Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
846/17.0T8BRG.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro - Ac. STJ de 14/4/2005, P.294/2002.E1.S1, [ Posição do STJ perfilhada, e que se afigura minoritária naquele Supremo Tribunal (- em sentido distinto v., nomeadamente, Ac. STJ de 25/6/2013, 14/3/2017, 15/4/2015 )].

II. Impõe o artº 6º, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, ao contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais, o dever de informar a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, acrescendo ao dever de comunicação o dever de efectiva informação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

A. V., e mulher M. R., instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra X-Companhia de Seguros, SA, pretendendo os autores acionar o contrato de seguro de vida celebrado com a Ré por entender verificado o risco coberto, e pedindo a condenação da Ré seguradora na liquidação total dos créditos hipotecários n.º 61001351986, pagando ao Banco Caixa ..., CRL a totalidade do capital em dívida seguro através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5001450-000114, a reembolsar os demandantes de todas as prestações mensais que esta pagou indevidamente à Caixa ..., CRL, desde a interpelação para pagamento do capital seguro, em março de 2016, bem como de todas as prestações que os demandantes venham a pagar futuramente ao banco mutuante até que a demandada liquide as quantias, o capital seguro, a que está obrigada; e a reembolsar à demandante todos os prémios indevidamente pagos e auferidos, desde a interpelação para pagamento do capital seguro; tudo acrescidos de juros de mora, à taxa supletiva de 4%, vencidos e vincendos e até efetivo pagamento do capital seguro.
A Ré contestou, pugnado pela improcedência da acção, sustentando, em suma, que não se mostram verificadas as condições cumulativas para o accionamento da cobertura por invalidez total e definitiva, designadamente quanto ao grau de incapacidade geral exigível de 75%, determinada pela TNI e confirmada por médico nomeado pela Ré.

Em sede de audiência prévia foi fixado como objecto do litígio:

- Da interpretação dos pressupostos contratuais da obrigação da seguradora resultante de seguro de vida de grupo e respetiva verificação;
- Da exclusão da claúsula geral relativa aos pressupostos do direito invocado por violação do dever de prestação de informação;
- Da nulidade/exclusão, por violação do princípio da boa fé, da referida cláusula.

Realizado o julgamento foi proferida sentença a julgar a acção, nos seguintes termos:

“Por tudo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condena-se a ré, X-Companhia de Seguros,SA:
a) Na liquidação total do crédito hipotecário n.º 61001351986, pagando à Caixa ... CRL a totalidade do capital em dívida seguro através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5001450-000114.
b) A reembolsar os autores, A. V. e M. R. de todas as prestações mensais que estes pagaram indevidamente à Caixa ... CRL, ou venham a pagar futuramente, desde 16 de março de 2016, data da interpelação para pagamento do capital seguro, até à liquidação total do crédito hipotecário determinada em a), a liquidar em incidente de liquidação;
c) A reembolsar aos autores todos os prémios que estes pagaram indevidamente e por ela auferidos desde 16 de março de 2016, data dainterpelação para pagamento do capital seguro, a liquidar em incidente de liquidação;
d) A pagar aos autores os juros à taxa legal supletiva, de 4%, desde a data da citação, sobre o valor das prestações e dos prémios pagos até à data da propositura da ação; e sobre as prestações e prémios pagos a partir dessa data, desde a data de pagamento de cada prestação e prémio; tudo até integral pagamento”.

Inconformada veio a ré seguradora interpor recurso de apelação da sentença proferida nos autos.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões:

I. Não decidiu corretamente o Tribunal a quo ao considerar excluída do contrato de seguro de vida de grupo [celebrado entre a Recorrente (Seguradora), a ... – Caixa ..., CRL (Tomadora do Seguro e Beneficiária) e os Recorridos (Aderentes e Pessoas Seguras)] a cláusula que exigia uma invalidez de grau igual ou superior a 75% para acionamento da cobertura de Invalidez, por considerar não ter sido comunicada no momento da contratação.
II. À data da celebração do seguro em causa nos presentes autos, o teor e forma da informação pré-contratual a prestar ao proponente de um contrato de seguro do ramo vida encontrava-se regulada o artigo 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, que havia aprovado o regime de acesso e de exercício da atividade seguradora, e no art.º 2.º Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, que estabelecia as regras de transparência para a atividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro.
III. A proposta (declaração individual de adesão) ao seguro em causa nos presentes autos - junta aos autos pelos próprios Recorridos, como documento n.º 2 da sua Petição Inicial - cumpre escrupulosamente todas essas completas e específicas obrigações legais, designadamente as previstas na al. d) do n.º 1 do artigo 171.º do referido Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, que exigia que, antes da celebração do contrato, fossem fornecidas por escrito ao tomador do seguro diversas informações sobre o seguro a celebrar, incluindo informação sobre as garantias contratuais, bem como, no seu n.º 2, que a proposta de seguro incluísse uma menção em como o tomador tomou conhecimento das mesmas.
IV. Quando subscreveram tal proposta – e como pretendia o legislador com as referidas disposições legais – os Recorridos tiveram perfeito conhecimento do teor da cláusula contratual que exige a verificação de um grau de invalidez mínimo de 75% para acionamento das garantias, aí referida, conforme ficou provado nos números 5, 28, 30 e 31 dos presentes autos.
V. Havendo uma clara contradição entre a matéria constante dos factos provados 5, 28, 30 e 31 e o facto não provado constante da al. i) e subsequentes conclusões sobre que elabora a sentença recorrida, devendo a referida alínea i) ser eliminada dos factos não provados - face à prova que resulta do documento referido [a proposta (declaração individual de adesão) ao seguro em causa nos presentes autos].
VI. Nos seguros de vida de grupo, como o que está em causa nos presentes autos, o dever de informação sobre o teor das condições contratuais não pertence à Recorrente (Seguradora), mas sim à Caixa ..., CRL, que é a Tomadora do Seguro, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 4.º do referido Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, conforme, aliás, tem vindo a decidir – de forma praticamente uniforme -, sobre esta matéria, o douto Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 22.01.2009, proferido no processo n.º 08B4049, no acórdão de 29.05.2012, proferido no processo n.º 7615/06.1TBVNG.P1.S1, no acórdão de 25.06.2013, proferido no processo n.º 24/10.0TBVNG.P1.S1, no acórdão de 15.04.2015, proferido no processo n.º 385/12.6TBBRG.G1.S1, no acórdão de 05.05.2016, proferido no processo n.º 690/13.4TVPRT.P1.S1, no acórdão de 30.03.2017, proferido no processo n.4267/12.3TBBRG.G1.S1, e no acórdão de 12.07.2018, proferido no processo n.º 3016/15.9T8CSC.L1.S1.
VII. Dos referidos artigos 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, e 2.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho resulta um regime especial para os deveres de informação pré-contratual, designadamente quanto aos sujeitos de tais informações, no âmbito específico do seguros do ramo vida, face ao regime geral previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, nos termos dos artigos 7º n.º 3 e 9º n.º 1 do Código Civil, devem as normas especiais prevalecer sobre as normas de carácter geral, concluindo-se que o Regime (geral) das Cláusulas Contratuais Gerais não é, sequer, aplicável caso dos presentes autos, conforme, aliás, foi também o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, no Acórdão de 15.04.2015, proferido no processo n.º 385/12.6TBBRG.G1.S1.
VIII. O cumprimento do dever de comunicação previsto no art.º 5.º do referido Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, varia de caso para caso, e de pessoa para pessoa, dependendo, designadamente, do grau de instrução da pessoa que adere ao clausulado que lhe é apresentado, pois não são exigíveis os mesmos cuidados no caso de um professor universitário da cadeira de direito dos seguros que o são no caso de uma pessoa completamente analfabeta…
IX. No caso de cidadãos comuns é perfeitamente legítimo considerar que a apresentação de um mero formulário por escrito é adequada à transmissão de informações contratuais, ou pré-contratuais e que a apresentação de tal formulário assinado é prova suficiente de que a comunicação das cláusulas contratuais foi a adequada, conforme se decidiu no acórdão do STJ de 24.03.2011 proferido no processo n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1.
X. Se algum óbice existia à compreensão da informação constante da proposta de seguro subscrita pelo Recorrido marido, cabia ao próprio invocá-la e demonstrá-la nos presentes autos – o que não fez.
XI. Pelo exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, designadamente, o disposto nos artigos 5.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho e 7.º, n.º 3, 9.º, n.º 1, e 405.º do Código Civil.

Foram proferidas contra – alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do CPC).- Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19.
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.

Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- reapreciação da matéria de facto:
- existe contradição entre a matéria constante dos factos provados 5, 28, 30 e 31 e o facto não provado constante da al. i), devendo a referida alínea i) ser eliminada dos factos não provados, face à prova que resulta do documento que constitui a proposta (declaração individual de adesão) ao seguro em causa nos presentes autos ?

reapreciação do mérito da causa:
- Dos artigos 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, e 2.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho resulta um regime especial para os deveres de informação pré-contratual, designadamente quanto aos sujeitos de tais informações, no âmbito específico do seguros do ramo vida, face ao regime geral previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, nos termos dos artigos 7º n.º 3 e 9º n.º 1 do Código Civil, devem as normas especiais prevalecer sobre as normas de carácter geral, concluindo-se que o Regime (geral) das Cláusulas Contratuais Gerais não é, aplicável caso dos presentes autos?
- Quando subscreveram a proposta de seguro os Recorridos tiveram perfeito conhecimento do teor da cláusula contratual que exige a verificação de um grau de invalidez mínimo de 75% para acionamento das garantias, aí referida, conforme ficou provado nos números 5, 28, 30 e 31 dos factos provados ? - devendo considerar-se que a apresentação de um mero formulário por escrito é adequada à transmissão de informações contratuais, ou pré-contratuais e que a apresentação de tal formulário assinado é prova suficiente de que a comunicação das cláusulas contratuais foi a adequada?
- Não decidiu corretamente o Tribunal a quo ao considerar excluída do contrato de seguro de vida de grupo [celebrado entre a Recorrente (Seguradora), a ... – Caixa ..., CRL (Tomadora do Seguro e Beneficiária) e os Recorridos (Aderentes e Pessoas Seguras)] a cláusula que exigia uma invalidez de grau igual ou superior a 75% para acionamento da cobertura de Invalidez ?

FUNDAMENTAÇÃO

I)OS FACTOS ( factos declarados provados, e não provados, na sentença recorrida ):

1. A demandada é uma sociedade seguradora que exerce a atividade de seguros e resseguros, que explora seguros do ramo vida.
2. No exercício dessa sua atividade, a demandada celebrou com os demandantes, com início a 01/01/2000, um contrato de seguro do ramo vida (X/Seguro Proteção Crédito Habitação), titulado pela apólice nº 5001450-000114.
3. No dia 15/02/1999, a demandante e marido constituíram, junto da Caixa ..., CRL, para construção da sua moradia no terreno (prédio rústico) sito no Lugar de …, na freguesia de …, no concelho de Terras de Bouro, descrito naquela Conservatória de Registo Predial, sob o número …, um crédito no valor de vinte milhões de escudos.
4. Confessaram-se devedores daquela quantia e, constituíram, para tanto, a título de garantia do cumprimento, hipoteca a favor do banco mutuante sobre aquele prédio e as futuras construções.
5. Dando cumprimento a uma condição indispensável e determinante do banco, credor hipotecário, os demandantes, assinaram, previamente, a proposta de seguro de vida que aquele banco se incumbiu de tratar.
6. Este contrato celebrado cobre “o risco de morte ou de invalidez total e definitiva da pessoa segura” que, in casu, são os aqui demandantes.
7. O capital seguro corresponde ao valor em dívida no empréstimo à data do sinistro junto do banco.
8. Os demandantes sempre pagaram, pontualmente, à demandada, os respectivos prémios devidos pela cobertura dos riscos de morte e de invalidez total e permanente, encontrando-se o contrato válido e em vigor.
9. Em 29/04/2015, foi confirmada ao demandante marido uma doença oncológica.
10. Foi-lhe diagnosticado um cancro no pulmão direito.
11. Apesar de ter sido submetido a cirurgias e vários tratamentos, o demandante marido, à data da entrada da petição em juízo, continuava a ser seguido na especialidade de cirurgia cardio-torácica, designadamente para vigilância oncológica.
12. Continuava a frequentar, assiduamente, o Centro de Saúde da sua área de residência e o Hospital de Vila Nova de Gaia/Espinho, tanto para controlo como para curativos da ferida pós-operatória, que infecionou.
13. Desde 13/07/2015, o demandante foi submetido a diversos tratamentos que, por, sucessivos períodos de um mês, o impossibilitaram de exercer a sua atividade profissional.
15. Em 09/03/2016, por Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, foi declarado que o demandante é portador de uma deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 68% (sessenta e oito por cento), determinado em conformidade com a TNI – Anexo I aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro, suscetível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de 2020.
16. No âmbito do processo nº 55/03.6TUBRG, que correu termos no extinto Tribunal do Trabalho de Braga (1º Juízo), foi fixada ao demandante uma incapacidade parcial permanente de 10,00%.
17. Mais tarde, por sentença já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo nº 885/08.2TTBRG, que correu termos no extinto Tribunal do Trabalho de Braga, determinou-se que o ora demandante era portador, além da que já padecia, de uma incapacidade parcial permanente de 2,00%.
18. Na data em que lhe foi diagnosticada a doença – como em toda a sua vida – o demandante era pedreiro.
19. Ficou com extremas dificuldades de mobilidade, viu afetada a sua resistência, não consegue manusear os seus instrumentos de trabalho.
20. Não exerce as funções típicas de pedreiro desde 13/07/2015.
21. Está obrigado a socorrer-se dos préstimos da sua esposa para as tarefas mais elementares, como vestir-se e tratar da sua higiene pessoal.
22. No dia 16 de março de 2016, o demandante deu conhecimento à demandada, através do balcão do Banco …, que imediatamente transmitiu a ocorrência, da sua situação de incapacidade permanente global.
23. Juntando certificado de incapacidade multiusos.
24. E solicitando a liquidação do crédito hipotecário acima referido, ou seja, o pagamento, à Caixa de …, dos montantes ainda em dívida.
25. Contudo, a demandada, por carta enviada ao beneficiário do seguro a 21/03/2016 recusou-se a pagar qualquer quantia, por entender que o caso em apreço não se enquadra na definição de invalidez absoluta e definitiva constantes das condições contratuais.
26. Por via desta recusa, o demandante continua a pagar as prestações do empréstimo referido ao banco e os prémios dos mencionados seguros.
27. À data de 30/06/2016, o capital em dívida ascendia a € 55.957,15.
28. Os demandantes contraíram um seguro de vida com a demandada porque o banco mutuante lhes indicou a demandada, tendo sido o banco quem lhes apresentou a proposta de adesão ao contrato de seguro e os formulários que preencheram.
29. Os demandantes contrataram na convicção de que, caso surgisse algum problema, nomeadamente de saúde, a demandada agiria em conformidade com o contratualmente estabelecido.
30. Da declaração de adesão que os demandantes assinaram consta, entre o mais:
“2. Garantias: a X pagará o capital contratado em caso de morte ou de invalidez total e definitiva, salvo se excluída, da pessoa segura durante o prazo de adesão ao contrato. Para o efeito, considera-se que a pessoa segura se encontra na situação de invalidez total e definitiva quando esta for irreversível, de grau superior a 75% e impossibilite o exercício de uma actividade remunerada.”
31. Antes da assinatura dos demandantes consta ainda “Declara-se que qualquer omissão, resposta incompleta ou falsas declarações, que induzam em erro a apreciação do risco, terá como consequência a anulação da adesão ao contrato, autorizando-se os médicos e outros prestadores de cuidados médicos a fornecer aos Serviços Clínicos da X quaisquer elementos e informações relacionadas com os serviços prestados à(s) Pessoa(s) Segura(s) e abrangidos pelo segredo profissional, sem que, com isso, haja quebra do respectivo sigilo. Declara-se ainda ter tomado conhecimento de todas as condições aplicáveis ao contrato, com elas concordando inteiramente”.
32. Nos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º das condições gerais da apólice referida em 2, relativamente às Garantias e Riscos Cobertos pelo contrato, consta o seguinte:
“2. Está abrangida por esta apólice a cobertura do risco de morte ou invalidez total e definitiva da Pessoa Segura, se ocorrida durante o prazo definido no respectivo Certificado de Adesão, salvo disposição em contrário no Certificado Individual de Adesão.
3. Para efeitos deste contrato, entende-se por Invalidez total e definitiva toda a situação em que se verifiquem simultaneamente as seguintes condições na Pessoa Segura:
a) situação irreversível de invalidez provocada por doença ou acidente;
b) impossibilidade de desenvolver a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos, capacidades ou aptidões;
c) um grau de invalidez geral de, pelo menos, 75%, determinado com base na Tabela Nacional de Incapacidades e confirmado pelo médico nomeado pela X.”
33. O capital seguro inicial era de 20.000.000 PTE, que tem vindo a ser atualizado:
em 16/03/2016 era de 57.359,22 € e, em 24/03/2017, era de 53.479,40.
34. As condições particulares do contrato de seguro referido em 2, vigentes à data da sua celebração, são as constantes de fls. 127 dos autos.
35. As condições gerais do contrato de seguro referido em 2, vigentes à data da sua celebração, são as constantes de fls. 18 a 26.
36. O demandante padece de uma incapacidade permanente parcial de 67,261571%, de acordo com a TNI anexo I ao DL 352/2007 de 23 de outubro.
37. Tal incapacidade é irreversível.
38. O demandante encontra-se impossibilitado de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos, capacidades ou aptidões.

- Factos não provados

i) Aquando da subscrição do contrato de seguro, e antes de os demandantes se vincularem ao mesmo, foram-lhe prestadas todas as informações necessárias à inteira compreensão do seguro e das suas condições, designadamente o referido em 30 foi dito aos demandantes.
ii) Aquando da subscrição do contrato de seguro, foram entregues aos autores as condições gerais da apólice.

II ) O DIREITO APLICÁVEL

A).- Reapreciação da matéria de facto

Alega a apelante ocorrer clara contradição entre a matéria constante dos factos provados 5, 28, 30 e 31 e o facto não provado constante da al. i), devendo a referida alínea i) ser eliminada dos factos não provados - face à prova que resulta do documento referido [a proposta (declaração individual de adesão) ao seguro em causa nos presentes autos], uma vez que, refere, quando os recorridos/Autores subscreveram tal proposta tiveram perfeito conhecimento do teor da cláusula contratual que exige a verificação de um grau de invalidez mínimo de 75% para accionamento das garantias, aí referida, conforme ficou provado nos números 5, 28, 30 e 31 dos factos provados.
Atentos os fundamentos expostos e teor dos pontos de facto declarados provados nº 5, 28, 30 e 31 dos factos provados e al. i) dos factos não provados, pontos de facto em referência na apelação, conclui-se pela manifesta improcedência da impugnação, nenhuma divergência ou oposição dos mesmos resultando, desde logo, nenhuma factualidade decorrendo de um ponto de facto declarado não provado, e, em qualquer caso, e se assim não fosse, tendo âmbito factual distinto, expressamente se reportando o facto não provado da al.i) do elenco ao preciso acto de prestação de informação.
Dispõe o artº 662º-nº1 do Código de Processo Civil, que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Nestes termos, nenhum vício ou erro se evidenciando na fixação da matéria de facto, nos termos impugnados, ou de conhecimento oficioso, ou qualquer outro, improcede a impugnação, mantendo-se inalterado o elenco factual fixado na sentença.

B) - reapreciação do mérito da causa

I. Regime aplicável para os deveres de informação pré-contratual

1. Alega a apelante que dos artigos 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, e 2.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho resulta um regime especial para os deveres de informação pré-contratual, designadamente quanto aos sujeitos de tais informações, no âmbito específico do seguros do ramo vida, face ao regime geral previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, nos termos dos artigos 7º n.º 3 e 9º n.º 1 do Código Civil, devem as normas especiais prevalecer sobre as normas de carácter geral, concluindo-se que o Regime (geral) das Cláusulas Contratuais Gerais não é, aplicável caso dos presentes autos.
À data da celebração do contrato de seguro em referência nos autos (1/1/2000), o contrato de seguro era regulado pelos DL 102/94 de 20 de Abril, Dec. Lei 176/95, de 26.07, e, nas partes omissas, pelo disposto no Código Comercial, e, na falta de previsão deste último diploma, pelo disposto no Código Civil (artigos 3.º e 427.º do Código Comercial), e, nos termos e disposições particulares e gerais constantes da respectiva apólice.

Nos termos DL 102/94 de 20 de Abril - CAPÍTULO II - Ramo «Vida»- SECÇÃO I –regula o Artigo 171.º, sob a epígrafe - Transparência – o Dever de informação antes da celebração do contrato de seguro ou operação, estipulando que as empresas de seguros que se proponham celebrar contratos de seguro ou operações do ramo «Vida» (…) devem, antes da respectiva celebração, fornecer ao tomador, de forma clara, por escrito e redigidas em língua portuguesa, as informações que se indicam: (… - nº1 –als. ).
Nos termos do DL 176/95 de 26 de Julho - Deveres de informação - Artigo 2.º - Ramo «Vida», estipula-se que: 1 - Aos deveres de informação pré-contratuais previstos no artigo 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, acrescem os seguintes, que se indicam (… ).
Relativamente ao regime das cláusulas contratuais gerais encontra-se previsto e regulamentado no Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei n.º 220/95 de 31 de Agosto e Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, sendo o mesmo aplicável, como dispõe o art.º 1º do citado diploma legal, “às cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem respectivamente, a subscrever ou aceitar” ( n.º 1 ), ou, ( n.º2 ), “ às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.
Deverá entender-se que um contrato contém cláusulas contratuais gerais, estando, assim, sujeito à disciplina do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, quando contém cláusulas de conteúdo previamente elaborado, que não podem e não se destinam a ser negociadas, “Tendo insertas cláusulas que são pré-elaboradas e apresentadas ao destinatário já redigidas e que são dirigidas a sujeitos indeterminados, podendo ser utilizadas para qualquer destinatário, sem que sejam individualizadas”. (Ac. TRC de 28/01/2008, proc. 270/08.6, em www.dgsi.pt).
“Cláusulas contratuais gerais, que se encontram submetidas ao regime fixado pelo DL nº 446/85, de 25/10 (…) são proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar, ou, como se pode ler no Ac. do STJ de 17/6/2010, Proc. nº 3262/07.9TBLSB.L1, publicado em www.dgsi.pt., aquelas que contêm os requisitos implicitamente enumerados no artº 1º do citado DL nº 446/85 e que são a pré-elaboração, a generalidade e a rigidez.

No caso dos autos é o contrato dos autos um contrato de adesão, nos termos da regulamentação acima exposta e factualidade provada, não se mostrando que as normas de regulamentação especial do contrato de seguro afastem a regulamentação geral do regime das cláusulas contratuais gerais regulamentado no Decreto-Lei n.º 446/85, considerando-se também este regime aplicável ao caso sub judice, confirmando-se o assim já decidido na sentença recorrida, e, ainda, com referência ao já decidido no Ac. do STJ de 14/4/2015, P.294/2002.E1.S1, e no qual se refere: “ O acto de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma protecção equivalente à do segurado num contrato de seguro individual, aplicando-se o DL n.º 446/85, de 25/10 para regular as relações entre o segurado e a seguradora ”, mais se fundamentando no indicado aresto do STJ, em posição que acompanhamos:

“ (…) este contrato não se define apenas por ser um contrato de seguro de grupo. O seu processo de formação apresenta especificidades, na medida em que as suas cláusulas não são negociadas com o segurado, que se limita a aderir ao contrato em bloco. Estes contratos são, portanto, contratos de adesão, (…)
A partir do momento em que se dá a adesão, constitui-se uma relação trilateral entre a seguradora, o tomador do seguro e o aderente e, portanto, o contrato deixou de regular exclusivamente os interesses do tomador e da seguradora, passando a regular os interesses do segurado, a cuja protecção a ordem jurídica confere primazia”.
“(…)Estas propostas negociais adoptam o modelo de um contrato de adesão, cujas cláusulas os segurados não têm qualquer possibilidade de discutir ou negociar, e que, a mais das vezes, nem conhecem na sua totalidade, por falta de transparência das entidades envolvidas, Bancos e Seguradoras, normalmente ligadas por vínculos jurídicos e pertencentes ao mesmo grupo financeiro.
Em face desta realidade sócio-económica, a lei (Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro) vem em auxílio da parte mais fraca, o segurado, impondo às entidades com poder negocial para redigir unilateralmente estes contratos deveres de informação e de comunicação, bem como proibindo, através de uma enumeração exemplificativa, um conjunto de cláusulas contrárias à boa fé e ao equilíbrio das prestações”.

Deve assim concluir-se ser aplicável ao contrato dos autos, para além do seu regime próprio, especifico, o regime das cláusulas contratuais gerais previsto e regulamentado no Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, prevendo o artº 4º, do indicado diploma legal, a “Inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares” :

- Artigo 4.º (Inclusão em contratos singulares)
1.As cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares incluem-se nos mesmos, para todos os efeitos, pela aceitação, com observância do disposto neste capítulo.
2. Relativamente já, concretamente, ao regime aplicável para os deveres de informação pré-contratual, há que atender às normas regulamentadores em ambos os regimes, o geral e o especial e determinar o seu campo de aplicação.

Dispõe o Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho- Seguros de grupo –
1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.
2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.
3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.º 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.
4 -O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.º 1 seja assumida pela seguradora.

Igualmente, os art.º 5.º e 6.º do DL n.º 446/85 estatuindo, respectivamente, sobre os deveres de comunicação e de informação em relação ao teor das cláusulas contratuais gerais; dispondo o artº Artigo 5.º - Comunicação:

1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

Artigo 6.º - Dever de informação

1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

Da interpretação e aplicação das normas aplicáveis, atento o já acima exposto relativamente à especial protecção legalmente atribuída ao consumidor/aderente, da intenção do legislador espelhada nas normas se demonstrando valorizada a protecção da defesa dos seus interesses, como reconhecidamente, parte mais fraca, concluímos, que competirá quer ao Banco tomador de seguro, quer à Seguradora o efetivo cumprimento do dever de comunicação e informação do teor das cláusulas contratuais ao segurado, nos termos das disposições legais dos art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26-07 e artigos 5.º e 6.º do DL 446/85, de 25 de Outubro e do princípio da boa fé, aplicando-se ambos os regimes legais, respectivamente.

Entendimento este no seguimento da jurisprudência do STJ, em Ac. 14/4/2015, supra citado, Ac. 2/12/2013, Ac. 22/6/2005, nos precisos termos de interpretação já expressos no Ac. STJ de 14/4/2005, P.294/2002.E1.S1, supra citado, designadamente:

“V - Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85 e resultam directamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor.
VI - O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro
(…) O que o legislador quis com o art. 4.º do DL n.º 176/95 foi sanar eventuais dúvidas que se colocassem a propósito dos deveres dos Bancos, tomadores do seguro, e resolver conflitos nas relações internas entre bancos e seguradoras quanto aos seus direitos e deveres recíprocos, mas não afastar, em relação às seguradoras, o regime previsto no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, pilar da defesa do consumidor na ordem jurídica.
(… )O facto de o contrato de seguro de grupo implicar a participação de uma terceira entidade, o tomador de seguro, que angaria clientes para a seguradora e funciona como intermediário na promoção dos contratos, não pode ser utilizado como argumento jurídico para diminuir as garantias do cidadão, nem para exonerar a Seguradora – entidade que recebe os prémios dos mutuários e que com isso visa a obtenção de lucros – do cumprimento dos deveres de informação”.
Posição do STJ que perfilhamos, e que se afigura minoritária naquele Supremo Tribunal ( em sentido distinto v. Ac. STJ de 25/6/2013, 14/3/2017, 15/4/2015, e jurisprudência citada nas alegações de recurso, prevalecendo a jurisprudência do STJ no sentido de recair unicamente sobre o tomador do seguro o dever de informação e ónus de prova de cumprimento, não sendo o incumprimento deste dever oponível à seguradora ).
Salientando-se, ainda, no desenvolvimento do nosso entendimento, Ac. do STJ de 29/11/2016, P.nº 1274/15.8T8GMR.S1, já referido na sentença recorrida e cfr. transcrições citadas, e, no mesmo sentido do que defendemos neste TRG v. Ac. de 11/7/2017, P.1301/15.9T8VCT.G1- “ O dever de informação de cláusula contratual geral inserta num seguro de grupo contributivo onera, simultaneamente, o tomador de seguro/beneficiário e o segurador (respectivamente, art. 78º do Dec-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, e arts. 5.º e 6.º, ambos do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, e art. 227º do C.C.)”.
E, ainda, como refere Pedro Pais de Vasconcelos, in “Contratos Atípicos”, 2ª edição, 2009, página 424, cfr. já citado na sentença recorrida: “a questão de saber se era a seguradora ou o tomador do seguro que tinha o dever de proceder a essa comunicação é irrelevante para o efeito de aquela cláusula poder ou não operar relativamente ao segurado e apenas releva no âmbito das relações entre a seguradora e o tomador do seguro para o efeito de determinar qual deles deverá suportar o prejuízo inerente ao facto de aquela cláusula não poder ser oposta ao segurado. Importa reafirmar que o segurado não tem qualquer interferência na determinação da entidade que deverá proceder a tais comunicações (…) “.

Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência, também, nesta parte dos fundamentos da apelação.

II. – Igualmente, alegando os apelantes que quando subscreveram a proposta de seguro os Recorridos tiveram perfeito conhecimento do teor da cláusula contratual que exige a verificação de um grau de invalidez mínimo de 75% para acionamento das garantias, aí referida, conforme ficou provado nos números 5, 28, 30 e 31 dos factos provados, ainda, devendo considerar-se que a apresentação de um mero formulário por escrito é adequada à transmissão de informações contratuais, ou pré-contratuais e que a apresentação de tal formulário assinado é prova suficiente de que a comunicação das cláusulas contratuais foi a adequada, também nesta parte consideramos improcedente a fundamentação da apelante.

Com efeito, “a comunicação e a explicação das cláusulas do contrato deverão traduzir-se em atos materiais concretos, exteriores ao preenchimento e assinatura do contrato e ao texto do mesmo, não se reduzindo á mera possibilidade da parte contraente ler a cláusula em referência, nem resultando da mera inserção da declaração impressa em formulário”, dispondo o artº 5.º do DL n.º 446/85 que “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais, incumbindo o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva” ( nº 1 e 3 ), e, mais impondo o artº 6º, do citado diploma legal, ao contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais, o dever de informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, acrescendo ao dever de comunicação o dever de efectiva informação.

Refere Galvão Telles, in Manual dos Contratos em Geral, pg. 313/314: “não se diga que o aderente, deixando de ler todas as cláusulas, ou não as meditando com o devido cuidado, revela negligência que o torne desmerecedor de proteção particular: o facto é tão geral que não significa negligência, aferida esta pelo padrão médio de homem”.

Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, salienta que a exigência de comunicação deve ser cumprida na íntegra, entendendo-se que a comunicação deve ser feita a todos os interessados diretos (art. 5.º, n.º 1), e que deve ser adequada e atempada, não se exigindo ao aderente mais do que a diligência comum (art. 5.º, n.º 2), aferida em abstrato, mas tendo em conta as circunstâncias típicas de cada caso. Já o dever de informação (art. 6.º) visa assegurar que as cláusulas foram efetivamente entendidas pelo aderente e pressupõe iniciativas da empresa utilizadora e não apenas um papel passivo desta.

E, in casu, à seguradora cabendo o respectivo ónus da prova, dos factos provados não resulta o cumprimento do dever de informação dos segurados, ora recorridos, relativamente ao teor da cláusula em litígio que define, em concreto, o conceito de invalidez total e definitiva, esta com referência à percentagem da incapacidade de grau superior a 75%, e na qual a Ré se veio basear para se eximir da responsabilidade de indemnizar.

Não cumprindo a Ré seguradora o respectivo ónus de prova que lhe incumbia.

III. Quanto ao efeito da violação dos indicados deveres, o art. 8º do citado DL nº 446/85, de 25 de Outubro, estatui que se considerem excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5.º (al. a), e, as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo (al. b). Artigo 8.º (Cláusulas excluídas dos contratos singulares), pressupondo o artº 9º, do diploma legal em referência, a subsistência dos contratos singulares, dispondo- nº1-“Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos”.

Concluindo-se, nos termos expostos, pela total improcedência do recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 30 de Janeiro de 2020

( Maria Luísa D. Ramos )
( Eva Almeida )
( Ana Cristina Duarte )