.11., e artigos 43.º e 45.º da contestação)

Veio a Recorrente (M. M.) defender que a prova produzida permitia que se desse como provada a irregularidade das contas das quatro sociedades que detinha em comum com o Autor, mercê de desvios realizados por ele em proveito pessoal e prejuízo delas, nomeadamente por forma furtar-se à distribuição dos avultados lucros gerados, tendo ainda procurado vedar-lhe o conhecimento desta situação.
Esta matéria contém-se, grosso modo, no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.53. («As sociedades não apresentaram lucros que permitissem à Ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do Autor obter lucros nos 4 anos em causa, no montante de € 1.751.546,00 (referido no reconhecimento de dívida nesse montante»), nos factos não provados aí enunciados sob os números 2.2. («Em 2008/2009/2010 o Autor não prestou à Ré informações sobre a gerência da sociedade»), 2.3. («O Autor não deu acesso a dados da contabilidade da empresa»), 2.4. («O Autor não deu conhecimento das avultadas movimentações das contas bancárias, em particular das transferências das contas das sociedades para as suas contas pessoais») e 2.5. («No ano de 2008, o Autor recebeu de X - Supermercados, Lda. a quantia de € 633.952,18»), 2.9. («Estas contas tinham fortes irregularidades na gerência do Autor »), 2.10. («Havia indícios de que o Autor tinha desviado dinheiro para seu proveito pessoal e para pessoas da sua confiança») e 2.11. («Os resultados líquidos das sociedades relativas a 2007/2008/2009/2010 estavam viciados e eram falsos»), e nos artigos 43.º («A primeira assembleia geral de X - Supermercados, Lda., realizada após o divórcio do Autor e da Ré, apenas ocorreu por solicitação expressa da Ré e após o prazo legal») e 45.º («A Ré foi impedida pelo Segurança de Serviço de entrar nas instalações da X - Supermercados, S.A., por ordem expressa do Autor») da contestação.
Invocou para o efeito a suficiência das declarações prestadas por si própria em audiência de julgamento; os depoimentos prestados pelas testemunhas A. C. (revisor oficial de contas, contratado por ela para a assessorar na fiscalização das contas das quatro sociedades que possuía com o Autor), M. A. (advogada que a patrocinou, em outros litígios com o Autor) e A. P. (técnico oficial de contas, que desde 2005 e até hoje presta serviços para as sociedades em causa, quer para o Autor, quer para a Ré); diversos documentos; e a própria prova pericial.

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (Ré).

Assim, ponderou-se na mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais significativos, atento o objecto da sindicância):
«(…)
O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados provindos da base instrutória e relevantes para a boa decisão da causa como infra se exporá desde logo na prova técnica realizada, consubstanciada na perícia colegial, obtida de forma unânime, à contabilidade das sociedades comerciais de que são sócios A e R., e à relação económico-financeira destas com o A. cujo relatório, bem elaborado, devidamente justificado e fundamentado, consta de fls. 3233 e ss dos autos, complementado com os esclarecimentos escritos de fls. 3301 a 3303 (realçando-se aqui a resposta de fls. 3303, 1º parág.) e ainda os esclarecimentos presenciais dos Srs. Peritos, elucidativos, claros e profissionais, de elevada idoneidade, seriedade e preparação técnica prestados em sede de audiência de julgamento, realçando-se o esclarecimento o montante apurado de €1.806.507,68 (fls. 3275 e 3276) corresponde ao montante global que poderia ser distribuído aos sócios “se as sociedades tivessem dinheiro no banco”, “que na realidade não tinham naqueles anos”; “o referido montante não significa dinheiro em caixa; é lucro que os sócios podem receber, resta saber é quando, porque dependente da existência desse mesmo dinheiro no banco”. Realçando-se as respostas dadas aos quesitos do A. apresentados na sequência dos quesitos da Ré (cf. fls. 3249 a 3270); respostas (aquelas) que ajudaram a elucidar o alcance das respostas aos quesitos da Ré, afastando-se as alegações, ilações e conclusões que esta última pretendia retirar dos mesmos (cfr. resposta ao quesito 31 do A., pág. 37, fls. 3269, 3270 – e daí a convicção relativamente aos factos não provados provindos de alegação da Ré, especialmente quanto à gerência do A. das 4 sociedades em causa, referente aos anos de 2007 a 2010. Atentou-se igualmente, nas respostas ao quesitos do A. (“autónomos) – cf. fls. 3271 e ss (págs. 39 e ss do relatório, em especial aos quesitos 1º, 2º (no qual se conclui que: “Assim, todos os resultados referidos na Base Instrutória conferem com os apresentados nas IES, arredondados para euros.”, 4º (onde se conclui que: nas empresas “Imo...” “DISTRI...” não existe possibilidade de qualquer tipo de distribuição de resultados, no período ou anos em causa nos autos - anos 2007 a 2010 -), 5º, e 6º (este último conjugado com a resposta ao supra referido quesito 31º - fls. 3269 e 32670.
Com base nos resultados da prova pericial, o Tribunal alicerçou também a sua convicção quanto aos factos provados nos depoimentos das testemunhas L. I. e A. P. (técnicos oficiais de contas prestando serviços desde 2005 e até à data para as sociedades em causa, quer para o A., quer para a Ré), e que de forma idónea, objectiva, isenta, com conhecimento directo dos factos não tiveram dúvidas em afirmar que “as contas das sociedades, todas elas, reflectem a situação patrimonial de cada uma das empresas”; “nada há a apontar quanto à gerência do Autor e posteriormente da Ré (após partilha), quanto às sociedades de Arcos de Valdevez”; “nunca houve qualquer desvio nem enquanto se desenvolveu uma gestão comum entre A. e R. das empresas, nem posteriormente quando a Ré deixou de estar presente nas reuniões regulares que realizavam”; não tendo dúvidas em afirmar que a Ré geria as empresas na ausência do A., nas reuniões eram recebidos pela Ré que revelava inteiro conhecimento sobre as “margens de lucro”, chegando a afirmar que a Ré revelava-se em determinadas situações melhor gerente (gerente de facto, inclusivamente assinava cheques de pagamentos no valor de €100.000,00 – cem mil euros) do que o A.: “nada lhe escapava”! Afirmaram que a Ré esteve nas empresas de Ponte de Lima até Janeiro de 2008, sendo que depois desta data todas as informações que esta pedia sobre as empresas / sociedades foi-lhe integralmente fornecida: a D. M. M., assessorada pelo Sr. Dr. A. C. viu todas as contas das sociedades; foi tudo mostrado e informado; apenas não se permitiu tirar cópias dos documentos. (…) Referiram ainda que o “Q.”, sendo um dos sócios das sociedades nunca pôs em causa a gerência do A., sendo que a maioria dos produtos comercializados são comprados na central do “Q.”; a Autoridade Tributária está a acompanhar desde há 10 anos a “X” nunca tendo detectado qualquer irregularidade, em especial indícios de que o A. desviasse dinheiro da sociedade. Reiteraram que todos os elementos da contabilidade reflectiam todos os capitais da empresa, sendo que a dívida do A. para com a X tem a ver com os capitais necessários para abertura das empresas de Arcos de Valdevez (as sociedades DISTRI... e Imo...). Com veemência responderam que “nem de perto, nem de longe, a Ré teria direito ao montante constante do negócio impugnado (€1.751.546,00): a “verdade está no quadro do relatório pericial – pág. 42, fls. 3274; “o reconhecimento da dívida é descabido, não havia lucros dessa grandeza, não tem qualquer substância ou racionalidade contabilística”; “era impossível o A. ter desviado €3.000.000,00 euros); (…) E ainda quanto à gerência do A. referiram que “a haver desfalque, tal situação seria sempre detectada nos relatórios obrigatórios quadrimestrais!
Igualmente a testemunha L. P., auditor da “X” ainda das empresas dos Arcos de Valdevez nos anos de 2010 e 2011, e director de uma empresa de revisão oficial de contas, produziu um depoimento sério, honesto, isento e objectivo referindo que o A. tem mantido qualidade na sua gestão (…): “a nossa auditoria passou a ser mais fina”, tendo concluído de forma convicta que em todas as auditorias “nunca verificamos transacções atípicas; nunca tivemos o mínimo de indício de desvio de capitais por parte do Autor!
A estes depoimentos juntaram-se no mesmo sentido os depoimentos das testemunhas M. F. (contabilista da empresa “X” desde Fevereiro de 2005), a qual referiu e descreveu factos de onde resulta que a Ré era gerente de facto, com total controlo e conhecimento da vida da empresa; F.P. e C. S. (directores de loja, nas respectivas secções, da X) (…).
(…)
Em face da idoneidade destas provas – pericial, documental e testemunhal – apresentadas pelo A., o Tribunal não considerou ou acolheu a prova testemunhal apresentada pela Ré: relativamente a determinados depoimentos padecendo os mesmos de falta de isenção, objectividade, notoriamente influenciados e interessados como sucedeu com a testemunha Sr. Dr. A. C. (revisor oficial de contas contratado pela Ré para a assessorar na fiscalização das contas das quatro sociedades), com um depoimento “autista”, negativamente exaustivo (foi múltiplas vezes chamado à atenção para responder directamente às questões que lhe eram colocadas especialmente pelo Mandatário do A., persistindo nessa conduta repetidas vezes relativamente à mesma questão, desviando a resposta ou não querendo mesmo dá-la!), pouco esclarecedor e conclusivo; e relativamente a outras testemunhas por revelarem ainda não possuírem conhecimento directo, seguro, suficiente e convincente quanto à forma como o A. procedeu à prestação das contas de exercício da sua gerência relativamente às quatros sociedades, referente aos anos de 2007 a 2010, prestação de contas essa que esteve desde logo na base do reconhecimento da dívida impugnada na presente acção (Sra. Dra. M. A. e Sra. Dra. J. R.), apenas referindo de forma genérica (sem indicar os específicos fundamentos, factos concretos e razão de ciência) que o A. reconheceu essa dívida perante a Ré, como correspondendo ao que lhe era devido a título de distribuição de lucros das quatro sociedades, nos quatros anos. Aliás, do depoimento destas citadas últimas testemunhas resultou que a sua intervenção era ao nível do tratamento jurídico dos dados que lhes eram fornecidos, tendo até declarado a Sra. Dra. M. A. ter tido pouca intervenção ou nenhuma nesta parte do relacionamento das partes, já que a sua intervenção foi mais ao nível da resolução das questões do direito da família.
(…)»

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de prova relativo aos factos provados e não provados agora aqui em causa, ponderou toda a prova produzida a esse respeito (nomeadamente, a pessoal, documental e pericial eleita pela Ré recorrente para a sua sindicância), aferindo-a à luz das regras da experiência, cujo sentido deixou bem expresso; e, sendo a mesma parcialmente contraditória entre si, privilegiou a que esmagadoramente refutou a tese da Ré, alicerçada na reforçada valia técnica da prova pericial (unânime), e na concertada prova pessoal que demonstrou equiparada preparação técnica (v.g. revisor oficial de contas), e conhecimento pessoal dos factos (v.g. revisor oficial de contas, contabilista, director de loja).
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, consultados os documentos juntos aos autos, e analisado o relatório pericial produzido (incluindo os seus esclarecimentos), afirma-se desde já que se sufraga inteiramente o juízo de prova do Tribunal a quo, pelas mesmíssimas razões expostas no juízo que se reproduziu, e que a prova carreada pela Ré foi insusceptível de contrariar (admitindo-se mesmo que a sua insistência neste ponto se aproxime perigosamente da lide temerária).

Enfatiza-se apenas, e a propósito, que sendo a prova pericial livremente apreciada pelo Tribunal (art. 389.º do CC, e art. 489.º do CPC), certo é que deverá ser reconhecido à mesma um significado probatório diferente do de outros meios de prova (maxime, da prova testemunhal).
Com efeito, se por força do princípio da livre convicção o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos nela expostos; e uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova, enquanto que outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 262-263, com bold apócrifo).

Logo, o «juiz, querendo responder, num certo sentido, a determinados pontos de facto controvertidos, relativamente aos quais o relatório pericial inculca uma resposta diferente, deverá naturalmente analisar criticamente as restantes provas (…) e mostrar, até certo ponto, que as razões invocadas pelos peritos para lograr determinadas respostas não são convincentes à luz do quadro mais geral de certas provas, que terão inculcado na mente do julgador uma diferente convicção» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, p. 560) (9).
Deverá ainda reconhecer-se que, se em abstracto, nem sempre a razão estará do lado do maior número, há que igualmente admitir a possibilidade de um perito ser induzido em erro (10).
Ora, o unânime relatório pericial junto aos autos é enfático na afirmação de que «nos movimentos analisados, não foram detectadas situações sem justificação legal ou contabilística», e de que, nos anos de 2007 a 2010, e relativamente às quatro sociedades em causa, «o montante correspondente à ré, enquanto cônjuge, seria de 50% daquele montante, ou seja ascenderia a 782.778,44 €» (e não aos € 1.751.546,00 por ela reclamado nos autos). Logo, impõe a confirmação integral do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.53. («As sociedades não apresentaram lucros que permitissem à Ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do Autor obter lucros nos 4 anos em causa, no montante de € 1.751.546,00 (referido no reconhecimento de dívida nesse montante»); mas igualmente permite o conforme aditamento - pretendido pela Ré - à sua parte final, por consubstanciar reposta restritiva ao seu enunciado inicial («mas apenas de € 782.778,44»).

Alias, é a própria Ré (M. M.) quem, nas suas alegações de recurso, acaba por afirmar que «não pode deixar de admitir que na prova pericial realizada à ordem destes autos não foi demonstrada a falsidade dos resultados líquidos das empresas, no período acima referido» (bold apócrifo), defendendo, porém, que o «facto de não se ter logrado apurar se havia falsidade nas contas das sociedades não significa o contrário, ou seja, que se tenha apurado que elas são verdadeiras»; e de que ela própria estava convencida de que assim seria, por existirem indícios suficientes para o efeito.
Contudo, e conforme se deixou já sobejamente demonstrado, não só prova - múltipla (pericial, pessoal e documental), diferenciada nesta área (v.g. peritos, revisor oficial de contas, contabilista) e conforme (de entre aquela que demonstrou conhecimento directo dos factos em causa, e isenção/objectividade) - afirmou de forma segura o contrário, como as suas subjectivas convicções pessoais são, para este efeito, absolutamente irrelevantes.

Reitera-se ainda, e agora a propósito da alegada falta de acesso da Ré à informação pertinente às sociedades em causa, que a mesma também acaba por reconhecer, nas suas alegações de recurso, que aquela lhe foi facultada nos termos legais («o Autor disponibilizou documentação contabilística das sociedades para consulta, no período que antecedeu as assembleias gerais anuais»), defendendo porém que não lhe foi dada a possibilidade de a reproduzir, ou o acesso a «toda a documentação contabilística que estivesse para consulta».
Contudo, nem a impossibilidade de reprodução dos documentos foi por si alegada oportunamente nos autos, nem a mesma consubstancia violação de qualquer disposição legal a cujo cumprimento o Autor estivesse obrigado; e a Ré também não discriminou, ainda que minimamente, que outra informação contabilística (para além daquela que - efectiva e legalmente - lhe foi facultada) se mostrou omissa, e qual a sua relevância.
Dir-se-á, por isso, que, cabendo-lhe indiscutivelmente o ónus de demonstrar tais factos, bastaria ao Autor tornar meramente duvidosos os factos indiciariamente afirmados pela prova que sobre eles tivesse produzido (reiterando-se a debilidade da prova pessoal que arrolou, face à falta de isenção e objectividade da testemunha A. C.), para os infirmar (conforme art. 346.º do CC), o que exuberantemente logrou.

Por fim, dir-se-á que, face a este juízo de prova, se torna irrelevante, para qualquer solução plausível da causa, o eventual aditamento dos artigos 43.º e 45.º da contestação, já que se, de per se, são inidóneos para afirmarem que não foi facultado à Ré o acesso aos elementos contabilísticos que lhe permitissem conhecer a situação económico-financeira das sociedades em causa (nomeadamente, de X - Supermercados, S.A.); e, por isso, não se conhece dos mesmos.

Mostra-se, assim, igualmente infundado nesta parte o recurso sobre a matéria de facto apresentado pela Ré (M. M.), recorrente, à excepção do aditamento «mas apenas de € 782.778,44», no final do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.53. (permanecendo inalterados os factos não provados aí enunciados sob os números 2.2., 2.3., 2.4., 2.5., 2.9., 2.10. e 2.11.).
*
4.3.3. Motivos que determinaram as declarações em causa nos autos, e termos das mesmas
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.45., factos não provados aí enunciados sob os números 2.6., 2.13., 2.14., 2.15. e 2.16., e artigos 69.º e 74.º da contestação)

Veio, por fim, a Recorrente (M. M.) defender que a prova produzida impunha que se desse como demonstrado o propósito que esteve subjacente à emissão do documento epigrafado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», isto é, a vontade de a compensar pelo prejuízo provocado no seu património pelo Autor, pelo controlo exclusivo que teria feito das quatro sociedades comuns, tendo como contrapartida a sua desistência de todos os processos já instaurados por ela contra ele ou contra as sociedades, e o compromisso de não instaurar outros.
Esta matéria contém-se, grosso modo, no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.45. («O A pretendia pacificar as relações com a Ré em prol do bem estar dos filhos e estabilidade económico-financeira das sociedades»), nos factos não provados aí enunciados sob os números 2.6. («O Autor e a Ré outorgaram um contrato de partilha de bens comuns do casal em 4 de Janeiro de 2008»), 2.13. («O Autor acabou por propor o pagamento de 1.751.646€ como forma de compensar a Ré do prejuízo que lhe causou no património pessoal daquela, em função de metade do valor das quotas comuns e usufruto das quotas do Q.»), 2.14. («Tudo como condição de a Ré desistir de todos os processos já instaurados e não se comprometer a avançar com os outros»), 2.15. («A Ré aceitou a proposta do Autor») e 2.16. («Foi neste contexto que Autora e Ré redigiram e assinaram o documento cuja validade aqui se impugna»), e nos artigos 69.º («As negociações entre o Autor e a Ré, que culminaram com os documentos que se encontram juntos aos autos (contrato de promessa de partilha e reconhecimento de dívida) arrastaram-se no tempo e só se concretizaram mais de seis meses após o seu início») e 74.º («o Autor e a Ré reataram, em 18 de Janeiro de 2011, em plenas instalações do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, as suas negociações com vista ao acordo quanto à partilha dos bens comuns do ex-casal e à sobredita «prestação de contas» da administração do património comum e gerência das sociedades, em sede de tentativa de conciliação realizada no âmbito do processo judicial de destituição de gerente») da contestação
Invocou para o efeito a suficiência das declarações prestadas por si própria em audiência de julgamento, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas M. A. e J. R. (advogadas que a patrocinaram, em outros litígios com o Autor, e que previamente colheram junto da respectiva Ordem Profissional a necessária dispensa de sigilo profissional); e diversos documentos.

Começa-se, de novo, por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (Ré).

Assim, ponderou-se na mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais significativos, atento o objecto da sindicância):
«(…)
Com base nos resultados da prova pericial, o Tribunal alicerçou também a sua convicção quanto aos factos provados nos depoimentos das testemunhas L. I. e A. P. (técnicos oficiais de contas prestando serviços desde 2005 e até à data para as sociedades em causa, quer para o A., quer para a Ré), e que de forma idónea, objectiva, isenta, com conhecimento directo dos factos não tiveram dúvidas em afirmar que (…) o “mau clima ou relacionamento” instalado entre A, e R. após divórcio foi provocado por dificuldades postas por parte da Ré ao nível da aprovação das contas (…). Dúvidas também não tiveram em afirmar que todos estes entraves colocado pela Ré, acrescido das diversas acções instauradas contra o A. e sociedades (acções judiciais de impugnação de deliberação de aprovação das contas, de destituição do A. como gerente, acções essas registadas na Conservatória do Registo Comercial) causou sérias dificuldades de relacionamento das sociedades com os Bancos e os Fornecedores e até com os funcionários da empresa tendo provocado nos mesmos apreensão séria pelo futuro, para além do A. ter andando psicologicamente afectado, o que era notório, tudo conduzindo a sérias dificuldades na gestão das empresas (…); “se o A. não o tivesse assinado as empresas ainda estariam em conflito nesta data e talvez já tivessem caído!”!. (…)
Igualmente a testemunha L. P., auditor da “X” ainda das empresas dos Arcos de Valdevez nos anos de 2010 e 2011, e director de uma empresa de revisão oficial de contas, produziu um depoimento sério, honesto, isento e objectivo (…), não hesitando em afirmar que os vários processos judiciais instaurados pela Ré (anulação de deliberações sociais, destituição de gerência publicitadas no registo comercial e na própria base de dados do programa Citius) ameaçavam a continuidade da empresa “X”, na pendência dessas acções houve uma quebra de qualidade da intervenção da gerência do A. nas empresas (…).
A estes depoimentos juntaram-se no mesmo sentido os depoimentos das testemunhas (…) F.P. e C. S. (directores de loja, nas respectivas secções, da X), sendo que este último ainda esclareceu ter ouvido da boca da Ré, depois de uma reunião: “Se não é para mim – a empresa X – não é para ninguém”).
As testemunhas R. J. (mãe do A.), e M. P. (companheira do A., tendo vivido com este em união de facto desde 2008 até fins de 2011, princípio de 2012), também de forma objectiva e conhecimento directo narraram e descreveram as condutas e comportamentos da Ré, consideradas provadas, reactivas ao fim do seu casamento com o A. em especial a partir do momento em que teve conhecimento de que o ex-marido havia refeito a sua vida com outra mulher, e todas as consequências negativas que isso teve para o A. e mesmo para os filhos do casal.
Em face da idoneidade destas provas – pericial, documental e testemunhal – apresentadas pelo A., o Tribunal não considerou ou acolheu a prova testemunhal apresentada pela Ré: (…) relativamente a outras testemunhas por revelarem ainda não possuírem conhecimento directo, seguro, suficiente e convincente quanto à forma como o A. procedeu à prestação das contas de exercício da sua gerência relativamente às quatros sociedades, referente aos anos de 2007 a 2010, prestação de contas essa que esteve desde logo na base do reconhecimento da dívida impugnada na presente acção (Sra. Dra. M. A. e Sra. Dra. J. R.), apenas referindo de forma genérica (sem indicar os específicos fundamentos, factos concretos e razão de ciência) que o A. reconheceu essa dívida perante a Ré, como correspondendo ao que lhe era devido a título de distribuição de lucros das quatro sociedades, nos quatros anos. Aliás, do depoimento destas citadas últimas testemunhas resultou que a sua intervenção era ao nível do tratamento jurídico dos dados que lhes eram fornecidos, tendo até declarado a Sra. Dra. M. A. ter tido pouca intervenção ou nenhuma nesta parte do relacionamento das partes, já que a sua intervenção foi mais ao nível da resolução das questões do direito da família.
(…)»

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de prova relativo aos factos provados agora aqui em causa, ponderou toda a prova produzida a esse respeito (nomeadamente, a pessoal e documental eleita pela Ré recorrente para a sua sindicância), aferindo-a à luz das regras da experiência, cujo sentido deixou bem expresso; e, sendo a mesma parcialmente contraditória entre si, privilegiou a que se pronunciou sobre factos passíveis de serem verificados por qualquer pessoa (nomeadamente, as consequências que o desentendimento do ex-casal, acentuado pelas acções propostas pela Ré, teve nos filhos comuns e no giro diário das sociedades).
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, e consultados os documentos juntos aos autos, afirma-se desde já que parcialmente se sufraga este concreto juízo de prova do Tribunal a quo.

Com efeito, é indesmentível (pelos motivos já expostos antes, e que aqui nos dispensamos de reiterar), que o «Autor pretendia pacificar as relações com a Ré, em prol do bem estar dos filhos e estabilidade económico-financeira das sociedades», e que o valor de € 1.751,646,00 não correspondia a qualquer prejuízo que tivesse causado no seu património pessoal, em função de metade do valor das quotas comuns e do usufruto das quotas de Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. (já que o lucro, por distribuir, a que a Ré teria direito seria apenas de € 782.778,44).
Contudo, fui igualmente da prova produzida (bem como implicitamente da motivação da decisão de facto do Tribunal a quo) que o Autor aceitou pagar a quantia em causa (€ 1.751,646,00) como contrapartida do fim definitivo que a Ré viesse a por à plúrima litigância que os opunha, ou pudesse vir a opor, em Tribunal (sendo que, de outro modo, sempre se frustraria o seu propósito, de estabilização económico-financeira das sociedades demandadas), correspondendo ainda aquele valor a tudo o que a Ré pudesse vir a reclamar (com razão, ou sem ela) mercê da qualidade de sócia nas quatro sociedades que ainda detinham em conjunto.
Precisa-se, porém, que foi reconhecido pela própria Ré em audiência de julgamento, e corroborado pelas testemunhas M. A. e J. R., que o valor de € 1.751.646,00 não foi proposto pelo Autor (que se limitou a aceitá-lo) mas sim pela própria Ré (embora então limitado a € 1.500.000,00); e não tinha necessária correspondência com qualquer rigoroso apuramento de lucros a que a mesma se julgasse com direito.

Com efeito, ouvida em sede de audiência de julgamento, a (M. M.) afirmou (com bold apócrifo): «Então como é que chegaríamos a um acordo se não houvesse, houver cedências de parte a parte, era uma exigência dele, eu assino, para mim era-me indiferente, eu ia tomar conta do que era meu…»; «Porque obtive um acordo, porque fizemos um acordo global, isso não tem nada a ver ser antes ou ser depois, eu, eu vejo a situação como um acordo com pessoas de bem que querem acabar com, com, com este, estes, todos estes processos, tudo isto e quer cada qual retomar a sua vida, ponto. Agora eu não sei…»; «…desculpe, isso era umas das condições para chegarmos ao acordo, sem, outra condição do Sr. D. L. sim, que eu retirasse todos os processos que existiam em Tribunal, sim»; «Se fazia parte do acordo, sim, uma das exigências do Sr. D. L. era essa, naturalmente, mas isso parece-me natural não é ?»; «…é assim, eu sou muito sincera, na altura quando houve o acordo eu fui contactada pela minha advogada a dizer-me que, portanto, a outra parte, o Sr. D. L., mandou perguntar ou, se calhar não estou a usar os termos correctos mas prontos, num……exacto, quanto é que eu queria para chegar a um acordo e para desistir de todas as queixas, na altura eu respondi 1 milhão e meio que foi aceite pelo Sr. D. L. é tudo o que tenho a dizer, é isso, como é que eu cheguei a esse valor, porque deduzo que foi o valor, metade do valor desviado das empresas nos quatro anos, entre mercadoria e, e outros»; «…eu não sei porque é que chegaram a esse valor [€ 1.751.646,00], não me recordo»; [«um milhão e meio só para desistir dos processos»] «para desistir das queixas que existiam de, de, para desistir de tudo, para desistir da minha defesa, é assim, eu defendi-me legalmente não é, eu a única coisa que eu…para desistir dos processos, sim, foi-me colocado assim..»; «…não, não, foi-me proposto, foi-me dito que o Sr. D. L. mandou perguntar quanto é que eu queria para desistir de todos os processos, estas foram as palavras que me chegaram…».
Relativamente à testemunha M. A., depois de revelar lealmente que «no nosso escritório sempre houve uma divisão de trabalho» e que «enquanto (…) tratava da família, outras pessoas, outros advogados tratavam dum processo-crime», afirmou (com bold apócrifo): «na sequência desses processos, esses processos não tiveram mais solução. Portanto, o tempo foi decorrendo, era complicado penso eu também dar decisões destes processos, o tempo foi decorrendo e portanto nós eramos, digamos assim um pouco incentivados para chegarmos a um entendimento. E, e tentamos chegar a esse entendimento. Tentamos chegar a um entendimento, que de facto, o que portanto a M. M. pretendera era ver a solução resolvida, não é? A situação dela resolvida, não tinha, digamos assim um interesse especial em processos nem isso. Os processos foram postos porque não houve outra forma, não havia, não houve outra forma para resolver o assunto. E, na sequência deles, portanto, os processos ainda estiveram um tempo parados e entrou aqui outra pessoa, julgo eu que nesta altura entrou a Dra. S. R.. Penso que foi aí, portanto que entrou a Dra. S. R.. A Dra. S. R. era uma pessoa também com quem se podia conversar, era muito cordata. Nós a partir daí chegamos a um entendimento. Portanto negociamos, chegamos a um entendimento. Portanto, o que a M. M. queria? Queria que lhe prestasse as contas daqueles 3 anos de gerência e queria a partilha, queria a parte dela. Foi esta e aí retomamos as negociações. É um facto»; «Que foi negociado, foi sim Sr., foi negociado e portanto quando nós, efectivamente chegamos a acordo, provavelmente a Dra. S. R. ter-me á perguntado quanto é que a M. M. queria que lhe, pensava que tinha direito dessas contas. E eu, julgo que perguntei à M. M., porque eu não sabia, não tinha documentação, não tinha nada. Perguntei quanto é que acha que é o valor de, com que valor ficará satisfeita para se chegarmos a um entendimento, com que valor pensa que as contas por quanto estão encerradas entre vocês? E ela disse, eu julgo que foi um milhão e 500 mil, tenho, penso que é mais ou menos esse valor que ela me terá dito. E esse valor eu não como é que ela terá chegado a esse valor. Eu não invento valores portanto se chegámos a esse valor foi porque ela mo disse. Porque quem adiantou esse valor fomos nós. Acho eu que fui que perguntei, a Dra. S. R. perguntou-me e eu perguntei a ela, que eu também não sabia quanto é que, e eu penso que isso terá a ver com a, ela conhecia antes, ela sabia quanto é que o supermercado facturava. Ela sabia isso. Ela sabia como é que eles, quando eles eram casados o que faziam, e o dinheiro que tinham e como era. Penso que terá feito os seus cálculos e terá chegado a esse montante. Isto é o que eu penso. Não sei se foi assim senão, mas é o que eu penso que aconteceu»; «E eu acabei de dizer, eu acabei de dizer que eu não sei como é que na, como é que se chegou aos valores. Eu sei que eu perguntei à M. M. quanto era o valor e o valor, ela disse-me que era 1 milhão e 500 mil. Como se chegou a esse valor que está aí eu não faço ideia. Não sei se foi depois com os contabilistas, como é que foi, eu já não me recordo. Passou muito tempo»; «No principio não, mas a partir de uma determinada altura a Dra. J. R. que era a que estava dentro das sociedades, foi até mais com ela, digamos assim, do que comigo»; «Nós fizemos uma transacção. Nós fomos ao Tribunal e fizemos lá uma transacção que era ele prestava contas desse montante nas condições que constavam do documento e nós desistíamos dos processos. Caso contrário, nós nunca teríamos desistido dos processos»; «Houve desistências dos processos, é óbvio que houve. Portanto, claro que houve desistência dos processos. Aliás foi essa a transacção que nós fizemos na, chegamos a um entendimento que ele pagaria portanto essa importância a título de prestação de contas. Nós não pedíamos mais contas. Nós desistíamos dos processos. E, pronto, ele, depois nas condições que ficaram no documento, o que era prestações ele pagava».
Já relativamente à testemunha J. R., a mesma afirmou (com bold apócrifo): «…não, eu recorda-me que no, no, na forma do pagamento faseado do reconhecimento da dívida que fez-se condicionar, portanto, uma das situações que foi negociadas, fez-se, fez-se condicionar a desistência dos processos ao pagamento das primeiras, a primeira prestação acho que era o processo-crime, se não, eu não quero estar aqui a, está no documento, eu não quero estar aqui a, a induzir ninguém em erro, mas tenho ideia que o primeiro pagamento era um processo e depois, depois o primeiro pagamento foi desdobrado e era, portanto, nesse primeiro pagamento, da primeira prestação, digamos assim, era um processo e noutro acho que era outro e depois dizer, acho que ficou uma quitação total, no sentido que se fosse pago integralmente esse valor que a D.ª M. M. renunciava a instaurar qualquer tipo de acção seja contra as sociedades seja quanto a ele, pessoalmente o Sr. D. L., sei que na altura ele, portanto, a Dr.ª S. R. portanto na defesa dos interesses do Sr. D. L. queria que isso ficasse contemplado no documento».
Face a esta plúrima (declarações da Ré e depoimentos de duas testemunhas) e conforme (unânime, quantos aos factos agora em apreciação) prova, única produzida com conhecimento directo dos factos em causa (já que só as três pessoas referidas, de todas as ouvidas em audiência de julgamento, neles tiveram intervenção, à excepção do Autor), e sem que sobre as testemunhas M. A. e J. R. pese suspeita de crime de falsas declarações (de gravíssimas consequências, face às obrigações deontológicas e legais a que, como advogadas, estão sujeitas), não contrapôs Autor qualquer outra (nomeadamente, arrolando como testemunha a advogada que o patrocinou nas negociações que culminaram com a redacção e assinatura do «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRSTAÇÕES», S. R.).

Dir-se-á ainda que é o próprio Autor quem acaba por reconhecer, nas suas contra-alegações, o afirmado pela demais prova referida supra, quando expressamente refere: uma «coisa é o recorrido querer, à data que assinou a confissão de dívida, pôr fim à litigância (inícios de 2011)».

Assim, deverá alterar-se a redacção dos factos não provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2.13., 2.14. e 2.15., por forma a que se passe a ler num único, a aditar aos factos provados: «O Autor acabou por aceitar pagar à Ré € 1.751.646,00, mercê da sua qualidade de sócia nas quatro sociedades que ainda detinham em comum, e sob condição da mesma desistir de todos os processos já instaurados e se comprometer a não avançar com outros, o que aquela aceitou»; e o facto não provado aí enunciado sob o número 2.16., transitará, como se encontra, para o elenco dos factos provados.

Dir-se-á ainda que, face a este juízo de prova, se torna irrelevante, para qualquer solução plausível da causa, o eventual aditamento dos artigos 69.º e 74.º da contestação, já que são meros factos instrumentais dos factos essenciais que agora se deixaram provados; e, por isso, não se conhece dos mesmos.

Por fim, e relativamente ao facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.6., resulta coerente e conformemente de toda a prova produzida, por ambas as partes, que as mesmas celebraram em 04 de Janeiro de 2008, não um contrato de partilha dos bens comuns do casal, mas antes um contrato promessa de partilha de tais bens, onde nomeadamente se previa a manutenção da indivisibilidade desse património pelo prazo de cinco anos, tudo conforme factos provados já enunciados na sentença recorrida sob os números 1.33. e 1.55..
Logo, e sem prejuízo de se manter como não provado o facto assim enunciado na sentença recorrida sob o número 2.6. (já que se refere a contrato definitivo de partilha, e não a contrato promessa de realização da mesma), deverá ser aditada na parte final do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.55. a referência ao dito contrato-promessa de partilha de bens comuns do antes casal (cuja cópia se encontra inclusivamente junta aos autos, de fls. 1061 a 1068).

Mostra-se, assim, parcialmente fundado, e parcialmente infundado, nesta parte o recurso sobre a matéria de facto apresentado pela Ré, recorrente (alterando-se, conforme referido supra, os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2.13., 2.14. e 2.15., que com a nova redacção conjunta passarão a integrar os factos provados, deslocando-se o facto não provado aí enunciado sob o número 2.16. para o elenco dos factos provados, aditando-se uma parte final ao facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.55., e mantendo-se inalterados quer o facto provado aí enunciado sob o número 1.45., quer o facto não provado aí enunciado sob o número 2.6.).
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4.4. Decisão definitiva sobre a matéria de facto

Reproduz-se de seguida, para melhor compreensão da decisão a proferir sobre o recurso relativo à matéria de direito, o elenco definitivo dos factos provados e não provados (agora apenas renumerados, mercê da sua sequência lógica e cronológica, sendo os não provados com uma acrescida «», para os distinguir dos demais, provados, e parcialmente aditados, nos termos do art. 607.º, n.º 4, II parte, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
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4.4.1. Factos provados

1- D. L. (aqui Autor) e M. M. (aqui Ré) contraíram casamento, sem convenção antenupcial, em - de Fevereiro de 1992 (conforme «Assento de Nascimento n.º ... do ano de 2008», pertinente ao Autor, que é fls. 2649 a 2650 dos autos, e «Assento de Casamento n.º - do ano de 2009», que é fls. 1393 e 1394 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.1.)

2 - Do casamento entre o Autor e a Ré nasceram dois filhos, T. B., nascido a - de Outubro de 1996 (conforme «Assento de Nascimento n.º ... do ano de 2007», que é fls. 2652 e 2653 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido), e L. R., ambos menores à data de instauração da presente acção.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.3.)

3 - Na pendência do seu casamento, o Autor e a Ré, e para além do mais, constituíram quatro sociedades comerciais:

a) em 26.05.1998, X - Supermercados, Lda., sociedade comercial por quotas;
b) em 12.01.2005, Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., sociedade comercial por quotas;
c) em 02.03.2007, Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., sociedade comercial por quotas;
d) em 30.05.2007, DISTRI... - Supermercados, Lda., sociedade comercial por quotas.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.4.)

4 - O casamento entre o Autor e a Ré foi dissolvido, por divórcio, em 04 de Janeiro de 2008 (conforme «Assento de Nascimento n.º ... do ano de 2008», pertinente ao Autor, que é fls. 2649 a 2650 dos autos, já integralmente reproduzido supra).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.2.)

5 - À data da dissolução do matrimónio do Autor e da Ré (04.01.2008) ainda não se tinha procedido à partilha dos bens comuns do casal.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.11.)

6 - O Autor, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, chegou a obter a concordância da Ré em manter indiviso por cinco anos o património comum do casal, designadamente por estar em curso o desenvolvimento do projecto comercial das sociedades Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... - Supermercados, Lda. (conforme «CONTRATO-PROMESSA DE PARTILHA DE BENS COMUNS» que é fls. 1061 a 1068, e fls. 1384 a 1392, dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.55.)

7 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, o capital social de X - Supermercados, Lda. era de € 110.000,00, integralmente realizado em dinheiro.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.5.)

8 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, as quotas de X - Supermercados, Lda. estavam divididas da seguinte forma, e pertenciam às pessoas/entidades:
. Autor - uma quota no valor nominal de € 74.250,00;
. Ré - uma quota no valor nominal de € 24.750,00;
. Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. - uma quota no valor nominal de € 11.000,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.6.)

9 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, o capital social de Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., era de € 180.000,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.7.)

10 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, as quotas de Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. estavam divididas, e pertenciam às seguintes pessoas/ entidades:
. Autor -uma quota no valor nominal de € 91.800,00;
. Ré - uma quota no valor nominal de € 41.400,00;
. Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. - uma quota no valor nominal de € 46.800,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.8.)

11 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, o capital social de Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. estava integralmente realizado em dinheiro, era de € 105.000,00, e pertencia a:
. Autor - uma quota no valor nominal de € 53.550,00;
. Ré - uma quota no valor nominal de € 24.150,00;
. Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. - uma quota no valor nominal de € 27.300,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.9.)

12 - À data da ruptura da relação conjugal entre o Autor e a Ré, DISTRI... - Supermercados, Lda. detinha um capital social integramente realizado, no valor de € 200.000,00, pertencentes a:
. Autor - uma quota no valor nominal de € 150.000,00;
. Ré - uma quota no valor nominal de € 30,000,00;
. Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. - uma quota no valor nominal de € 20.000,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.10.)

13 - A sócia Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimentos, S.A. nunca pôs em causa a gestão/gerência das sociedades feita pelo Autor, até aos dias de hoje.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.40.)

14 - A Ré nunca pôs em causa a gestão das sociedades feita pelo Autor, antes da data do divórcio entre ambos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.41.)

15 - Depois do divórcio (04 de Janeiro de 2008), a Ré declarou várias vezes perante terceiros que tudo faria para levar as empresas do Autor à insolvência e afastar os filhos do pai, por ter sido preterida, pretendendo com os seus actos deixar o Autor na miséria.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.54.)

16 - Em 2008, 2009 e 2010, o Autor não repartiu lucros.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.56.)

17 - A Ré, em 28 de Abril de 2008, solicitou à gerência de X - Supermercados, Lda. a consulta das contas e a convocação de uma assembleia (conforme carta cuja cópia é fls. 1097 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.29.)

18 - Em 06 de Maio de 2008, o Autor, enquanto gerente de X - Supermercados, Lda., intentou contra a Ré um processo disciplinar, com vista ao seu despedimento (conforme cópia de carta e nota de culpa que são fls. 1071 a 1074 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), que deu origem ao processo n.º 527/08.6 TTVCT, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo, o qual viria depois a terminar por acordo entre as partes.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.26.)

19 - Em 15 de Setembro de 2008, o Autor, enquanto gerente da X - Supermercados, Lda., celebrou com a Ré, e esta aceitou, o «ACORDO-ADITAMENTO A CONTRATO DE TRABALHO», através do qual ficou ajustada a suspensão do vínculo laboral desta com aquela Sociedade até 4 de Janeiro de 2013 (conforme documento que é fls. 1094 a 1096 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.27.)

20 - Por força do «ACORDO-ADITAMENTO A CONTRATO DE TRABALHO» referido no facto anterior, a Ré passou a retribuição de € 1.000,00 para € 4.000,00 mensais, com a manutenção de um veículo automóvel A3 e das comunicações móveis, pertencentes à sociedade empregadora X - Supermercados, Lda..
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.28.)

21- As Sociedades convocaram a Ré para as respectivas Assembleias Gerais.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.24.)

22 - A Ré, enquanto sócia minoritária, votou contra a ordem de trabalhos de aprovação das contas e relatório de gestão das Sociedades.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.57.)

23 - A Ré votou contra as contas de X - Supermercados, Lda., relativas aos anos de 2007 e 2008, impugnando judicialmente as respectivas deliberações de aprovação, através da Acção n.º 607/08.8TBPTL, intentada em 17 de Junho de 2008, e da Acção n.º 438/09.8 TBPTL, intentada em 30 de Abril de 2009, correndo termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, desistindo dos pedidos posteriormente (conforme cópia de petições iniciais que são, respectivamente, fls. 2212 a 2228, e fls. 2264 a 2280, dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.19.)

24 - A Ré, em 25 de Junho de 2010, participou criminalmente contra o Autor, numa queixa que deu origem ao inquérito n.º 405/10.9TAPTL, que correu termos nos Serviços do MP do Tribunal Judicial de Ponte de Lima (sendo ela denunciante, e ele denunciado), por alegados crimes de furto e abuso de confiança; e tendo posteriormente desistido da queixa, o procedimento criminal encontra-se arquivado por despacho de 29 de Março de 2011 (conforme cópia parcial dos ditos autos de inquérito, que são fls. 1292 a 1316, fls. 2299 a 2309, e fls. 2409, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.30.)

25 - A Ré, em 13 de Agosto de 2010, instaurou contra X - Supermercados, Lda. e o Autor, uma acção com forma de processo especial, de destituição de gerente, com imediata suspensão do cargo, que correu termos sob o n.º 829/10.1 TBPTL, no 2.º Juízo no Tribunal Judicial de Ponte de Lima (conforme cópia parcial, que é fls. 1317 a 1352, e fls. 2310 a 2337, dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.31.)

26 - As sociedades comerciais X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. foram prejudicadas no seu normal funcionamento pelas acções intentadas pela Ré (supra descritas - nos três factos provados anteriores), contra o gerente/ex-marido e as próprias sociedades, acções essas que provocaram instabilidade no desenvolvimento da sua exploração e da sua actividade comercial, as quais, para além da degradação de relacionamento entre os sócios, viram prejudicadas as relações com fornecedores e entidades financeiras.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.38.)

27 - Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. apresentou os seguintes resultados (conforme página 39 - a fls. 3271 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos):
. Ano 2007: € - 66.415,00;
. Ano 2008: € - 74.971,73;
. Ano 2009: € - 41.841,14;
. Ano 2010: € + 67.540,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.46.)

28 - DISTRI... - Supermercados, Lda. apresentou os seguintes resultados (conforme página 40 - a fls. 3272 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos):
. Ano 2007: € - 6.349,28;
. Ano 2008: € - 390.678,18;
. Ano 2009: € - 272.791,00;
. Ano 2010: € - 61.927,00,
num total de - (negativo) € 731.745,46.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.47.)

29 - Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. apresentou os seguintes resultados (conforme página 40 - a fls. 3272 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos):
. Ano 2007: € + 61.041,18;
. Ano 2008: € +75.764,97;
. Ano 2009: € +80.752,16;
. Ano 2010: € + 97.379,31,
num total de + (positivo) € 31.4937,62.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.48.)

30 - X - Supermercados, Lda. apresentou os seguintes resultados (conforme página 39 - a fls. 3271 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos):
. Ano 2007: € +105.288,59;
. Ano 2008: € + 30.241,69;
. Ano 2009: € - 61.069,55;
. Ano 2010: € +56.601,42.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.49.)

31- X - Supermercados, Lda. apresentou resultados negativos em 2009 (conforme página 39, a fls. 3271, do relatório pericial de fls. 3233 a 3276 dos autos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.39.)

32 - Não obstante a dissolução do matrimónio por mútuo consentimento, e após o seu decretamento, o relacionamento entre o Autor e a Ré degradou-se consideravelmente, ao nível profissional e pessoal, culminando com ruptura de diálogo e comunicação entre ambos, em consequência dos factos supra descritos em 1.19., 1.30. e 1.31., da autoria da Ré, a qual nunca aceitou o fim do casamento.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.37.)

33 - O desentendimento entre Autor e Ré reflectiu-se na estabilidade emocional dos filhos de ambos, então menores.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.43.)

34 - A existência de vários processos entre o Autor e a Ré, por ela intentados, provocou desgaste na relação pessoal de ambos; e trouxe sofrimento aos filhos do casal e avós paternos dos mesmos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.52.)

35 - A Ré marcou a escritura pública de partilha, que notificou ao Autor por carta de 15 de Dezembro de 2010; e este respondeu, por carta datada de 22 de Dezembro de 2010 (cuja cópia é fls. 1353 a 1356 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.32.)

36 - O Autor recusou-se a outorgar a escritura pública de partilha com os fundamentos que constam do documento notarial cuja cópia é fls. 1363 a 1366 dos autos, datado de 28 de Dezembro de 2010, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
que pretendiam outorgar uma escritura de partilha de divórcio, previamente marcada para esta hora e dia, a qual não se realizou, em virtude do outorgante D. L., ter recusado a assinar, tendo alegado as seguintes razões, as quais passo a transcrever:
“1 - o contrato promessa de partilha de bens comuns assinado em quatro de Janeiro de dois mil e oito, por si e pela D. M. M., tem como suporte basilar de não se proceder à partilha das quotas das sociedades Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Limitada, Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Limitada, X - Supermercados, Limitada, Distri... - Supermercados, Limitada, e a casa de morada de família, antes de decorridos cinco anos sobre a data do divórcio.
Ora, estes cinco anos só terminam em dois mil e treze, não podendo haver lugar a qualquer partilha destes bens comuns na presente data. O contrato promessa de partilha em causa não poderá agora ser alvo de outra interpretação por parte da D. M. M., quando o objectivo na sua celebração foi precisamente manter a actual situação quanto aos bens comuns, durante um período de cinco anos. De resto, do texto do contrato não resulta a obrigação de celebrar a escritura em causa nesta data.
2 - Numa segunda ordem de razões, qualquer alteração estatuária nas sociedades supra referidas, carece de autorização do sócio comum a estas sociedades, ou seja, da Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A..
Mais qualquer alteração societária nas sociedades X e Distri... pode conduzir à resolução do contrato de insígnia que tem permitido a estas sociedades usufruir da insígnia W, o que acarretaria graves prejuízos para as mesmas.
3 - Além disso, nos pactos sociais de todas as sociedades em causa está estipulado um direito absoluto de preferência à sócia Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A., na alienação de qualquer participação social, incluindo entre sócios.

Assim, a celebração da presente escritura, pode determinar riscos sérios para a vida das sociedades, por violação do contrato de sociedade e insígnia, sem esquecer que a mesma representa uma contradição com o estipulado no contrato promessa de partilha, pelo que não aceita a sua celebração.
(…)».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.34.)

37 - Em consequência das acções instauradas pela Ré contra o Autor e Sociedades, este passou a desejar a partilha dos bens comuns do casal, partilha que a Ré fez depender da prestação de contas da administração do património do ex-casal, durante o tempo que mediou após o divórcio até à data da partilha e gerência das sociedades.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.58.)

38 - A Ré remeteu ao Autor, que a recebeu, o original da carta cuja cópia é fls. 1360 e 1361 dos autos, datada de 31 de Dezembro de 2010, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Dizes bem, na sala dos advogados falamos que o Senhor Dr. Juiz tinha falado em tentarmos um acordo para por ponto final nos processo todos (…). Mas esqueceste de dizer que o acordo a por fim a todos os processos passa pela divisão dos nossos bens e por fazeres contas comigo do tempo em que tens estado a gerir aquilo que também é meu (…).
As nossas advogadas entende, as minhas e a tua, bem se esforçaram para te fazer compreender que tens não só de dividir, como de me apresentar as contas (…)».
(facto aditado nos termos do art. 607.º, n.º 4, II parte, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC)

39 - O Autor disponibilizou-se para extrajudicialmente efectuar a partilha de bens comuns do casal.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.12.)

40 - Em 28 de Fevereiro de 2011, o Autor e a Ré outorgaram um contrato promessa de partilha (conforme documento que é fls. 71 a 81, e fls. 1877 a 1887, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido); e em 30 de Março de 2011 firmaram a respectiva adenda (conforme documentos que é fls. 82 a 84 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.13.)

41 - Desse contrato-promessa de partilha resulta que o Autor pagaria de tornas à Ré a quantia de € 1.400.000,00 (um milhão, quatrocentos mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.14.)

42 - Na mesma data da outorga do contrato-promessa de partilha (referido em 1.13.) - 28 de Fevereiro de 2011 -, o Autor e a Ré outorgaram um documento epigrafado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», tendo sido elaborada adenda ao mesmo em 30 de Março de 2011, conforme documentos que é fls. 99 a 105, e fls. 2404 a 2407, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido, e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Entre os abaixo assinados:
Primeira Outorgante: M. M. (…),
Segundo Outorgante: D. L. (…),
é celebrado o presente reconhecimento e confissão de dívida e acordo de pagamento, que passa a reger-se pelas seguintes:
Cláusula Primeira
Na presente data, o segundo outorgante procedeu à prestação de contas do exercício da sua gerência das sociedades “Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…), “X - Supermercados, Lda.” (…), “IMO... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…) e “DISTRI... - Supermercados, Lda.” (…), referente aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, tendo resultado um saldo positivo a favor da segunda [lapso material, devendo ler-se primeira] outorgante no valor global de € 1.751.646,00 (um milhão, setecentos e cinquenta e um mil, seiscentos e quarenta e seis euros).
Cláusula Segunda
O segundo outorgante reconhece e confessa-se devedor à primeira outorgante da importância referida na cláusula precedente e compromete-se a pagá-la da seguinte forma:
e) uma primeira prestação no valor de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), com vencimento no dia 15 de Março de 2011;
f) uma segunda prestação no valor de € 500.000,00 (quinhentos mi euros), com vencimento no dia 30 de Março de 2011;
g) uma terceira prestação no valor de € 565.823,00 (quinhentos e sessenta e cinco mil oitocentos e vinte e três euros), com vencimento no dia 15 de Março de 2012;
h) uma quarta e última prestação no valor de € 565.823,00 (quinhentos e sessenta e cinco mil oitocentos e vinte e três euros), com vencimento no dia 15 de Março de 2013.
(…)
Cláusula Quarta
A falta de pagamento tempestivo de qualquer uma das prestações em débito implica o vencimento automático de todas as restantes prestações em dívida e respectivos juros à taxa legal, podendo a primeira outorgante exigir de imediato (judicial ou extrajudicialmente) do segundo outorgante o pagamento do remanescente em débito.
Cláusula Quinta
1 - Após o efectivo e integral pagamento da primeira prestação identificada na precedente cláusula segunda, na sua alínea a), pelo segundo outorgante à primeira outorgante, esta obriga-se a proceder imediatamente à extinção do processo judicial n.º 405/10.9TAPTL, que corre termos pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Ponte de Lima;
2 - Após o efectivo e integral pagamento da segunda prestação identificada na precedente cláusula segunda, na sua alínea b), pelo segundo outorgante à primeira outorgante, esta obriga-se a proceder imediatamente à extinção dos processos judiciais n.º 438/09.8TBPTL, que corre termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima e n.º 607/08.8TBPTL, que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima.
Cláusula Sexta
1 - Após efectivo e integral pagamento da totalidade das quatro prestações identificadas na precedente cláusula segunda, nas suas alíneas a), b) c) e d), a primeira outorgante declara-se plenamente ressarcida a título de prestação de conta, lucros e outros direitos que poderia exigir às sociedades “Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…), “X - Supermercados, Lda.” (…), “IMO... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…) e “DISTRI... - Supermercados, Lda.” (…), bem como ao segundo outorgante na qualidade de gerente das mesmas.
2 - Após efectivo e integral pagamento das três prestações identificadas na precedente cláusula segunda, nas suas alíneas a), b) e c), a primeira outorgante mais declara que renuncia de exercer qualquer acção judicial contra as sociedades “Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…), “X - Supermercados, Lda.” (…), “IMO... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” (…) e “DISTRI... - Supermercados, Lda.” (…), bem como ao segundo outorgante na qualidade de gerente das mesmas.
Cláusula Sétima
Ambos os outorgantes reconhecem e conferem ao presente documento força executiva, nos termos do disposto no artigo 46.º alínea c) do Código de Processo Civil.
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.17.)

43 - As Sociedades (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., DISTRI... - Supermercados, Lda., X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) não apresentaram lucros que permitissem à Ré, por via da titularidade das suas quotas e das quotas do Autor, obter lucros nos quatro anos em causa (de 2007 a 2010), no montante de € 1.751.546,00, referidos no documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», mas apenas de € 782.778,44» (conforme páginas 41, 42 e 43 - de fls. 3273 a 3275 - do relatório pericial, de fls. 3233 a 3276 dos autos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.53.)

44 - Toda a litigância descrita nos factos provados enunciados sob os números 23, 24 e 25, e respectivas consequências supra descritas (verificadas ao nível da instabilidade económico-financeira das sociedades), pressionaram o Autor a assinar o documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.42.)

45 - O Autor pretendia pacificar as relações com a Ré, em prol do bem-estar dos filhos e da estabilidade económico-financeira das sociedades.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.45.)

46 - O Autor acabou por aceitar pagar à Ré € 1.751.646,00, mercê da sua qualidade de sócia nas quatro sociedades que ainda detinham em comum, e sob condição da mesma desistir de todos os processos já instaurados e se comprometer a não avançar com outros, o que aquela aceitou.
(factos não provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2.13., 2.14. e 2.15.)

47 - Foi neste contexto de pressão que o Autor assinou o documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.44.)

48 - Foi neste contexto que o Autor e a Ré redigiram e assinaram o documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES».

49 - O Autor enviou à Ré, que a recebeu, o original da carta cuja cópia é fls. 2408 dos autos, datada de 15 de Março de 2011, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
«(…)
no âmbito do reconhecimento de dívida e acordo e pagamento em prestações, datado de 28 de Fevereiro de 2011, venho pelo presente enviar o cheque (…) no valor de € 120.000,00 (…) para pagamento da 1.ª prestação que estava adstrito no referido acordo (Cláusula segunda, alínea a) (…).
(…) sequência resultou das N/ negociações e pelo que está estabelecido no próprio reconhecimento de dívida e acordo de pagamento, urge que se proceda com a maior brevidade possível à extinção de processo n.º 405/10.9TAPTL dos Serviços do Ministério Público de Ponte de Lima, sob pena do acordado entre as partes se tornar inviável e sem retorno, por causa imputável exclusivamente à tua demora no cumprimento desta obrigação (…).
«(…) de forma a agilizar a extinção deste processo, junto anexo o requerimento de desistência de queixa e de não oposição à desistência da mesma, já deviamente assinado por mim, solicitando que o mesmo seja remetido para o Tribunal Judicial de Ponto de Lima (…).
(…) aguardo a recepção do respectivo comprovativo de envio do requerimento de desistência de queixa para o Tribunal Judicial de Ponte de Lima e a declaração de quitação referente ao pagamento da 1ª prestação do reconhecimento de dívida e acordo de pagamento em prestações.
(…)»
(facto aditado nos termos do art. 607.º, n.º 4, II parte, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC)

50 - Em 07 de Abril de 2011, foi efectuada a partilha, por escritura pública no Cartório Notarial, em Viana do Castelo, do Notário A. J. (conforme documento epigrafado «PARTILHA», que é fls. 86 a 98, e fls. 2391 a 2403, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.15.)

51 - Em consequência da partilha, a Ré adquiriu as quotas que o Autor detinha nas sociedades Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... - Supermercados, Lda.; e o Autor adquiriu as quotas que a Ré detinha junto das sociedades X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda..
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.16.)

52 - O Autor, a partir de 07 de Abril de 2011, deixou de exercer o cargo de gerente/administrador das sociedades DISTRI... - Supermercados, Lda. e Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda..
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.36.)

53 - A Ré desistiu de todas as acções contra as Sociedades e contra o Autor logo que obteve a confissão de dívida (plasmada no «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES»); e disponibilizou-se a aprovar todas as contas societárias.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.51.)

54 - A Ré aprovou as contas relativas ao ano de 2010 em 31 de Março de 2011, depois de ter obtido, em 28 de Fevereiro de 2011, a assinatura do Autor no documento intitulado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.50.)

55 - A Ré votou a favor da aprovação das contas de Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., relativas ao ano de 2010, em Assembleia Geral realizada em 31 de Março de 2011.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.18.)

56 - A Ré aprovou as contas de X - Supermercados, Lda., relativas ao exercício de 2010, em final de Março de 2011.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.20.)

57 - O Autor, no âmbito do negócio intitulado de «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» (referido em 1.17.), pagou duas prestações, no montante total de € 620.000,00 (seiscentos e vinte mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.21.)

58 - Em 03 de Fevereiro de 2012, X - Supermercados, Lda. intentou conta Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e contra DISTRI... - Supermercados, Lda., dois processos de insolvência (um contra cada uma delas), correndo então os mesmos no Tribunal Judicial da Comarca de Arcos de Valdevez (conforme cópias parciais, que são fls. 1775 e seguintes, e fls. 2830 e seguintes, dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.35.)

59 - Em 10 de Fevereiro de 2012, a Ré notificou o Autor de que cedera os créditos de tornas de que era titular sobre ele (por partilha dos bens comuns do antes casal) às sociedades de que actualmente é sócia maioritária (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI..., supermercados Lda.), conforme carta cuja cópia é fls. 1008 e 2430 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Venho, pela presente, nos termos e para os efeito do disposto no artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil, notificar V. Exa., na qualidade de devedor, de que, nesta data, através de contrato, efectuei a cessão do crédito no valor de € 1.400.000,00 (…) correspondente ao montante de tornas emergentes da partilha de bens comuns subsequentes a divórcio, titulado por contrato, de que sou titular sobre V. Exa., nos termos seguintes:
c) cessão à “DISTRI... - Supermercados, Lda.”, (…) da quantia de € 947.000,000 (…);
d) cessão à sociedade “Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.”, (…), da quantia de € 453.000,00 (…).
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.22.)

60 - Em 10 de Fevereiro de 2012, as sociedades de que a Ré é sócia maioritária e gerente (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... -Supermercados Lda.) notificaram o Autor e as sociedades de que este, por sua vez, é gerente (X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) para procederem ao acerto do saldo de contas entre elas (conformes cartas cujas cópias são fls. 1009, 1012, 2435 e 2633 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.23.)

61 - Foi instaurada acção executiva no Tribunal Judicial de Ponte da Barca sob o n.º 207/12.8 TBPTB, a fim de ser cobrada a dívida decorrente do negócio intitulado de «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» (referido em 1.17.).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.25.)

62 - Corre termos no 2.º Juízo deste Tribunal, processo n.º 1084/12.4 TBPTL, uma acção de simples apreciação negativa, na qual se requer que o Tribunal declare que o Autor não deve quaisquer tornas, razão pela qual não se encontram pagas.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1.34.)
*
4.4.2. Factos não provados

1’ - A Ré notificou o Autor da cedência dos créditos a seu favor, com o intuito de evitar que as empresas que lhe tocaram na partilha (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... - Supermercados, Lda.) pagassem às empresas do Autor (X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) as dívidas contraídas.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.1.)

2’ - Em 2008, 2009 e 2010, o Autor não prestou à Ré informações sobre a gerência da sociedade X - Supermercados, S.A..
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.2.)

3’ - Em 2008, 2009 e 2010, o Autor não deu à Ré acesso a dados da contabilidade da empresa.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.3.)

4’ - Em 2008, 2009 e 2010, o Autor não deu à Ré conhecimento das avultadas movimentações das contas bancárias, em particular das transferências das contas das sociedades (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., DISTRI... - Supermercados, Lda., X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) para as contas pessoais dele próprio.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.4.)

5’ - No ano 2008, o Autor recebeu de X - Supermercados, Lda. a quantia de € 633.952,81.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.5.)

6’ - O Autor e a Ré outorgaram um contrato de partilha de bens comuns do casal em 4 de Janeiro de 2008.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.6.)

7’ - A Ré tinha em exclusivo os dois filhos menores a seu cargo.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.7.)

8’ - O Autor ofereceu à Ré um veículo Audi A5 sportback, no valor de € 50.000,00, na data de julgamento do Processo n.º 607/08.8TBPTL e do processo n.º 438/09.8TBPTL, no intuito de a aliciar a aprovar as contas.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.8.)

9’ - Estas contas tinham fortes irregularidades na gerência do Autor.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.9.)

10’ - Havia indícios de que o Autor tinha desviado dinheiro, para seu proveito pessoal e para pessoas da sua confiança.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.10.)

11’ - Os resultados líquidos das sociedades (Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., DISTRI... - Supermercados, Lda., X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.) relativos a 2007, 2008, 2009 e 2010 estavam viciados e eram falsos.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.11.)

12’ - O Autor reconheceu a veracidade das acusações que lhe eram imputadas nos diferentes processos instaurados pela Ré, contra ele e sociedades comerciais em causa, designadamente na acção de destituição de gerente.
(facto não provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2.12.)
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Interpretação de contrato - Contrato de transacção

5.1.1.1. Critérios de interpretação (de contrato)

No que tange à «interpretação dos negócios jurídicos», e «numa atitude semelhante à adotada a propósito da lei», considera-se que as «regras gerais da gramática, da linguística e da lógica não são (…) suficientes para realizar esta tarefa, tendo a doutrina jurídica elaborado uma teoria da interpretação para os negócios jurídicos»; e a mesma oscilou entre uma corrente subjectivista (que procura «reconstituir a vontade real do declarante», encontrando «aquilo que ele quis quando formou e exteriorizou a sua vontade») e outra objectivista (que procura «determinar o sentido objetivo da declaração») (Manuel Pita, Código Civil Anotado, Volume I, Coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, Junho de 2017, pág. 290).
Lê-se, a propósito, no art. 236.º do CC, que «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele» (n.º 1); mas, «sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida» (n.º 2).
Logo, enquanto que o n.º 1 do art. 236.º do CC consagrou uma interpretação objectivista (denominada teoria da impressão do destinatário), o seu n.º 2 consagrou um interpretação subjectivista, relativamente à qual deixa de se justificar a protecção das legítimas expectativas do declaratário e da segurança do tráfico.

Deverá, assim, o intérprete começar por averiguar se o declaratário conhecia a vontade real do declarante, o sentido que o mesmo pretendeu exprimir através da declaração. «Conhecendo-a, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 224). Consagra-se, deste modo, a regra falsa demonstratio non nocet.

Só quando o declaratário não conheça a vontade real do declarante é que o sentido decisivo da declaração negocial será «aquele que seja apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante», a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido (Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit, pág. 223, com bold apócrifo).
O comportamento do declarante a que se refere o n.º 1 do art. 236.º do CC «não é constituído somente pela textual declaração negocial por ele proferida, mas também pelas circunstâncias, a ele relativas, do caso concreto que, conhecidas ou devendo ser conhecidas pelo declaratário, possam esclarecer o sentido da declaração», sendo exemplos dessas circunstâncias atendíveis «os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, os hábitos do declarante (de linguagem e outros), os usos da prática, em matéria terminológica ou de outra natureza que possa interessar, os modos de conduta por que se prestou observância ao negócio concluído» (Adriano Vaz Serra, RLJ, ano 110, pág. 42).
Por outras palavras, «o alcance decisivo da declaração será àquele que em abstrato lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face das circunstâncias que este efectivamente conheceu e das outras que podia ter conhecido, maxime dos termos da declaração, dos interesses em jogo e seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, das circunstâncias concomitantes, dos usos da prática e da lei» (J. Calvão da Silva, Estudos de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 217, com bold apócrifo) (11).
Assim, «a normalidade do destinatário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante» (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 243).
Serão por isso atendíveis na interpretação da declaração negocial quer as circunstâncias contemporâneas da mesma, quer anteriores à sua conclusão, quer posteriores, importando que quer o declaratário, quer o declarante actuem de boa fé, aquele investigando o que o declarante quis, tendo em consideração todas as circunstâncias por si conhecidas, e este deixando valer da declaração no sentido em que o declaratário, mediante verificação cuidadosa, tinha de atribuir-lhe (Adriano Vaz Serra, RLJ, ano 104, pág. 63, com bold apócrifo).
Nesta averiguação, «é também relevante a posição assumida pelas partes na execução do negócio. Esta não pode, na verdade, deixar de, razoavelmente, corresponder ao que as partes entendem ser os seus direitos e as vinculações que para uma delas emergem do negócio» (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, Universidade Católica Portuguesa, 3.ª edição, 2001, pág. 417, com bold apócrifo) (12).

«Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações» (art. 237.º do CC).
O aqui disposto «vale para os casos em que a declaração, consultados todos os elementos utilizáveis para a sua interpretação de harmonia com o critério fixado no artigo anterior [236º], comporta ainda dois ou mais sentidos, baseados em razões de igual força» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 224) (13).

Tratando-se, porém, de um negócio formal (isto é, sujeito por lei a forma especial), e de acordo com o art. 238.º, n.º 1 do CC, «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso», num desvio às regras do art. 216.º do CC (no sentido de um maior objectivismo).
Compreende-se esta aproximação do negócio formal à lei, «que também não pode ter um sentido que não tenha no seu texto um mínimo de correspondência (art. 9.º, n.º 2)», já que «o negócio jurídico destina-se a valer como lei entre as partes. A solenidade do negócio formal exige especial diligência das partes na procura dos termos a utilizar. Se pretenderam uma determinada regulamentação de interesses e não utilizaram as palavras adequadas para a exprimir, a lei impede que o negócio valha com esse sentido se não tiver um mínimo de correspondência no respetivo documento» (Manuel Pita, Código Civil Anotado, Volume I, Coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, Junho de 2017, págs. 291-292, com bold apócrifo).
Contudo, e nos termos do n.º 2 do art. 238.º citado, «esse sentido [sem um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento] pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade», numa reafirmação da regra falsa demonstratio non nocet, com a atenuação exigida pela especial natureza dos negócios formais.
Compreende-se que assim seja, já que as «razões determinantes da forma podem ser relativas às partes, nomeadamente maior reflexão e ponderação de interesses, mas na maioria dos casos estão associadas a interesses de terceiros e ao interesse público, a razões de segurança e certeza do tráfego, que exigem documentos claros, nomeadamente para dar publicidade às situações jurídicas criadas, o que é incompatível com sentidos ocultos na vontade das partes» (Manuel Pita, ibidem, com bold apócrifo).
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5.1.1.2. Contrato de transacção

5.1.1.2.1. Determinação (em geral) de tipo contratual

A verificação de qual o acordo efectivamente celebrado pelas partes terá sempre de partir da interpretação das respectivas vontades, e não da denominação que - formal ou informalmente - tenham atribuído ao acordo invocado (atendendo-se, naquela operação, às circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas dele, às negociações respectivas, e à finalidade prática visada pelas partes).

Assim, a denominação final de um contrato (e a sua qualificação como pertencendo a um determinado tipo contratual, com relevância para determinar o respectivo regime jurídico) é uma operação lógica subsequente àquela outra (de interpretação das declarações de vontade das partes): só uma vez realizada a dita interpretação se obterá a qualificação do contrato efectivamente celebrado (pela indagação, interpretação e aplicação das regras de direito), não estando o tribunal vinculado ao «nomen iuris» que os contraentes tenham adoptado.

Com efeito, se o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes (nomeadamente, no apuramento das suas vontades), por isso lhe impor o princípio do dispositivo, já a qualificação de um contrato é matéria de direito, sobre a qual o tribunal se pronuncia livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham adoptado (art. 5.º, n.º 3 do CPC) (14).

É, pois, relativamente frequente que a natureza ou a espécie de certo contrato não corresponda à designação que as partes lhe atribuíram e, portanto, à qualificação que dele fizeram. A «qualificação de um contrato é um juízo predicativo. O contrato é qualificado através do reconhecimento nele de uma qualidade que é a qualidade de corresponder a este ou àquele tipo, a este ou àquele modelo típico. A qualificação legal traz consigo, assim, sempre um processo de relacionação entre a regulação contratual subjectiva estipulada e o ordenamento legal objectivo, onde o catálogo dos tipos contratuais legais se contém» (Pedro Paes de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, Coimbra, págs. 164-165, com bold apócrifo).

Esta «não adequação da designação adoptada pelas partes à real natureza do contrato pode resultar de circunstâncias várias, ou de equívoco ou ignorância ou do objectivo de defraudar a lei, procurando enquadrar o negócio num modelo que não é o seu, para, através do uso da denominação específica de outro e a confusão assim estabelecida, tentar extrair daí consequências jurídicas favoráveis às partes ou a uma delas» (Professor Galvão Telles, «Parecer», CJ, ano XVII, Tomo 2, pág. 27). Para além destas (e doutras) concretas motivações, o que verdadeiramente relevará é que a actividade do julgador, na qualificação dos factos trazidos a juízo, não fique limitada ao nome/qualificação atribuído aos pelas partes.
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5.1.1.2.2. Definição (legal) de contrato de transacção

Lê-se no art. 1248.º do CC que transacção «é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões» (n.º 1), podendo as mesmas «envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido» (n.º 2).

Compreende-se, por isso, que se afirme que o «contrato de transação tem como pressuposto a existência dum conflito de interesses entre as partes perante um bem apto à satisfação duma sua necessidade. Mas a noção de litígio implica mais do que um mero conflito de interesses: é preciso que, com base nele, uma parte tenha deduzido contra a outra a pretensão processual fundada na afirmação de que o direito tutela o seu interesse (assim no art. 263.º do CPC, relativo à transmissão entre vivos de direito litigioso), ou, mais ainda, consiste nessa afirmação e na contestação da tutela afirmada pela contraparte (assim art. 579.º, n.º 3, ao tratar da proibição relativa da cessão de direito litigioso). A transação, quando é posterior à propositura da ação, termina litígios existentes, pressupondo assim conflito de interesses e pretensão; mas pode ter por função prevenir litígios ainda inexistentes, e então mais não pressupõe do que o conflito de interesses» (José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Volume I, Coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, Junho de 2017, pág. 1545, com bold apócrifo).

Compreende-se, ainda, que se afirme que a «transacção tem por objecto recíprocas concessões (…). Se a parte que invoca o seu direito desiste de o tornar efectivo, dando ao acto um simples efeito extintivo, há uma desistência; se a outra parte acaba por reconhecer a legalidade da pretensão, através de um acto com eficácia meramente confirmativa ou constitutiva, há uma confissão. Também não há na transacção o ânimo de fixar ou determinar a situação jurídica anterior das partes (negozio di acertamento); a ideia básica dos contraentes é a de concederem mutuamente e não a de fixarem rigidamente os termos reais da situação controvertida, como quando se fixa a redução do preço correspondente à venda de uma coisa defeituosa ou à entrega da obra com defeito por parte do empreiteiro» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1997, pág. 931, com bold apócrifo).
Logo, através «da transação, as partes estabelecem uma auto-regulação que implica concessões e cedências, umas e outras verificadas comparativamente às suas pretensões, atuais ou potenciais. Tido em conta que as utilidades do bem não podem estar ao serviço da satisfação integral do interesse de ambas as partes, cada uma cede à outra parcelas desse interesse ou um seu sucedâneo» (José Lebre de Freitas, op. cit., p. 1546, com bold apócrifo).
As ditas concessões recíprocas podem traduzir-se, quer na redução do direito controvertido, quer na constituição, modificação ou extinção de um direito diverso dele (exigindo-se porém, nesta última hipótese, de transacção novativa, que tais actos não se apresentem com carácter autónomo, antes estando conexos com a anterior relação controvertida).
«A natureza substantiva do negócio de transação, por isso incluído no CC, é patente neste regime: através dela, as partes atuam diretamente sobre as situações jurídicas preexistentes, mantendo-as, alterando-as ou, no limite, criando-as (quando anteriormente não existiam) com um claro efeito negocial, de natureza preclusiva; preclude a discussão sobre a existência e o conteúdo das situações jurídicas controvertidas e as situações jurídicas em que as partes ficam investidas são por ela queridas, independentemente do conteúdo dessas situações preexistentes» (José Lebre de Freitas, op. cit., pág. 1546).

Considerada como contrato, e «dado o carácter sinalagmático e correspectivo das concessões recíprocas», a transacção é «um contrato oneroso», a que naturalmente será aplicável a «disciplina dos contratos (arts. 405.º e segs.)» e o «regime geral dos negócios jurídicos» (arts. 217.º e segs.)» (Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 630).


Mais se lê, no art. 1250.º do CC, que a «transacção preventiva ou extrajudicial constará de escritura pública quando dela possa derivar algum efeito para o qual a escritura seja exigida, e constará de documento escrito nos casos restantes».

«O documento que formaliza a transação tem de respeitar a forma exigida, pela lei (art. 219.º) ou pelas partes (art. 223.º), para o tipo de efeito (dispositivo) que dela possa derivar» (José Lebre de Freitas, op. cit., p. 1548); e compreende-se «esta exigência mínima de documento escrito, mercê «do principal requisito substancial da transacção, que é o das concessões de ambos os transigentes» (Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 633, com bold apócrifo).
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5.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo o Autor (D. L.) e a Ré (M. M.) sido casados entre si, desde - de Fevereiro de 1992 até 04 de Janeiro de 2008, viram o seu casamento terminar por divórcio; e que, à data do mesmo, não só possuíam dois filhos menores, como eram conjuntamente sócios de quatro sociedades comerciais (X - Supermercados, Lda., Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... - Supermercados, Lda.).
Mais se verifica que, tendo inicialmente acordado não partilharem, por cinco anos, os bens comuns do antes casal (designadamente, por estar em curso o desenvolvimento do projecto comercial de Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e de DISTRI... - Supermercados, Lda.), as respectivas relações pessoais e profissionais deterioram-se, rápida e consideravelmente; e culminaram com a ruptura do diálogo e da comunicação entre ambos, nomeadamente por a Ré não aceitar o fim do seu casamento e por ter sido preterida por outra pessoa.
Verifica-se ainda que, não obstante a Ré nunca ter posto em causa a gestão/gerência que o Autor fez antes das quatro sociedades comerciais em comum, passou doravante a contestá-la, recusando-se a aprovar as respectivas contas e os seus relatórios de gestão, e impugnando judicialmente (em 17 de Junho de 2008 e em 30 de Abril de 2009) as deliberações de aprovação de tais elementos, por X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.; e, não tendo o Autor repartido em 2008, 2009 e 2010 os lucros de tais sociedades, movendo-lhe (em 25 de Junho de 2010) um processo crime, onde o acusava de crimes de furto e de abuso de confiança, e pedindo ainda (em 13 de Agosto de 2010) a sua destituição da gerência de X - Supermercados, Lda..
Verifica-se também que, mercê das ditas acções intentadas pela Ré, X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. viram prejudicado o seu normal funcionamento (pela instabilidade no desenvolvimento da sua exploração e da sua actividade comercial, nomeadamente pelo prejuízo provocado nas relações com fornecedores e entidades financeiras); e que o desentendimento entre o Autor e a Ré reflectiu-se ainda negativamente na estabilidade emocional dos filhos de ambos, então menores, bem como nos avós paternos dos mesmos.
Verifica-se igualmente que, face ao exposto, o Autor passou a desejar a partilha dos bens comuns do casal (que recusara formalmente, em Dezembro de 2010), disponibilizando-se para que a mesma fosse feita extrajudicialmente, o que a Ré a fez depender da prestação de contas da administração do património do ex-casal (durante o tempo que mediou após o divórcio e até à data da partilha e gerência das sociedades); e que o Autor pretendia pacificar as relações com a Ré, não só em prol da estabilidade económico-financeira das sociedades que tinham em comum, com ainda em prol do bem-estar dos filhos.
Por fim, verifica-se que, neste preciso contexto de pressão, o Autor acabou por aceitar pagar à Ré € 1.751.646,00, mercê da sua qualidade de sócia nas quatro sociedades que ainda detinham em comum, e sob condição da mesma desistir de todos os processos já instaurados e se comprometer a não avançar com outros, o que aquela aceitou; e, por isso, em 28 de Fevereiro de 2011, ambos outorgaram, não só um contrato promessa de partilha do património comum (que viria a ter uma adenda em 30 de Março de 2011), como um documento epigrafado «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» (que igualmente viria a ter uma adenda em 30 de Março de 2011).
Ora, neste último documento, o Autor e a Ré aparecem, paritária e respectivamente, identificados como «Segundo Outorgante» e «Primeira Outorgante», assinando-o ambos a final; e afirmando que «é celebrado o presente reconhecimento e confissão de dívida e acordo de pagamento», discriminam nas sete cláusulas seguintes o seu teor, nomeadamente: na Primeira, o Autor declara que, na «presente data, procedeu à prestação de contas do exercício da sua gerência das sociedades» que tinha em comum com a Ré, «referente aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, tendo resultado um saldo positivo a favor» dela «no valor global de € 1.751.646,00»; na Segunda, o Autor «reconhece e confessa-se devedor à primeira outorgante da importância referida na cláusula precedente e compromete-se a pagá-la» em quatro prestações, a primeira «no valor de € 120.000,00 (…), com vencimento no dia 15 de Março de 2011», a segunda «no valor de € 500.000,00 (…), com vencimento no dia 30 de Março de 2011», a terceira «no valor de € 565.823,00 (…), com vencimento no dia 15 de Março de 2012» e a quarta «no valor de € 565.823,00 (…), com vencimento no dia 15 de Março de 2013»; na Quarta, prevêem que a «falta de pagamento tempestivo de qualquer uma das prestações em débito implica o vencimento automático de todas as restantes prestações em dívida e respectivos juros à taxa legal, podendo a primeira outorgante exigir de imediato (judicial ou extrajudicialmente) do segundo outorgante o pagamento do remanescente em débito»; na Quinta, prevêem que, após «o efectivo e integral pagamento da primeira prestação (…), pelo segundo outorgante à primeira outorgante, esta obriga-se a proceder imediatamente à extinção do processo judicial n.º 405/10.9TAPTL, que corre termos pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Ponte de Lima», e que após «o efectivo e integral pagamento da segunda prestação identificada na precedente cláusula segunda, (…), pelo segundo outorgante à primeira outorgante, esta obriga-se a proceder imediatamente à extinção dos processos judiciais n.º 438/09.8TBPTL, que corre termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima e n.º 607/08.8TBPTL, que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima»; na Sexta, prevêem que, após «efectivo e integral pagamento da totalidade das quatro prestações identificadas na precedente cláusula segunda, (…) a primeira outorgante declara-se plenamente ressarcida a título de prestação de conta, lucros e outros direitos que poderia exigir às sociedades» que tinha em comum com o Autor, «bem como ao segundo outorgante na qualidade de gerente das mesmas», e que, após «efectivo e integral pagamento das três prestações identificadas na precedente cláusula segunda, (…) a primeira outorgante mais declara que renuncia de exercer qualquer acção judicial contra as sociedades» que tinha em comum com o Autor, «bem como ao segundo outorgante na qualidade de gerente das mesmas»; e na Sétima, que ambos «os outorgantes reconhecem e conferem ao presente documento força executiva, nos termos do disposto no artigo 46.º alínea c) do Código de processo Civil».

Dir-se-á assim, e ao contrário do ajuizado pelo Tribunal a quo (salvo, porém, o devido respeito pela sua opinião contrária), que o documento «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» não consubstancia um negócio jurídico unilateral, de singelo reconhecimento de dívida por parte do Autor, sem indicação da respectiva causa (como poderia resultar da atomística consideração da sua Cláusula Primeira), mas antes um acordo bilateral, com o qual ele e a Ré pretenderam regular os termos como poriam fim aos diversos litígios judiciais que os opunham, bem como às sociedades que ainda tinham em comum, prevenindo ainda quaisquer outros futuros, no âmbito de uma mais alargada regulação do fim de todas as demais relações patrimoniais que ainda tinham em comum (v.g. partilha dos bens comuns do casal).

Nesse sentido depõem: a cronologia das circunstâncias históricas que o antecederam, incluindo a motivação última do Autor (pacificar as relações com a Ré, em prol da estabilidade económico-financeira das sociedades que tinham em comum e do bem-estar dos filhos menores) e a exigência que lhe foi feita pela Ré (de prestação de contas da administração do património do ex-casal); a estrutura formal e o teor literal do próprio documento, onde intervieram ambas as partes, ditas como seus simultâneos «Primeira e Segundo Outorgantes», tendo-o igualmente assinado; e o seu conteúdo, sendo expressamente ligada a obrigação do Autor, de pagar à Ré a quantia de € 1.751.646,00, à obrigação desta, de desistir dos diversos processos que pendiam em juízo contra ele e contra as sociedades comuns, bem como de renunciar a intentar quaisquer outras contra ele (na sua qualidade de respectivo gerente) e contra elas, declarando-se ainda plenamente ressarcida de quaisquer direitos que tivesse relativamente a prestação de contas, lucros ou quaisquer outros direitos societários.

Compreende-se que assim seja, já que, visando nomeadamente o Autor assegurar a estabilidade económico-financeira das sociedades que tinham em comum com a Ré, a mesma só seria alcançável se terminassem as acções que a mesma intentara contra ele e contra elas, por isso se fazendo sinalagmaticamente corresponder o pagamento das diversas prestações do montante global acordado da gradual desistência de tais processos, e da renúncia ao intentar de outros.

Por outras palavras, no documento «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» o Autor não assumiu unilateralmente a obrigação de pagar à Ré, mercê de um prévio e rigoroso apuramento do lucro potencialmente distribuível (por conta do giro comercial de Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., DISTRI... - Supermercados, Lda., X - Supermercados, Lda. e Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., nos anos de 2007 a 2010, inclusive), a quantia de € 1.751.546,00 (sendo que metade do lucro global gerado por tais sociedades, naquele período, ascendia apenas a € 782.778,44); e antes se limitou a aceitar pagar à Ré tal quantia, como contrapartida da desistência por ela dos processos judiciais que intentara contra ele e contra as sociedades comuns, e da renúncia a mover-lhes outros, no âmbito do alargado acordo para por fim ao património ainda comum (onde precisamente se incluíam aquelas quatro sociedades).

Pondera-se, de forma idêntica, a «ADENDA AO RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», de 30 de Março de 2011, que reproduz a estrutura formal do acordo inicial, isto é, nela intervêm simultaneamente a Ré (de novo identificada como «Primeira Outorgante») e o Autor (de novo identificado como «Segundo Outorgante»), assinando-a ambos; e, sendo justificada pela necessidade de alterar a data de pagamento da segunda prestação acordada (por ter de ser alterada a data inicial de realização da escritura de partilha de bens comuns, que exigia o prévio consentimento de Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. à partilha das quotas das quatro sociedades até então comuns), - a processar-se doravante em prestações, coincidindo a última com o dia 30 de Abril de 2011 (e já não com o dia 30 de Março de 2011) -, reafirma-se expressamente no documento em causa a sua natureza de «acordo».
Com efeito, lê-se na sua «Cláusula Segunda»: «Os Outorgantes acordam que o estipulado no reconhecimento e confissão de dívida e acordo de pagamento, datado de 28 de Fevereiro de 2011, mantém-se em vigor nos seus precisos termos, à excepção do estabelecido na cláusula anterior quanto à data de vencimento da segunda prestação» (com bold apócrifo).

Logo, resulta daqui, não só a natureza de acordo bilateral (e não de negócio jurídico unilateral, de reconhecimento de dívida) das vontades corporizadas no documento inicial, como ainda estar o mesmo inserido no contexto mais vasto de regulação de todas as relações patrimoniais dos ex-cônjuges, com vista a pôr-lhe fim (altera-se a data de pagamento da segunda prestação acordada, por ter de ser alterada a data inicial de realização da escritura de partilha de bens comuns).

Pondera-se ainda, no mesmo sentido (nomeadamente, do carácter sinalagmático das prestações assumidas reciprocamente por ambas as partes no documento em causa, e da natureza determinante para o acordo das desistências de processos judiciais pendentes, a realizar pela Ré) a carta remetida pela Ré ao Autor, em 31 de Dezembro de 2010, onde desde logo refere que a desistência, por ela, de todos os processos pendentes, terá de ser feita no âmbito do acordo global de partilha de bens e interesses comuns do casal (cuja cópia é fls. 1360 e 1361 dos autos).

Com efeito, lê-se expressamente na mesma que: «Dizes bem, na sala dos advogados falamos que o Senhor Dr. Juiz tinha falado em tentarmos um acordo para por ponto final nos processo todos»; «Mas esqueceste de dizer que o acordo a por fim a todos os processos passa pela divisão dos nossos bens e por fazeres contas comigo do tempo em que tens estado a gerir aquilo que também é meu (…).»; «As nossas advogadas entende, as minhas e a tua, bem se esforçaram para te fazer compreender que tens não só de dividir, como de me apresentar as contas (…)» (com bold apócrifo).

Logo, e em momento anterior à redacção do documento em causa, a Ré deixara muito clara a sua exigência, de que só poria fim aos processos judiciais pendentes - que movera ao Autor e a sociedades comuns - desde que se procedesse simultaneamente à divisão do património comum do casal, e lhe fossem prestadas contas de uma gerência de que se considerava excluída.

Pondera-se do mesmo modo, e agora reportando-nos a momento posterior à celebração do acordo em causa, a carta remetida pelo Autor à Ré, datada de 15 de Março de 2011 - após o pagamento por ele da primeira prestação de € 120.000,00 -, intimando-a a desistir da queixa-crime apresentada contra si; e juntando desde logo a minuta da desistência assinada por ele próprio (cuja cópia é fls. 2408 dos autos).
Com efeito, lê-se expressamente na mesma, que: no «âmbito do reconhecimento de dívida e acordo e pagamento em prestações, datado de 28 de Fevereiro de 2011, venho pelo presente enviar o cheque (…) no valor de € 120.000,00 (…) para pagamento da 1.ª prestação que estava adstrito no referido acordo (Cláusula segunda, alínea a)»; e, conforme «resultou das N/ negociações e pelo que está estabelecido no próprio reconhecimento de dívida e acordo de pagamento, urge que se proceda com a maior brevidade possível à extinção de processo n.º 405/10.9TAPTL dos Serviços do Ministério Público de Ponte de Lima, sob pena do acordado entre as partes se tornar inviável e sem retorno, por causa imputável exclusivamente à tua demora no cumprimento desta obrigação»; desta «forma, e de forma a agilizar a extinção deste processo, junto anexo o requerimento de desistência de queixa e de não oposição à desistência da mesma, já deviamente assinado por mim, solicitando que o mesmo seja remetido para o Tribunal Judicial de Ponto de Lima»; e, nesta «sequência, aguardo a recepção do respectivo comprovativo de envio do requerimento de desistência de queixa para o Tribunal Judicial de Ponte de Lima e a declaração de quitação referente ao pagamento da 1ª prestação do reconhecimento de dívida e acordo de pagamento em prestações» (com bold apócrifo).
Logo, é o próprio Autor quem, expressa e inequivocamente, reconhece que o documento em causa resultou de negociações entre ambas as partes que o subscreveram; e que à sua obrigação de pagamento da primeira prestação, do montante global que assumira satisfazer à Ré, correspondia a obrigação desta de desistir da queixa-crime que apresentara contra ele (por crime de furto e de abuso de confiança), num sinalagma tal que o eventual incumprimento dela «tornaria inviável e sem retorno» o «acordado entre as partes».

Por fim, pondera-se que só o entendimento exposto justifica que o Autor, assessorado nas negociações prévias e na redacção do «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» por advogada, apenas tenha vindo reclamar em juízo o reconhecimento da alegada invalidade da obrigação assumida por si depois de obter da Ré a desistência de todos os processos judiciais pendentes contra ele próprio e contra sociedades comuns (o que pressupunha o pagamento à mesma das duas primeiras prestações, no montante global de € 620.000,00, o que efectivamente assegurou), isto é, quando o eventual sucesso da sua pretensão já não permitiria a colocação da Ré na situação anterior à celebração do dito acordo.
Por outras palavras, se se estivesse perante um unilateral negócio jurídico de reconhecimento de dívida, para mais sem qualquer causa real que o justificasse (conforme o ajuizou o Tribunal a quo), mal se compreenderia que o Autor tivesse que aguardar meses após a sua celebração, e desembolsar ainda € 620.000,00, para vir depois defender ser o mesmo inválido ab initio (quando, recorda-se, esteve sempre técnico-juridicamente assessorado). Esse comportamento apenas se justifica se aquela dilação, e aquele pagamento, tivessem como contrapartida (como tiveram) a desistência dos processos judiciais que sempre pressupuseram, aqui sim, como causa justificativa própria (e uma vez assegurada igualmente a aprovação das contas societárias de 2010 pela Ré, em finais de Março de 2011, e realização da partilha dos bens comuns do casal, em 07 de Abril de 2011).
Compreende-se, por isso, que a renovada litigância entre as partes seja toda ela posterior à obtenção do objectivo que norteara desde o início a actuação do Autor, isto é, conseguir a estabilidade económico-financeira das sociedades, mercê da desistência de todos os processos instaurados pela Ré. Assim, e após a partilha de bens comuns (que repartiu as ditas sociedades entre ele e a Ré), uma das sociedades que coube ao Autor intentou, em 03 de Fevereiro de 2012, contra cada uma das duas sociedades que couberam à Ré, um processo de insolvência; e ele próprio não só intentou, no mesmo ano, a presente acção, como uma outra, de simples apreciação negativa, pedindo que se reconhecesse que não deve quaisquer tornas à Ré (de € 1.400.000,00, pela partilha do património comum), razão pela qual não se encontram pagas.

Concluindo, e mercê de todos os critérios legais convocados para a interpretação do documento escrito «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» dos autos, entende-se consubstanciar o mesmo um contrato de transacção, mediante o qual os respectivos outorgantes auto-regularam parte do mais amplo conflito de interesses que os opunha (as relações patrimoniais comuns), já objecto de pretensões processuais próprias (plúrimas acções), por meio de recíprocas concessões e cedências (pagamento da quantia de € 1.751.546,00 pelo Autor, desistência de três processos judiciais e renúncia a outros, e quitação do direito a prestação de contas, lucros e outros direitos societários, pela Ré), não necessariamente coincidentes com os termos reais da situação controvertida (assim nomeadamente se compreendendo a aceitação, pelo Autor, do valor de € 1.751.546,00, em vez dos reais € 782.778,44 a que a Ré abstractamente teria direito), mercê do que cada um deles então melhor ponderou e mais valorizou; e esse juízo tem bem mais do que um mínimo de correspondência no texto do referido documento, crendo-se ainda que muito para além de imperfeitamente expresso (15).
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5.2. Causas de invalidade

5.2.1.1. Violação de regras imperativas de distribuição de lucros - Nulidade

5.2.1.1.1. Regras de distribuição de lucros

Lê-se art. 217.º, n.º 1 do CSCom que, salvo «diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível» (com bold apócrifo).

Logo, importa igualmente ter presente o disposto no art. 33.º do CSCom, segundo o qual (com bold apócrifo): não «podem ser distribuídos aos sócios os lucros do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas pela lei ou pelo contrato de sociedade» (n.º 1); nem «podem ser distribuídos aos sócios lucros do exercício enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não estiverem completamente amortizadas, excepto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas» (n.º 2).
Precisando a obrigação de respeitar reservas, lê-se no art. 218.º do CSCom que, sendo «obrigatória a constituição de uma reserva legal» (n.º 1), ser-lhe-á aplicável «o disposto nos artigos 295.º e 296.º, salvo quanto ao limite mínimo de reserva legal, que nunca será inferior a 2500 euros» (n.º 2), pelo que em regra corresponderá a uma percentagem sobre a vigésima parte dos lucros.
Compreende-se, por isso, que se afirme que há nas sociedades comerciais uma «delimitação negativa do lucro distribuível», isto é, ainda que uma sociedade, num dado ano, seja geradora de receitas que excedam as despesas, «pode não estar legitimada para proceder ao pagamento de dividendos», porque «não há tecnicamente lucro» (António Meneses Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, 2014, Almedina, pág. 169, com bold apócrifo).
Visa-se deste modo, e nomeadamente, preservar o princípio da intangibilidade do capital social (16).

Lê-se ainda, no art. 376.º, n.º 1 do CSCm (aplicável às sociedades por quotas por força do art. 248.º, n.º 1 do mesmo diploma) que, a «assembleia geral dos accionistas deve reunir no prazo de três meses a contar da data do encerramento do exercício ou no prazo de cinco meses a contar da mesma data quando se tratar de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou apliquem o método da equivalência patrimonial para» deliberar, quer «sobre o relatório de gestão e as contas do exercício», quer «sobre a proposta de aplicação de resultados».
Logo, a eventual distribuição de lucros pressupõe a prévia deliberação de apuramento do que seja distribuível, a qual, por sua vez, pressupõe uma prévia prestação de contas (17).
Uma vez constituído, o «crédito do sócio à sua parte dos lucros vence-se decorridos 30 dias sobre a deliberação de atribuição de lucros, salvo diferimento consentido pelo sócio; os sócios podem, contudo, deliberar, com fundamento em situação excepcional da sociedade, a extensão daquele prazo até mais 60 dias» (n.º 2 do art. 217.º já citado).
Logo, sendo a distribuição de lucros feita na proporção das quotas de cada sócio (art. 22.º, n.º 1 do CSCom), o seu pagamento constitui indiscutivelmente uma responsabilidade da sociedade.
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5.2.1.1.2. Violação da lei, da ordem pública e/ou dos bons costumes

Lê-se no art. 280.º do CC que é «nulo o negócio jurídico cujo objeto seja (…) contrário à lei» (n.º 1), sendo ainda «nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes».

Precisa-se, antes de mais, que neste «preceito, o conceito de objeto abrange quer a coisa ou o direito sobre que incide o contrato (objeto mediato) quer o conteúdo do contrato, ou seja, os seus efeitos jurídicos, resultantes das cláusulas acordadas pelas partes e das normas jurídicas aplicáveis (objeto imediato)»; e por isso se firma que, entendido «em sentido amplo, o conceito de objeto inclui a causa do negócio, como a sua função económico-social».
Já na «expressão “contrariedade à lei”, o termo lei é utilizado em sentido amplo, abrangendo qualquer norma jurídica, independentemente da sua natureza», isto é, «qualquer comando imposto pelo Direito, independentemente da sua fonte, resultante de norma jurídica dotada de imperatividade»; e a «imperatividade» torna «indisponível determinada situação jurídica», isto é, insusceptível de ser afastada negocialmente, por vontade das partes.

Relativamente à «ordem pública», trata-se de uma «válvula de salvação do sistema, como garantia de que os princípios basilares do ordenamento jurídico são respeitados»; e, por isso, o «conceito de ordem pública é sensível ao sistema jurídico em que se encontra inserido, e mutável tendo em conta os contextos histórico, geográfico e económico».
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «democracia e a economia de mercado são duas referências, em termos políticos e económicos, no ordenamento jurídico português do início do século XXI»; e que, no «essencial, os princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico encontram-se expressa ou implicitamente consagrados na CRP», embora a mesma não constitua «um limite para a determinação dos princípios relevantes em sede de concretização do conceito de ordem pública».

Já relativamente aos «bons costumes», alude-se desse modo aos «princípios éticos ou morais fundamentais, ordenadores da vida em sociedade, num determinado contexto histórico e geográfico»; e tais «princípios éticos e morais fundamentais podem dizer respeito a aspectos muito variedades da vida em sociedade, excedendo em muito as regras definidas por uma religião», não se limitando, ou sequer se referindo, «a uma eventual moral sexual dominante, que é, aliás, cada vez menos consensual e limitadora do comportamento das pessoas».
Contudo, estarão «em causa apenas aqueles princípios que, pela sua relevância, são absolvidos pelo Direito, sobrepondo-se autonomamente, sem necessidade de positivação, à autonomia privada» (18).

Compreende-se, ainda, que se afirme que, quer a «ordem pública», quer os «bons costumes», constituem uma «cláusula geral, que deve ser concretizada em cada caso pelo intérprete, tendo em conta as circunstâncias específicas da situação, não sendo possível nem desejável torna-la rígida».
Logo, quer num caso, quer noutro, não basta invocar, genérica e autonomamente, a violação, pelo concreto negócio, da «ordem pública» ou dos «bons costumes», como fundamento da respectiva invalidade e sem referência ao concreto principio fundamental (jurídico, ou ético ou moral) afectado. O funcionamento de qualquer uma destas cláusulas gerais pressupõe e exige a «análise da compatibilização de um contrato ou cláusula contratual com um princípio fundamental» alegadamente violado, isto é, o «aplicador do direito (…) tem de referir-se ao princípio afetado pelo negócio e esclarecer de forma fundamentada em que medida se deve concluir pelo juízo de contrariedade à cláusula geral, conclusão válida para a interpretação e concretização de qualquer princípio, sob pena de se desvirtuar o sentido da norma» (Jorge Morais de Carvalho, Código Civil Anotado, Volume I, Coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, Junho de 2017, págs. 339-345, com bold apócrifo).
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5.2.1.2. Coacção moral - Anulabilidade

Lê-se no art. 255.º do CC que diz-se «feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração» (n.º 1), podendo a ameaça respeitar tanto «à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro» (n.º 2), mas não constituindo «coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial» (n.º 3).
Assim, e ao contrário da coacção física (em que falta inteiramente a vontade e a sanção é a de ineficácia do acto, conforme art. 246.º do CC), na coacção moral há vontade de acção, vontade negocial, mas viciada, por meio de uma ameaça ilícita, que extravasa o exercício normal de um direito (v.g. não exerce coacção moral o credor que ameaça o seu devedor de que intentará contra ele execução judicial, caso o mesmo não lhe pague), ou o simples temor reverencial (isto é, o receio de desagradar às pessoas a quem se deve submissão e respeito).

Uma vez verificada, a «declaração negocial extorquida por coacção é anulável, ainda que esta provenha de terceiro; neste caso, porém, é necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação» (art. 256.º do CC).
«Ficará ao critério do tribunal graduar a gravidade do mal e apreciar o fundamento do receito» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 239).
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5.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

5.2.2.1. Concretizando, verifica-se que foi o Autor quem, em nome individual, acordou e assinou os termos do documento escrito «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» dos autos, e não invocando para o efeito a sua qualidade de gerente e legal representante das quatro sociedades que então ainda tinha em comum com a Ré; e, tal como já sobejamente explicitado antes (no ponto anterior, «5.1. Interpretação de contrato - Contrato de transacção»), não consubstanciou o mesmo a assumpção de uma obrigação societária de distribuição de lucros (nomeadamente, por parte de X - Supermercados, Lda., Y - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., Imo... - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda. e DISTRI... - Supermercados, Lda.), apurados mercê da prestação de contas respectivas, mas sim parte do acordo global gizado entre o Autor e a Ré para porem fim às relações patrimoniais que ainda tinham em comum (enquanto ex-cônjuges), no caso regulando a forma como a Ré poria definitivamente fim à litigância em juízo que os opunha, e renunciaria ao exercício de quaisquer direitos sociais relativos às ditas sociedades.

Se é facto que o Autor, desse modo, poderá ter acabado por beneficiar igualmente as ditas sociedades (assumindo com o seu património próprio o pagamento do preço da desistência de acções em que uma delas também era parte), certo é que esse benefício viria a repercutir-se de novo na sua esfera patrimonial pessoal, uma vez que das ditas sociedades só ele, a Ré e Q. - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. eram sócios; e, na posterior partilha dos bens comuns do casal, veio precisamente a ficar com a titularidade das quotas antes pertencentes à Ré na sociedade que esta havia igualmente demandado em juízo (X - Supermercados, Lda.).

Considera-se por isso, e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, que o bilateral acordo de vontades plasmado no documento «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» dos autos é insusceptível de violar quaisquer regras legais imperativas de direito societário (nomeadamente, as que prevêem a distribuição de lucros), ou quaisquer regras imperativas de direito fiscal (nomeadamente, as que prevêem a tributação de tais lucros), uma vez que foi exclusivamente firmado por sujeitos individuais, sendo o pagamento à Ré nele previsto da quantia de € 1.751.636,00 assumido exclusivamente a título pessoal (com o seu património próprio) pelo Autor.

Do mesmo modo o ajuizou o Tribunal a quo, quando, apreciando na sentença recorrida «concretamente os fundamentos de invalidade invocados pelo» Autor para o acordo de vontades em causa, defendeu (com bold apócrifo):

«(…)
a) uma vez que se trata de um reconhecimento de dívida e seu pagamento a título pessoal, negócio que apenas se repercute na esfera jurídica e patrimonial do próprio A., entende-se que não se apropria chamar à colação a violação de regras imperativas do direito societário e tributário, em especial as que regulam o direito do sócio à distribuição dos lucros como fundamento da nulidade daquele reconhecimento de dívida, repete-se, que é pessoal, por objecto e fim contrário à lei – artigos 280º e 281º CC;
(…)».
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Dir-se-á ainda que, não obstante as acções judiciais intentadas pela Ré contra o Autor e sociedades então comuns, bem como as suas consequências (quer ao nível da instabilidade económico-financeira das ditas sociedades, quer ao nível da degradação da relação dos ex-cônjuges, com subsequente sofrimento para os seus dois filhos, então menores, e para os avós paternos dos mesmos), terem constituído um factor de pressão para o Autor, determinante para passar doravante a pretender a partilha do património comum do casal (ao contrário da sua vontade inicial, de o deixar indiviso por cinco anos, atentos projectos empresariais comuns em curso) e o fim das acções judiciais que os opunham (assim se justificando que haja firmado o «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES»), não se crê que do mesmo passo se possa afirmar que o concreto conteúdo do contrato de transacção em causa (negociado, não se tendo o Autor limitado a assinar um texto unilateralmente predisposto pela Ré) seja ofensivo dos bons costumes.
Com efeito, admite-se que o «aproveitamento de uma situação de debilidade de outrem ou a sua sujeição a situações ou práticas comumente entendidas como inaceitáveis podem constituir indícios da violação de um princípio ético ou moral fundamental. Não deixa, no entanto, de ter de se verificar se, em concreto, o princípio identificado é posto em causa de tal forma que se deva considerar preenchida a contrariedade aos bons costumes» (Jorge Morais de Carvalho, Código Civil Anotado, Volume I, Coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, Junho de 2017, pág. 344).
Contudo, não foi identificado qualquer princípio ético ou moral fundamental que tivesse sido violado com o concreto contrato de transacção em causa; e tem-se como perfeitamente admissível que alguém demandado em juízo (isto é, objecto de um processo que o Direito prevê e acolhe), confrontado com prejuízos já decorrentes desse processo, pessoais ou profissionais (v.g. de imagem, de crédito, de estabilidade emocional e serenidade, próprias ou de familiares próprios), e antecipando outros (v.g. decorrentes da incerta duração dos autos e do seu incerto desfecho), sob esta compreensível pressão (que, abstractamente, qualquer processo é idóneo a gerar, sendo ainda agravada nos casos em que a actividade profissional que o réu exerce exige confiança na sua pessoa, a mesma que esteja a ser discutida em juízo) decida transaccionar com o demandante (isto é, abra mão de ver reconhecida a realidade que acredita ter sido historicamente verificada e, antecipando o momento do desfecho do processo e prevenindo o seu desconhecido resultado, lhe entregue uma quantia monetária para o efeito, como contrapartida da desistência da demanda judicial, e da renúncia completa e global aos direitos que com a mesma pretendia ver reconhecidos).
O eventual carácter excessivo ou injustificado que a dita quantia represente poderá, eventualmente, consubstanciar um negócio usurário (19), se os demais pressupostos legais do mesmo se verificarem, isto é, se tiver sido obtida por meio da exploração da concreta situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter do demandado que transaccionou; e, uma vez pedida, dará então lugar à sua anulação, ou à sua modificação segundo juízos de equidade, esta quer desde logo por iniciativa do autor da pertinente acção, quer por o respectivo réu a opor a prévio e singelo pedido seu de anulação do negócio (tudo conforme arts. 282.º e 283.º, ambos do CC).
Reitera-se, porém, que esse juízo (necessariamente excluído destes autos, por não terem sido alegados os factos suficientes para o efeito, nem formulado o conforme pedido, permitindo à Ré a legal defesa, nomeadamente o pedido de redução equitativa da quantia acordada com o Autor, face às desistências de acções por ela já irrevogavelmente realizadas) em nada contende com aquele outro, antes o reforça, isto é, de não violação dos bons costumes pelo contrato de transacção em causa.

Por fim, dir-se-á que não foi igualmente alegada qualquer violação, com o mesmo contrato de transacção, da ordem pública, nem este Tribunal ad quem a vislumbra (isto é, a violação - com o seu concreto conteúdo - de um princípio jurídico fundamental do nosso ordenamento jurídico).
*
Falece, assim, o primeiro fundamento de invalidade invocado pelo Autor, para o «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» dos autos.
*
5.2.2.2. Concretizando novamente, e apelando a quanto se deixou já dito, verifica-se que foi inequivocamente sob a pressão provocada pelos diversos processuais que a Ré intentou contra si em juízo, e contra sociedades comuns (nomeadamente, face à repercussão negativa que os mesmos foram tendo na estabilidade económico-financeira das ditas sociedades, e no bem-estar dos dois filhos então menores do ex-casal, bem como dos seus avós paternos), que o Autor decidiu transaccionar com a Ré, pagando-lhe a quantia de € 1.751.636,00 como contrapartida da respectiva desistência de tais acções, e da renúncia completa e definitiva aos direitos sociais que com elas pretendia exercer.
Contudo, a possibilidade de instauração das ditas demandas judiciais estava, e está, prevista pelo Direito, consubstanciando o exercício de um direito próprio, que o mesmo expressamente outorga (no plano substantivo) e deste modo tutela (no plano processual), em reiterada concretização do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, previsto no art. 20.º, n.º 1 da CRP (20).
Logo, nem a iniciativa da Ré de demandar o Autor em juízo, nem a sua vontade de levar as ditas demandas até ao fim, podem ser qualificadas como «um mal» de que o Autor tenha sido «ilicitamente ameaçado», com o «fim de obter dele» a vontade de outorgar o «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», assim obtido por meio de (indemonstrada) coacção moral.

Do mesmo modo o ajuizou o Tribunal a quo, quando, apreciando na sentença recorrida «concretamente os fundamentos de invalidade invocados pelo» Autor para o acordo de vontades em causa, defendeu (com bold apócrifo):

«(…)
b) quanto à invocada anulabilidade com fundamento em alegada coacção moral – cf. artigo 255º CC: a ameaça, para que constitua coacção deve ser ilícita. A ameaça lícita, isto é, a ameaça do exercício de um direito não constitui coacção: neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela (in op. cit, vol I, 4ª ed., pág. 238). Ora, no caso concreto a ameaça da instauração de acções e processos crime contra o A., por parte da Ré (ainda que reprovável e sancionada jurídico-processualmente), constitui precisamente um dos exemplos de ameaça lícita, motivo por que fica afastada a invalidade do negócio com base em tal fundamento.
(…)»

Falece assim, e igualmente, o segundo e remanescente fundamento de invalidade invocado pelo Autor, para o «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» dos autos.
*
Deverá, por isso, decidir-se em conformidade, julgando procedente o recurso de apelação da Ré (M. M.) e revogando a sentença recorrida, sendo substituída por decisão que julgue a acção totalmente improcedente.
*
VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Ré (M. M.), e, em consequência, em

· Revogar a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão a julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos nela formulados contra si.
*
Custas da acção e da apelação pelo Autor (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
*
Guimarães, 23 de Abril de 2020 (tramitação suspensa de 09.03.2020 a 07.04.2020, por força do art. 7.º, n.º 1 e n.º 5, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, incluindo as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A, de 06 de Abril; de 05.04.2020 a 13.04.2020, inclusive, férias judiciais de Páscoa, sendo a sessão de 23 de Abril a primeira realizada após as mesmas).

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. No mesmo sentido, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 3.ª edição, Lisboa 2001, pág. 180, onde se lê que «devem arredar-se os “argumentos” ou “raciocínios” expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir “questões”, em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz».
2. Conforme Ac. do STJ, de 15.06.1989, AJ 0A/89, pág. 13, ou Ac. da RP, de 03.10.2001, Pinto Monteiro, Processo n.º 0140558.
3. Conforme Ac. da RL, de 26.05.1992, Aragão Barros, BMJ, n.º 417, pág. 812, Ac. da RP, de 26.04.2001, Saleiro de Abreu, Processo n.º 0130451, ou Ac. da RE, de 30.09.2004, Oliveira Pires, CJ, 2004, Tomo IV, pág. 248. 4. Neste sentido, José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2.º, Coimbra Editora, Limitada, págs. 362 e 363.
5. A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
6. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação».
7. Neste sentido, mais exigente, Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 58, José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 278, Paulo Pimenta, Processo Declarativo, Almedina, Julho de 2014, pág. 357, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pág. 383-384, ou Remédio Marques, «A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos», Julgar, 2012, págs. 137-172. Na jurisprudência, Ac. da RP, de 15.09.2014, António José Ramos, Processo n.º 216/11.4TUBRG.P1, Ac. da RP, de 20.11.2014, Pedro Martins, Processo n.º 1878/11, Ac. da RP, de 17.12.2014, Pedro Martins, Processo n.º 2952/12, Ac. da RP, de 17.12.2014, Pinto dos Santos, Processo n.º 8181/11, Ac. da RP, de 23.03.2015, Eusébio Almeida, Processo n.º 1002/10.4TVPRT.PI, Ac. da RL, de 07.06.2016, Pedro Brighton, Processo n.º 427/13.8TVLSB.L1-1, Ac. da RP, de 20.06.2016, Manuel Fernandes, Processo n.º 2050/14, Ac. da RE, de 06.10.2016, Tomé Ramião, Processo n.º 1457/15, ou Ac. da RL, de 13.10.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 640/13.8TCLRS.L1.-2
8. Neste outro sentido, menos exigente, Elizabeth Fernandez, «Nemo Debet Esse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito», Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, pág. 23, Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, pág. 145, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pág. 80, ou Luís Filipe Pires de Sousa, «As malquistas declarações de parte», in http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/CPC2015/painel_1_articulados_audiencia_LuisSousa.pdf, consultado em Junho de 2018. Na jurisprudência, Ac. da RE, de 12.03.2015, Mata Ribeiro, Processo n.º 1/12.6TBPTM.E1, Ac. do STJ, de 05.05.2015, Gabriel Catarino, Processo n.º 607/06.2TBPMS.C1.S1, Ac. da RG, de 17.09.2015, António Figueiredo de Almeida, Processo n.º 912/14.4TBVCT-A.G1, Ac. da RG, de 02.05.2016, António Figueiredo Almeida, Processo n.º 2745/15.1T8VNF-A.G1, Ac. da RE, de 12.01.2017, Paulo Amaral, Processo n.º 812/13.5TBVNO.E1, Ac. da RL, de 26.04.2017, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, ou Ac. do TCAS, de 19.10.2017, Sofia David, Processo n.º 985/16.5BEALM.
9. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 01.10.2015, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 40/12.7TBSBR.G1, onde se lê que «sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva». Ainda Ac. da RE, de 03.11.2016, José Manuel Galo Tomé de Carvalho, Processo n.º 232/10.3T2GDL.E1, onde se lê que as «conclusões apresentadas pelos peritos - unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes - só devem ser afastadas se o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, decorrentes dos artigos 655º e 591º do Código de Processo Civil, quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se lhe deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correcção». Reiterando-o, Ac. da RE, de 09.03.2017, Albertina Pedroso, Processo n.º 81/14.0T8FAR.E1.
10. Neste sentido, Ac. da RL, de 08.10.2015, Maria de Deus Correia, Processo n.º 8264/09.8T2SNT.L2-6, onde se lê que, «se, por definição, o que está em causa [na prova pericial] é a apreciação de factos para a qual são necessários conhecimentos especiais que o juiz não possui, impõe-se concluir que para apreciar esses factos, o juiz irá fundamentar-se principal ou mesmo exclusivamente, nessa mesma prova, por ser a mais idónea para o efeito»; e se «tiver sido feita a peritagem por três peritos e vier a ocorrer divergência entre os mesmos, havendo o acordo de dois peritos sobre determinada matéria e estando o outro perito em desacordo, na normalidade das situações, é razoável que o juiz opte pelo parecer técnico que obteve maioria», já que «há maior probabilidade de acerto no caso de serem dois peritos a afirmar determinado facto, em relação à afirmação defendida apenas por um perito».
11. No mesmo sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 444, onde se lê que «o sentido atribuído por um declaratário normal, é o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer». Ainda Ac. da RL, de 18.11.2007, Fátima Galante, Processo n.º 8220/2007-6, onde se lê que «será de ter em atenção, a título exemplificativo: os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar».
12. No mesmo sentido, Oliveira Ascensão, Teoria Geral, Volume II, Coimbra Editora, 1999, pág. 157, onde se lê que «pode estabelecer-se a presunção facti de que o comportamento das partes traduz o entendimento comum, ou a interpretação que comummente dão ao negócio». Na jurisprudência, Ac. da RC, de 14.09.2010, Manuel Capelo, Processo n.º 5191/08.0TBLRA.C1, onde se lê que se deve recorrer, «para a fixação do sentido das declarações a determinados tópicos, ou seja, à “ordem envolvente da interacção negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes».
13. Para uma síntese destas regras - de interpretação dos negócios jurídicos em geral - Rui Pinto Duarte, A interpretação dos contratos, Opúsculos, Almedina, 2017, págs. 54 a 58; ou Evaristo Mendes e Fernando Sá, Comentário ao Código Civil Anotado - Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 532 e seguintes.
14. Precisa-se, porém, que, se determinar «a vontade real das partes é uma questão de facto», já «aplicar as regras de interpretação para extrair dessa vontade um sentido juridicamente vinculante é uma questão de direito sujeita ao controlo dos tribunais de revista», conforme Manuel Pita, Código Civil Anotado, Volume I, Coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, Junho de 2017, pág. 291.
15. Não se sobrevaloriza, a propósito, a epígrafe do documento em causa («RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES») - que mais correcta e expressivamente se esperaria como «CONTRATO DE TRANSACÇÃO» -, não só porque a mesma ainda assim se mostra conforme com parte do seu conteúdo (traduzindo o sacrifício económico do Autor, face à prévia condição exigida pela Ré para que fosse firmado), com antecipa a natureza de título executivo que depois expressamente lhe foi reconhecida pelas partes, na sua Cláusula Sétima.
16. Apreciando uma hipótese de violação desta proibição de distribuição de lucros, Ac. do STJ, de 10.05.2011, Garcia Calejo, Processo n.º 1179/08.9TBSTC.E1.S1.
17. Neste sentido, António Meneses Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, 2014, Almedina, págs. 638 e 639.
18. Logo, quer a «ordem pública», quer os «bons costumes» se reportam a princípios fundamentais. Só que enquanto que a ordem pública opera num plano estritamente jurídico (reportando-se a princípios fundamentais do ordenamento jurídico), os bons costumes operam numa plano extrajurídico (reportando-se a princípios extrajurídicos, de natureza ética ou moral).
19. Como expressamente o admitiu o Tribunal a quo, quando defendeu na sentença recorrida que «sempre se dirá que os factos provados rondam o preenchimento dos pressupostos do negócio usurário, previsto no artigo 282º CC: a situação de pressão em que o A. foi colocado pelos reflexos negativos da multiplicidade das acções instauradas pela Ré na vida económica das sociedades que geria (prejudicando as relações económico-financeiras com a banca e fornecedores); pressão e necessidade de ultrapassar a situação por forma a não agravar a vida das empresas que levou a reconhecer pessoalmente uma dívida para com a Ré, dívida essa que, face ao relatório pericial quanto ao montante que era susceptível de ser distribuído aos sócios nos quatros anos em causa (cfr, o montante reconhecido de dívida pelo A. (€1.751.546,00) e o montante apurado na pág. 43 e 44 do relatório (fls. 3275 e 3276), consubstancia a concessão de benefício manifestamente excessivo à Ré (€782.778,44), sendo que do compromisso assumido por esta no referido negócio em desistir das acções instauradas e renunciar à instauração de outras se extrai a referida pressão e situação de necessidade em que o A. foi colocado, tanto mais que não logrou a Ré provar qualquer facto que responsabilizasse o A. pela gerência das quatro sociedades no referido período, como pretendia e alegou na contestação».
20. Lê-se concretamente no art. 20.º, n.º 1 da CRP que a «todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça se denegada por insuficiência de meios económicos».