Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
116/14.6T8VRL.G1
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: RETRIBUIÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
TRABALHO NOCTURNO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I – São retributivos as remunerações do trabalho suplementar, do trabalho noturno, e compensação especial de distribuição, destinando-se a compensar o trabalhador por uma dada atividade desenvolvida fora ou dentro do seu período normal de trabalho, na sua normal laboração profissional ou pelas condições particulares em que a execução das tarefas daquele se desenvolve.
II. Sendo pagos regular e periodicamente, quer dizer, pelo menos durante 6 meses por ano, devem integrar a retribuição de férias, o correspondente subsídio e o subsídio de Natal (este, porém, até à entrada em vigor do Código do Trabalho).
III – Havendo mais do que um contrato de trabalho continuo no tempo a situação laboral é una e, face ao disposto no art.º 38.º, n.º 1 da LCT só começa a correr o prazo prescricional de 1 ano no dia seguinte ao da cessação da mesma.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autora/Recorrente (adiante, por comodidade, designado abreviadamente por A.): M…
Ré: (adiante designado por R.): C…, SA,
A A. alegou que a sua retribuição mensal era composta de várias verbas e que há diferença entre as quantias pagas anualmente a título de férias, subsídio de férias e de Natal, pelo que reclamou o direito a auferir as férias e os subsídios de férias e de Natal, desde o ano de 2000 e até ao ano de 2013 inclusive, pelos valores que correspondam à totalidade da sua remuneração mensal e não como liquidou a R. apenas pelo valor do seu salário base e respectivas diuturnidades. Pediu assim a condenação da R. no pagamento dos diferenciais e ainda nos juros de mora vencidos desde cada uma das mesmas prestações, num total de € 5.632,32 já líquidos.
A R. veio contestar, invocando que os créditos anteriores à outorga do contrato de trabalho sem termo celebrado em 12/12/2001, e correspondentes à vigência de dois contratos de trabalho a termo celebrados em 27/08/1999 e em 25/02/2000, já prescreveram dado ter decorrido o prazo de 1 ano previsto no art. 337º nº 1 do Cód. do Trabalho. Invoca ainda a R. que os juros de mora já prescreveram dado que decorreram mais de 5 anos desde que se venceram parte dos juros vencidos pelo que nesta parte se terá de concluir pela extinção deste crédito. No mais impugnou a natureza de retribuição dos complementos que a A. aufere e, como tal, pediu a improcedência dos pedidos, considerando correctos os valores que anualmente lhe eram liquidados a título de férias, subsídio de férias e de Natal.
Na resposta à contestação a A. reiterou os pedidos formulados na p.i. e defendeu que, tendo os juros moratórios natureza laboral, não prescreveram como pretende a R., pelo que as excepções apresentadas pela demandada deverão ser julgadas improcedentes.
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No saneador o Tribunal julgou a ação improcedente e absolveu a R. do pedido.
Inconformada, a A. recorreu, concluindo:
1º. A e R. tiveram um contrato a termo entre 25.Fev.2000 a 11.Dez.2001.
2º. Em 12.Dez.2001 o contrato de trabalho passou a contrato sem termo.
3º, 4º, 5º. Não houve qualquer cessação ou interrupção na relação laboral, não tendo por essa razão prescrito quaisquer créditos laborais entre 25.Fev.2000 e 11.Dez.2001 por não se poder considerar ter o contrato de trabalho cessado, devendo revogar-se a parte da Sentença em que veio dar procedência à citada excepção.
6º. Assim como deve ser revogada a sentença na parte em que absolveu a recorrida no que à consideração das verbas remuneratórias para efeitos do pagamento das Férias, subsídios de Férias e de Natal.
7º, 8º, 9º, 10º, 11º. Isto porque dando-se como provado que desde 2000 a 2013 a recorrente recebeu determinadas verbas referentes a abonos complementares, os constantes dos quadros que foram anexos, e que estes dizem respeito a trabalho suplementar, trabalho nocturno, abono de viagem e compensação especial de distribuição, e que estes abonos eram pagos com carácter de regularidade, deverão os mesmos, porque contrapartida da prestação de trabalho da Recorrente, ter que ser considerados como remuneração, em consequência do que deve a sua média ser paga na retribuição de Férias e subsídios de Férias e de Natal.
12º. Devendo, também nesta parte, a sentença ser revogada e substituída por outra em que se condene a Recorrida conforme o pedido.
13º. Devendo, ainda, estas médias serem pagas na retribuição do subsídio de Natal após 2004 porquanto de acordo com o artº. 11 da Lei Preambular aplica-se a redação quanto ao que é retribuição para efeitos do subsidio de Natal prevista no Acordo de Empresa de 2006 e não a dos artigos do Código do Trabalho.
14º. Devendo, por tudo o exposto, ser revogada a sentença.
Rematou pedindo se substitua a sentença por outra em que se condene a recorrida como pedido.
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O R. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso, não tendo porém formulado conclusões.
O MºPº teve vista.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
A questão a apreciar no recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso (e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil) – consiste em saber se prescreveram parte dos créditos e se as médias dos valores pagos pela prestação de trabalho suplementar, trabalho noturno e compensação especial de distribuição e o subsídio de condução devem integrar o pagamento devido por férias, subsídios de férias e de Natal.
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O Tribunal a quo deu por assentes os seguintes factos, os quais não foram impugnados:
1. Em 1999 a A. foi admitida para trabalhar, mediante contrato de trabalho a termo certo, sob a autoridade e direcção da R. para exercer as funções de Carteiro, no CDP de Vila Real.
2. Manteve a situação de contratada, sempre no exercício de funções de CRT até ao ano de 2001, tendo nesta data sido admitida como efectiva, ficando colocada no CDP de Vila Real, onde actualmente ainda se encontra.
3. Os abonos complementares auferidos pela aqui A. dizem respeito a trabalho suplementar, trabalho nocturno, abono de viagem e compensação especial de distribuição.
4. No ano de 2000 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 331,05 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
5. Os abonos complementares auferidos pela A. respeitam a trabalho suplementar, trabalho nocturno, abono de viagem e compensação especial de distribuição.
6. No ano de 2001 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 401,82 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
7. No ano de 2002 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 192,13 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
8. No ano de 2003 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 332,95 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
9. No ano de 2004 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 347,00 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
10. No ano de 2005 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 284,69 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
11. No ano de 2006 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 121,78 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
12. No ano de 2007 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 114,40 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
13. No ano de 2008 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 120,08 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
14. No ano de 2009 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 79,26 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
15. No ano de 2010 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 76,18 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
16. No ano de 2011 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 70,69 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
17. No ano de 2012 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 46,30 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
18. No ano de 2013 a A. recebeu em média a quantia mensal de € 86,19 referente a abonos complementares com carácter regular, e essa quantia não foi incluída nos subsídios de férias, de Natal e na retribuição de férias.
19. A A. aufere mensalmente um vencimento base de € 782,40 acrescido de 3 diuturnidades no valor de € 91,71.
20. A A. esteve ao serviço da R. num primeiro contrato de trabalho a termo que vigorou entre 27/08/1999 e 02/02/2000 e um segundo contrato de trabalho a termo que vigorou entre 25/02/2000 e 11/12/2001, tendo sido admitida como efectiva em 12/12/2001.
21. Desde 2003 a R. começou a integrar na retribuição de férias e subsídios de férias, as médias retributivas dos subsídios regulares auferidos pela A. durante o ano.
22. A A. auferia um abono de viagem marcha, automóvel e moto, destinado a compensá-la pelas despesas suportadas com o combustível, desgaste da viatura e outras por via da utilização de transporte próprio nas suas deslocações em serviço.
23. A compensação especial de distribuição corresponde à prestação paga por cada dia efectivo de distribuição domiciliária de correspondência.
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a) do calculo dos subsídios
Considerando que se discute a retribuição do período que medeia entre 2000 e 2013, temos que, no que toca aos pagamentos de férias e subsídios de férias e de Natal até 1 de Dezembro de 2003 é aplicável o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, e o regime jurídico das férias, feriados e faltas, contido no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações do Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e da Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e a Lei do subsídio de Natal (Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho) – LFFF (art.º 8º da Lei n.º 99/03, de 27.08.
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Dispunham os art.º 82º e ss. da LCT:
Art.º 82
Princípios Gerais
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
Artigo 84.º
(Retribuição certa e retribuição variável)
1. É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho.
2. Para determinar o valor da retribuição variável tomar-se-á como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
3. Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior, o cálculo da retribuição variável far-se-á segundo o disposto nas convenções coletivas ou nas portarias de regulamentação de trabalho e, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.
Artigo 86.º
(Remuneração de trabalho extraordinário)
Não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário senão quando se deva entender que integra a retribuição do trabalhador.
Artigo 90.º
(Fixação judicial da retribuição)
1. Compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato.
2. Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que se suscitarem na qualificação como retribuição das prestações recebidas da entidade patronal pelo trabalhador.

De aqui se extraem os elementos que caracterizam a retribuição [1] .
Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, vol I, ed. Lex, 1994, 247, apontavam-lhe as seguintes características:
a) prestação patrimonial;
b) regular e periódica;
c) devida pelo empregador ao trabalhador;
d) como contrapartida da actividade por este prestada.
Os elementos essenciais que se surpreendem na noção de retribuição são:
a) a contrapartida da atividade do trabalhador faltando o sinalagma da actividade, o empregador em regra não tem de a prestar – vg períodos de faltas, greves e suspensão do contrato;
b) periódica;
c) eminentemente de caráter pecuniário. Podem ter uma componente em espécie, que não excede a parte em dinheiro [2].
Há, por outro lado, prestações que não fazem parte do conceito de retribuição (veja-se, por ora, o Ac. do TRL de 19-11-2008 – disponível, como todos citados sem menção da fonte, em www.dgsi.pt: “I- São elementos essenciais do conceito de retribuição, que se retiram do art. 249º do CT e seguintes (que corresponde, com poucas alterações, ao que constava do art. 82º e seguintes da LCT), a obrigatoriedade das prestações, a sua regularidade e periodicidade e a correspectividade ou contrapartida entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador. I- Todos estes elementos são de verificação cumulativa, pelo que a falta de um deles descaracteriza a prestação como retributiva. (…) VI- Tanto na vigência da LCT como na do Código do Trabalho há que recorrer às disposições convencionais colectivas que criam certas prestações para analisar o respectivo regime e se ver se as mesmas integram ou não a base de cálculo de certas prestações o conceito de retribuição”).
Com efeito, nada impede o empregador de efetuar transferências a favor dos seus trabalhadores sponte sua, sem obrigação, seja por entender ser um ato de justiça, seja como forma de motivação ou por outra razão qualquer (ou até sem razão alguma). Será o caso de gratificações, prémios não acordados por bons resultados da empresa, prestações relacionadas com o mérito profissional e assiduidade do trabalhador, e até formas de participação nos lucros, como planos de aquisição de ações. São meras liberalidades [3].Por outro lado, pagamentos efetuados por terceiros (vg gorjetas de clientes) e remunerações não relacionadas com a contra-partida da prestação da atividade também ficam excluídas.
Mais ainda ficam excluídas, em regra, as transferências destinadas a pagar encargos que o trabalhador suporta – ou é de esperar que suporte – pelo mero facto de trabalhar, como ajudas de custo, despesas de transporte, abonos de instalação, abonos de falhas, abonos de viagem e subsídios de refeição. Na verdade, se tomarmos este ultimo por exemplo, verificamos que o trabalhador paga, em princípio, mais por ter de comer fora de casa do que pagaria se adquirisse e confeccionasse os seus alimentos; justifica-se, pois, que a diferença seja suportada pelo empregador, mas já não que este pague tal prestação no chamado 13º mês.
Mas ainda há determinadas transferências que não compõem a retribuição em sentido próprio, não obstante terem um elemento remunerador; são aquelas que visam compensar uma certa situação de esforço, penosidade ou risco acrescido, uma situação especial, que não tem de se verificar sempre (a situação) e que só se justifica (a transferência) enquanto a dita situação se mantém (neste sentido veja-se os Ac. do TRP de 14/04/2008: “O princípio da irredutibilidade da retribuição, contido no art. 122º al. d) do Código do Trabalho, respeita tão só à retribuição estrita, não incluindo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção do horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho suplementar), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido”; e do Supremo Tribunal de Justiça de 25/09/2002: “I - O subsídio de exclusividade apenas é devido enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, não implicando violação do princípio da irredutibilidade da retribuição o não pagamento daquele subsídio na sequência de válida determinação da entidade patronal no sentido de cessação da prestação de trabalho em regime de exclusividade. (…) III - Determinada pela entidade patronal a cessação desse regime, deixou de ser devido, para o futuro, o correspondente subsídio, sem que tal represente violação do princípio da irredutibilidade da retribuição”).
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Estaremos perante retribuição ainda que duas pessoas que auferem o mesmo montante tenham uma rentabilidade diversa, suportando aqui o empregador o correspondente risco.
E ainda que nas férias o trabalhador, logicamente, nada faça, estamos perante valores retributivos, radicando a explicação na forma faseada do seu pagamento (tal como acontece com o subsidio de natal) [4]. Quer dizer, ele já trabalhou para auferir aqueles valores, ainda que só os venha a perceber nas férias e no natal.
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Importa apurar se os subsídios de férias e de natal são achados tendo em conta os valores médios das prestações indicadas pela A., ou meramente a retribuição base e diuturnidades.
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O artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76 estabelecia que a «retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo» (n.º 1), tendo os trabalhadores «direito a um subsídio de férias de montante igual ao daquela retribuição» (n.º 2); e o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96 previa que os «trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano».
Em face destes preceitos tem-se entendido que “o subsídio de férias (…) é precisamente igual à retribuição durante as férias (…devendo) atender-se a todas as prestações retributivas que sejam contrapartida da execução do trabalho” (acórdão de 18.4.2007, do Supremo Tribunal de Justiça, da fundamentação).
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Antes de prosseguir importa chamar a atenção para o caráter não unívoco do conceito legal de retribuição: além de uma noção mais geral (que se identifica com a retribuição base e diuturnidades) existem outras especiais. Quer dizer, para a lei não existe uma única noção de retribuição mas várias, sendo preciso surpreender, por via interpretativa, qual o sentido em causa.
O conceito especial porventura mais conhecido é o que resulta das normas relativas aos acidentes de trabalho: tudo o que a lei considere seu elemento integrante e ainda todas as prestações que revistam caráter de regularidade e não se destinem meramente a compensar custos aleatórios (veja-se por todos o art.º 26/3 da Lei 100/97, de 13.9, designada Lei dos Acidentes de Trabalho). Ou seja, em regra todas as prestações que o sinistrado habitualmente receba (conceito amplíssimo).
Não tem, pois, sentido, a busca a outrance de um conceito de retribuição válido para todas as situações, o qual não existe.
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Até por força do AE os trabalhadores têm direito a uma retribuição no período de férias que em caso algum poderá ser inferior à que receberiam se estivessem em serviço normal, acrescida de um subsidio de férias de montante igual ao dessa retribuição, equipara necessariamente uma e outro, o que significa que ambos têm de englobar as “demais prestações retributivas”.
Ou seja, no período em questão a remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de natal é igual àquela que o trabalhador receberia se estivesse ao serviço.

Mas vejamos: o caráter regular e periódico das prestações exige o seu pagamento 11 vezes por ano, ou basta que exista ao menos em 6 meses por ano?
A periodicidade respeita a uma dada cadência no pagamento: o subsídio de natal é, sem dúvida, uma prestação periódica, já que é paga anualmente.
A regularidade supõe uma certa frequência.
A nosso ver, porém, aquilo que é pago 11 meses por ano é mais do que regular e periódico e é também mais do que habitual: é permanente, ou seja, tem lugar sempre que o trabalhador presta a sua atividade. Fosse este o sentido visado pela lei e certamente que seria esta a noção vazada no art.º 86 da LCT.
Ora, a ideia de uma prestação regular e periódica opõe-se tanto à irregularidade quanto à permanência. Isso torna-se (mais) óbvio se reduzirmos a escala de comparação do mês para a semana ou o dia: como o trabalhador não prestou sempre trabalho suplementar (tal seria até ilegal), a equiparação a permanente levaria à exclusão, logo à partida, destes valores do montante dos subsídios de férias e natal e da retribuição das férias, não obstante a equiparação imposta pela lei e pelo AE.
O que importa é, assim, encontrar uma bitola para a regularidade.
Escreve Monteiro Fernandes em “Direito do Trabalho”, 13.ª Ed., Almedina, 453 e ss., que “em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de «retribuição-base»). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades - a das necessidades correntes, do dia-a-dia - do trabalhador e sua família. (…) Requer-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento - muito embora possa ser diversa de umas prestações para outras (mensal quanto ao salário-base, anual relativamente a gratificação de Natal, trimestral para a comissão nas vendas, etc.). (…) A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa - uma expectativa que é juridicamente protegida. (…)” (sublinhados nossos).
Tem-se assim entendido maioritariamente na jurisprudência, nomeadamente na Relação de Lisboa, que basta o pagamento seis meses por ano para que haja regularidade. É que não há dúvida que existe aí cadência de pagamento bastante para alimentar razoavelmente a expetativa do trabalhador de um determinado fluxo de rendimentos.
Não se resiste, aliás, a citar (entre outros) parte da fundamentação do acórdão desta Relação proferido este ano no processo 179/13.1TTLSB.L1 [5], sendo relator o Desemb. JE Sapateiro e adjunto o ora relator, sendo R. o mesmo CTT, acórdão que se ignora se se acha publicado:
O trabalho suplementar (…) mostra-se, ao nível do Acordo de Empresa de 1996, regulado nas cláusulas 122.ª, 136.ª e 137.ª, por referência à já aludida cláusula 112.ª (Período normal de trabalho) bem como às cláusulas 117.ª (Limite geral) e 118.ª (Horário de trabalho), convindo olhar ainda e em termos gerais, para os artigos 1.º, número 1, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 23.º, 24.º, 35.º, 37.º, 38.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/09, artigos 1.º a 4.º da Lei n.º 21/96, de 23/07, artigos 2.º a 6.º e artigos 1.º a 7.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2/12.
(…) Segundo F. Tomás Resende, “a razão de ser de a lei, em princípio, não considerar como retribuição a remuneração devida e paga por trabalho extraordinário, reside no facto de tal remuneração corresponder a uma eventualidade de ganho e não apresentar, portanto, as características de predeterminação e garantia que tem a retribuição normal, sendo certo também que é esta que tende a satisfazer necessidades permanentes ou periódicas do trabalhador”. (“As prestações das partes”, Revista de Estudos Sociais e Corporativos, 32.º, 26 - referido por Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 13.ª Edição, 1994, EDIFORUM, Lisboa, pág. 243, Nota 1). O trabalho suplementar, de acordo com as normas acima referenciadas e o autor citado, tem carácter excepcional, extraordinário (como expressivamente o classifica a LCT), eventual, ocasional, fortuito, intermitente, não devendo – nem podendo – ser executado com uma natureza permanente, continuada, habitual, duradoura.
Quando, à revelia do regime legal, “as horas extraordinárias revistam as características de normalidade, regularidade ou permanência, a remuneração do trabalho suplementar, integra-se no salário a que deve atender-se para o cálculo da pensão” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/12/1985, BMJ, 352.º, 434), no mesmo sentido indo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5/03/1987, CJ, 1987, Tomo 2.º, 319, quando afirma que “consideram-se integradas no conceito de retribuição, para todos os efeitos legais, as importâncias recebidas durante anos regular e continuamente por trabalho extraordinário e em domingos, desde a data da admissão do trabalhador até à data do seu despedimento”.
(…) Afirma Bernardo Xavier, em Introdução ao Estudo da Retribuição no Direito de Trabalho Português, na RDES, 1.º, 2.ª Série, n.º 1, pág. 90, relativamente à segunda parte do artigo 86.º da LCT: “(...) Com essa fórmula perturbadora deve-se pretender dar cobertura a situações em que a habitualidade na prática de horas extraordinárias e a percepção das respectivas remunerações leva o trabalhador a contar com os respectivos quantitativos como complemento salarial”, confirmado por Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, 1997, Almedina, págs. 727 e 728: “Também aqui deve ser feita a distinção entre o maior trabalho efectivo, isto é, aquele que surge de modo inabitual ou não foi procurado pelas partes quando celebraram o contrato ou que não é permanente, e que obriga de facto a entidade empregadora a um pagamento também suplementar, e o trabalho regular. Neste último caso, a retribuição surge como um complemento à retribuição-base e não como verdadeira retribuição por maior trabalho” (cf., finalmente, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, obra citada, pág. 471).
(…) Impõe-se, finalmente, chamar à colação o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/12/2007 [6] e com o qual tendemos a concordar, em termos de critério delimitador ou definidor do cariz regular e periódico deste tipo de prestação laboral ou de outras de índole similar: “(…) num período de um ano o exercício de trabalho suplementar e consequentemente a respectiva remuneração é prestado em menos de seis meses, em rigor não se pode afirmar que a prestação tenha carácter regular em termos que justifiquem a aplicação da 2.ª parte do citado artigo 86.º da LCT. Em nosso entender qualquer prestação que não tenha uma periodicidade certa e pré-determinada só poderá considerar-se regular se for prestada com alguma frequência, que terá de ser pelo menos de metade do ano. Menos do que isso não lhe permitirá deixar de ser uma prestação esporádica, e portanto, sem carácter retributivo”[7].
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O exposto, desenvolvido quanto ao trabalho noturno, vale outrossim para as demais prestações em causa, seja trabalho suplementar e compensação especial de distribuição: está em causa a remuneração da atividade do trabalhador, em determinadas circunstancias, de forma regular e periódica. Não se trata meramente da compensação de um certo condicionalismo especial, mas do pagamento da atividade extraordinária do trabalhador (o que se evidencia especialmente nos casos de trabalho noturno e suplementar).
Já quanto ao abono de viagem, destinando-se a compensar a trabalhadora de despesas acrescidas com combustível, desgaste de viatura e outras decorrentes do uso de veiculo próprio, segundo apurado, não tem natureza retributiva.
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Cumpre distinguir ainda o subsidio de natal dos demais reclamados, na medida em que após a entrada em vigor do Código do Trabalho o seu quantitativo passou a ser outro (cfr. art.º 254, CT2003; 263, atual), não se vendo que tal haja sido contrariado por IRCT. Ou seja, o que releva aqui é a retribuição base (por todos neste sentido cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 6.2.2006).
O recurso merece, pois, provimento nesta parte.
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b) da prescrição
A segunda questão suscitada consiste em saber se prescreveram os créditos decorrentes do 1º contrato.
Com efeito, a A. foi admitida em 1999 mediante contrato a termo certo, situação que se prolongou até 2001, tendo nesta data sido admitida por tempo indeterminado (houve na realidade dois contratos a termo, o 1º que vigorou entre 27.8.1999 e 2.2.2000 e o 2º entre 25.2.2000 e 11.12.2001, ao que se seguiu o convénio por tempo indeterminado, celebrado em 12.12.2001).
Com este fundamento a R. esgrimiu a prescrição, com fundamento no decurso do prazo de um ano após a cessação do contrato.
A. defendeu a improcedência da excepção uma vez que não se aplica ao contrato de trabalho em causa o art. 310º do Cód. Civil e, assim, não colhe aqui o prazo prescricional invocado pelo R.
A decisão impugnada acompanhou a argumentação da R.:
"Atenta a factualidade que supra se considerou desde já como assente, verifica-se que a aqui A. esteve ao serviço da R. num primeiro contrato de trabalho a termo que vigorou entre 27/08/1999 e 02/02/2000 e um segundo contrato de trabalho a termo que vigorou entre 25/02/2000 e 11/12/2001, a partir do dia seguinte a esta data iniciou-se o prazo previsto no art. 381º do Cód. do Trabalho de 2003 que prevê “1 – Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”.
Pelo exposto, não se pode deixar de concluir que os créditos emergentes dos contratos de trabalho que cessaram em Dezembro de 2001 prescreveram em Dezembro de 2002, pelo que já não podem ser aqui considerados, assim se julgando procedente a excepção de prescrição invocada pelo R".
Não a acompanhamos, porém.
Com efeito, é certo que esta relação subsiste, ainda que ao abrigo de diferentes instrumentos contratuais, senão desde a primeira hora, pelo menos desde a celebração do segundo contrato a termo, onde é manifesta a continuidade da relação laboral.
Destarte, e nos termos do art.º 38/1 da LCT (Decreto-Lei n.º 49408, de 24.11.69), não estão prescritos todos os créditos posteriores a 25.2.2000, inclusive.
Há lugar a juros de mora: a R. não cumpriu atempadamente e nem a A. teria de a interpelar, tratando-se de retribuições. Como lavrou o acórdão da Relação de Lisboa de 29.10.2009 “é obvio que se impunha à R. ter considerado as mencionadas médias no pagamento de férias, subsidio de férias…não o tendo feito incorreu em mora”.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente o recurso e altera a sentença recorrida desta sorte:
a) declara prescritos os créditos laborais anteriores a 25.2.2000;
b) condena a R. a pagar ao A. a média das diferenças remuneratórias entre os valores auferidos, a título de férias e de subsídio de férias, relativas a trabalho suplementar, trabalho nocturno e compensação especial de distribuição, conforme peticionado, desde que pagas pelo menos seis (6) vezes por ano e por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do seu vencimento;
c) condena a R. a pagar à A. a média das diferenças remuneratórias entre os valores auferidos, a título de subsídio de natal, relativas a trabalho suplementar, trabalho nocturno e compensação especial de distribuição, conforme peticionado, desde que pagas pelo menos seis (6) vezes por ano, e por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento, até Novembro de 2003, inclusive;
d) tudo acrescido de juros vencidos e vincendos, à respetiva taxa legal, até integral pagamento
Custas da ação e do recurso pelas partes, na proporção do vencido.
Guimarães, 3 de dezembro de 2015
Sérgio Almeida
Antero Veiga
Manuela Fialho
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[1] Veja-se também a definição da Convenção n.º 95 da OIT, que destaca o carácter de prestação avaliável em dinheiro, devida pelo empregador ao trabalhador e como contra-partida da atividade prestada.
[2] Cfr. atualmente art.º 258 e 259 do Código do Trabalho.
[3] Cfr. art.º 260/1
[4] Cfr art.º 254 e 255 do CT.
[5] Cujo sumário refere:
I - A remuneração do trabalho suplementar e do trabalho noturno, bem como o subsídio de condução, o complemento especial de distribuição e a compensação por horário incómodo possuem natureza retributiva, dado serem pagos regular e periodicamente (pelo menos durante 6 meses por ano) e destinarem-se a compensar o trabalhador por uma dada atividade desenvolvida fora ou dentro do seu período normal de trabalho, uma determinada operação funcional, claramente inserida na sua normal e habitual laboração profissional ou pelas condições particulares em que a execução das tarefas daquele se desenvolve (maior desgaste psicológico e emocional e onerosidade em termos da sua disponibilidade pessoal e familiar), numa conexão direta com o serviço por ele desempenhado e a forma particular do seu desempenho.
II - As prestações referidas no ponto anterior devem integrar, nessa medida e atento o regime previsto no Acordo de Empresa dos CTT (que é coincidente, na sua essência, com a LCT) a retribuição de férias, o correspondente subsídio e o subsídio de Natal.
III - A compensação por redução do horário de trabalho, por se destinar a compensar o Autor pela redução do seu horário de trabalho e pela perda inerente da correspondente contrapartida salarial tem igualmente natureza retributiva.
IV - Quer o artigo 38.º, número 1 da LCT, como o artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003, são aplicáveis também aos juros de mora que forem devidos em função do incumprimento de créditos laborais, só se começando a contar o prazo prescricional de 1 ano no dia seguinte ao da cessação do respetivo contrato de trabalho.
[6] A sentença recorrida, em sede de fundamentação, cita o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/02/2011, processo n.º 547/09.3TTGDM.P1, relatado pelo Juiz-Desembargador Eduardo Petersen Silva e publicado em www.dgsi.pt, quando sustenta, no seu Sumário, que «a remuneração por trabalho noturno, compensação especial, compensação por horário incómodo, compensação especial distribuição e diuturnidade especial, desde que pagas em pelo menos 6 dos 12 meses que antecederam a retribuição de férias e do subsídio de férias e de Natal integram a retribuição, devendo a respetiva média mensal integrar o pagamento da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal». (Nota do trecho transcrito)
[7] Não se ignora naturalmente a progressiva inversão de posição que nesta matéria o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a adotar (com especial incidência nos processos em que estão em causa as relações laborais estabelecidas entre a TAP e os seus empregados) e no quadro da qual só reconhece a existência da regularidade e periodicidade legalmente previstas, quando as prestações em apreço foram liquidadas ao trabalhador durante 11 meses/ano, mas tal tese continua a não merecer a nossa adesão, por se nos afigurar excessivamente exigente na interpretação que faz das normas legais aplicáveis, restringindo incompreensivelmente e distorcendo dessa forma o sentido e alcance das menções legais que impõem tal periodicidade e regularidade, transformando tais conceitos em constância e permanência, convindo, finalmente, recordar que algumas prestações laborais têm um ritmo diverso do mensal, podendo ser mesmo pagas de uma só vez, em termos anuais. (Nota do trecho transcrito)