Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
321/14.5TBPRG-J.G1.
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: SELEÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TEMAS DA PROVA
SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS DA QUESTÃO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE A NULIDADE DA DECISÃO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Relativamente aos temas de prova, a nova legislação processual civil apenas se adoptou um novo paradigma, com vista a permitir que na instrução seja permitido fazer-se uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa.

II- Contudo, não se deixou de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir, os factos que consabidamente, de acordo com as regras processuais aplicáveis, se devam ter como assentes ou se reconheçam como de relevo para esse efeito.

III- Por isso, na selecção da matéria de facto controvertida o juiz continua a não dever adstringir-se a determinada solução jurídica do pleito, devendo antes ter em consideração toda aquela que se revele necessária ao permitir da adopção de qualquer solução da causa.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: - L... e A…

- M…

Recorridos: - L…

- M…

Tribunal Judicial de Peso da Régua.

L… intentou, com intervenção provocada de J…, L…, D… e A…, a presente acção de processo especial de prestação de contas contra M…, pedindo que a ré preste contas relativas à administração dos bens que integram a herança de M…, pai da autora, desde 21 de Março de 1991 até 16 de Abril de 1999.

Citada que foi de forma válida e regular, a R. apresentou contestação, alegando, em síntese, ser o seu filho mais velho quem tratava dos assuntos da herança, tendo ainda invocado a prescrição do direito de exigir a prestação de contas referentes aos anos de 1991, 1992 e 1993, e referido ainda terem já sido destruídos documentos contabilísticos referentes ao ano de 2002 e anos anteriores.

Procedeu-se à produção dos meios probatórios arrolados e foram juntos aos autos os documentos solicitados.

Posteriormente, foi proferida decisão em que se determinou que a Requerida prestasse contas, nos termos do disposto nos artigos. 2093º, do Código Civil e 1016º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, com referência às rendas provenientes dos prédios identificados no ponto 11 da petição, nos anos de 1994 até 16 de Abril de 1999, inclusive.

Inconformada com tal decisão, apelou a Requerida, M… e, pugnando pela sua revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

“1.º O objecto deste recurso cinge-se à verificação de nulidade de sentença prevista no art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.

2.º Com efeito, em sede de Contestação, além do mais alegou a ora Recorrente (art.º 14.º, 15.º 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º 24.º, 25.º, 26.º e 28.º) nunca ter assumido quaisquer funções na administração da Herança, e que o cargo de cabeça de casal sempre foi exercido pelo seu filho J….

3.º O tribunal a quo não se pronunciando sobre tais factos, omitindo-os no que concerne à selecção da matéria de facto, deixa de pronunciar-se sobre questões de que deviam conhecer, por terem sido invocadas e porque interessam para a boa decisão da causa e descoberta da verdade – praticando a nulidade prevista no art.º 615.º n-º 1 al. d), o que desde logo se invoca para os devidos efeitos legais.

4.º Não obstante, entendeu a Mma. Juiz a quo, que “… nesta fase do processo o Tribunal apenas poderá proferir decisão sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas – art.º 1014.º n.º 3 do Código de Processo Civil”.

5.º Discordamos, os AA alegam que a Ré é a cabeça de casal da Herança aberta por óbito de M… que esta “Desde a abertura da sucessão, ocorrida em 21 de Março de 1991, até Abril de 1999 a Ré não prestou contas da sua administração enquanto cabeça de casal.”

6.º Ora, se efectivamente, a administração da herança até à sua liquidação e partilha incumbe ao cabeça de casal, que deve prestar contas anualmente – Arts 2.079º e 2.093º, nº 1 CC., a verdade é que, o facto de entre a abertura da herança e a instauração do inventário mediar, por vezes, um grande lapso de tempo, levou a doutrina a distinguir entre cabeça de casal de facto e cabeça de casal investido, o que tem repercussões a nível processual, designadamente quanto ao processo a utilizar na prestação de contas.

7.º Desta feita, o processo especial de prestação de contas do artº 1.019º CPC só pode reportar-se ao período de tempo em que, após a sua investidura judicial, o cabeça de casal administrou os bens da herança, sendo o pedido processado por dependência do inventário, 8.º Sendo que em período antecedente ao da nomeação judicial de cabeça de casal, a acção deve ser interposta contra quem efectivamente exerce o cargo de cabeça de casal – o chamado cabeça de casal de facto nos termos do disposto no art.º 1014.º do CPC.

9.º É pois evidente que no âmbito de um processo de prestação de contas não é indiferente, a averiguação de quem exerce efectivamente o cargo de casal.

10.º Efectivamente e como resultou comprovado em sede de audiência de discussão e julgamento, nunca foi a R. que efectivamente exerceu o cargo de cabeça de casal, não estando por isso em condições de prestar contas.

11.º Ou seja, nos presentes autos estamos pois perante a falta de um pressuposto processual da ilegitimidade passiva, que só por si impõe a absolvição da Instância relativamente à R. e nos reconduz para o erro sobre a forma do processo, na medida em que a impor-se que seja instaurada contra outro interessado no inventário que não a cabeça de casal, deveria a presente acção seguir seus termos fora do processo de inventário, ou seja os termos do art.º 1014.º do CPC.

12.º Isto posto, impunha-se ao Tribunal a quo tomada de posição relativamente aos factos alegados sob os art.ºs 14.º, 15.º 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º 24.º, 25.º, 26.º e 28.º da Contestação, no sentido de os dar ou não como provados.

13.º E só ante a decisão acerca da matéria de facto em questão se poderia decidir de mérito, motivo pelo qual se verifica in casu a aludida nulidade de sentença o que se invoca para os devidos efeitos legais”.

*

Em razão de ter sido determinada a procedência parcial das pretensões que formularam, vieram também as Requerentes A… e L…, interpor recuso de apelação da aludida decisão, pugnando pela sua revogação, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:

“I. A presente acção - conforme resulta da própria petição inicial – foi proposta a 13 de Dezembro de 2012 e não em Maio de 2013 conforme refere a sentença, pelo que, se ocorresse prescrição – que não ocorre – sempre seria desde Dezembro de 2012 e não Maio de 2013;

II. Apresentada resposta à invocada excepção de prescrição tal resposta teria de ser obrigatoriamente valorada;

III. A entrada em juízo de uma acção na qual é peticionada a prestação de contas interrompe o prazo de prescrição (art. 323º do Cod. Civil);

IV. A prescrição não começa nem corre entre pessoas cujos bens estejam sujeitos por lei à administração de outrem (como é o caso da cabeça de casal) até serem aprovadas as contas finais.

V. Por outro lado, o prazo da prescrição da obrigação de prestação de contas, em que o saldo não está líquido, porquanto importa descontar as despesas realizadas face às receitas obtidas, só começa a correr desde a altura em que o credor pode promover a liquidação da dívida, ou seja, desde o dia em que o crédito se torna líquido, quer por acordo, quer por decisão transitada em julgado.

VI. Se a cabeça de casal não prestou as contas não se iniciou qualquer prazo prescricional;

VII. Constando dos autos documentos que confirmam a distribuição de lucros em determinados anos a sua não valoração tem de ser devidamente fundamentada;

VIII. Ficou absolutamente demonstrado com os documentos juntos pela requerente que a Sociedade Agrícola Q…Lda. procedeu à distribuição de lucros, para além dos anos 1992/1993, nos anos de 1995, 1998 e 1999.

IX. Ao decidir que nenhuma prova foi produzida a tal propósito quando dos autos constam documentos que provam exactamente o que vem alegado constituiu, pelo menos, um erro manifesto na apreciação da prova;

X. Confessando a cabeça de casal que nenhumas contas prestaram desde a abertura da sucessão, ocorrida em 21 de Março de 1991, até Abril de 1999 - e constando tal confissão de assentada - não pode a decisão limitar-se a considerar provado que a cabeça de casal não prestou determinadas contas durante um limitado período. Essa decisão é completamente contrária ao confessado.

XI. É por demais evidente que as provas careadas nos autos, seja ela documental seja a confissão da ré lavrada em assentada não foi valorada na sentença em crise.

XII. Não pode, sem qualquer justificação ou fundamentação, decidir-se contra as provas evidentes existentes nos autos

XIII. Ao decidir como decidiu a sentença proferida violou o disposto nos arts. 323º, 326º, 352º, 356º nº 2, 358º nº 1, 362º do Cod. Civil e 463º do Cod. Proc. Civil.

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As Apeladas, Requerentes, apresentaram contra alegações, concluindo pela improcedência do recurso interposto pela Requerida.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar da invocada nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia;

- Apreciar se em razão dos factos tidos como demonstrados existe ou não a obrigação de prestar constas;

- E, na hipótese afirmativa, em face da materialidade tida como demonstrada, qual a amplitude dessa mesma obrigação.

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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

1. M… faleceu em 21.03.1991, no estado de casado com M… (fls. 18).

2. Do casamento referido em 1, resultaram cinco filhos, os aqui autores.

3. A ré, cabeça-de-casal, da herança aberta por óbito do seu ex-marido, não prestou as contas acerca da administração dos bens da referida herança, no tocante às rendas provenientes dos prédios descritos no ponto 11 da petição, no período que mediou entre os anos de 1994 até 16 Abril de 1999, inclusive.

Fundamentação de direito.

A questão suscitada pela Recorrente/Requerida, relativa à nulidade da sentença, tem de ser apreciada, naturalmente, com prevalência sobre as demais, pois que a sua eventual procedência implica, de facto, a nulidade da decisão proferida, conforme sustentado pela arguente.

Invoca a Recorrente a violação, por parte da decisão recorrida, do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C., cuja nulidade abrange os casos nulidades da “omissão de conhecimento” e do “conhecimento indevido”.

O primeiro desses casos consiste, assim, no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no art. 608º, nº 2 do C.P.C..

Como é consabido, tem constituído posição pacífica na doutrina a que vai no sentido de relacionar este vício da sentença com o dispositivo do art. 680º do C.P.C., havendo, assim, de, por ele, ser integrado.

Daí que se possa afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

Daqui decorre que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie o divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.

A segunda hipótese prevista na alínea – a do conhecimento indevido ou excesso de pronúncia – é exactamente a inversa da primeira situação, verificando-se em todos aqueles casos em que sejam conhecidas e apreciadas questões que na sentença não podiam ser tratadas ou julgadas, por não terem sido colocadas em causa por qualquer das partes e não serem de conhecimento oficioso.

Ora, aqui chegados, vejamos então se a a decisão recorrida deixou de se pronunciar sobre qualquer questão que estivesse obrigada a conhecer, como pretende a Recorrente.

A sustentar esta sua pretensão, e como se deixou dito, alega a Recorrente que o tribunal à quo não conheceu da questão atinente aos factos por si alegados na contestação, designadamente, nos artigos 14.º, 15.º 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º 24.º, 25.º, 26.º e 28.º, dos quais resultava nunca ter ela assumido quaisquer funções na administração da herança, tendo o cargo de cabeça de casal sempre sido exercido pelo seu filho J… .

E, ao não se pronunciar sobre esses factos, omitindo-os no que concerne à selecção da matéria de facto, deixou de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer, por terem sido invocadas e porque interessam para a boa decisão da causa e descoberta da verdade, praticando, assim, a nulidade prevista no art.º 615.º n-º 1 al. d), do no C.P.C..

A propósito da questão suscitada começaremos por referir que ela contende e a mais se não subsume do que à questão de saber, de entre a factualidade alegada pelas partes, qual é aquela que o Juiz deverá seleccionar e ao abrigo de que critérios, e isto, quer se trate de materialidade confessada ou assente, ou de materialidade controvertida

Ora, como é consabido, a possibilidade de conhecimento do mérito da causa no despacho saneador só foi consagrada no Decreto n.º 18.552, de 03.07.1930, que veio permitir o julgamento antecipado da lide, quando o processo contivesse todos os elementos necessários para esse efeito, estipulando-se no artigo 510.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (na redacção dos Decretos-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro e n.º 180/96, de 25 de Setembro), que, “findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere, no prazo de vinte dias, despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos, ou de alguma excepção peremptória”, tendo tal despacho, para todos os efeitos, o valor de sentença.

E, sempre que assim não pudesse acontecer, por falta desses elementos, dispunha-se no artigo 511.º, n.º 1, desse mesmo diploma que “O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”.

Com a consagração deste regime processual mais se não pretendeu do que evitar o arrastamento de acções que logo nesta fase já contenham todos os elementos necessários a uma boa decisão e em que as partes apenas discordem da solução jurídica da questão a dirimir.

Contudo, a adopção desta solução, tendo como subjacentes razões de celeridade, salvaguardam, no entanto, ou assentam no pressuposto, de que seja sempre possibilitada às partes a discussão e prova, em sede de audiência, da factualidade que alegam e que poderá conduzir a soluções jurídicas muito mais abrangentes, ainda que se não afigurem possíveis na fase do saneador ou, pelo menos, a um desfecho diverso daquele que ao juiz do processo pareça ser o correcto nesse momento processual.

E assim sendo, nessas situações, em ordem a que se proceda a uma clarificação da factualidade alegada, deverá o juiz proceder a realização de audiência de julgamento, momento processual adequado à prossecução desse desiderato, abstendo-se, por consequência de proferir decisão a conhecer do pedido, o que, como se deixou dito, somente deverá fazer no despacho saneador sempre que o processo contiver todos os elementos que possibilitem decisões segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não simplesmente aqueles que possibilitem a decisão de conformidade com o entendimento do juiz do processo.

Destarte, sempre que uma dessas soluções impuser o prosseguimento do processo em ordem ao apuramento dos factos alegados, não pode proferir-se decisão sobre o mérito da causa, e, na dúvida, deve o processo prosseguir os seus normais termos, com a organização de uma base instrutória e a passagem à instrução e produção das provas, apresentando-se excepcional o conhecimento antecipado de mérito e normal o seu prosseguimento para a fase de julgamento.

Como refere A. Varela, “excepcional é que, com o encerramento dos articulados, o julgador tenha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução da questão de direito exclusivamente suscitada pelas partes, ou encontre nos autos todos os elementos de prova essenciais ao julgamento da matéria de facto envolvida no litígio”[1).

Assim, (…) quer na selecção dos factos assentes, quer na selecção dos factos controvertidos, o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável.

A Base Instrutória, no respeito da matéria alegada, como é evidente, deve permitir a discussão ampla da matéria de facto de modo a que seja possível encontrar para o caso, tal como emerge do julgamento da matéria de facto, a solução de direito que decida com justiça.

Nos termos da lei, a BI não deve apertar a discussão a uma única solução da questão de direito (que afinal pode não ser a adequada), mas a outras que se mostrem legalmente plausíveis, como já se disse”.

E se isto assim era no domínio da lei processual anterior, nada se alterou de relevante com a entrada em vigor do novo código de processo civil.

Na verdade, e no essencial do que contende e pode estar em causa na situação em apreço, as regras que integram os supra aludidos cânones comuns vigentes em processo civil, a que a actividade do tribunal tem de obedecer, são, na sua substancia, idênticas, designadamente, com relação aos factos que se devem considerar confessados em razão do ónus da impugnação especificada (Cfr. art.º 574 do actual C.P.Civ.), bem com, com relação às demais regras subsidiariamente aplicáveis (Cfr. art.ºs 591, nº 1, al. g) e 596, nº 1), do actual C.P.Civ.), cujas alterações, não se assumem de relevo para os aspectos agora em referência.

A principal decorre do disposto no artigo 596, nº 1, do C.P.C., que, derrogando o artigo 511, do diploma anterior, passou a estipular que, “proferido o despacho saneador, quando a acção houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova”, e não já, como no domínio da legislação anterior, que “o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”.

Mas, como se refere na exposição de motivos da proposta de lei 113/XII/2ª, “(…) Relativamente aos temas de prova a enunciar, não se trata de uma quesitação atomística de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decora sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais facilmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos factos. Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, travando a vertente fáctica da lide, se limite a responder a questões até eventualmente não formuladas”.

Assim, a grande alteração foi de paradigma. Visou-se que na instrução seja permitido fazer-se uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir, os factos que consabidamente, de acordo com as regras processuais aplicáveis, se devam ter como assentes ou se reconheçam como de relevo para esse efeito.

Portanto, e concluindo, concordamos com Alberto dos Reis quando tratando a questão que nos ocupa refere o seguinte: “Tudo isto mostra que o juiz não deve, na elaboração do questionário, adstringir-se a determinada solução jurídica do pleito; há-de formular os quesitos que permitam qualquer solução plausível”[2].

Assim, e à semelhança do que sucedia na vigência do anterior Código de Processo Civil, cujo artigo o artigo 513.º dispunha que a instrução tinha por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, a instrução, no código actual, tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, sendo que, em conformidade com o que se dispões no artigo 410.º, desse mesmo diploma, a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.

Por isso, a “prova continuará a incidir sobre os factos concretos que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados (…), bem como sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou não, a ocorrência destes factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta dedução, uns e outros denominados como factos instrumentais” [3], fazendo-se, como se deixou dito, “uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir, devendo a decisão “incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais”[4].

E é a luz de tudo quanto se acaba de expor que cumprirá analisar e decidir da questão que ora nos ocupa.

Ora, como supra se referiu a Requerida alegou não ter sido ela nunca quem efectivamente exerceu o cargo de cabeça de casal, pelo que, também e, por isso, não estará obrigada a prestar contas.

E, compulsados os autos constata-se que, efectivamente, não obstante ter sido alegada pela Requerida a aludida materialidade, o certo é que uma tal factualidade não foi objecto de resposta por parte do tribunal que, ao assim actuar, omitiu, de facto, o seu conhecimento.

E, se isto assim sucedeu, parece-nos, por outro lado, incontroversa a sua relevância da mencionada matéria de facto, alegada pela Requerida, para a boa decisão da questão em apreço, da perspectiva supra expendida, ou seja, de molde a permitir a discussão ampla da matéria de facto de modo a que seja possível encontrar para o caso, tal como emerge do julgamento da matéria de facto, a solução de direito que decida com justiça, e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que se tem como aplicável.

Na verdade, como refere Vaz Serra, a obrigação de prestar contas “tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios. Umas vezes, é a própria lei que impõe expressamente tal obrigação; noutras, o dever de apresentar contas resulta de negócio jurídico ou do princípio geral da boa-fé. Por consequência, a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas não releva; o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte”[5].

Uma tal obrigação - de prestação de contas – assenta sempre no pressuposto de que alguém administrou ou está a administrar bens ou interesses alheios e, por isso, deve prestar contas dessa administração, mesmo que se trate de mera administração de facto, sem que ao administrador assistam poderes legais ou convencionais para estar a administrar os bens ou interesses em causa, mas a que a lei faz corresponder a fonte dessa obrigação, sendo que, e por decorrência, a acção com processo especial de prestação de contas tanto pode ser proposta por quem tem direito a exigir a prestação de contas (prestação forçada), como por quem tem o dever de prestá-las (prestação espontânea).[6]

Assim, e como se refere no Acórdão desta Relação, de 12/12/2013, “qualquer interessado pode requerer a prestação de contas por parte do cabeça de casal no período do exercício do cabeçalato, através do processo de prestação de contas na dependência do inventário, independentemente de este processo estar findo, pois que, a obrigação de prestação de contas só prescreve no prazo de 20 anos a contar do termo do primeiro ano que se segue ao desempenho da função.

Contudo, a prestação de contas pelo cabeça-de-casal como dependência do inventário, só é devida quanto aos bens que efectivamente administra, pois que pode suceder que, de facto, alguns bens sejam detidos por outro interessado, que os administram.

Neste caso, o interessado administrador de facto, não fica na posição de cabeça de casal, mas nem por isso fica desonerado da obrigação de prestar contas pela sua administração.

Seguindo o entendimento de Lopes Cardoso (Partilhas Judiciais, 3.º edição, vol III, pag. 60), quer o cabeça-de-casal, quer os demais interessados podem exigir a prestação de contas não por via do dito processo especialíssimo, ou seja por dependência do inventário, mas antes intentando processo de prestação de contas autónomo”.[7]

Daqui resultam, e de modo incontornável, com relevância para a questão que ora nos ocupa, algumas conclusões, e, designadamente:

- Por um lado, estará obrigado a prestar contas todo aquele que realmente administra os bens, seja ou não cabeça de casal;

- E se o administrador do património a partilhar for o cabeça de casal o meio processualmente adequado à prestação será o processo de prestação de contas na dependência do inventário nos termos do art.º 1019.º, do C.P.C..

- Sempre que um interessado na partilha, que não tenha a qualidade de cabeça de casal, detenha e administre o património a partilhar, processo próprio para exigir contas desse interessado no inventário é o processo de prestação de contas autónomo nos termos dos art.ºs 1014.º a 1017.º do CPC.

De tudo quanto antecede como óbvia flui a conclusão de que o esclarecimento da questão suscitada pela Recorrente, atinente à questão de saber quem, efectivamente, exerceu as funções de cabeça de casal ou, e mais apropriadamente, quem realmente exerceu a actividade de administração do património a partilhar, afigura-se absolutamente incontornável para a decisão, ou até, e previamente, para o tipo de decisão que nela haverá de ser proferida, ou seja, se será uma decisão de mérito ou antes um decisão de fundamentos adjectivos.

E assim sendo, resta-nos, pois, por força do estatuído nos artigos 615, nº 1, alínea d) e 662º, nº 4 do CPC, anular a decisão proferida em primeira instância, para que aí, em novo julgamento, seja suprida a omissão de pronúncia quanto aos apontados factos, proferindo-se subsequentemente nova sentença.

Desta forma, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelos Recorrentes. - artigo 608, nº2, do C.P.C..

Sumário – artigo 663, nº 7, do Código de Processo Civil.

I- Relativamente aos temas de prova, a nova legislação processual civil apenas se adoptou um novo paradigma, com vista a permitir que na instrução seja permitido fazer-se uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa.

II- Contudo, não se deixou de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir, os factos que consabidamente, de acordo com as regras processuais aplicáveis, se devam ter como assentes ou se reconheçam como de relevo para esse efeito.

III- Por isso, na selecção da matéria de facto controvertida o juiz continua a não dever adstringir-se a determinada solução jurídica do pleito, devendo antes ter em consideração toda aquela que se revele necessária ao permitir da adopção de qualquer solução da causa.

IV- DECISÃO.

Em face do exposto, na procedência da arguição da nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia quanto à factualidade supra referida, acordam os Juízes desta secção cível em anular essa sentença, determinando a repetição do julgamento para suprimento da falta, que não abrangerá a parte não viciada, podendo, no entanto, o tribunal de primeira instância ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão a proferir.

Não são devidas custas pela Recorrente.

Guimarães, 04/ 12/ 2014

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo

[1] Cfr. Antunes Varela e outros no seu “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, ano de 1985, a páginas 385.

[2] Cfr. A. dos Reis Código de Processo Civil, Anotado, vol. III, pág.222.

[3] Cfr. Cfr. Lebre de Freitas, in Sobre o novo Código de Processo Civil – Uma visão de fora, pág. 19,in http://cegep.iscad.pt/images/stories).

[4] Cf. Lebre de Freitas, ob cit., pg. 19.

[5] Cfr. Vaz Serra, Scientia Iuridica, vol. XVIII, 115.

[6] Cfr. Alberto dos Reis, “Processos Especiais, vol I, pag. 303 Coimbra,.

[7] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/12/2013, in www.dgsi.pt.