Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
49473/22.8T8YIPRT.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: INJUNÇÃO
CAUSA DE PEDIR
INEPTIDÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1.- Embora o requerimento de injunção seja deduzido num formulário, sem necessidade de ser articulado, certo é que do mesmo tem que resultar expresso o fundamento da pretensão, ainda que sucintamente, como decorre da alínea d) do nº 2 do artigo 10º do DL 269/98 de 1/9.
2.- O demandante ao exercer o seu direito à ação tem que efetuar uma delimitação concreta do objeto da ação, definindo de forma percetível o âmbito do que o tribunal deve conhecer e dando a possibilidade à parte contrária de se defender do que é invocado.
3.- Quando a causa de pedir é a celebração de um contrato e o seu incumprimento, compete ao autor alegar concretizar tal contrato, quer quanto à sua celebração, quer quanto ao seu conteúdo, indicando pelo menos as cláusulas essenciais definidoras do negócio celebrado e as que deram origem à obrigação peticionada e que terão sido violadas, bem como os factos (ações ou omissões) em que se traduziu o incumprimento por parte do requerido.
.4- A consequência da violação grave deste dever está prevista no artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código de Processo Civil: a falta de indicação da causa de pedir importa a ineptidão da petição inicial e conduz à nulidade de todo o processo.
.5- O despacho de aperfeiçoamento destina-se aos casos em que foi indicado o objeto da ação de forma suficientemente identificadora, mas se omitiram alguns dos factos necessários para a procedência da ação, não para os casos em que a omissão de factos foi de tal modo vasta que não se pode considerar que a parte chegou a definir a causa de pedir nos seus aspetos essenciais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Autora e Recorrente: C... SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A,
Ré e Recorrida: S... - Construção e Promoção, Lda
Autos: ação declarativa originada em injunção

I- Relatório

A Recorrente apresentou requerimento injuntivo, assinalando que se está perante “Obrigação emergente de transação comercial (DL n.º 62/2013, de 10 de maio)”.
Mais preencheu os dados identificativos da obrigação peticionada da seguinte forma: “solicita que seja notificado o requerido no sentido de lhes ser paga a quantia de € 9644,38, conforme discriminação e pela causa a seguir indicada: Capital: € 9 005,00 Juros de mora: € 497,38 à taxa de: 0,00%, desde até à presente data; Outras quantias: € 40,00 Taxa de Justiça paga: € 102,00, contrato de seguro; Data do contrato: 01-01-2020, Período a que se refere: 01-01-2020 a 05-05-2021”

Escreveu, na parte do requerimento dedicada à “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”:

“1.ª - A Requerente é uma Sociedade que se dedica à atividade seguradora.
2.ª - No exercício da sua atividade, a aqui requerente “C..., S.A.” celebrou com a Requerida S... - Construção e Promoção, Unipessoal, Lda., um contrato de seguro de acidentes de trabalho - apólice de Seguro nº ...77, pelo qual a Requerida transferiu para a aqui Requerente a sua responsabilidade infortunística derivada de acidentes laborais;
3.ª – Em resultado dessa transação comercial, a aqui Requerida ficou a dever à aqui Requerente o valor de 9.005,89 euros referente ao prémio de seguro correspondente ao período de 01-01-2020 a 05-05-2021;
4.ª – Não obstante ter sido interpelada para pagamento, a Requerida, até hoje, nada pagou;
5.ª – A data Limite de Cobrança reporta-se a 20-07-2021;
6.ª – Sobre o valor em dívida, venceram-se, até 16 de maio de 2022, juros de mora no montante de 497,38 euros – juros comerciais de mora calculados à taxa de 7% ao ano;
7.ª – Com Despesas de Cobrança, a Requerida deve á Requerente quantia não inferior a 40,00 euros, ( art.º 7.º do Dec. Lei 62/2013, de 10 de Maio;
8.ª – Deve, assim, a Requerida ser condenada a pagar à Requerente a quantia de 9.543,27 ( 9.005,89 + 497,38 + 40,00 ), bem como a taxa de justiça por esta suportada com a interposição do presente requerimento de injunção e os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.”
- A Requerida deduziu oposição, na qual invocou a ineptidão da petição inicial por a impedir de apresentar uma cabal defesa e salientou que a requerente não alegou factos essenciais, como a data, início, período, modalidade, valor do prémio, descritivo, entre outros, do alegado contrato de seguro, bem como não referiu a origem descriminada do valor do prémio que reclama, afirmando nada dever à Requerente.
Foi proferida decisão que absolveu a requerida da instância, por falta de causa de pedir, visto que do requerimento injuntivo não constava a data do início do alegado contrato celebrado, a data da celebração, o período de duração do contrato, a modalidade e abrangência do seguro, ou até o valor do prémio, como, quando, onde e em que termos foi celebrado o contrato em causa, nomeadamente se se tratava de uma eventual renovação contratual ou novo contrato e a forma de interpelação.

Foi interposto recurso de apelação pela Autora, a qual, em síntese, alegou nas suas
conclusões:

1.ª - Vem o presente recurso impugnar a decisão que julgou procedente a verificação da ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir e em consequência absolveu a requerida da instância.
Cremos que sem razão. Vejamos.
2.ª - Como bem se refere na sentença recorrida, uma das exigências do requerimento de injunção é a exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão do requerente (cfr. artº 10º, nº 2, al. d) do D.L. Nº269/98, de 1 de Setembro), ou seja, a indicação da causa de pedir.
 3.ª - A aqui recorrente alegou expressamente que:
“1.ª - A Requerente é uma Sociedade que se dedica à atividade seguradora.
2.ª - No exercício da sua atividade, a aqui requerente “C..., S.A.” celebrou com a Requerida S... - Construção e Promoção, Unipessoal, Lda., um contrato de seguro de acidentes de trabalho - apólice de Seguro nº ...77 – entretanto corrigida -, pelo qual a Requerida transferiu para a aqui Requerente a sua responsabilidade infortunística derivada de acidentes laborais;
3.ª – Em resultado dessa transação comercial, a aqui Requerida ficou a dever à aqui Requerente o valor de 9.005,89 euros referente ao prémio de seguro correspondente ao período de 01-01-2020 a 05-05-2021;
4.ª – Não obstante ter sido interpelada para pagamento, a Requerida, até hoje, nada pagou;
5.ª – A data-Limite de Cobrança reporta-se a 20-07-2021;
4.ª - Ora, na nossa opinião, encontra-se expressamente indicada a “causa de pedir” como sendo o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar – ou seja, o não pagamento do valor de 9.005,89 euros referente ao prémio de seguro correspondente ao período de 01-01-2020 a 05-05-2021;
5.ª - É este o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu ́ pedido...”
6.ª - Entendemos que o assim alegado, ainda que de forma sucinta, permite, não só a parte contrária como também o juiz de saber o que esta em causa nos autos, isto é́, o que as partes pretendem que seja dirimido na ação.
7.ª - Ora, entendemos que dos factos alegados no requerimento de injunção consta, de forma expressa, a indicação da causa de pedir em que fundamenta o pedido formulado.
8.º - Ou seja, do requerimento de injunção constam os factos jurídicos concretos ́ que integram a respectiva causa de pedir, embora com uma narração em termos sucintos, sintéticos e breves (conforme art.º 10.º n.º 2 do DL 269/98).  ́
 9.ª – Acresce dizer que, face ao teor da oposição da requerida/Ré, verificamos que esta interpretou convenientemente os factos constantes do requerimento de injunção, alegando que não deve à requerente o referido valor de prémio de seguro ou outro.
10.ª - Ainda que se considerasse que a petição não era clara e suficiente quanto àqueles pedidos, que considerou, julgando-os relevantes para o reconhecimento do direito invocado pela autora, deveria a Mª Juíza “a quo”, oficiosamente, ter determinado que a recorrente aperfeiçoasse a petição inicial, suprindo as omissões detetadas, no prazo fixado e só depois é que poderia extrair as consequências de tal omissão, caso aquela não suprisse as insuficiências.
11.ª - Resulta da oposição da requerida que a mesma interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pela autora e, em consequência, requerendo a sua absolvição daqueles.
12.ª - Razão porque, também, por esta razão, a decisão recorrida não poderia ter sido proferida nos termos em que o foi, julgando procedente a ineptidão arguida pela requerida/Ré.    .
13.ª - Caso entende-se de outra forma, poderia e devia o Tribunal recorrido convidar a aqui recorrente a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, ou ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada – Vide art.º 590.º do CPC, n.ºs 3 e 4.
14.ª - Termos em que deve revogar-se o despacho recorrido, na medida em que absolveu a Ré da instância, por considerar a petição inicial inepta, ordenando-se o prosseguimento da ação nos termos normais com vista à sua apreciação, sem prejuízo das diligências que se considerem necessárias.
 15.ª - Ao assim não decidir, o Tribunal recorrido violou, entre outras disposições legais, o disposto no art.º 10.º, n.º 2, al. d) do D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro, o n.º 1 do art.º 552.º do CPC, e nos arts. 580.º e 581.º do CPC .
 Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada na medida acima assinalada, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”

A Ré respondeu, pugnando pela confirmação da sentença, com as seguintes
conclusões:

1. O requerimento injuntivo sucinto não é um requerimento omisso de factos que motivam ou fundamentam a pretensão, como se encontra o requerimento injuntivo da recorrente/autora.
2. No requerimento injuntivo/petição inicial a recorrente alegou somente que autora e ré celebraram um contrato de seguro de acidentes de trabalho e a ré ficou a dever o valor de 9.005,89€ referente ao prémio de seguro correspondente ao período de 01.01.2020 a 05.05.2021.
3. É manifesto que não foram concretizados os termos da celebração do alegado contrato de seguro, nem foram alegadas as condições gerais e particulares do mesmo, bem como o início e forma de celebração, nem foi alegado como, quando e até de que forma e onde se celebrou o alegado contrato.
4. Não foi alegado a data do início do alegado contrato, a data da celebração do mesmo, o período de duração do contrato, a modalidade e abrangência do seguro, ou até o valor do prémio e data de vencimento, ou ainda se eventualmente se tratou de renovação contratual ou de novo contrato.
5. Bem como nem sequer foi alegado de forma sucinta como, quando, onde e em que termos foi celebrado o alegado contrato, entre outros factos não alegados.
6. E a verdade é que a mera qualificação jurídica do contrato, sem individualização do negócio concreto entre as partes, não se revela suficiente em termos de causa de pedir.
7.. Perante a manifesta omissão de factos essenciais constitutivos do direito que pretende fazer valer com a ação, em consequência desta circunstância, não assiste desde logo à autora/recorrente o direito de crédito que pretende ver reconhecido sobre a ré/recorrida,
8. Pelo que na sequência da manifesta omissão de factos cabia pois na contestação alegar que o valor reclamado não era devido pela ré/recorrida,
9. O que não significa de todo ter a recorrida /ré interpretado convenientemente a petição inicial/requerimento injuntivo, o que na verdade não se verificou devido à ausência de exposição de factos essenciais.
10. O que impede a apresentação de cabal defesa, nomeadamente, por exceção, e o exercício do contraditório,
11.  quando ao requerimento injuntivo é aposta fórmula executória, em caso de não oposição, configurando título executivo, como indica o art.º 703.º, n.º 1, al. d), do CPC.
12.  Depois de notificada pelo Tribunal a quo, em cumprimento do contraditório, a autora/recorrente veio alterar o número de contrato e a modalidade do contrato, não mais, por se afigurar de todo impossível aperfeiçoar ou concretizar a causa de pedir, uma vez que a petição/ requerimento injuntivo estava vazia de alegação de factos essenciais que constituem a causa de pedir.
13. O que configura nulidade absoluta, pelo que não cabia ao Tribunal recorrido proferir despacho de aperfeiçoamento.
14.  Pois a ineptidão da petição inicial existe quando ocorre uma falta de exposição essencial da causa de pedir e não apenas mera deficiência ou lacuna de alegação.
15. que tem por efeito a declaração de nulidade de todo o processado, o que configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, nos termos dos artigos 186.º n.º 1, 278.º n.º 1 al. b), 576.º n.º 2, 577.º al. b) e 578.º, do CPC,
16. tal como decidiu o Tribunal recorrido por não ter, manifestamente, alternativa.”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
É questão a conhecer neste acórdão:
 1 – se o requerimento injuntivo padeceu de ineptidão que inviabilizasse o recurso ao despacho de aperfeiçoamento.

III- Fundamentação de Facto

Foram já descritos supra os factos de natureza processual relevantes para a decisão da causa.

IV_-Fundamentação de Direito

Nos termos do artigo 7º do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro (diploma cuja versão mais recente foi dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09), considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, a qual estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais).
 Há que ler-se este artigo tendo em conta que este último diploma foi revogado pelo DL n.º 62/2013, de 10 de maio, que o substituiu, considerando-se, pois, que ele remete para este normativo, o qual, por seu turno, transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, referente a medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais.
Com efeito, este diploma dispõe, no artigo 10º, que o atraso de pagamento em transações comerciais nele previstas confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.

Face à redação do artigo 7º do DL n.º 269/98 resulta claro que apenas se pode recorrer à providência da injunção em duas situações:
 -- quando se exija o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €; ou
-- quando se exija o pagamento das obrigações em atraso proveniente de transações comerciais, independentemente do seu valor. Considera-se, para este efeito, como transação comercial, na definição legal, “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração” e como empresa “uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares”. Porque este regime apenas se aplica aos pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais, estão excluídos do seu âmbito os contratos celebrados com consumidores e os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros (artigo 2º do DL 62/2013).
Já muito se debateu sobre o que se deve entender por “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”, a que se refere o DL 268/98. É claro que o pedido tem que incidir sobre uma obrigação pecuniária, mas não a qualquer uma; a emergência do contrato a que se refere esta norma não pode ser uma causa remota, sob pena de não ter qualquer sentido esta restrição: exige-se que a obrigação seja diretamente resultante do contrato.
Quanto à matéria processual que aqui se trata há que ter em conta que embora o requerimento de injunção seja deduzido num formulário, em requerimento não articulado, certo é que do mesmo tem que resultar, ainda que muito sucintamente, expresso o fundamento da pretensão, como decorre da alínea d) do nº 2 do artigo 10º do DL 269/98 de 1/9.
Como salientou Salvador da Costa (in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 2005, págs. 189-190), a lei não dispensa o requerente “de invocar, no requerimento, os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves”. Acrescenta ainda que “como a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato ou de uma pluralidade de contratos, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte do requerido
Assim, embora de forma sucinta, do requerimento injuntivo devem constar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, ou seja, o facto jurídico de que emerge o direito que se visa acautelar ou fundamenta o efeito jurídico pretendido: no caso, a obrigação pecuniária que a parte pretende exigir. Não basta invocar que a mesma existe, é necessário, ainda que de forma sucinta, explicar a sua origem, como se constituiu.
Quando a causa de pedir é a celebração de um contrato e o seu incumprimento, compete ao autor alegar concretizar tal contrato, quer quanto à sua celebração, quer quanto ao seu conteúdo, indicando pelo menos as cláusulas essenciais definidoras do negócio celebrado e as que deram origem à obrigação peticionada e que terão sido violadas, bem como os factos (ações ou omissões) em que se traduziu o incumprimento por parte do requerido.
O demandante ao exercer o seu direito à ação tem que efetuar uma delimitação concreta do objeto da ação, definindo de forma percetível o âmbito do que o tribunal deve conhecer e dando a possibilidade à parte contrária de se defender do que é invocado.
A consequência da violação grave deste dever está prevista no artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código de Processo Civil: a falta de indicação da causa de pedir importa a ineptidão da petição inicial e conduz à nulidade de todo o processo.
Deste regime resulta que o requerimento injuntivo tem que conter os factos essenciais que permitam que a parte contrária e o próprio tribunal possam perceber qual o fundamento factual da pretensão do Requerente e da mesma forma tem que permitir que o Réu possa contestar o que lhe é pedido (por conhecer a origem da pretensão da contraparte) e individualizar de forma suficiente a causa de pedir, se forma a poder-se verificar, pelo confronto com outras ações, se se verifica a exceção de caso julgado  ou litispendência (cf   Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 07/09/2014, no processo 16/13.7TBMSF.P1, sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano).
Atenta a relevância destes fundamentos, esta exigência não se reporta a questões meramente formais, sem importância, mas à necessidade de o demandante definir de forma suficiente o que pede e porque pede, de forma a poder ser compreendido o objeto da sua pretensão e da ação, sem o que a parte contrária não se pode defender e o tribunal não pode julgar.
É caso a caso que se tem que averiguar da necessidade de concretização suficiente do que é pedido, face ao alegado e às questões em debate.
Aqui não é despiciendo estarmos perante um contrato de seguro e à alusão à falta de pagamento do prémio, face ao regime supletivo previsto no artigo 57º do RJCS e que “a regra que determina que a obrigação de pagar o prémio correspondente ao período em que a cobertura produziu os seus efeitos, acrescido de juros de mora, sobrevive à cessação do contrato por falta de pagamento do prémio, ou de uma fração deste’ (art. 57º, nº 3 do RJCS), tem ‘um alcance prático muito limitado, nos seguros subordinados ao «regime especial», em virtude da regra de base desse «regime especial» de que o pagamento do prémio deve preceder a eficácia da cobertura.”, como se escreveu no acórdão de 09/10/2020, no processo 48825/19.5YIPRT.G1.
Como se disse no acórdão de 04/09/2019, no processo 58767/18.6YIPRT.L1-7: “1.– O procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, incluindo o procedimento de injunção, constitui um procedimento especial simplificado, de natureza declarativa, a que são aplicáveis, subsidiariamente, as disposições gerais e comuns e a disciplina do processo declarativo comum do processo civil, nos termos estabelecidos no art. 549.º, n.º 1, do C.P.C.2.– A causa de pedir consiste na alegação de uma factualidade concreta que, na sua significação normativa, consubstancia o facto jurídico de que se faz proceder o efeito pretendido, ou seja, o pedido, exercendo, como factor delimitativo que é da pretensão:
- uma função endoprocessual na configuração do objecto da causa e no que lhe está associado; e
- uma função extraprocessual de definição objectiva do julgado, o que se torna fulcral mormente no âmbito das acções declarativas, permitindo ainda que a execução da sentença possa ser desprovida de meios de oposição alargada, como impõe o preceituado no artigo 729.º.
3.– Donde, os factos estruturantes da causa de pedir devem permitir, pelo menos, determinar a fonte concreta ou o título da obrigação de que emerge o efeito jurídico concreto judicialmente declarado ou decretado.
4.– Num requerimento injuntivo, a exigência de exposição sucinta não significa falta de alegação dos factos estruturantes da causa de pedir, sob pena de se aniquilar o princípio do contraditório num procedimento que afinal é declarativo, até porque, sucinto, significa apenas sintético, sendo que, mesmo aqui o grau de síntese terá de ser aquilatado em função de cada situação concreta, à luz do princípio da economia formal dos actos processuais consagrado no art. 131.º, n.º 1, do C.P.C…”
Este, com o qual concordamos, na parte que aqui nos interessa, conclui:
 “O convite ao aperfeiçoamento (arts. 17.º, n.º 3, do diploma anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, e 590.º, n.ºs 2, al. b) e 4, do C.P.C.) só tem sentido quando se trate de imprecisões ou insuficiências que não afecta a principalidade do que estiver em causa, por tal convite não pode significar a renovação do direito, a ofensa da preclusão e a estabilidade.
10.– Ou seja, o convite ao aperfeiçoamento só tem justificação, como concretização do direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade, quando as deficiências notadas não respeitarem ao conteúdo, concludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida, pois o mecanismo daquele não pode transmutar-se num modo de a parte obter novo prazo para, reformulando substancialmente a sua própria pretensão ou impugnação, obter novo e adicional prazo processual para substancialmente cumprir o ónus que sobre ela recaía.”
No mesmo sentido, vejam-se, entre outros e a título exemplificativo, os acórdãos proferidos em 05/16/2019, no processo 89078/18.6YIPRT-A.L1-6, e em  06/27/2019, no processo 30491/18.7YIPRT.G1, em situações similares á presente.

Concretização

No presente caso, embora refira que foi um contrato de seguro de acidentes de trabalho e um número de apólice, referindo o período a que reporta a falta de pagamento, a Requerente nada esclarece sobre o contrato em si (além do seu nomen iuris), nomeadamente a data e forma como foi celebrado, se era ou não uma renovação, o valor do prémio de seguro, a data de interpelação.
Do pouco invocado no requerimento injuntivo não se consegue descortinar ainda um mínimo de substrato que permita a identificação do contrato celebrado,  visto que a Requerente não alegou praticamente nenhum dos factos essenciais que permitam a individualização do acordo em que afirma formular o seu pedido, não se tendo identificado de forma percetível a formação da concreta  obrigação peticionada, pela falta de explanação dos ditames do contrato, nomeadamente pela explicação da origem do prémio peticionado.
Assim, faltou-lhe explicar a data de celebração do contrato, a fim de verificar se o mesmo era um contrato inicial ou uma renovação, o período de vigência e modalidade; da mesma forma, nem sequer indicou o valor do prémio acordado.
No presente caso, tendo em conta o regime regra do contrato de seguro quanto à falta de pagamento dos prémios, tinha a parte que explanar, sem ser apenas pela referência a um nomen iuris, quer a data e forma de celebração do contrato, quer as cláusulas essenciais deste em que se fundou para alcançar a constituição da obrigação que pede, o que não fez.
Deste vazio resulta que não se pode considerar que foram trazidos factos essenciais que permitam que se considere alegado o fundamento da pretensão.
E esta omissão de factos foi de tal modo vasta e gravosa que não pode ser suprida através de um despacho de aperfeiçoamento, destinado aos casos em que foi indicado o objeto da ação de forma suficientemente identificadora, mas se omitiram alguns necessários para a procedência da ação.

V-  Decisão

Por todo o exposto julga -se a apelação improcedente e em consequência mantem-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pela apelante. (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Guimarães, 16-03-2023

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves