Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1852/17.0T8GMR-A.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESCRIÇÃO
ILÍCITO CRIMINAL
DANOS REFLEXOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- De um mesmo acto ilícito podem resultar danos próprios não apenas para a vítima lesada fisicamente, mas também para aqueles que, por força da lei, estão obrigados ao exercício de determinados deveres para com a vítima como acontece com o caso da mulher casada que viu o seu jovem e saudável cônjuge ficar em situação igualmente dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas e ficar, ainda, também impotente, frustrando, assim, as suas legítimas expectativas de uma vida conjugal rica e plena de satisfações e de felicidade.

II- Nessa “qualidade” de lesado beneficia dos direitos e deveres que a lei prevê para os lesados e de entre eles o de beneficiar do prazo mais longo de prescrição previstos no artº 498º nº 3 do C. Civil.

III- O alongamento do prazo de prescrição previsto no artº 498 nº 3 do C. Civil depende apenas de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, mais precisamente bastando que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no número daquele inciso.

IV- Verificada a situação que prevê – aplica-se a todos os lesados.”
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

Autores
Manuel e mulher Maria.

Segruadoras X, SA.

Na contestação a ré invocou a prescrição do direito da autora pelo decurso de três anos desde a data dos factos ate a data em que foi citada para a presente acção.

Em sede de audiência prévia foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção de prescrição invocada.

Inconformada com esta decisão a ré apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões:

I- Na douta decisão em causa a meritíssima Srª Juiz não apreciou nem se pronunciou sobre os fundamentos invocados pela recorrente na sua contestação para sustentar a excepção de prescrição do direito de indemnização da A Maria;
II- Pelo que, sem prejuízo do que adiante se exporá, entende a recorrente que se incorreu na douta decisão em omissão de pronúncia, o que acarreta a nulidade da douta decisão em apreço, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 alínea d) do CPC;
III- Para que seja aplicável o prazo quinquenal de prescrição do direito de indemnização, é necessário que o facto gerador dos danos cuja indemnização é reclamada constitua um facto ilícito de natureza criminal;
IV- Os factos descritos na PI podem consubstanciar a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência na pessoa do A. Manuel;
V- Porém, os mesmos factos não integram, no que à A Maria diz respeito, qualquer ilícito criminal tipificado na Lei.
VI- Logo, não estando em causa, quanto à A Maria, a prática de qualquer crime, o prazo de prescrição do seu direito de indemnização era e é o de 3 anos, a contar da data de 16/11/2013.
VII- O referido prazo não foi interrompido nem suspenso desde a data em que se iniciou;
VIII- A Ré nunca reconheceu o direito de indemnização da A Maria e não pendeu processo crime no qual estivesse em causa o apuramento de qualquer ilícito criminal cometido na sua pessoa, não tendo a A Maria apresentado qualquer queixa crime.
IX- Ainda que assim não fosse, a A não estava impedida de deduzir o seu direito de indemnização em separado, por se verificarem, no caso, excepções ao princípio da adesão, nomeadamente a circunstância de o crime de ofensa à integridade física por negligente ser de natureza semi-pública e de o valor do pedido permitir a intervenção de Tribunal colectivo, agora entendido como Juiz de Instância Central.
X- Também não há notícia de que a A Maria tenham manifestado o seu propósito de deduzir pedido de indemnização civil no aludido processo-crime, nem que se tenham constituído assistentes, pelo que nunca se teria por verificado o efeito interruptivo ou suspensivo do prazo de prescrição decorrente da sua pendência.
XI- Assim, tendo o acidente ocorrido no dia 16/11/2013, altura em que a A Maria teve conhecimento do seu eventual direito de indemnização, ainda que com desconhecimento da extensão integral dos danos, e tendo a presente acção sito intentada em 31/03/2017 e a Ré citada em 03/04/2017, prescreveu o eventual direito de indemnização da A Maria.
XII- Logo, deve ser revogada a douta decisão em causa, na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição do direito de indemnização da A Maria invocada pela Ré, absolvendo-se esta do pedido.
XIII- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 498º n.º 1 e 3 do Código Civil.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão sob censura e, em sua substituição, proferida decisão que julgue procedente a excepção de prescrição do direito de indemnização da A Maria, absolvendo a Ré, nessa parte, do pedido, como é de inteira e liminar JUSTIÇA

A autora contra -alega apresentando as seguintes conclusões:

a) o prazo de prescrição relativo à eventual indemnização que a Autora terá direito é o mesmo prazo do Autor, isto é, de cinco ano;
b) enquanto não expirar, por prescrição, o direito de indemnização, esta terá que reparar, sem distinção, todos os danos ou lesões causadas pelo mesmo responsável.
c) Pelo que, devem V. Exa. manter a decisão do Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!

O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade da decisão invocada no recurso nos seguintes termos:

A recorrente assaca nulidade do despacho em causa por omissão alegando em sumula que o tribunal apreciou a prescrição do autor marido e não da mulher como invocado pela re.

Conhecendo:

Da leitura de decisão é patente que o tribunal incorreu em lapso no relatório ao fazer dele constar prescrição do direito dos aa, pois que a decisão versa sobre o direito da autora mulher, vide a titulo de exemplo o ponto b) considerado no elenco dos factos pertinentes ao conhecimento da exceção.
Improcede, pois, com tal fundamento a apontada nulidade.

Admitiu o recurso como de apelação com subida imediata, em separado e efeito devolutivo – artºs 644º, n1º, al.b), 645º, n2 e 647º, n1, todos do Código de Processo Civil.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Como resulta do disposto nos art.°s 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas cumpre:
-. Decidir se a decisão padece da invocada nulidade.
- . Decidir se o direito de indemnização que a autora pretende exercer se encontra prescrito.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
De Facto:

Os factos que relevam para a decisão a proferir e que foram considerados na decisão recorrida são os seguintes:

a- A presente ação deu entrada no dia 31 de março de 2017.
b- A ré foi citada em 3 de abril de 2017
c- O acidente de viação que constitui a causa de pedir ocorreu em 16 de novembro de 2013.
d- O autor sofreu diversas lesões físicas

De Direito:
Nulidade da sentença

Nas conclusões de recurso suscita a apelante a nulidade da sentença por violação do disposto na alínea d) do artº 615º do CPC.

Vejamos.

Entende-se que a sentença padecerá do vício previsto na supra apontada alínea d) quando deixe de todo de se pronunciar sobre a questão suscitada pelas partes – ou seja sobre o pedido ou causa de pedir que conformam o objecto processual, ou ainda sobre excepção deduzida ou de conhecimento oficioso.
Já assim não ocorrendo quando o conhecimento de determinadas questões resultar prejudicado pela solução dada a outras questões já apreciadas, nesta linha de entendimento não estando o juiz vinculado a considerar todas as linhas de fundamentação jurídica apresentadas pelas partes [vide Lebre de Freitas in CPC Anot. Vol. 2ª, Coimbra Editora, edição de 2001 p. 670].
Pretendendo-se através desta exigência - como já antes o afirmara de forma elucidativa o Professor Artur Anselmo Castro [in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, edição Almedina 1982] - “que o contraditório propiciado às partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão”, seria contudo um erro inferir-se “que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável”.
Para a apreciação desta questão importa ainda realçar que a nulidade da decisão por omissão de pronúncia é questão diversa do desacordo da apelante quanto aos termos em que a decisão tenha sido proferida.
Na medida em que em causa esteja esta discordância, então em causa estará antes o erro de julgamento a ser apreciado em sede própria.
Tendo presentes estes considerandos importa reverter ao caso concreto.
Na decisão sob recurso foi em sede de audiência prévia apreciada a excepção de prescrição que a ré tinha invocado na contestação.
Concluindo o Tribunal que a excepção improcedia pelas razões invocadas pelo Tribunal na respectiva decisão.
A circunstância de nessa decisão não se referir expressamente aos fundamentos invocados pela ré/recorrente aquando da invocação da excepção não significa que os não tenha ponderado nem significa nulidade da decisão.

Como refere o S.T.J. no Ac. de 20/03/2014, “O conceito de questões, mencionado no art. 660.º, n.º 2, do CPC – actual art. 608.º, n.º 2, do NCPC (2013) –, relaciona-se inexoravelmente com a definição do âmbito do caso julgado, dele se excluindo as questões prévias ou prejudiciais ao conhecimento do mérito, bem como os raciocínios, argumentos, razões, considerações, pressupostos ou fundamentos produzidos pelas partes, para a defesa dos seus pontos de vista, que não integram, isoladamente, matéria de decisão jurisdicional.” (ut Proc.º 396/2000.L1. S1, Cons.º Martins de Sousa, in www.dgsi.pt).

Já no Ac. do mesmo Alto Tribunal de 06/07/2004, pronunciando-se sobre as questões a conhecer, foi referido: “O que são as questões suscitadas para este efeito, tem sido objecto de estudo, encontrando-se doutrinal e jurisprudencialmente fixado o respectivo conteúdo, no sentido de que as questões a resolver são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo quer com a questão jurídica, quer com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor, às quais o tribunal não tem de dar resposta especificada.” E prossegue, “Assim, as questões suscitadas pelas partes devem ser devidamente individualizadas, cumprindo, para tanto, apreciar não apenas o respectivo objecto e fundamento, como também quem a colocou, devendo o juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer.” (ut Proc.º 04A2070, Cons.º Ponce de Leão, in www.dgsi.pt).

Por fim ao contrário do referido pela ré nada nos autos nos permite concluir que na decisão em apreço o Tribunal se limitou a avaliar a verificação da invocada excepção apenas quanto ao autor. Pelo contrário na decisão em apreço é referido que a ré invoca a excepção de prescrição do direito dos Autores.
Neste contexto o tribunal a quo elaborou a decisão pelo que não merece censura a decisão em causa - apreciada na vertente da omissão da pronúncia.

Da prescrição do direito acionado pela recorrente

O C. Civil não acolhe uma noção de prescrição.
A prescrição é um instituto que se funda num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. Invocada com êxito, a prescrição determinará a paralisação dos direitos, sempre que os mesmos não sejam exercidos, sem uma justificação legitima, durante um certo lapso de tempo fixado na lei e, completada esta, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor por qualquer modo ao exercício do direito prescrito (art. 304º do C. Civil) - vide, Carlos Alberto da Mota Pinto, in, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, págs. 371.
O prazo da prescrição começa a contar a partir do momento em que o direito pode ser exercido (cf. artigo 306º nº 1 do Código Civil) sendo que no âmbito específico da prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual o legislador estabelece a presunção de que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do conhecimento de tal direito por parte do lesado (cf. artigo 498º nº1 do Código Civil), e quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a defender que o momento do conhecimento do direito de indemnização pelo lesado se ajusta ao momento do conhecimento dos pressupostos condicionantes da responsabilidade, fazendo assim apelo a um mínimo de objetividade no qual se alicerce a contagem do respetivo prazo - vide, a título ilustrativo Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, volume I, página 585; Almeida e Costa, in, Direito das Obrigações, 4ª edição, página 401; Vaz Serra, in, Prescrição Extintiva e Caducidade, página 199; Vaz Serra, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 95, 96 e 97; Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil Anotado, 4ª edição, volume I, página 503 e jurisprudência aí citada.
No caso em apreço não está controvertido que os prazos de prescrição a atender são os do art.º 498 do CC, preceito aplicável à responsabilidade civil extracontratual.
Sendo de 3 anos o prazo geral de prescrição neste tipo de responsabilidade, a contar do conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete (nº 1 do art.º 498 do CC).
Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo é este o prazo aplicável.
Está em causa um prazo curto de prescrição que tem subjacente compelir os lesados ao exercício do respectivo direito a fim de que o mesmo não seja apreciado pelo tribunal a longa distância.
Nos termos do disposto no artº. 323º, nº 2 do C. Civil, a prescrição tem-se por interrompida quando o titular do direito requeira a citação ou notificação do devedor e esta não seja feita no prazo de 5 (cinco) dias, por causa que lhe não seja imputável.
A interrupção da prescrição inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a contar novo prazo a partir do ato interruptivo (v. art. 326º do C. Civil).
Os Autores tiveram conhecimento do seu direito desde, pelo menos, Novembro de 2013 (v. alínea a) dos factos considerados).
A Ré foi citada para este processo em 3 de abril de 2017
Tendo em conta apenas estes dados, na data em que foi pedida esta citação já tinha decorrido o prazo prescricional de três anos previsto no art. 498º, nº 1 do C. Civil.
Porém não tinha decorrido o prazo de cinco anos por aplicação do disposto nos artºs. 498º, nº 3 do C. Civil e 148º e 118, nº 1 –c), ambos do C. Penal.
Beneficiará a autora de tal prazo?
Tomando posição:
Do disposto no art. 483º, nº 1 do Cód. Civil resulta que em caso de responsabilidade civil extracontratual o lesado é o titular do direito que é violado pela conduta do agente.
Estão aqui apenas incluídos, em princípio, os danos causados directamente pela conduta do agente, no sentido de que a conduta lesiva produz, em primeira linha, uma violação de um direito do lesado, como a vida, a integridade física ou moral, bens estes que integram o seu património.

Porém, é concebível que a situação possa ser mais complexa, nomeadamente no caso de os sofrimentos padecidos pela vítima de um acidente de viação, ou a sua morte, também causarem a familiares ou amigos daquela um enorme desgosto.

Nestas situações, há terceiros que sofrem danos reflexamente dos que a vítima sofreu, ou seja, há uma ou mais consequências indirecta da conduta do lesante que violou os direitos da vítima.

São geralmente apontados dois tipos de danos indirectos nesta discussão:

- O primeiro tipo de danos é o dano de cariz não patrimonial dos pais que vêem o seu filho menor saudável em quem depositavam as maiores esperanças num futuro promissor, ficar estropiado de forma irreversível, ficando reduzido a uma vida de qualidade muito limitada e/ou até dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas.
- O segundo tipo de danos é o dano de igual natureza decorrente para a mulher casada que viu o seu jovem e saudável cônjuge ficar em situação igualmente dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas e ficar, ainda, também impotente, frustrando, assim, as suas legítimas expectativas de uma vida conjugal rica e plena de satisfações e de felicidade. Dano próprio também ocorre noutras situações, enquanto custo pessoal que atinge o cônjuge, e demais obrigados por lei ao dever de auxiliar a vítima, na medida do sacrifício acrescido que doravante é imposto no cumprimento desse dever.

Nestes casos dum mesmo acto ilícito podem resultar danos próprios não apenas para a vítima lesada fisicamente, mas também para aqueles que, por força da lei, estão obrigados ao exercício de determinados deveres para com a vítima.

Temos, obviamente, de reconhecer que tais danos, embora revestindo a natureza reflexa ou indirecta, se mostram, com alguma frequência, com uma gravidade muito superior à maioria dos danos directos que as vítimas sofrem na generalidade dos acidentes de viação que chegam aos tribunais.
Corresponde, pois, a uma realidade inegável que a autora não sendo vitima nos termos defendidos pela recorrente é lesada pelo facto ilícito praticado pelo condutor do veiculo seguro, nos termos definidos pelo artº 483º acima enunciado, cabendo-lhe nessa “qualidade” de lesado os direitos e deveres que a lei prevê para os lesados.
De entre eles o de beneficiar do prazo mais longo de prescrição previstos no artº 498º em apreciação.
De efeito, o alongamento do prazo de prescrição, previsto no art. 498. °, n.º 3, do CC, depende apenas de o facto ilícito constituir crime - para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, mais precisamente bastando que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no número daquele inciso.
Verificada a situação que prevê – aplica-se a todos os lesados.
Atente-se à letra da lei, na qual o texto legal em apreço não distingue, pois que apenas diz "Se o facto ilícito constitui crime ...".
Um legislador que soubesse exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9 n. 3 do Código Civil), se quisesse que o artigo 498 nº3 se aplicasse só à vitima directa do crime teria redigido o texto assim: “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável à prescrição do direito de indemnização da vitima directa desse crime acrescentando, portanto, os termos sublinhados.
Seria irrazoável “discriminar negativamente”, se assim nos podemos exprimir, a apreciação da responsabilidade civil, negando ao lesado indirecto o ensejo de a efectivar judi­cialmente logo que decorridos três anos sobre a prática do facto ilícito.

A justificar este nosso entendimento atente-se que a pretensão da autora nesta acção surge estruturada na mesma causa de pedir que sustenta o pedido do autor. E assim temos apenas uma causa de pedir que se radica num único facto ilícito, em regra o evento estradal causador do dano, caracterizado por ter na sua origem uma conduta culposa (com culpa real ou presumida) ou originar uma responsabilidade objectiva.
O itinerário probatório é exactamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo, apenas, que acrescentar que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito e dado que assim é temos de julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
As custas do recurso serão a cargo da recorrente [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].

Síntese conclusiva:

De um mesmo acto ilícito podem resultar danos próprios não apenas para a vítima lesada fisicamente, mas também para aqueles que, por força da lei, estão obrigados ao exercício de determinados deveres para com a vítima como acontece com o caso da mulher casada que viu o seu jovem e saudável cônjuge ficar em situação igualmente dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas e ficar, ainda, também impotente, frustrando, assim, as suas legítimas expectativas de uma vida conjugal rica e plena de satisfações e de felicidade.
Nessa “qualidade” de lesado beneficia dos direitos e deveres que a lei prevê para os lesados.
De entre eles o de beneficiar do prazo mais longo de prescrição previstos no artº 498º nº3 do C. Civil.
O alongamento do prazo de prescrição previsto no artº 498 nº3 do C. Civil depende apenas de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, mais precisamente bastando que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no número daquele inciso.
Verificada a situação que prevê – aplica-se a todos os lesados.
***
III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta 2ª Secção Cível em negar provimento ao recurso e, em consequência:

a) - Manter a decisão recorrida;
b) - Condenar a recorrente no pagamento das custas do recurso [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
Notifique
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Guimarães, 08 de Fevereiro de 2018
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
(José Cravo)