Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
186/14.2T8BRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: Acionando o trabalhador, sócio, administrador, gerente ou diretor da sua entidade patronal, entretanto liquidada, tendo em vista a responsabilização solidária deste(s) por créditos laborais nos termos do artigo 335º do CT, os “tribunais de trabalho” são materialmente competentes.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

José … intentou ação declarativa contra os RR. Antónia…, Alexandre…, Carlos … e José …
Pede sejam os réus condenados solidariamente a pagar o valor dos créditos a que foi condenada a sociedade…, Ldª no âmbito do processo nº 431/...5TTVRL, no montante de € 7.224,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais acrescida dos valores que se vierem a apurar em execução de sentença quanto às remunerações vencidas desde a data do despedimento, acrescida de juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
Invoca em síntese ter trabalhado para a firma, tendo sido verbalmente despedido. Em ação contra aquela intentada foi esta condenada no pagamento da quantia referida e no que em liquidação de sentença se apurar de remunerações vencidas até transito. A 1ªº ré era gerente da firma o segundo réu era sócio desta. O 3º e 4º RR. tornaram-se titulares de quotas, tendo conhecimento do processo judicial. O autor teve conhecimento do encerramento da insolvência da firma, por insuficiência de património, sendo que o seu crédito não foi indicado, em violação do dever do artigo 64º do CSC. Refere a responsabilidade destes nos termos do art.º 335º do CT.
Os RR. Antónia e Alexandre contestaram, excecionando a incompetência material do tribunal. Aludem a que o reclamado tem por base a responsabilidade civil dos RR. nos termos do artigo 78º do CSC, não se enquadrando em nenhuma das matérias referidas no artigo 126º da LOSJ. O tribunal competente seria o cível.
O autor respondeu à exceção referindo que a presente ação se deveu a um despedimento ilícito.
- Foi proferido no dia 29.09.2015 despacho saneador (ref." 28406812) que para além do mais julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria da (atual) Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Vila Real deduzida na contestação pelos referidos RR ..
Inconformados com esse despacho no segmento decisório assinalado, vieram os RR. Antónia e Alexandre interpor recurso pugnando a final, pela sua revogação e reconhecimento in casu da verificação da mencionada exceção dilatória, com a sua consequente absolvição da instância.
Os recorrentes sustentam em síntese que a decisão sob recurso violou o disposto nas alíneas b) e n) do n. º 1 do art. º 126º da LOSJ porquanto no seu entendimento na ação dos autos não está "( ... ) em discussão a existência ou não de um crédito laboral emergente de um contrato de trabalho, nem uma questão emergente da relação de trabalho subordinado nem tão pouco relações estabelecidas com vista à celebração do contrato de trabalho sendo certo que a questão laboral já foi definitivamente decidida por douta sentença proferida pelo tribunal de trabalho ( ... ). Pelo contrário nestes autos pretende-se apenas que o tribunal reconheça o direito que o Autor alega ter de ser indemnizado pelo pretenso incumprimento das obrigações sociais que os Réus teriam enquanto sócios/gerentes da sociedade …, Ldaª sendo certo que o Autor fez coincidir o valor dessa indemnização fundada na responsabilidade civil dos gerentes e sócios com o montante dos créditos laborais não pagos (...). Não existe qualquer complementaridade, acessoriedade ou dependência que justifique qualquer ligação ou conexão entre a relação material controvertida tal corno apresentada pelo autor e a relação de trabalho e muito menos a cumulação de pedidos legalmente exigida para se verificar a competência da secção de trabalho ( ... )".
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
O Exmº PGA deu parecer no sentido da procedência.
A factualidade é a decorrente do precedente relatório.
***
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber da competência do tribunal de trabalho para apreciar a questão colocada pelo autor.
A competência material dos Tribunais deve aferir-se pela causa de pedir exposta pelo demandante na sua petição inicial, pela natureza da relação jurídica tal como descrita pelo autor. A competência deve ser apreciada em função dos termos em que a ação é colocada pelo autor, pelo “quid disputatum”, considerando-se o pedido e a causa de pedir. Não é correto para apreciação desta questão fazer um juízo (um prognóstico sobre o mérito) sobre a viabilidade do alegado. Certo que irreleva a qualificação jurídica dada pelas partes, o que releva é o pedido e a factualidade que o suporta.
Vd. STJ de 16/6/2015, processo nº 117/14.4TTLMG.C1.S1; RC de 4/12/2014, processo nº 209/14.0TTGRD-A.C1, RP de 19/4/2010, processo nº 490/09.6TTPRT.P1; RC de 4/6/2013, processo nº 13/13.2TJCBR.C1, todos em dgsi.pt.
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Estabelece o artigo 126.º, n.º 1, b), da Lei n.º 62/2013 (LOSJ):
“ Competência cível
1 - Compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível:

b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;

n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;
…”
O pedido na presente ação consiste no pagamento de créditos laborais (e só créditos laborais), decorrentes do despedimento ilícito de que o autor alega ter sido vítima por parte de uma sociedade, créditos reconhecidos em ação intentada contra essa firma.
Sustenta tal pedido formulado aos RR. designadamente nos comandos conjugados dos artigos 64º do CSC, 335º do CT e por remissão deste no 78º, nº 1 e 83º do CSC.
A responsabilização dos RR., nos termos do artigo 335º do CT, do modo com se apresenta a redação do artigo levanta algumas dúvidas no que tange ao nº 2.
Quanto ao nº 1 ele alarga efetivamente o âmbito de cobertura quanto ao trabalhador, já que o artigo 78º do CSC prevê a responsabilidade do sócio mas apenas em relação à sociedade ou outros sócios. Sem a norma do CT o trabalhador não poderia reclamar dos sócios.
Trata-se assim de um mecanismo específico do direito laboral tendo em vista a proteção da posição do trabalhador, dos seus créditos, consagrada primeiro no CT de 2003 e depois no atual artigo 335º, com enquadramento na secção relativa às garantias dos créditos.
Propendemos assim a considerar que o acionamento desta responsabilidade dos sócios (inexistente no direito civil), é da competência do tribunal de trabalho.
- Quanto à previsão do nº 2, a norma, tal como esta redigida, e é literalmente, parece limitar a responsabilidade em relação ao que resulta dos artigos 78º e 79º do CSC. Nos termos do artigo 78º a responsabilidade refere-se aos créditos não satisfeitos por insuficiência de património. Já o artigo 79º alude à responsabilidade nos termos gerais pelos danos causados diretamente no exercício das suas funções, sendo aplicável o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º
Ora a norma do CT, refere que o gerente, administrador ou diretor responde nos termos previstos no artigo anterior.
Ora o artigo anterior, o 334º, refere:
" Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.”
As normas do CT, até pela sua inserção sistemática – na secção relativa às garantias de crédito do trabalhador -, abarca não todos os danos mas os créditos emergentes do contrato de trabalho -.
Claro que o trabalhador, enquanto terceiro, pode pedir outros danos com base no disposto no artigo 78º e 79º do CSC, mas não é disso que se trata no caso presente.
Estas normas, artigos 334º e 335º do CT, constituem uma das vertentes da garantia da tutela dos créditos do trabalhador, com assento no CT, inserindo-se portanto; ainda que relativamente ao artigo 335º tenha como pressuposto a responsabilidade dos visados tal como decorre das normas do CSC; no quadro normativo laboral.
Seja, a tutela aqui dispensada não é a tutela de terceiro, em relação aos responsáveis, tal como no CSC, não é uma replicação, embora não se ignore as posições de quem defende relativamente ao nº 2, que nada acrescenta ao que resulta do CSC.
Trata-se sim de uma tutela específica da posição jurídica do trabalhador, num quadro mais vasto de proteção, que abrange a consagração de privilégios creditórios, a consagração de uma responsabilidade solidária pelo pagamento desses créditos às sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo (artº 334.º), a responsabilização dos sócios controladores, gerentes e administradores (artº 335.º) e a responsabilização do Fundo de Garantia Salarial (artº 336.º), esta nos termos de legislação especifica, tal como prevê o artigo 336º.
Já vimos que quanto aos sócios a responsabilização não tem equivalente no CSC em relação a terceiros, sendo norma inovadora. Só por força deste preceito o trabalhador pode acionar estes, o que aponta no sentido de que, tratando-se de matéria consagrada exclusivamente no CT e no quadro das garantias dos créditos laborais, tal como resulta desde diploma, se deve enquadrar na al. b) do artigo 126º do LOSJ, numa interpretação mais abrangente do conceito de “ questão emergente de relação de trabalho subordinado”.
O crédito emerge da relação de trabalho e o trabalhador está a fazer valer uma garantia consagrada no CT. Isto não obstante na causa de pedir, aqui complexa, se envolverem também os pressupostos da responsabilidade civil dos demandados, nos termos que resultam das normas referenciadas do CSC, ou para o caso do artigo 334º a prova das relações ali referidas, por remissão do CT.
E, dada a natureza essencialmente idêntica, em nosso entender, da previsão do nº 2 do artigo 335º em relação ao nº 1, valem para esta as mesmas considerações.
O que as normas fazem é alargar o âmbito de responsabilidade por créditos laborais, permitindo a responsabilização direta por estes das pessoas e entidades referidas. Trata-se de um regime laboral que vem a par do regime societário, e sem prejuízo deste, estabelecer uma proteção específica ao trabalhador, tendo em consideração a especial necessidade de salvaguarda deste, parte mais frágil na relação laboral, e o facto de tais créditos constituírem normalmente o único meio de subsistência do trabalhador e seu agregado.
Note-se que a proteção dispensada resulta menor que a dispensada pelo direito societário, pois abrange apenas créditos laborais, não outros danos, sem prejuízo como já referimos de o trabalhador poder exigir outros danos, mas com recurso direto às normas do CSC. – podendo estes ser solicitados na mesma ação, agora ao abrigo da al. n) do artº 126º da LOSJ, tendo em conta a última parte da mesma.
Em conclusão entendemos que acionando o trabalhador, sócio, administrador ou gerente da sua entidade patronal, já liquidada, para a responsabilização solidária destes por créditos laborais nos termos do artigo 335º do CT, os “tribunais de trabalho” são materialmente competentes.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pelos apelantes




Sumário:
Acionando o trabalhador, sócio, administrador, gerente ou diretor da sua entidade patronal, entretanto liquidada, tendo em vista a responsabilização solidária deste(s) por créditos laborais nos termos do artigo 335º do CT, os “tribunais de trabalho” são materialmente competentes.