Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
14/17.1GABCL-A.G1
Relator: LAURA MAURÍCIO
Descritores: BUSCA DOMICILIÁRIA
ARGUIDO DE NACIONALIDADE ESTRANGEIRA
AUSÊNCIA DE INTÉRPRETE
CONSENTIMENTO NÃO VÁLIDO
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:

Não é de considerar legalmente como válido o consentimento prestado por um arguido que não possui nacionalidade portuguesa, para a realização de busca domiciliária, por ter sido prestado na ausência de intérprete com compromisso prestado.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

No âmbito dos autos com o NUIPC 14/17.1GABCL, em que são arguidos A. O. e A. S., foi, em 14 de Junho de 2017, proferido despacho cujo teor é o seguinte:

“ (…)

1. Da ilegalidade da busca domiciliária realizada á residência sita na Rua das ...

Conforme consta dos autos (cfr. fls. 129 e 130), consta autorização de busca, com a menção de “Declaração”, em língua portuguesa e depois a menção que ”foi o declarante informado de todas as formalidades inerentes á acção acima mencionada, ficando ciente de todo o conteúdo”.

Após, constam dois textos com a menção que se trata de “Holandês” e de “Turco”, sendo, por fim, o documento assinado pelo órgão de policia criminal, com carimbo e assinado pelos visados.

A fls. 130, consta igual autorização de busca, com a igual menção de “declaração”, com texto em português e depois em língua ou caracteres que o Tribunal desconhece, sendo, por fim, o documento assinado pelo órgão de polícia criminal, com carimbo e assinado pelo visado, como sendo o arguido A. S..

Ainda que a questão não fosse suscitada pela defesa dos arguidos, sempre o Tribunal apreciaria o cumprimento das formalidades legais na realização da busca domiciliária, atento o disposto no artº 174º, nº 6, do CPP.

Estabelece o art. 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa que “[s]ão nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”

Por seu turno, o art. 34.º, da Constituição da República Portuguesa consagra a inviolabilidade do domicílio e da correspondência da seguinte forma:

«1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são 1invioláveis.

2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei.

3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei.

4. (...).»

O art. 125.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da legalidade da prova, segundo o qual “[s]ão admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”

Nessa sequência, o art. 126.º do Código de Processo Penal, descreve os métodos proibidos de prova, que se dividem em dois tipos:

1.º) O das provas obtidas mediante tortura, coacção ou em geral ofensa à integridade física ou moral das pessoas, em que tais métodos não poderão ser utilizados, nem as provas assim obtidas poderão também ser utilizadas, mesmo que a pessoa que deles foi objecto dê consentimento (art. 126.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal);

2.º) O das provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

Enquanto que as provas obtidas mediante tortura, coacção ou em geral ofensa à integridade física ou moral das pessoas são sempre nulas, não podendo ser utilizadas, consagrando-se assim uma nulidade absoluta de prova que não admite consentimento, já as provas obtidas mediante intromissão, não consentida, na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações são nulas, mas podem ser válidas se o titular der o seu consentimento, ou se houver autorização judicial para a utilização de tais métodos de obtenção de prova –cfr. arts. 34.º, n.º 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, 126.º, n.º 3, 177.º, e 187.º, e seguintes, todos do Código de Processo Penal – cfr. Acórdão do S.T.J., de 14/07/2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2007, em anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, 3.ª edição, 2008, volume I, pág. 832.

Ou seja, no que diz respeito às provas obtidas mediante intromissão, na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações há nulidade de prova, a qual não pode ser produzida, nem valorada, apenas no caso em que não tenha havido consentimento ou autorização judicial, tratando-se por isso de uma nulidade relativa de prova.

Por outro lado, o Código de Processo Penal consagra, para além da nulidade das provas obtidas mediante intromissão, na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem consentimento ou autorização judicial, que tem como consequência a proibição da sua produção e valoração, os casos em que os actos processuais levados a cabo para obtenção autorizada de prova mediante a utilização de tais métodos são inválidos (feridos de nulidade ou de irregularidade), porque não foram respeitadas as formalidades consagradas na lei processual penal para a sua execução.

Em nenhum destes casos estamos perante nulidade insanável, o que resulta claramente do disposto nos arts. 118.º, n.º 1, e 119.º, ambos do Código de Processo Penal.

Tratam-se, antes, de nulidades dependentes de arguição, tal como resulta do disposto nos arts. 120.º, n.ºs 1, 2 e 3, 174.º, n.ºs 4 e 6, 177.º, n.ºs 1, 5 e 6, 187.º, 188.º, 189.º e 190.º, todos do Código de Processo Penal – cfr. Acórdão do S.T.J. de 07/12/2005, Processo n.º 05P2942, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do S.T.J de 20/12/2006, Processo n.º 06P3059, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do S.T.J. de 27/05/2009, Processo n.º 05P0145, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do S.T.J., de 14/07/2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt-, ou de meras irregularidades tal como o caso do art 176.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal – cfr. Acórdão do S.T.J. de 15/07/1992, Processo n.º 42.974-3.ª, com o n.º convencional JSTJ00017005, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do S.T.J. de 08/11/1995, BMJ, n.º 451, pág. 238, Acórdão do S.T.J. de 13/05/1998, Processo n.º 226/98, Acórdão do S.T.J. de 15/12/1998, Processo n.º 1081/98, Acórdão do S.T.J. de 10/10/2001, Processo n.º 1949/01-3, Acórdão do T.R.P. de 11/09/1997, com o n.º convencional JTRP00018824, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do T.R.P. de 21/02/2001, com no n.º convencional JTRP00030831, in http://www.dgsi.pt, .


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A busca domiciliária é uma excepção ao princípio constitucional da inviolabilidade de domicílio, consagrado no art. 34.º CRP, pelo que, a sua realização é rodeada de determinadas precauções e está sujeita a um regime próprio.

A admissibilidade de restrições a este princípio constitucional tem em vista a salvaguarda de outros bens jurídicos de grande valor, igualmente objecto de protecção constitucional.

Deste modo, a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei, bem como, ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento (cfr. n.º 2 e 3 do art. 34.º, CRP).

Assim, nos termos do disposto no art. 174.º do CPP, quando houver indícios de que quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.

Quando esta busca tem de ser efectuada em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as sete e as vinte e uma horas, sob pena de nulidade (cfr. art. 177.º, n.º 1, do CPP).

A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade (nº 1 do artº 177º do Código do Processo Penal.

Nos termos do nº 2 daquele preceito:

“Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:

a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;

b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;

c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.

Visto genericamente o regime das buscas domiciliárias e da preterição das formalidades legais, retornemos ao ambiente fáctico evidenciado nos autos.

Conforme resulta á saciedade dos autos, os arguidos não dominam a língua portuguesa, sendo certo que logo a fls. 2 se fez menção que o então suspeito A. O. “se trata de individuo estrangeiro”, sendo que a fls. 10 (aditamento ao auto de notícia) se faz menção a arrendamento de armazém por “indivíduos de nacionalidade… “ sem que se fizesse a menção de qual a nacionalidade. Foi logo (cfgr. Fls. 11) aventada a necessidade de “proceder ao contacto com tradutores capazes de fazer a interligação entre estes OPC´s e eventuais lesados”, o que não se veio a verificar (cfr. fls. 11), foram realizadas diligências e conseguiu-se estabelecer o mínimo contacto e “fomo-nos entendendo…” apesar de na, perspectiva do OPC, os visados entendiam mas queriam disfarçar e fazer crer que não percebiam.

Realizada a busca não domiciliária autorizada pelo MP, e face a novos indícios, foram encetadas diligências, com recolha do consentimento de fls. 129 e 130 para a realização da busca domiciliária (e também a armazém, segundo consta de fls. 13 e de fls. 134).

Para a realização da busca domiciliária sita na Rua …, o OPC, procedeu conforme consta de fls. 129 e 130 e acima exposto.

Concordamos com a defesa dos arguidos, ressalvado o efeito da preterição das formalidades legais - não se trata de nulidade insanável, conforme preconiza, mas antes de nulidade sanável conforme supra exposto - conforme explanaremos.

Os arguido não dominam a língua portuguesa e pese embora na autorização de fls. 129 e 130 conste textos em outras língua, supõe o Tribunal, pela referência ao Holandês e ao Turco a fls. 129 e a fls. 130 um texto com caracteres não romanos, certo e inequívoco é que, tal como refere o MP, nada consta que os textos sejam tradução fiel aquilo que efectivamente o arguido autorizou, porquanto se impunha, a tradução nos termos legais, das referidas autorizações, com a indicação de tradutor e prestação de compromisso de honra - artº 91º, nº 2, do CPP, e 92º, nº 2 e 7, ambos do CPP.

Conforme sustenta a defesa dos arguidos impunha-se a menção do auto de autorização ou em documento anexo, a indicação de intérprete e que o mesmo, além de prestar compromisso de honra nos termos legais, certificasse a genuinidade da tradução das autorizações em causa, porquanto só dessa forma se salvaguarda que os visados ficam cientes da integralidade e do conteúdo dos documentos que assinaram, o que não foi feito. Aliás, entendimento oposto consistiria em fazer tábua rasa da imposição legal de intervenção de interprete em actos/diligências em que os visados não dominem a língua portuguesa.

Na verdade, o processo criminal há-de ser a due process of law, a fair process onde o arguido tenha uma efectiva e consistente possibilidade de ser ouvido e de se defender, o que se pressupõe um consentimento livre e esclarecido, logo, ciente do teor de tudo o que é realizado e que assina.

"O princípio audiatur et altera pars: direito de audiência incita a que se arme o arguido com um efectivo e consistente direito de defesa — mas acaba por se bastar com uma geral possibilidade de oposição e contestação, ou de exposição pelo arguido das suas próprias razões" Figueiredo Dias, Processo Criminal, 1971, p. 137.

O processo criminal há-de ser a due process of law, a fair process onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o Ministério Público. É que, como adverte E. Correia, RLJ, ano 114º, p. 365, o princípio do contraditório se traduz “ao menos, num direito à defesa, num direito a ser ouvido”.

O direito a um processo justo e equitativo aparece consagrado, nomeadamente, no artigo 14.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no artigo 6.°, § 1.°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem “ qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela …” e no nº 2, o princípio da presunção de inocência do arguido.

Deste artigo 6.°, § 1.°, decorrem explícita ou implicitamente quatro garantias gerais:

a) O direito a um tribunal independente e imparcial estabelecido pela lei;

b) A exigência de uma duração razoável do processo;

c) A publicidade no processo jurisdicional;

d) O direito geral a um processo equitativo.

Em matéria penal, a Constituição afirma que “o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa” (artigo 32º, n.° 1, da CRP).

Como dissemos, a preterição de tal formalidade, sendo que por inexistência de tradução do documento de fls. 129 e 130, equivale a que o consentimento prestado não releve, constitui nulidade sanável – 120º, nº 2, al, c), do CPP.

Segundo o artigo 118.°, «a violação ou a inobservância das disposições da lei de processo só determinam a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei» (n.° 1); quando assim não suceder, o acto ilegal é irregular (n° 2).

A norma enuncia o chamado princípio da tipicidade ou da legalidade pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm como consequência a nulidade do respectivo acto, sendo razões de economia processual as que baseiam tal diferenciação. Dentro das nulidades, o Código distingue as nulidades insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119.°, e as nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos 120.° e 121.°. O artigo 122.° regula os efeitos da declaração de nulidade e o artigo 123.° estabelece o regime das irregularidades.

As nulidades insanáveis são as que constam do artigo 119.° e ainda as que forem, como tal, identificadas em outras disposições do código. Os comportamentos referidos nas seis alíneas do artigo 119.° respeitam à constituição do tribunal colectivo ou às regras que regulam a sua composição [alínea a)], à falta de promoção do processo pelo MP e à ausência deste em actos a que devia estar presente [alínea b)], à ausência do arguido e seu defensor quando devam estar presentes [alínea c)], à falta de inquérito ou de instrução quando sejam obrigatórios [alínea d)], à violação das regras de competência do tribunal, com ressalva do n.° 2 do artigo 32.° [alínea e)] e, por fim [alínea f)], refere a norma, como fundamento de nulidade sanável, o emprego de forma de processo especial em casos não previstos legalmente.

De acordo com o n.° 1 do artigo 120.°, «qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte».

Ao contrário das nulidades insanáveis, as restantes nulidades ficam sanadas se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem aceite expressamente os efeitos do acto ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia.

Também não é possível conhecer oficiosamente das nulidades ditas relativas, que funcionam apenas ope excepcionis, mostrando que elas tutelam predominantemente interesses privados, decorrendo também de tal estrutura funcional que o acto processual é originalmente válido, assim se mantendo se e enquanto a pessoa interessada o não invalidar, exercitando o direito de arguição. Com efeito, só podendo ser conhecidas mediante suscitação de quem tem interesse na observância da disposição processual violada ou omitida, se o interessado não proceder à sua arguição dentro do prazo legalmente fixado, a lei considera o acto como válido, pese embora o vício que o afecta.

De acordo com o preceituado no n.° 3 do artigo 120.°, são as seguintes as regras quanto à oportunidade de arguição das nulidades relativas: se a nulidade respeitar a acto a que o interessado assiste, deve arguí-la antes que a realização do acto seja dada por finda, se o não fizer, fica precludida a possibilidade de o fazer mais tarde [alínea a)]; se a nulidade consistir em erro na forma de processo, o prazo de arguição é de cinco dias a contar da notificação do despacho que designou dia para a audiência [alínea b)]; se a nulidade disser respeito a acto de inquérito ou de instrução a que o interessado não tenha estado presente, o prazo de arguição é o proferimento da decisão instrutória; não tendo havido instrução, o prazo é de cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito [alínea c)]; se a nulidade disser respeito a acto relativo a uma forma de processo especial (sumário e sumaríssimo), o prazo da sua arguição é o início da audiência [alínea d)].

Visto o regime legal das nulidades e tratando-se de nulidade sanável, e porque a mesma torna inválida a realização da busca domiciliária, não sendo possível, a sua repetição (cfr. artº 122º do CPP), julgo ilegal a realização da busca domiciliária realizada na Rua …, e consequentemente, não será valorada a mesma.

(…)”


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Inconformado com o assim decidido, recorreu o Ministério Público extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1ª) No âmbito dos presentes autos e, mais concretamente no passado dia 12.06.2017, elementos do NIC de Barcelos da GNR – por suspeitas que já existiam quanto à actividade que se vinha desenvolvendo no respectivo interior - realizaram vigilância junto de um armazém sito na Avenida …, Vila Nova de Famalicão, tendo então avistado os arguidos a dirigirem-se para o respectivo interior, fazendo-se transportar no veículo automóvel de matrícula JJ.

2ª) Após o exposto e em momento em que os elementos do citado NIC da GNR tinham já na sua posse mandados emitidos pelo Ministério Público para realização de busca ao interior do dito armazém, foram os arguidos abordados por tais militares, tendo então sido encontrado e apreendido na sua posse, entre o mais, uma quantia superior a € 10.500,00 em dinheiro

3ª) Depois disso, foi então dado cumprimento aos acima mencionados mandados de busca, sendo que, no decurso de uma tal diligência, foi constatado que o interior do referido armazém era composto por várias estufas de cultivo de canabis e foram aí encontrados e apreendidos inúmeros materiais e objectos relacionados com o cultivo dessa substância estupefaciente, bem como, mais de 26 quilos ( peso bruto ) de canabis em folhas/sumidades e mais de 3.600 pés de plantas de canabis.

4ª) Nesse mesmo espaço encontrava-se também o já acima indicado veículo automóvel de matrícula JJ, da propriedade do arguido A. O., sendo que, no respectivo interior, foi encontrado e apreendido, entre o mais, um recibo de renda electrónico referente ao arrendamento de um imóvel sito na Rua … e sete molhos de chaves, sendo que um deles pertencia ao referido armazém.

5ª) Em face da apreensão das referidas chaves e do mencionado recibo de renda surgiu a suspeita forte de que os arguidos estivessem também na disponibilidade do imóvel identificado nesse documento e de que aí guardassem, igualmente, produtos estupefacientes e/ou instrumentos e utensílios relacionados com a actividade criminosa de tráfico de tais substâncias.

6ª) Tais suspeitas motivaram e justificaram que os elementos do NIC de Barcelos da GNR tivessem decidido avançar para a realização de busca também na citada habitação/imóvel e que, em face da circunstância de não possuírem mandado de busca para o efeito e de não terem possibilidade de o obterem em tempo útil – atenta a hora a que se encontravam a ser realizadas as diligências –, tivessem providenciado pela obtenção de consentimento dos arguidos para esse efeito, através da subscrição pelos mesmos de documentos redigidos nas suas línguas de origem ( holandês e turco ) através dos quais os mesmos autorizaram a realização de busca ao citado imóvel sito na Rua …, em S Mamede Infesta.

7ª) Após o exposto e na sequência dos resultados obtidos com a busca e as apreensões acima elencadas, pelas 23:00 horas do acima indicado dia 12.06.2016, foi efectuada a detenção dos arguidos em flagrante delito da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto nos arts. 21º, nº 1 e 24º, als. b) e c) do DL. nº 15/93 de 22.01 ( com referência à Tabela I-C anexa ) e aí punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

8ª) Após uma tal detenção e concretamente pelas 23:15 horas desse mesmo dia foi iniciada busca ao citado imóvel sito na Rua …, em S Mamede Infesta, local onde foi então verificado que, no interior de uma das dependências que compunham o mesmo ( um outro armazém ) funcionavam também várias estufas de cultivo de canabis e foi encontrado e apreendido, entre o mais, inúmeros instrumentos e objectos relacionados com tal cultivo, mais de 6 quilos de canabis em folhas/sumidades ( parte deles já moídos ) e 1.876 pés de plantas de canabis.

9ª) No decurso do interrogatório judicial a que os arguidos foram sujeitos após a sua detenção e apresentação ao Ministério Público, os mesmos arguiram a nulidade da busca efectuada no imóvel sito na Rua …, em S. Mamede de Infesta, tento, para tanto e em suma, alegado que não tinham sido cumpridos os formalismos de que dependia a validade, como meio de prova, dessa diligência, porquanto não dominavam a língua portuguesa e porque não tinham sido cumpridos as necessidades de informação dos direitos que lhes assistiam neste caso, argumentando que deveria ter sido nomeado um tradutor para atestar a veracidade e o conteúdo da autorização que haviam concedido.

10ª) Em face de um tal requerimento, veio o Mº Juiz a quo a proferir despacho pelo qual deu acolhimento aos argumentos avançados pelos arguidos, tendo considerado inválido o consentimento pelos mesmos prestado por não ter sido recolhido com a intervenção de um intérprete e, em consequência, declarado nula a busca efectuada ao referido imóvel.

11ª) É na discordância com esta decisão que se funda o presente recurso.

12ª) Com efeito, entendemos que, não obstante o alegado pelos arguidos no citado requerimento, certo é que os mesmos – nem quando lhes foram presentes os documentos de consentimento para assinatura, nem em momento prévio ao início do interrogatório judicial, nem quando lhes foi dada a oportunidade de se pronunciarem perante o Mº Juiz de Instrução ( estando já assistidos por mandatário e pelo intérprete presente ), nem mesmo depois aquando do requerimento apresentado pelo seu Ilustre mandatário – nunca puseram em causa o conteúdo das autorizações que prestaram para a realização da busca.

13ª) Também em nenhum momento os arguidos alegaram que o texto que consta de tais autorizações não corresponde à sua vontade de autorizar a realização de tal diligência, nunca referiram que não tinham compreendido o que estavam a assinar e a autorizar e em momento algum anunciaram que tivessem sido coagidos ou “ enganados “ pelo órgão de polícia criminal para o fazerem.

14ª) Se tal nenhuma das referidas circunstâncias foi sequer alegada pelos arguidos, não podemos compreender como pode o Tribunal a quo considerar que foram preteridos direitos fundamentais dos mesmos aquando da concretização do referido consentimento e que os documentos que os arguidos assinaram não constituem a reprodução das suas vontades nesse momento.

15ª) Se é certo que não foi possível assegurar a presença de um intérprete para a obtenção do referido consentimento, não é menos certo que o órgão de polícia criminal providenciou pela obtenção de documento de autorização traduzido nas línguas de origem dos arguidos, que lhes entregou tais documentos traduzidos para que os mesmos os lessem e que estes os assinaram de livre vontade, nada existindo nos autos que permita afirmar que os mesmos não compreenderam o respectivo conteúdo e que não tinham a perfeita consciência do que estavam a autorizar.

16ª) Em face do exposto, entendemos que as diligências efectuadas pelo órgão de polícia criminal para a obtenção do consentimento dos arguidos se revelam como suficientes para que se possa concluir, com segurança, que que estes compreenderam o conteúdo e o alcance da autorização que prestaram e que, por isso, se revela válido o seu consentimento, nos termos previstos no artº 174º, nº 5, al. b) do C. P. Penal e as subsequentes busca e apreensões realizadas.

17ª) Ao ter decidido pela invalidade do consentimento e subsequentemente pela nulidade da busca efectuada, o despacho recorrido violou, em nosso entender, o disposto no citado artº 174º, nº 5, al. b) do C. P. Penal.

18ª) Para além do que se acaba de expor e mesmo que se concluísse pela invalidade do consentimento prestado pelos arguidos, sempre se teria que considerar que, para a realização da busca acima indicada – na citada Rua das …, em São Mamede de Infesta – não era sequer necessário que tivesse sido obtido um tal consentimento.

19ª) Conforme decorre do enquadramento das diligências empreendidas e que acima elencamos, uma tal busca – iniciada pelas 23:15 horas do dia 12.06.2017 ( cfr. fls. 118 ) - sempre se encontrava legitimada pelo disposto no artº 177º, nº 2, al. c) e nº 3, al. b) do C. P. Penal, uma vez que, a mesma foi realizada na sequência da detenção dos arguidos – pelas 23:00 horas do mesmo dia ( cfr. fls. 69 ) - em situação de flagrante delito da prática de crime a que corresponde pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos, concretamente do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto nos arts. 21º, nº 1 e 24º, als. b) e c) do DL. nº 15/93 de 22.01 ( com referência à Tabela I-C anexa ) e aí punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

20ª) Nos casos em que se esteja perante uma situação de flagrante delito da prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos estabeleceu a lei uma excepção ao regime jurídico da autorização judicial prévia e mesmo à exigência de consentimento do visado, já que a gravidade e a celeridade dos interesses a proteger, com o consequente perigo social e colectivo, se não compadecem com a demora de obtenção dessa autorização ou sequer com a possibilidade de se colocar na disponibilidade do visado a realização da diligência.

21ª) Na situação em apreço, norteando-se já a investigação, no momento em que surgiu a necessidade de realização da busca, para a forte indiciação de um evidente e já agravado crime de tráfico de estupefacientes pelo qual os arguidos tinham acabado de ser detidos em situação clara de flagrante delito, estava pois dispensada a prévia autorização dos arguidos para a realização de tal diligência, ao abrigo do disposto no citado artº 177º, nº 2, al. c) e nº 3, al. b) do C. P. Penal.

22ª) Em face do exposto e mesmo que o Tribunal a quo não considerasse válido e juridicamente relevante o consentimento prestado pelos arguidos nos autos para a realização da busca, sempre deveria ter concluído pela validade desta porque realizada numa situação que cabia no referido regime de excepção e em que não era necessário nem um tal consentimento, nem autorização judicial.

23ª) Ao não ter decidido dessa forma, o despacho recorrido violou ainda o disposto no citado artº 177º, nº 2, al. c) e nº 3, al. b) do C. P. Penal.

Nestes termos e noutros, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se que o mesmo seja substituído por outro que considere validamente realizada a busca efectuada no âmbito dos presentes autos ao imóvel sito na Rua …, S. Mamede de Infesta e as apreensões efectuadas no decurso da mesma, assim se fazendo JUSTIÇA.


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O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

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Não foi apresentada resposta ao recurso.

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No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de que assiste razão ao recorrente quanto ao 1º segmento, razão porque entende merecer, neste segmento, provimento o presente recurso.

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Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta ao Parecer.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

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Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr.Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

No caso sub judice a questão suscitada pelo recorrente e que, ora, cumpre apreciar, traduz-se em saber se deverá ser revogado o despacho e determinar-se que o mesmo seja substituído por outro que considere validamente realizada a busca efetuada no âmbito dos presentes autos ao imóvel sito na Rua …, S. Mamede de Infesta e as apreensões efetuadas no decurso da mesma.


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Apreciando e decidindo

Dispõe o art. 177.º do CPP que:

1 – A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.

2 – Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:

a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;

b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;

c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.

3 – As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efetuadas por órgão de polícia criminal:

a) Nos casos referidos no n.º 5, do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas;

b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas.

E dispõe ao art.174.º do C.P.Penal, a propósito das revistas e buscas:

«1-Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.

2- Quando houver indícios de que os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservados ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.

3-As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.

4-O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.

5-Ressalvam-se das exigências contidas no n.º3 as revistas e buscas efectuadas por orgão de polícia criminal nos casos:

a) de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;

b) em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou

c) aquando da detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.

(…)

O artigo 174º, nº 5, al. b), do C. P. Penal, ressalva, assim, da validação pela autoridade judiciária, prevenida no nº 3 do mesmo normativo, as buscas efetuadas por órgão de polícia criminal nos casos em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado.

Porém, o consentimento do visado tem que ser livre e esclarecido e preceder a busca, podendo ser prestado de forma verbal, impondo-se, quando assim acontece, que, ulteriormente, tal consentimento seja documentado.

Resulta dos elementos constantes dos autos que os arguidos não são de nacionalidade portuguesa e, como referido no despacho recorrido “ (..) não dominam a língua portuguesa e pese embora na autorização de fls. 129 e 130 conste textos em outras língua, supõe o Tribunal, pela referência ao Holandês e ao Turco a fls. 129 e a fls. 130 um texto com caracteres não romanos, certo e inequívoco é que, tal como refere o MP, nada consta que os textos sejam tradução fiel aquilo que efectivamente o arguido autorizou, porquanto se impunha, a tradução nos termos legais, das referidas autorizações, com a indicação de tradutor e prestação de compromisso de honra - artº 91º, nº 2, do CPP, e 92º, nº 2 e 7, ambos do CPP.”

Com efeito, dispõe o art.92º, nº2 do CPP que quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao ato ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada, dispondo o nº7 do mesmo artigo que o intérprete é nomeado por autoridade judiciária ou autoridade de polícia criminal.

E o artigo 91º, nº2 do CPP dispõe que os peritos e intérpretes prestam, em qualquer fase do processo, compromisso nos termos aí consignados.

Trata-se de casos de particular vulnerabilidade do arguido em que o legislador entendeu que se impunha, por uma questão de equilíbrio no processo, a obrigatoriedade de assistência por tradutor com compromisso prestado.

Assim sendo, e como também é, bem, referido no despacho recorrido “ (…) impunha-se a menção do auto de autorização ou em documento anexo, a indicação de intérprete e que o mesmo, além de prestar compromisso de honra nos termos legais, certificasse a genuinidade da tradução das autorizações em causa, porquanto só dessa forma se salvaguarda que os visados ficam cientes da integralidade e do conteúdo dos documentos que assinaram, o que não foi feito. Aliás, entendimento oposto consistiria em fazer tábua rasa da imposição legal de intervenção de intérprete em actos/diligências em que os visados não dominem a língua portuguesa.”

No presente caso, não sendo os arguidos de nacionalidade portuguesa, impunha-se que o consentimento para a realização da busca domiciliária fosse dado na presença de intérprete com compromisso prestado, o que não ocorreu.

E a ausência de intérprete, constitui nulidade sanável.

Há, pois, que considerar como não válido o consentimento prestado pelos arguidos para a realização da busca domiciliária, constante do termo de fls.2 e 3 deste apenso de recurso, por ter sido prestado na ausência de intérprete com compromisso prestado.


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Vejamos, agora, se o consentimento dos arguidos era dispensável, bem como a própria autorização judicial, por estarmos perante crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.

Dispõe o art. 256.º do CPP que:

1 – É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer.

2 – Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar.

3 – Em caso de crime permanente, o estado de flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar.

«É costume distinguir-se na análise da definição legal, o flagrante delito, o quase flagrante delito e a presunção de flagrante. Flagrante delito é a atualidade do crime; o agente é surpreendido a cometer o crime. No quase flagrante o agente já não está a cometer, mas é «surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas sempre ainda no local da infracção em momento no qual a evidência da infracção e do seu autor deriva directamente da própria surpresa». Na presunção de flagrante delito o agente é perseguido por qualquer pessoa, logo após o crime, ou é encontrado a seguir ao crime com sinais ou objectos que mostrem claramente que cometeu o crime ou nele participou.» - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo II, pág.184.

Vejamos:

Como já se disse, as buscas domiciliárias têm o seu regime especificamente regulado no art. 177 do CPP, e as realizadas entre as 21h e as 7h só podem ser efectuadas por órgão de polícia criminal: - no caso do consentimento do visado, documentado por qualquer forma, ou - em flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos [art. 177/3b) e 2b) e c), do CPP].

E é diferente o pressuposto do art. 177/2b) do CPP – ‘flagrante delito’ – e o do art. 174/5c) do CPP – ‘aquando de detenção em flagrante’. Num caso refere-se a um crime que se está ou acabou de cometer, o outro, refere-se à situação subsequente a uma detenção em flagrante. São situações diferentes. E é só aquele que está em causa no caso da aplicação do art. 177/3b).

Importa ver, então, se estamos perante flagrante delito.

Como resulta do auto de detenção inserto a fls.112 deste apenso os arguidos “foram detidos em flagrante delito pelo crime de Tráfico de Estupefacientes” pelas 21h00 do dia 12 de Junho de 2017, e a busca domiciliária na Rua … S.Mamede de Infesta, como resulta do auto de busca inserto a fls.119 a 130 deste apenso, só ocorreu pelas 23h15m do dia 12 de junho de 2017 prolongando-se para as 4h30m do dia 13 de Junho de 2017.

Assim sendo, é manifesto que a situação dos autos não integra um caso de flagrante delito aquando da realização da busca domiciliária na Rua … S.Mamede de Infesta.

Não tendo havido consentimento válido para a realização da referida busca domiciliária noturna nem um caso de flagrante delito aquando da mesma, é tal busca realizada pelo órgão de policial criminal ilegal e, consequentemente, um meio proibido de prova, não podendo ser utilizadas as provas obtidas através dela, nos termos do disposto nos arts. 125.º e 126.º, n.º 3, ambos do CPP.

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, considerando nula a busca domiciliária efetuada na Rua das Flores nº60, 4465-134 S.Mamede de Infesta e a subsequente apreensão.

Sem custas.


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Elaborado e revisto pela primeira signatária
Guimarães, 23 de Outubro de 2017

Laura Goulart Maurício
Alda Tomé Casimiro