Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1046/13.4TBPTL-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE
UTILIDADE DA LIDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O art.º 263º, nº 3, do CPC, ao prescrever que a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, mas ressalvando a excepção de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção, traduz apenas o reflexo do sistema de registo predial.

II – Ou seja, quando um acto está sujeito a registo, para que produza efeitos em relação a terceiros, é indispensável que se ache registado, funcionando a regra da prioridade do registo.

III - O que o mencionado nº 3 preceitua é que a sentença proferida no processo principal produz efeitos em relação ao adquirente, mesmo que este não seja habilitado como adquirente.

IV - Assim, o citado nº 3 do art.º 263º do CPC aplica-se apenas quando não há habilitação e houver registo da transmissão antes do registo da acção.

V - Tendo sido deduzida a habilitação de adquirente, é inaplicável tal normativo.

VI - Requerida a habilitação do adquirente, tomando este no processo a posição do transmitente, a sentença que vier a ser proferida produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que a acção não haja sido registada ou o seja depois de o adquirente ter registado, a seu favor, a transmissão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

*****
Por apenso à acção nº 104613.4TBPTL, em que é réu Joaquim e autora M. V., foi deduzido incidente de habilitação de adquirente, sendo requerente aquele réu e requeridos Manuel e Maria veio.

Para o efeito, alegou que, por escritura pública de 20/06/2014, a autora vendeu aos requeridos Manuel e Maria o prédio em causa nos autos principais, o que fez para dificultar a posição do mesmo.

Neste incidente veio a ser proferida a decisão recorrida, cujo teor, na parte dispositiva, é o seguinte:

«Julga-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277º, al. e) do Código de Processo Civil».
*

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a autora, em cujas alegações conclui, em súmula, do seguinte modo:

1.Os autos principais (proc. n.º 1046/13.4TBPTL) iniciaram-se em 22/10/2013, tendo o Réu/Apelado apresentado a sua Contestação/Reconvenção em 08/04/2014. Entretanto a Autora – pelos motivos indicados no processo – vendeu todos os seus bens que se localizam na freguesia onde residia anteriormente – Ponte de Lima -, aí incluído o prédio cerne dos autos, o que sucedeu por escritura outorgada no dia 20/06/201. Em 10/11/2016, o Réu intentou o presente incidente de Habilitação de Adquirente ou Cessionário, nos termos do art.º 356.º do CPC, a correr por apenso à acção principal, para que os actuais proprietários do prédio em questão (Manuel e Maria) fossem habilitados, e para, com eles, prosseguir a acção.
2. Se por um lado, a Motivação do Tribunal a quo deriva dos « documentos juntos aos autos, nomeadamente, a escritura pública junta com o requerimento inicial, a certidão judicial junta com a contestação apresentada pelos requeridos e a certidão predial junta aos autos principais, bem como a ata de audiência de julgamento e sentença constantes dos autos principais »,
3. se, por outro lado, se afirma que « em face da escritura pública junta aos autos, dúvidas não restam de que houve transmissão do prédio objecto dos autos principais » (negrito nosso),
4.e, se por outro lado ainda, da aludida Sentença decorre, mormente, que: i) « O requerente Joaquim veio, por apenso à ação n° 104613.4TBPTL, em que é autora M. V., deduzir o presente incidente de habilitação de adquirente »; ii) « Por escritura pública celebrada em 20.06.2014, no Cartório Notarial - Notário T. R. - a fls. 35 e 38 do livro de notas para escrituras diversas n° 11-C, M. V. vendeu aos requeridos Manuel e Maria, entre outros, a verba dois da referida escritura de doação, assim descrita: prédio rústico, composto por leira de mato, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Ponte de Lima, com a área de 1184 m2, confrontando do norte com Rua ..., do sul com M. V. e A. C., do nascente com A. C., e do poente com M. V. e Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … (… da extinta freguesia de ...), com registo de aquisição a seu favor pela apresentação … (…) de trinta de julho de dois mil e dez (30/07/2010), e inscrito na matriz sob o artigo … (teve origem no artigo … da extinta freguesia de ...), com o valor patrimonial de € 0,63 e para efeitos de IMT de e 11,49 - conforme teor de fls. 6/13 que aqui se dá por reproduzido » (ponto 1 dos factos provados); iii) « A aquisição do prédio identificado em 1 foi registada pela Ap. 1186 de 2014/07/0 » (ponto 3 dos factos provados); iv) « À data do registo da aquisição referida em 3 o prédio achava-se registado a favor da autora M. V., sem quaisquer ónus ou encargos » (ponto 4 dos factos provados); v) « A ação que corre termos pelo processo principal foi registada pela Ap. 7006 de 2015/05/05 » (ponto 5 dos factos provados); vi) « houve transmissão do prédio objecto dos autos principais »; e vii) « já se realizou julgamento e proferiu sentença, mesmo que ainda não exista decisão com trânsito em julgado », jamais se poderia decidir que, no caso dos autos, se verifica « uma situação de inutilidade superveniente da lide, conducente à extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, al. e) do Código de Processo Civil », ao invés de se declarar habilitados os adquirentes!
5. Assim, estamos perante uma contradição da Sentença, que acaba por cair numa ambiguidade e a torna ininteligível, infirmando-a da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, uma vez que « a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se.
6. Além disso, se temos uma sentença proferida nos autos principais (os quais deveriam ter fico suspensos até decisão do incidente de habilitação de adquirente), mas que ainda não transitou em julgado porque foi impugnada mediante recurso interposto pela aqui Apelante, em 06/10/2017 (ref.ª 1668734),- o que, aliás, é confirmado na própria Sentença de que se recorre (« já se realizou julgamento e proferiu sentença, mesmo que ainda não exista decisão com trânsito em julgado »), lógica e forçosamente terá que se concluir que AINDA existe uma acção pendente – a acção principal – já que, até agora, não houve uma decisão definitiva.
7. Até haver uma decisão definitiva nos autos principais, verifica-se utilidade na presente habilitação de adquirente.
8. Só decidindo em conformidade com o que se acaba de afirmar a D. Sentença seria lógica e inteligível, até porque uma decisão só transita em julgado “logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação” (art.º 628.º do CPC).
9. Aquando da prolação de uma sentença, deve tomar-se em conta “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão” (art.º 611.º, n.º 1 do CPC, itálico nosso). E isto porque “desde o momento em que uma acção é proposta até que a sentença é proferida pode, naturalmente, haver alterações radicais nos elementos essenciais da causa, susceptíveis de se reflectirem no sentido da decisão […] A atendibilidade no momento da decisão (sentença, despacho saneador) de factos supervenientes pode ter repercussão no pressuposto processual de legitimidade das partes: o autor deixou de ter, ou passou a ter, interesse na relação jurídica controvertida […]” (Ac. STJ, de 8.2.1996: BMJ, 454.º-607, negrito nosso).
10. E esses factos, claro está, só podem ser os que “tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida” (art.º 611.º, n.º 2 do CPC).
11. Ora, se a Apelante já não é a proprietária do prédio em questão, e se os actuais proprietários são os Requeridos Manuel e Maria – facto que se deu como provado na D. Sentença em crise (ponto 1 dos factos provados) e que tem “influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida” -a decisão proferida, viola claramente o previsto no art.º 611.º, n.º 1 do CPC, pois não corresponde à situação actualmente existente e, em face do estado dos autos principais - estado de pendência - a habilitação deveria ter sido decretada.
12. Em consequência, a D. Sentença em crise é nula, igualmente tendo em conta o disposto no art.º 615.º, n.º 1 al. c), por inquinar de ambiguidade e ser ininteligível e ilógica.

Pede que se revogue a decisão recorrida, sendo em sua substituição proferida a outra decisão que habilite os requeridos Manuel e Maria nos autos.

Houve contra alegações por parte dos requeridos, pugnando pela confirmação do julgado.

– Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pela recorrente são as seguintes:

a) Nulidade da sentença;
b) Não extinção do incidente de habilitação por inutilidade superveniente da lide.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Fundamentos;

1. De facto;
É a seguinte a factualidade provada e não provada:
Factos provados:

1. Por escritura pública celebrada em 20.06.2014, no Cartório Notarial – Notário T. R. - a fls. 35 e 38 do livro de notas para escrituras diversas nº …, M. V. vendeu aos requeridos Manuel e Maria, entre outros, a verba dois da referida escritura de doação, assim descrita: prédio rústico, composto por leira de mato, sito na Rua ..., freguesia de ... e …, concelho de Ponte de Lima, com a área de 1184 m2, confrontando do norte com Rua ..., do sul com M. V. e A. C., do nascente com A. C., e do poente com M. V. e Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … (… da extinta freguesia de ...), com registo de aquisição a seu favor pela apresentação … (…) de trinta de julho de dois mil e dez (30/07/2010), e inscrito na matriz sob o artigo … (teve origem no artigo … da extinta freguesia de ...), com o valor patrimonial de € 0,63 e para efeitos de IMT de e 11,49 – conforme teor de fls. 6/13 que aqui se dá por reproduzido.
2. Tal prédio adveio à autora M. V. por partilha judicial – conforme teor de fls. 41/50 que aqui se dá por reproduzido.
3. A aquisição do prédio identificado em 1 foi registada pela Ap. 1186 de 2014/07/0.
4. À data do registo da aquisição referida em 3 o prédio achava-se registado a favor da autora M. V., sem quaisquer ónus ou encargos.
5. A ação que corre termos pelo processo principal foi registada pela Ap. 7006 de 2015/05/05.
6. No âmbito dos autos principais concluiu-se audiência de julgamento no dia 03/07/2017 e proferiu-se sentença em 15/08/2017.
*
Factos não provados:

1. Os requeridos nunca tiveram conhecimento de qualquer ação movida pelo requerente contra a requerida M. V..
2. Nem tão pouco alguma vez foram confrontados pelo requerente sobre a “propriedade” do prédio mencionado em 1º supra.

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2. De direito;

a) Nulidade da sentença;

Começa a recorrente por suscitar a questão relativa à nulidade da sentença recorrida, invocando que esta padece dos vícios de contradição entre os seus fundamentos e a decisão e ainda de ininteligibilidade com base na sua ambiguidade, nos termos da al. c) do artº 615º, nº1, do Código de Processo Civil (doravante CPC), que cita.
Fundamenta tal contradição e ininteligibilidade no facto de na sentença se afirmar que houve transmissão do prédio alienado da autora para os adquirentes/requeridos e depois não se considerar estes adquirentes como donos do mesmo.
O que tudo redunda em jamais se ter podido decidir que, no caso dos autos, se verifica uma situação de inutilidade superveniente da lide, conducente à extinção da instância, nos termos do artº 277.º, al. e) do CPC, mas antes se declarar os adquirentes como habilitados.

Vejamos:
As nulidades da decisão previstas no artº 615º do CPC são deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável.
Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, in www.dgsi.pt).
Assim, a sentença será nula, além do mais: “(…) c) quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade agora arguida está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 154º e 607º nºs. 3 e 4) de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, com o facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Deste modo, uma eventual oposição - entendida como uma discordância relativa ao raciocínio expendido ao qual se contrapõe um outro - entre a decisão sobre certos pontos da decisão de facto ou relativamente à decisão de direito não constitui qualquer nulidade da sentença recorrida; aliás, basta percorrer a mesma para perceber que esta desemboca logicamente numa conclusão decisória que decorre dos considerandos que vai expendendo.
Apenas ocorreria este tipo de nulidade se o julgador prosseguisse determinada argumentação conducente a um dado resultado e depois concluísse precisamente pelo oposto, de modo logicamente incoerente face à estrutura interna do texto constante da sentença.
Da análise desta, em sede de fundamentação de direito, forçoso é concluir que o tribunal recorrido afirma expressamente que houve transmissão do prédio objecto dos autos principais, mas ainda assim - porque entende que, ao caso, é aplicável o disposto no artº 263º, nº3, do CPC, e inexiste um dos requisitos para a admissibilidade da habilitação do adquirente [o da pendência de uma acção (por considerar que, tendo sido realizado o julgamento e proferida a sentença no processo principal, a instância extinguiu-se)] - se verifica uma situação de inutilidade superveniente do procedimento incidental.
Ora, tal silogismo judiciário não é contraditório nem ininteligível, por ambiguidade.
O que poderá implicar, isso sim, como infra analisaremos, um erro de julgamento e não uma contradição geradora de nulidade (vide, por todos, Ac. do STJ de 30 de Maio de 2013, em dgsi.pt, processo nº660/1999.P1.S1).
Donde, a decisão sob apreciação não padece de qualquer vício de nulidade em nenhuma das modalidades invocadas.

b) Da não extinção da instância incidental por inutilidade superveniente da lide;

Suscita ainda a recorrente a questão de não haver lugar à extinção do incidente de habilitação de adquirente por inutilidade superveniente da lide, como decidido, com o argumento de que existe uma sentença proferida nos autos principais, mas que ainda não transitou em julgado porque foi impugnada mediante recurso interposto pela aqui Apelante, o que, aliás, é confirmado na própria sentença de que se recorre, existe uma acção pendente – a acção principal – já que, até agora, não houve uma decisão definitiva.
E que até haver uma decisão definitiva nos autos principais, se verifica utilidade na presente habilitação de adquirente.
Mais esgrime que a decisão proferida viola claramente o previsto no art.º 611.º, n.º 1 do CPC, pois não corresponde à situação actualmente existente e, em face do estado dos autos principais - estado de pendência - a habilitação deveria ter sido decretada.
Em síntese, defende que não ocorre uma situação de inutilidade superveniente do incidente de habilitação de aquirente.
Assiste-lhe razão, ainda que por motivos distintos dos alegados.
*
O primeiro argumento plasmado na sentença é o de que há uma inutilidade superveniente da presente habilitação de adquirente porque os adquirentes do prédio objecto dos autos principais (nestes, está em causa uma acção de reivindicação relativamente ao mesmo, em que a autora pede o reconhecimento do direito de propriedade quanto a determinada área, havendo pedido reconvencional por parte do réu, de reconhecimento dessa propriedade a seu favor) registaram a compra em data anterior ao registo da acção.
Ora, o artº 263º, nº 3, do CPC, ao prescrever que «a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção» (sublinhado nosso), mais não estatui do que a consequência imediata do sistema de registo predial.
Quando um acto está sujeito a registo, para que produza efeitos em relação a terceiros, é indispensável que se ache registado.
O que o mencionado nº 3 preceitua é que a sentença proferida no processo principal produz efeitos em relação ao adquirente, mesmo que este não seja habilitado como adquirente.
Ressalva, porém, por força das regras do registo predial, o caso de o adquirente não habilitado ter registado a transmissão antes de feito o registo da acção.

Daqui deflui o seguinte:

- O citado nº 3 do artº 263º, aplica-se apenas quando não há habilitação – ao invés do decidido pelo tribunal recorrido.
- Requerida a habilitação do adquirente, tomando este no processo a posição do transmitente/vendedor, a sentença que vier a ser proferida (por exemplo, sobre a reivindicação), produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que a acção não haja sido registada ou o seja depois de o adquirente ter registado, a seu favor, a transmissão.
Neste sentido, vide Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 81.

Volvendo ao caso vertente, dúvidas não restam de que, atenta a pretensão quer da autora, vendedora/transmitente, quer do réu, reconvinte, se verifica neste momento utilidade na prossecução do incidente de habilitação requerido pelo réu/reconvinte.
Estando em causa, por um lado, na acção o pedido de reconhecimento de propriedade sobre determinada parcela do prédio vendido no decurso da acção e, por outro, na reconvenção, idêntico pedido a favor do réu, tendo este deduzido o incidente de habilitação de adquirente, a instância incidental mantém efeito útil desde logo para a transmitente/autora (a fim de os adquirentes passarem a ser os verdadeiros autores e reconvindos, substituindo-se à transmitente).
Caso sejam habilitados, a sentença obriga-os porque são parte no processo e não terceiros.
O ter ou não sido registada a acção (mesmo depois do registo da transmissão) é irrelevante.
Por sua vez, essa utilidade existe também na perspectiva do réu/reconvinte, já que, no caso de procedência da reconvenção, vincula os adquirentes, formando caso julgado quanto aos mesmos.
In casu, até porque o registo da transmissão é anterior ao registo da acção, tem o réu reconvinte todo o interesse que a sentença ponha aos adquirentes, formando caso julgado quanto aos mesmos.
Para isso têm que os aquirentes serem habilitados no lugar da autora transmitente.

A outra razão invocada na decisão recorrida para justificar a inutilidade superveniente da lide incidental é a de que com o julgamento e sentença prolatada no processo principal se extinguiu o incidente de habilitação, nos termos do artº 277º, al. a), do CPC.
Discorda-se.
Independentemente de tal preceito dever ser interpretado no sentido de que a instância se extingue com o julgamento da causa (do thema decidenduum), ou seja, com a sentença transitada em julgado (e no processo principal a sentença ainda não se mostra transitada) - aplicado tal normativo ao caso em análise, o julgamento que extinguiria a instância incidental seria o julgamento do incidente de habilitação de adquirente e não o julgamento do processo principal.
Até porque o incidente de habilitação de adquirente foi deduzido oportunamente, muito antes da prolação da sentença no processo principal, não dependendo o desfecho daquele após esta da conduta processual do requerente desse incidente, pelo que não lhe pode ser imutável tal ocorrência.
Ademais, os requeridos não deixaram de contestar tal pedido de habilitação de adquirente, exercendo, pois, o contraditório relativamente à sua substituição em lugar da transmitente, autora.

Porquanto se deixa aduzido, procede a apelação, ainda que por fundamentos diversos, revogando-se a decisão recorrida de extinção da instância incidental por inutilidade superveniente da lide e devendo os presentes autos de incidente de habilitação de adquirente prosseguirem os seus ulteriores termos para conhecimento do respectivo mérito.

Sumariando:

I - O artº 263º, nº 3, do CPC, ao prescrever que a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, mas ressalvando a excepção de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção, traduz apenas o reflexo do sistema de registo predial.
II – Ou seja, quando um acto está sujeito a registo, para que produza efeitos em relação a terceiros, é indispensável que se ache registado, funcionando a regra da prioridade do registo.
III - O que o mencionado nº 3 preceitua é que a sentença proferida no processo principal produz efeitos em relação ao adquirente, mesmo que este não seja habilitado como adquirente.
IV - Assim, o citado nº 3 do artº 263º do CPC aplica-se apenas quando não há habilitação e houver registo da transmissão antes do registo da acção.
V - Tendo sido deduzida a habilitação de adquirente, é inaplicável tal normativo.
VI - Requerida a habilitação do adquirente, tomando este no processo a posição do transmitente, a sentença que vier a ser proferida produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que a acção não haja sido registada ou o seja depois de o adquirente ter registado, a seu favor, a transmissão.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos ulteriores termos dos autos de incidente de habilitação de adquirente.

Custas pela parte vencida a final.

Guimarães, 1 DE MARÇO DE 2018

ANTÓNIO SOBRINHO
JORGE TEIXEIRA
JOSÉ AMARAL