Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4407/20.9T8VNF-J.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
GRADUAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. A par da consagração legal de privilégios creditórios (mobiliários e imobiliários, gerais e especiais), importa ainda atender à graduação legal a respeitar entre eles (quando concorram, simultaneamente, sobre um mesmo bem): a ordem de alinhamento dos créditos munidos de privilégio creditório, e ainda que da mesma natureza (v.g. mobiliários gerais), carece de estar prevista na lei, por ser uma estatuição jurídica diferente da que institui o privilégio em si. II. Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral, face ao art. 204.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (e tal como já antes sucedia, face ao art. 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que aprovou o Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência).
III. Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora, com privilégio mobiliário geral, são hoje equiparados aos créditos, com privilégio mobiliário geral, do Estado por impostos, sendo pagos a par dos mesmos, face ao art. 204.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (e de forma distinta do que antes sucedia, face ao art. 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que os graduava «logo após os créditos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil»).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Nos autos de insolvência (principais, e de que estes são apenso) pertinentes a X – Com…, n.º …, Edifício …, em Barcelos, foi declarada a insolvência respectiva, por sentença de 19 de Novembro de 2020 (já transitada em julgado), sendo fixado na mesma o prazo de trinta dias para reclamação de créditos.

1.1.2. Reclamados, foi junta pelo Administrador da Insolvência a lista dos créditos reconhecidos, como privilegiados (os créditos de origem laboral, no valor global de € 54.181,00, e parte dos créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga, no valor global de €125.907,09, e pela Fazenda Nacional, no valor global de €108.560,64) e comuns (todos os demais), no valor global de € 539.265,00.

1.1.3. A lista dos créditos reconhecidos não foi objeto de qualquer impugnação.

1.1.4. Foram apreendidos nos autos principais, para a massa insolvente, apenas bens móveis (v.g. mobiliário e equipamento de escritório, quota social, e direitos de crédito).

1.1.5. Foi proferida sentença, de reconhecimento e graduação de créditos, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Vistas as normas legais atrás citadas e o disposto nos art. 510.º, n.º 1, b) do CPC e n.ºs 4 a 6 do art. 136º do CIRE,
Porque não houve qualquer impugnação e vistas as normas legais agora transcritas, nos termos do n.º 3 do art.º 130 CIRE,
a) - Homologo a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador de insolvência;
b) - Graduo os créditos assim reconhecidos para serem pagos pelo produto obtido pela liquidação do activo, pela forma seguinte:
- Em primeiro lugar, os créditos laborais;
- De seguida, e na parte em que é privilegiado, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional.
- Posteriormente, e na parte em que é privilegiado, o crédito reclamado pelo ISS, IP;
- Por último, a par e em rateio, os demais créditos, todos comuns.
As custas e despesas de administração saem precípuas – art.ºs 140,3 e nº 1 do art.º 172 CIRE.
Custas pela massa insolvente.
Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformado com esta decisão, o credor Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida, por forma a que se graduassem a par os créditos privilegiados reclamados por si próprio e os créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Nacional.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - Nos presentes autos, tal como consta da lista de créditos reconhecidos (art. 129º do CIRE) o ISS/Centro Distrital de Braga reclamou crédito privilegiado no montante de €125.907,09, o mesmo acontecendo com a Fazenda Nacional, tendo reclamado crédito privilegiado no valor de €108.560,64.

2 - Na douta decisão recorrida, reconhece-se corretamente o crédito reclamado pelo ora requerente e respetivos juros.

3 - Assim como se afirma, e bem, que tanto o crédito reclamado pelo Recorrente como o crédito da Fazenda gozam de privilégio mobiliário geral.

4 - De harmonia com o artigo 733.º do Código Civil (CC) “privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”, podendo os privilégios ser mobiliários ou imobiliários, como se consigna no artigo 735.ºdo CC. A ordem segundo a qual são pagos é a que está estabelecida nos artigos 745.º e ss do Código Civil.

5 - O imposto de IVA goza de privilégio mobiliário geral sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, ou outro ato equivalente;

6 - Os impostos de IRS e IRC gozam de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, ou outro ato equivalente;

7 - Os créditos da Segurança Social por contribuições e quotizações gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário;

8 - Os créditos identificados em 1. 2. e 3. têm privilégios idênticos;

9 - Assim e porque nos autos apenas foram apreendidos bens móveis, tais créditos devem ser graduados em paridade nos termos das disposições conjugadas dos arts. 747º, nº 1, al. a), in princípio, do Código Civil, e 204º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social;

10 - Foram violados os arts. artigo 111.º do CIRS e artigo 116°.º do CIRC, no artigo 204.º do Código Contributivo e no artigo 745.º n.º 2 do CC.

11 - A questão já mereceu apreciação jurisprudência superior em termos que aderimos e que, com a devida vénia, devem ser seguidos de perto, designadamente o plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 535/18.9T8MT-C.P1.

12 - Por isso, os créditos privilegiados do Recorrente devem ser graduados a par dos créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Nacional.
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1.2.2. Contra-alegações

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações nos autos.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto da sentença de reconhecimento e graduação de créditos, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei (nomeadamente, ao graduar o crédito privilegiado reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga depois do crédito privilegiado reclamado pela Fazenda Nacional), devendo ser alterada a decisão proferida (nomeadamente, graduando-se ambos os créditos referidos a par) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Reclamação e reconhecimento de créditos

4.1.1. Regime legal (no processo de insolvência)

Lê-se no art. 47.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (1), que, declarada «a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio».
Estão aqui em causa dívidas da insolvência (a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência), isto é, «créditos sobre o insolvente que tenham natureza patrimonial sobre o insolvente, ou sejam garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011 - 3.ª Edição, pág. 105) (2).

Mais se lê: no art. 90.º, do CIRE, que os «credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência»; e, no art. 91.º seguinte, que a «declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva».
Compreende-se, por isso, que a sentença que declare a insolvência tenha, obrigatoriamente, que designar «prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos» (art. 36.º, n.º 1, al. f), do CIRE); e, tendo a ulterior verificação de créditos «por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento», nem mesmo «o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva (…) está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento», pelo que terá de o reclamar dentro «do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência», «incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente» (n.ºs 1 e 3, do art. 128.º, do CIRE) (3).
Reafirma-se, deste modo, quer a natureza de «processo de execução universal» do processo de insolvência (isto é, sobre todo o património do devedor), conforme art. 1.º, do CIRE, quer a sua natureza de «processo concursal» (isto é, em que são chamados todos os credores do insolvente, por forma a garantir a igualdade de todos aqueles que se encontrem nas mesmas condições, face às classes de créditos que invoquem), conforme art. 47.º, n.º 4, do mesmo diploma (4).

Lê-se ainda, no art. 129.º, n.º 1, do CIRE, que nos «15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos», podendo nela incluir créditos não reclamados mas «cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por qualquer forma do seu conhecimento».
Compreende-se, por isso, que se afirme que: a «reclamação não é, no entanto, essencial para o reconhecimento do crédito, dado que o administrador da insolvência tem o dever de reconhecer, não apenas os créditos reclamados, mas também os que constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento» (Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011 - 3.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2011, pág. 240); e está-se perante um «regime que constitui uma excepção ao princípio do pedido» (Ac. da RL, de 11.10.2016, Carla Câmara, Processo n.º 2801/15.6T8PDL-A-7).

De seguida, a dita lista deverá ser notificada aos credores não reconhecidos, aos credores não reclamantes que tenham visto o seu crédito reconhecido, e aos credores que tenham visto reconhecidos créditos de forma diversa da reclamação respectiva, por forma a que a possam impugnar nos 10 dias seguintes, por indevida inclusão ou exclusão de créditos, incorrecção dos seus montantes, ou qualificação dos créditos reconhecidos (arts. 129.º, n.º 4 e 130.º, ambos do CIRE).
Qualquer interessado (5) pode ainda, nos 10 dias seguintes ao termo do prazo de 15 subsequente ao de apresentação das reclamações de créditos, impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação de créditos reconhecidos (art. 130.º, n.º 1, do CIRE) (6); e, embora a lei seja omissa a esse respeito, entende-se que poderá ainda qualquer interessado, dentro daquele prazo, impugnar a lista dos créditos não reconhecidos (7).

Tendo o crédito sido reconhecido pelo Administrador da Insolvência, e não vindo a ser impugnado, terá de ser tido como tal pelo Tribunal, excepto em caso de erro manifesto (arts. 130.º, n.º 3 e 136.º, n.º 4, ambos do CIRE).
Com efeito, se no processo concursal de reclamação de créditos, para virem a ser pagos pela mesma universalidade de bens, todos os que a ele concorrem admitem como válido um deles - incluído como reconhecido na relação apresentada pelo Administrador da Insolvência -, compreende-se que não seja exigível ao respectivo titular prova adicional da respectiva existência.
Logo, em caso de inexistência de impugnações, a sentença de verificação e graduação de créditos é, em regra, proferida com mero carácter homologatório do que já conste da lista apresentada pelo administrador da insolvência (8): a falta de impugnação parece ter assim efeito cominatório, ficando o poder de controlo do juiz extremamente limitado, restringindo-se à correcção de erros que resultem evidentes da própria lista (9).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, no prazo de trinta dias fixado na sentença que declarou a insolvência de X - Confecção e Comércio de Vestuário Unipessoal, Limitada, foram reclamados: pelos trabalhadores da Insolvente, créditos laborais globais de € 54.181,00; pelo Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga, um crédito global de € 125.907,09, por contribuições que lhe seriam devidas e respectivos juros; e pela Fazenda Nacional (por créditos de imposto sobre o rendimentos das pessoas singulares (10), de imposto sobre o rendimentos das pessoas colectivas (11), e de imposto sobre o valor acrescentado (12)), um crédito global de €108.560,64;
Mais se verifica que todos esses créditos foram incluídos na lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Administrador da Insolvência; e nenhum deles foi depois impugnado.
Logo, e não sendo manifesto qualquer erro naquele prévio reconhecimento (pelo Administrador da Insolvência), o Tribunal a quo considerou-os como tal, ao declarar que «homologo a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador de insolvência».
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4.2. Graduação de créditos

4.2.1.1. Princípio geral (igualdade dos credores)

Lê-se no art. 601.º, do CC, que, pelo «cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios».
Logo, em regra todos os bens do devedor (isto é, todos os que integram o seu património), respondem pelo cumprimento da obrigação, constituindo uma garantia geral do adimplemento (art. 817.º, do CC), que se torna efectiva por meio de execução (art. 735.º, n.º 1, do CPC).

Mais se lê, no art. 604.º, n.º 1, do CC, que, não «existindo causas legítimas de preferência, os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não permita a integral satisfação dos débitos». Consagra-se, assim, o princípio par conditio creditorum (isto é, de igualdade dos credores): em regra, todos os credores estão em situação de igualdade perante o património do devedor.
Contudo, e tal como resulta desde logo do introito do n.º 1, do art. 604.º citado, esta regra admite excepções, lendo-se, a propósito, no n.º 2, do mesmo preceito que são «causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção».
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4.2.1.2. Privilégios creditórios
4.2.1.2.1. Em geral

Precisando uma destas excepções (ao princípio da igualdade dos credores), lê-se no art. 733.º, do CC, que privilégio creditório «é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente de registo, de serem pagos com preferência a outros»; e lê-se no art. 734.º, do CC, que o «privilégio creditório abrange os juros relativos aos dois últimos anos, se forem devidos».
Trata-se de uma garantia que visa assegurar dívidas que, por sua natureza, se encontram especialmente relacionadas com determinados bens do devedor, justificando-se, por isso, que sejam pagas com preferência a quaisquer outras, até ao valor dos mesmos bens.

Mais se lê, no art. 735.º, do CC: que os privilégios creditórios são de duas espécies, «mobiliários e imobiliários» (n.º 1), isto é, distinguem-se consoante incidam sobre bens móveis ou imóveis; que os privilégio mobiliários podem ser «gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente», ou «especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis» (n.º 2); e que os privilégios imobiliários «estabelecidos neste Código são sempre especiais» (n.º 3 ) (13), ao contrário do que possa suceder na consagração, em legislação avulsa, de outros privilégios imobiliários.

Precisa-se, a propósito, que a distinção entre privilégios especiais ou gerais é de capital importância, já que só os primeiros (especiais), porque dotados de inerência e sequela, consubstanciam uma verdadeira garantia real de cumprimento de obrigações, enquanto que os segundos (gerais) se limitam a constituir uma mera preferência de pagamento.
Com efeito, lê-se: no art. 749.º, do CC, que o «privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente» (n.º 1), sem prejuízo das «leis de processo» estabelecerem «os limites ao objecto e à oponibilidade do privilégio geral ao exequente e à massa falida, bem como os casos em que ele não é invocável ou se extingue na execução ou perante a declaração da falência» (n.º 2) (14); e, no art. 751º, do CC, que os «privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores» (15).
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Dir-se-á ainda que, a par da consagração legal de privilégios creditórios (mobiliários e imobiliários, gerais e especiais), importa ainda atender à graduação legal a respeitar entre eles, isto é, quando concorram simultaneamente sobre um mesmo bem.
Com efeito, a ordem de alinhamento dos créditos munidos de privilégio creditório, e ainda que da mesma natureza, carece de estar prevista na lei, por ser uma estatuição jurídica diferente da que institui o privilégio em si (16).

Lê-se, a propósito, como princípio geral, no art. 745.º, do CC: que os «créditos privilegiados são pagos pela ordem e segundo a qual vão indicados nas disposições seguintes» (n.º 1); e, havendo «créditos igualmente privilegiados, dar-se-á rateio entre eles, na proporção dos respectivos montantes».
Logo, finda a ordem legalmente imposta (no n.º 1, do art. 745.º, citado), deixou o legislador de fixar qualquer critério obrigatório para a graduação de créditos, sem deixar de esclarecer o intérprete que os créditos igualmente privilegiados seriam rateados, na proporção dos respectivos montantes (no n.º 2, do mesmo art. 745.º).

Particularizando (e no que ora nos interessa), quanto aos privilégios mobiliários, lê-se no art. 747.º, n.º 1, als. a) e f), do CC, que os «créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte», surgindo em primeiro lugar os «créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais»; e, após estes, os «créditos com privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no artigo 737.º», onde se encontram, na sua al. d), os «créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses».
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4.2.1.2.2. Em particular
4.2.1.2.2.1. Contribuições para a Segurança Social

Lia-se no art. 10.º, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio (que aprovou o Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência), que os «créditos das caixas de previdência (17) por contribuições e os respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil» (n.º 1); e este privilégio «prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior» (n.º 2).
Lê-se hoje, no art. 204.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (18), que: os «créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil» (n.º 1); e este «privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior» (n.º 2).
Logo, hoje os créditos por contribuições para a Segurança Social, com privilégio mobiliário geral, são equiparados aos créditos, com privilégio mobiliário geral, do Estado por impostos, sendo pagos a par dos mesmos (e não, como antes, depois deles) (19).
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4.2.1.2.2.2. Impostos
Lê-se no art. 736.º, n.º 1, do CC, que o «Estado e as autarquias locais têm privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indirectos (20), e também por impostos directos (21) inscritos para cobrança no ano corrente da data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores».
Considera-se «acto equivalente» à penhora o acto de apreensão de bens em processo de insolvência (conforme art. 149.º, do CIRE).

Mais se lê, no art. 747.º, n.º 1, al. a), do CC, que os «créditos por impostos» que gozem de «privilégio mobiliário», graduam-se em primeiro lugar face a todos os demais indicados nas alíneas seguintes do preceito citado, «pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais».

Por fim, precisa-se que os créditos de IRS e de IRC, relativos aos últimos três anos, gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do devedor à data da penhora ou acto equivalente (respectivamente, art. 111.º, do Código do IRS, e art. 116.º, do Código do IRC); e sendo o IVA um imposto indireto, o mesmo beneficia de privilégio mobiliário geral, juntamente com os juros dos dois últimos anos (art. 736.º, n.º 1, do CC).
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4.2.1.2.2.3. Créditos laborais
Lê-se no art. 333.°, n.º 1, als. a) e b), do Código do Trabalho (22), que os «créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam» de privilégio «mobiliário geral» e de privilégio «imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade».

Mais se lê, nas als. a) e b), do n.º 2, do art. 333.º, do CT, que a «graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte», isto é, o «crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n° 1 do artigo 747° do Código Civil», e o «crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social».
Logo, os créditos laborais, embora revestidos de idênticos privilégios (mobiliário geral e imobiliário), preferem aos da Segurança Social e aos da Fazenda Nacional, uma vez que são graduados antes deles.
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4.2.1.3. Classificação e graduação de créditos em processo de insolvência

Lê-se no art. 47.º, n.º 4, do CIRE, que, para «efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a) “Garantidos” e “privilegiados”, os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais (23), e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) “Subordinados” os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) “Comuns” os demais créditos».

Precisando, dir-se-á que créditos garantidos «são apenas aqueles que beneficiem de uma garantia real, considerando-se como tal os privilégios especiais (24). Abrangem assim, além destes, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca e o direito de retenção. As garantias pessoais não relevam consequentemente para a qualificação do crédito como garantido» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 2015 - 8.ª Edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 114).
Já os créditos privilegiados «são aqueles que beneficiam de privilégios creditórios gerais (mobiliários e imobiliários), os quais não constituem garantias reais por não incidirem sobre coisas determinadas» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 2015 - 8.ª Edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 114).
Os créditos subordinados correspondem a uma nova categoria de créditos enfraquecidos, enumerados taxativamente (25) no art. 48.º, do CIRE (26); e serão pagos depois de todos os restantes créditos sobre a insolvência, incluindo os comuns, pela ordem indicada na disposição citada (27), na proporção dos respectivos montantes, caso a massa insolvente seja insuficiente para o seu integral pagamento (art. 177.º, n.º 1, do CIRE) .
Por fim, os créditos comuns são aqueles que não beneficiam de garantia real, nem de privilégio geral (sem qualificação positiva), e não são objecto de subordinação (sem qualificação negativa), constituindo assim uma categoria residual (28); e serão pagos depois dos garantidos e privilegiados, na proporção respectiva, se a massa insolvente for insuficiente para a sua satisfação integral (arts. 47.º, n.º 4, al. c), e 176.º, ambos do CIRE).
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Mais se lê, no art. 97.º, n.º 1, do CIRE, que se extinguem «com a declaração de insolvência:

a) Os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
b) Os privilégios creditórios especiais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
c) As hipotecas legais cujo registo haja sido requerido dentro dos dois meses anteriores à data do início do processo de insolvência, e que forem acessórias de créditos sobre a insolvência do Estado, das autarquias locais e das instituições da segurança social».

Lê-se ainda, no art. 140.º, do CIRE, que a graduação de créditos, a efectuar na sentença respectiva, «é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios» (n.º 2); e na «graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente» (n.º 3).

Por fim, resulta dos arts. 174.º a 177.º, todos do CIRE, que se atenderá nos pagamentos à proporção do montante dos créditos, quando a massa seja insuficiente para a sua satisfação integral.
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Concretizando, verifica-se que, nos autos de insolvência pertinentes a X - Confecção e Comércio de Vestuário Unipessoal, Limitada, foram apenas apreendidos bens móveis (v.g. mobiliário e equipamento de escritório, quota social, direitos de crédito).
Mais se verifica que, tendo sido reclamados e reconhecidos créditos laborais, créditos relativos a contribuições devidas à Segurança Social, e créditos por impostos do Estado (nomeadamente, de IRS, de IRC e de IVA), gozam todos eles de privilégio mobiliário geral (respectivamente, nos termos do art. 333.º, n.º 1, al. a), do CT, do art. 204.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, do art. 111.º, do Código do IRS, do art. 116.º, do Código do IRC, e do art. 736.º, n.º 1, do CC).
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4.2.2.2. Concretizando novamente, verifica-se que, por força do art. 333.º, n.º 2, al. a), do CT, os créditos laborais deverão ser graduados antes dos créditos por contribuições para a Segurança Social e dos créditos por impostos do Estado (tal como o decidiu o Tribunal a quo, sem qualquer sindicância).

Já os créditos por contribuições para a Segurança Social e os créditos por impostos do Estado deverão ser graduados a par, por força do art. 204.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social e do art. 747.º, n.º 1, al. a), do CC; e, vindo a massa insolvente a revelar-se insuficiente para a sua simultânea satisfação integral, dar-se-á rateio entre eles, na proporção dos respectivos montantes, por força do art. 745.º, n.º 2, do CC.
Não o tendo assim entendido o Tribunal a quo (aparentemente, por ter considerado aplicável aos autos o art. 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que citou para o efeito, e não o art. 204.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, que ignorou), importa alterar aquela sua decisão.
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Deverá, por isso, decidir-se em conformidade, julgando procedente a apelação do credor Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga.
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga e, em consequência, em

· Revogar a decisão recorrida, na parte em que graduou o crédito privilegiado reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga depois do crédito privilegiado reclamado pela Fazenda Nacional, graduando-os agora a par um do outro.
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Custas pela massa insolvente (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 21 de Outubro de 2021.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


1. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
2. Precisa-se que, no CIRE, se distingue «agora entre os “créditos sobre a massa insolvente” (ou “dívidas da massa insolvente”) e “créditos sobre a insolvência” (ou “dívidas da insolvência”) e, em conformidade com isso, entre “credores da massa” e “credores da insolvência”. Os “créditos sobre a massa” são os créditos constituídos no decurso do processo (cfr. art. 51º, nºs. 1 e 2) e os “créditos sobre a insolvência” são os créditos cujo fundamento já existe à data da declaração de insolvência (cfr. art. 47º, nºs. 1 e 2). Dentro dos “créditos sobre a insolvência”, distingue-se por seu turno, entre “créditos garantidos”, “créditos privilegiados”, “créditos subordinados” e “créditos comuns”», conforme n.º 4, do art. 47.º, do CIRE (Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, Almedina, 3.ª edição, pág. 30, com bold apócrifo). Dir-se-á ainda que a «classificação e distinção entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente assume a maior importância, dado o regime diferenciado a que se encontram sujeitas, sendo de destacar, de entre as referidas diferenças, as que se prendem com o timing da respectiva satisfação, pois que, as segundas, são satisfeitas primeiramente» (Ac. da RL, de 17.05.2018, António Santos, Processo n.º 303/10.6TYLSB-B.L1-6 – com bold apócrifo -, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
3. Salvador da Costa fala de um verdadeiro ónus de reclamação a cargo de cada credor do insolvente, cujo incumprimento o impedirá de vir a participar no produto da liquidação do activo (O Concurso de Credores, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2001, pág. 350. No mesmo sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 268.
4. No mesmo sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 41. Ainda Ac. da RC, de 06.11.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 444/06.4TBCNT-Q.C1, onde se lê que o reconhecimento de que, no «processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente», radica na constatação de que o dito processo se baseia «na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores».
5. É interessado «“quem fica prejudicado se a sua contestação não for atendida”. (…) Será interessado, por exemplo, o credor que não foi reconhecido, o credor que foi reconhecido mas quanto a um valor inferior ao reclamado ou o credor que veja reduzidas as possibilidades de ser pago porque foi reconhecido outro credor» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª Edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 295, citando inicialmente Mariana França Gouveia). Assim, será interessado, «além do insolvente, os credores em relação aos quais exista a possibilidade de conflito com o titular do crédito reconhecido, segundo os termos concretos em que o reconhecimento se verificou». Contudo, essa «possibilidade de conflito tem de ser actual e não meramente conjectural ou hipotética e reportada à data em que a impugnação é deduzida», pelo que, «estando-se numa fase de verificação de créditos, o interessado impugnante tem que assumir a qualidade de credor, pois só assim existirá possibilidade efectiva de conflito entre aquele que se afirma titular do crédito reclamado e aquele que o impugna» (Ac. da RC, de 10.05.2011, Isaías Pádua, Processo n.º 124/06.0TBFAG-J.C1).
6. Precisa-se que a «impugnação da lista de créditos pode consistir em impugnação por excepção (facto impeditivo ou extintivo do crédito) ou impugnação pura (negação da constituição do crédito) e o seu fundamento pode ser qualquer circunstância que conduza à afirmação da existência do crédito não reconhecido ou da inexistência do crédito reconhecido» (Ac. da RP, de 26.06.2014, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1040/12.2TBLSD-C.P1).
7. Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisbos, 2015, pág. 527, Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011, 3.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2011, pág. 242, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016 - 6.ª Edição, Almedina, Março de 2016, pág. 230, nota 762, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª Edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 294, nota 65, ou Maria José Costeira, «Classificação, verificação e graduação de créditos no Código de Insolvência e Recuperação de Empresa», Themis, edição especial (2005), pág. 31.
8. Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011 - 3.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2011, pág. 243 (com indicação de mais doutrina conforme). Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 10.12.2015, Fonseca Ramos, Processo n.º 836/12.0TBSTS-A.P1.S1. Contudo, reagindo a este alegado «efeito cominatório pleno», Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 528, onde propõem a atenuação deste entendimento mercê de uma interpretação em termos amplos do conceito de «erro manifesto». De forma idêntica, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª Edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 293, onde se lê que a norma do art. 130.º, n.º 3, do CIRE, talvez «ainda possa ser lida como significando que é conferida ao juiz a possibilidade e apenas homologar a lista de credores reconhecidos e graduar os créditos, nos termos ali expostos, mas que também poderá não o fazer quando entenda que essa é a maneira adequada de proceder». Mais assertivamente, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 285-287, onde se lê que o efeito cominatório pleno «seria, desde logo, dificilmente sustentável no plano constitucional, por ser susceptível de violar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional fixados no art. 20.º da CRP». Defende, por isso, que em «caso algum poderia entender-se que o juiz está dispensado de desenvolver uma actividade jurisdicional mínima, cabendo-lhe sempre proceder à apreciação dos créditos antes de declarar quais são os créditos reconhecidos».
9. Já relativamente aos créditos reconhecidos pelo Administrador da Insolvência mas que venham a ser impugnados, será dada oportunidade de resposta ao seu titular bem como ao dito Administrador da Insolvência, e de parecer à comissão de credores; e, uma vez produzida a prova necessária para o efeito, em audiência de julgamento, a questão será decidida pelo Tribunal, em conformidade com a referida prova e demais elementos contidos nos autos (arts. 130.º, 131.º, 135.º, 139.º e 140.º, todos do CIRE). Precisa-se, porém, que inexiste qualquer presunção de prova decorrente do prévio reconhecimento do crédito, e das suas garantias, pela inclusão na lista elaborada pelo Administrador da Insolvência. Com efeito, se o titular do crédito impugnado não responder, a impugnação deverá ser julgada procedente (n.º 3 do art. 131.º do CIRE); e tanto na impugnação, como na respectiva resposta, deverão os interessados apresentar ou indicar as respectivas provas (art. 134.º n.º 1 e n.º 2 do CIRE). Logo, mantem-se sobre os credores cujos créditos sejam impugnados o ónus de provar os factos consubstanciadores dos créditos e das garantias que invoquem. Neste sentido, na jurisprudência, Ac. da RL, de 29.03.2012, Jorge Leal, Processo n.º 3083/10.1T2SNT-C.L2-2, e Ac. da RP, de 26.06.2014, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1040/12.2TBLSD-C.P1.
10. O imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares (doravante, IRS) incide, nomeadamente, sobre o valor anual dos rendimentos do trabalho dependente; e estão a ele sujeitos as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos (arts. 1.º e 13.º, ambos do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro).
11. O imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas (doravante, IRC) incide, nomeadamente, sobre o «lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola» (art. 3.º, do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro).
12. O imposto sobre o valor acrescentados (doravante, IVA) incide, nomeadamente, sobre as «transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal», as «importações de bens», e as «operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias» (art. 1.º, n.º 1, als. a), b) e c), do Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro).
13. Precisa-se que a redacção actual do n.º 3, do art. 735.º, do CC, resulta do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março. Com efeito, lia-se na sua redacção original que os «privilégios imobiliários são sempre especiais». Contudo, depois da entrada em vigor do CC de 1966, vieram a ser editadas diversas leis especiais, instituindo vários privilégios imobiliários gerais, tornando por isso necessário precisar naquele diploma que os privilégios imobiliários nele estabelecidos seriam sempre especiais.
14. Precisa-se que a redacção actual do art. 749.º, do CC, resulta do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março, que lhe aditou o seu n.º 2 (correspondendo o seu actual n.º 1 à redacção original do preceito).
15. Precisa-se que a redacção actual do art. 751.º, do CC, resulta do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março. Com efeito, lia-se na sua redacção original que os «privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à (...) hipoteca (...), ainda que estas garantias sejam anteriores». Contudo, o Tribunal Constitucional viria, na sequência de outras decisões suas anteriores (v.g. Ac. n.º 160/2000, de 22.03.2000, DR, II Série, de 10.10.2000, e Ac. n.º 354/2000, de 05.07.2000, DR, II Série, 07.11.2000), a proferir o Acórdão n.º 363/2002, de 17 de Setembro de 2002 (publicado no DR, I Série, de 16 de Outubro de 2002), que se debruçou, de forma vinculativa, sobre uma das interpretações que se vinha sufragando do art. 751.º, do CC. Com efeito, declarou então «a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil». Foi, por isso, posteriormente publicado o Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, que conferiu nova redacção ao art. 751.º do CC, restringindo a prevalência, sobre a hipoteca, dos privilégios imobiliários aos especiais (assim excluindo do seu âmbito os privilégios imobiliários gerais).
16. Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. do STA, de 03.03.1999, Benjamim Rodrigues, Processo n.º 023484, Ac. do STA, de 13.02.2008, António Calhau, Processo n.º 01068/07, ou Ac. do STA, de 10.11.2010, Jorge Lino, Processo n.º 0709/10.
17. O art. 30.º, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, abrange, nas referências feitas às caixas de previdência, os centros regionais de segurança social, a que posteriormente sucedeu o Instituto de Solidariedade e Segurança Social (nos termos do art. 3.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 45-A/2000, de 22 de Março, e do art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 316-A/2000, de 7 de Dezembro).
18. O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social foi aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro.
19. Neste sentido, Ac. da RP, de 09.05.2019, Carlos Portela, Processo n.º 535/18.9T8AMT-C.P1, Ac. da RL, de 09.05.2019, Jorge Leal, Processo n.º 2540/16.0T8STB-A.L1-2, ou Ac. da RP, de 16.06.2020, Rui Moreira, Processo n.º 2720/18.4T8STS-C.P1. Contudo, de forma distinta sucede com o privilégio imobiliário de que gozam os mesmos créditos da segurança social (por contribuições, quotizações e respetivos juros). Com efeito, lia-se no art. 11.º, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que os «créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos nos art. 748º do Código Civil». Lê-se hoje, no art. 205.º, do Código Contributivo dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, que os «créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil». Logo, hoje, tal como antes, os créditos por contribuições para a Segurança Social, com privilégio imobiliário geral, são pagos depois dos créditos, com privilégio imobiliário especial, do Estado por impostos.
20. Entendem-se por impostos indirectos os que incidem sobre a utilização que é feita do rendimento dos agentes económicos, ou seja, sobre as despesas de consumo efetuadas por eles; e tendo a possibilidade de serem repercutidos entre agentes ao longo do ciclo económico dos produtos (em última instância, até ao consumidor final), o seu pagamento é efetuado no momento da operação de consumo que lhe dá origem.
21. Entendem-se por impostos directos os incidem diretamente sobre o rendimento obtido por um determinado contribuinte (pessoa singular ou pessoa coletiva); e sendo definitivamente suportado por ele, o seu pagamento é feito com referência a um período de tempo delimitado (normalmente, um ano), reflectindo, por norma, uma tributação única e progressiva dos rendimentos a eles sujeitos.
22. O Código do Trabalho (doravante CT) foi aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
23. Realça-se «a opção expressa do legislador pela consideração dos privilégios especiais como uma modalidade de garantia real, aliás ao encontro do que é opinião dominante na doutrina» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 294).
24. Realça-se «a opção expressa do legislador pela consideração dos privilégios especiais como uma modalidade de garantia real, aliás ao encontro do que é opinião dominante na doutrina» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 294).
25. Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 67, onde se lê que, atendendo «ao rigor da disciplina aplicável aos créditos subordinados, deve entender-se que a enumeração é taxativa, não se admitindo outros créditos subordinados para lá dos referidos na norma».
26. São créditos subordinados os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, bem como aqueles que tenham sido transmitidos por estas a outrem, juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração de insolvência -. com excepção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais -, até ao valor dos bens respectivos, créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes, créditos que tenham por objecto prestações do devedor a título gratuito, créditos sobre a insolvência que, como consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro de má fé, juros de créditos subordinados constituídos após a declaração de insolvência, e créditos por suprimentos. Compreende-se, por isso, que se afirme que da «enumeração retira-se a ideia de que aquilo que está na base da classificação como créditos subordinados não é apenas um critério mas uma diversidade de critérios (a qualidade dos titulares dos créditos, as características objectivas dos créditos, ou as circunstâncias em que são constituídos ou adquiridos os créditos). Em todos os casos resulta, no entanto, em princípio, justificado o desvalor ou menor valor dos créditos em comparação com os demais» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 68).
27. Enfatiza-se que, se no «que respeita aos créditos garantidos, privilegiados e comuns, a classificação corresponde à trilogia geral do direito substantivo», já porém é inovadora «a criação dos créditos subordinados, sujeitos a um regime particular, cuja vertente mais significativa - e única que aqui importa sublinhar - é a da sua colocação na cauda da hierarquia, pelo que eles só podem ser pagos após a integral satisfação de todos os demais que integram as outras categorias que os precedem» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, págs. 294-295, com bold apócrifo).
28. Diz-se, por isso, que a «definição de créditos comuns contida na al. c) do n.º 4 é puramente tautológica: a lei basta-se com a ideia de que são comuns os créditos que não integram nenhuma das outras categorias, conferindo-lhe, ainda assim, um certo carácter subsidiário» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 295).