Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
114815/16.8YIPRT.G2
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO FACULTATIVO
SEGURO AUTOMÓVEL
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Quando num contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel facultativo coexistem estas cláusulas: a) ficam excluídos das coberturas do seguro facultativo os sinistros em que o veículo seguro seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada a conduzir; b) quando o condutor não estiver legalmente habilitado a conduzir, satisfeita a indemnização, o segurador tem direito de regresso contra o dito condutor, estamos perante uma flagrante contradição.

2. Para dirimir o litígio deve o Julgador averiguar se o condutor não legalmente habilitado a conduzir foi autorizado pelo tomador do seguro a pegar no veículo e conduzi-lo; se sim, aplica-se a cláusula de exclusão e a seguradora pode legitimamente recusar-se a satisfazer a indemnização; se não, e esse condutor actuou à revelia e sem consentimento ou conhecimento do proprietário tomador do seguro, então a seguradora é obrigada a indemnizar este, não se aplicando a cláusula de exclusão supra referida, mas, uma vez satisfeita a indemnização, fica com direito de regresso sobre o condutor não habilitado e abusivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

Conceição, com os sinais nos autos, intentou o presente procedimento de injunção contra X, Companhia de Seguros, SA., também identificada nos autos, procedimento esse que se transmutou em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 14.158,42, correspondente a capital, acrescido de €102,00 de taxa de justiça e de juros de mora vincendos até efectivo pagamento.

Para tanto, alegou que celebrou com a requerida um contrato de seguro do ramo automóvel referente a uma viatura da qual é proprietária com a matrícula ..-LD-.., com a cobertura de danos próprios pelo capital de € 14.667,00, com uma franquia de € 293,34.

Mais alegou que sem o seu consentimento ou conhecimento a sua filha menor apoderou-se das chaves da viatura, conduzindo-a na via publica sem habilitação legal para o efeito, tendo entrado em despiste e embatendo contra um muro. Mercê do embate a viatura da autora ficou totalmente destruída, pretendendo ser indemnizada pela quantia de €14.158,42, correspondente ao valor da desvalorização do capital seguro deduzido da franquia.

Regularmente citada a requerida veio defender-se por excepção dizendo que ao abrigo da cláusula 9º, nº 1, b) das Condições Gerais do Contrato de Seguro estão excluídas das coberturas de seguro facultativo os sinistros em que o veículo seguro seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada, para além de impugnar matéria factual invocada pela A.

Em contraditório veio a autora alegar que não se verifica a exclusão do contrato porquanto não autorizou nem teve conhecimento do acto da sua filha. Entende a autora que a cláusula de exclusão apenas funciona se tivesse consciente e voluntariamente autorizado a sua filha a conduzir a viatura, o que não sucedeu.

Realizou-se a audiência de julgamento, e a final o Tribunal julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 13.747,42, acrescida de juros legais contados desde a notificação do requerimento de injunção e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais contra ela peticionado nos autos.

A ré X – Companhia de Seguros, SA, inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Termina as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

1. Pretende-se com o presente recurso fixar o sentido e o alcance da cláusula 9ª, alínea b), das Condições Gerais do Contrato de Seguro, que refere: Ficam igualmente excluídos das coberturas do seguro facultativo: Sinistros em que o veículo seguro seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitado ou que se encontre, temporária ou definitivamente, inibida de conduzir.
2. Não deve ser fixado como sentido determinante para esta cláusula contratual que apenas resultam excluídos os sinistros em que a condução da viatura segura por pessoa sem estar legalmente habilitada o fosse com o consentimento ou conhecimento do proprietário do veículo.
3. Tal como resulta do disposto no artigo 238º do Código Civil, a letra é o ponto de partida para a fixação do sentido e alcance da declaração negocial e funciona também como um limite a essa mesma interpretação.
4. O sentido fixado em primeira instância não tem um mínimo de correspondência no texto da cláusula 9ª, alínea b).
5. Se no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel está previsto o direito de regresso da seguradora que satisfaz a indemnização contra o condutor se não estiver legalmente habilitado para a condução, independentemente de estar este autorizado a conduzir ou não pelo proprietário do veículo, por identidade de razão se admite ser este o sentido que as partes pretendem atribuir ao negócio jurídico que celebraram.
6. A seguradora pode propor um contrato de seguro facultativo que exclui a sua responsabilidade por danos causados ao próprio veículo quando estes hajam sido provocados por quem não esteja habilitado para a condução.
7. Esta cláusula contratual com o sentido que a recorrente pretende fixar traduz uma medida de promoção do cumprimento das regras de condução e de defesa da segurança.
8. Sendo este o sentido que um aderente (tomador de seguro) normal colocado na posição do aderente real atribuiria à cláusula contratual.

A recorrida contra-alegou, defendendo a total improcedência do recurso.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber qual a interpretação a dar à cláusula 9ª, alínea b), das Condições Gerais do Contrato de Seguro, que refere: ficam igualmente excluídos das coberturas do seguro facultativo sinistros em que o veículo seguro seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitado ou que se encontre, temporária ou definitivamente, inibida de conduzir.

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. Em 11.1.2016 a requerente celebrou com a requerida um acordo designado por “contrato de seguro do ramo automóvel” respeitante à viatura, sua propriedade, matrícula ..-LD-.., marca Hyundai, modelo 130 CW 1.6, titulado pela Apólice nº. ... 000001.
2. Válido pelo prazo de 1 ano e seguintes, com um prémio anual de € 386,39 e pago semestralmente.
3. Em 11.1.2016 a requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 234,20 correspondente ao 1º. Semestre (recibo nº 736564), pelo que o contrato ficou em vigor até 10.07.2016.
4. O contrato de seguro celebrado foi do modelo MOTORE EXECUTIVE – denominação exclusiva em uso da requerida – sendo os riscos contratados definidos pela responsabilidade civil obrigatória bem como as condições especiais 003, 004, 005, 052, 053, 054, 056, 058, 077 e 078 (cfr. documento de fls. 14 e 15, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
5. À data da celebração do contrato, o capital seguro era de € 14.667,00, sujeito a uma tabela de desvalorização calculada nos termos do DL 214/97 de 16/8, sendo que em Fevereiro de 2016 o valor do capital seguro ficou assim reduzido a € 14.451,76.
6. Estando sujeito a uma franquia de € 293,34.
7. Em 20.2.2016 com a requerente vivia a sua filha Ana, nascida em ....
8. Em 20.2.2016 a filha da requerente, Ana, apoderou-se das chaves da viatura, sem que a requerente se tivesse disso apercebido.
9. E colocou-se ao volante da viatura em causa, a qual se encontrava estacionada na garagem, accionou o motor de arranque e passou a conduzir o LD na EN 2 no sentido Vila Real-Chaves.
10. O que fez sem o conhecimento da requerente e sabendo mesmo que actuava contra a sua vontade caso tivesse conhecimento das suas intenções.
11. Por motivos que se desconhecem, no Lugar denominado ... (a cerca de 500 metros da sua residência), a condutora perdeu o controlo do LD, despistando-se e embatendo no muro que delimita a via.
12. Do referido acidente resultou a destruição total da viatura conforme peritagem ordenada pela requerida e levada a cabo pela firma UON CONSULTING 021589738 elaborado em 02.03.2016.
13. A condutora do veículo da autora não dispunha de habilitação legal para conduzir.
14. Na cláusula 9º, nº 1, b) das Condições Gerais do Contrato de Seguro estão excluídas das coberturas de seguro facultativo os sinistros em que o veículo seguro seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada.
15. O valor do salvado é de € 411,00.

IV
Conhecendo do recurso.

Uma vez que a recorrente não questiona o julgamento da matéria de facto, os factos supra referidos são definitivos, e é com base neles que devemos decidir o litígio.

O que há a decidir é apenas e só se o sinistro descrito supra na matéria de facto provada é coberto pelo seguro celebrado entre autora e ré, assim obrigando esta a ressarcir aquela, ou se, ao invés, a cláusula 9º,1,b das Condições Gerais exclui da cobertura do seguro este sinistro em concreto, por o veículo estar a ser, no momento do sinistro, conduzido por pessoa não legalmente habilitada a conduzir.

A sentença recorrida decidiu tal questão considerando que, tendo em conta o contexto da mencionada cláusula e o fim prosseguido pela mesma, na sua economia o respectivo sentido não pode deixar de ser o de que a exclusão nela prevista apenas opera quando o sinistro seja provocado “por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada ou que se encontre, temporária ou definitivamente, inibida de conduzir” e que, apesar disso, conduzia o veículo seguro com autorização do respectivo proprietário. Portanto, o que releva para efeito da exclusão em causa é que o veículo esteja (ou não) sob o domínio ou direcção efectiva do respectivo proprietário ou detentor. Tal cláusula tem, assim, por escopo incentivar o proprietário ou detentor do veículo seguro a uma prudência mínima na forma como o veículo é utilizado, designadamente não permitindo que o mesmo seja conduzido por alguém que não disponha licença legal para o efeito.

O que dizer ?

Está em causa a interpretação a dar a uma cláusula de um contrato de seguro, que configura uma cláusula contratual geral.

Assim, próximos do caso concreto estão os arts. 10º e 11º do DL 446/85 de 25/10, o qual estabelece o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais: o art. 10º (princípio geral) dispõe que “as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”.

Essas regras sobre a interpretação dos negócios jurídicos constam do art. 236º CC, sob a epígrafe “sentido normal da declaração”, assim: “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” (nº 1). Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº 2).

E o art. 11º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais dispõe que “as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real” (nº 1). E na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente (nº 2).

Ora, estas várias normas parecem orientar-nos, na busca que empreendemos, para o contexto do contrato singular em que se incluem. O contrato em causa é um contrato de seguro do ramo automóvel, válido pelo prazo de 1 ano e seguintes, com um prémio anual de € 386,39 e pago semestralmente. Usando a denominação empregue pela própria Seguradora, o contrato de seguro celebrado foi do modelo MOTORE EXECUTIVE, sendo os riscos contratados definidos pela responsabilidade civil obrigatória bem como as condições especiais 003, 004, 005, 052, 053, 054, 056, 058, 077 e 078.

A cobertura do seguro de responsabilidade civil obrigatória é definida por lei, pelo que não se justifica perder muito tempo a falar sobre ela: trata-se de transferir para a Seguradora a obrigação de indemnizar terceiros que venham a sofrer danos decorrentes da circulação do veículo automóvel identificado nas condições particulares.

Para além desse núcleo duro, existem ainda outras cláusulas, essas facultativas, que as partes entenderam dever incluir no seguro. São as mencionadas nas condições especiais 003 (choque, colisão ou capotamento), 004 (incêndio, raio ou explosão), 005 (furto ou roubo), 052 (morte, invalidez permanente das pessoas transportadas), 053 (fenómenos da natureza), 054 (quebra isolada de vidros), 056 (actos maliciosos), 058 (protecção jurídica), 077 (assistência em viagem) e 078 (extensão na avaria).

Olhando para as condições gerais da respectiva apólice, verificamos que na claúsula 5ª estão previstas as exclusões da garantia obrigatória, que não iremos aqui analisar porque não são relevantes para este litígio. E na cláusula 9ª estão as exclusões das garantias facultativas. E do teor literal dessa cláusula resulta que, para além das exclusões constantes da cláusula 5ª, que assim também se aplicam aqui, ficam igualmente excluídos das coberturas do seguro facultativo: a) danos causados intencionalmente pelo tomador do seguro, segurado, condutor ou por pessoas por quem eles sejam civilmente responsáveis; b) sinistros em que o veículo seguro seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada ou que se encontre temporária ou definitivamente inibida de conduzir; c) sinistros ocorridos quando o condutor do veículo seguro se encontre sob o efeito de álcool, com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, sob o efeito de estupefacientes, de outras drogas, de produtos tóxicos, ou em estado de demência; d) sinistros em consequência de tentativa, consumada ou frustrada, de suicídio, bem como acidentes ocorridos em resultado de apostas ou desafios; e) sinistros em que não tiverem sido cumpridas as disposições sobre inspecção obrigatória ou outras relativas à homologação do veículo seguro, excepto se for feita prova de que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau estado do veículo seguro, nem por causa conexa com a falta de homologação; f) danos resultantes de guerra, declarada ou não, invasão, hostilidades ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião ou revolução, levantamento militar ou acto do poder militar legítimo ou usurpado, bem como danos produzidos enquanto o veículo seguro se encontre em regime de confiscação ou requisição por ordem do governo, de direito ou de facto, ou de qualquer autoridade instituída; g) danos resultantes de terrorismo, ou seja, de qualquer crimes, actos ou factos como tal considerados nos termos da legislação penal portuguesa em vigor; h) lucros cessantes ou perda de benefícios ou resultados advindos ao tomador do seguro ou segurado em virtude de privações de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro em razão do sinistro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo naturais.

E acrescenta ainda o nº 2: salvo convenção em contrário, ficam ainda excluídos:

a) danos resultantes de actos de vandalismo ou maliciosos; b) danos resultantes de acções de pessoas que tomem parte em greves, lockouts, distúrbios laborais, tumultos, motins e alterações da ordem pública, bem como os danos resultantes de acções praticadas por qualquer autoridade legalmente constituída, em virtude de medidas tomadas por ocasião destas ocorrências, para salvaguarda da protecção de pessoas e bens; c) sinistros provocados por fenómenos sísmicos ou meteorológicos, inundações, desmoronamentos, furacões, aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundamento de terrenos, ou outras convulsões violentas da natureza; d) danos em pintura de letras, desenhos, emblemas, dísticos alegóricos ou de reclamos ou propaganda, aparelhos e instrumentos, não incorporados de origem no veículo seguro (extras), quando não for expressamente feita a sua menção e valorização nas condições particulares.

Se avançarmos per saltum para a cláusula 42ª, que rege sobre o direito de regresso do segurador, verificamos que o seu nº 1 define o direito de regresso quando a indemnização seja satisfeita ao abrigo da cobertura obrigatória, e o nº 2 regula o direito de regresso quando a indemnização seja satisfeita ao abrigo da cobertura facultativa. E, usando a mesma técnica que já antes encontrámos, esta cláusula adiciona todos os casos de direito de regresso previstos para o seguro obrigatório também ao seguro facultativo. Assim, da cláusula 42ª,1,d,2 resulta incontornável que, quando o condutor não estiver legalmente habilitado a conduzir, satisfeita a indemnização, o segurador tem direito de regresso contra o dito condutor.

Aqui chegados vamos fazer uma pausa.

Abstraindo do elevadíssimo número de cláusulas de exclusão da responsabilidade, tão elevado que nos parece que as mesmas secam e esvaziam quase por completo a cobertura contratual que se pretendia oferecer (1), mas que é questão que não foi colocada no recurso, vamos agora atentar no que nos parece uma flagrante contradição. Por um lado, afirma-se que ficam excluídos da cobertura do seguro facultativo os sinistros em que o veículo seguro seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada; por outro, afirma-se que quando o condutor não estiver legalmente habilitado a conduzir, satisfeita a indemnização, o segurador tem direito de regresso contra o dito condutor.

É caso para perguntar; em que é que ficamos ?

Quando o condutor do veículo não estiver legalmente habilitado a conduzir, o que é que se retira da literalidade das cláusulas do contrato de seguro:

a) o segurador recusa-se a satisfazer a indemnização, invocando a cláusula de exclusão 9ª, alínea b) ?
b) o segurador satisfaz a indemnização, por força do contrato, mas fica com direito de regresso sobre o condutor não habilitado a conduzir, nos termos da cláusula 42ª, nº 1, alínea d), por remissão do nº 2 ?

Salvo melhor opinião, só vislumbramos uma forma de conciliar estas duas cláusulas exuberantemente contraditórias: é justamente a de interpretar a cláusula de exclusão 9º,b, nos seguintes termos: se o condutor não legalmente habilitado a conduzir foi autorizado pelo tomador do seguro a pegar no veículo e conduzi-lo, aplica-se a cláusula de exclusão e a seguradora pode legitimamente recusar-se a satisfazer a indemnização, por estar fora da cobertura contratual. Se esse condutor actuou à revelia e sem consentimento ou conhecimento do proprietário tomador do seguro, então a seguradora é obrigada a indemnizar este, não se aplicando a cláusula de exclusão supra referida, mas, uma vez satisfeita a indemnização, fica com direito de regresso sobre o condutor não habilitado e abusivo.

Desta forma estamos em crer que se obtém um regime contratual equitativo e justo.

Por um lado penaliza-se o tomador do seguro que permita que alguém não legalmente habilitado conduza o veículo seguro, retirando-lhe a cobertura do seguro e exonerando a companhia de seguros de satisfazer a indemnização, assim incentivando um comportamento socialmente mais responsável por parte do proprietário do veículo.

Por outro, quando o tomador do seguro não merece qualquer censura, porque por exemplo o veículo seguro foi utilizado sem o seu conhecimento e consentimento, ele beneficia da cobertura contratual, como se afigura justo, podendo depois a seguradora exercer o seu direito de regresso contra o condutor que exerceu a condução apesar de não estar legalmente habilitado para o efeito.

Aplicando esta solução ao caso dos autos, e uma vez que se provou que a filha da requerente, Ana, se apoderou das chaves da viatura sem que a requerente se tivesse disso apercebido, e colocou-se ao volante da viatura, o que fez sem o conhecimento da requerente e sabendo mesmo que actuava contra a sua vontade caso tivesse conhecimento das suas intenções, tendo-se despistado e destruído o veículo, concluímos que bem andou a primeira instância ao considerar que o sentido de tal cláusula de exclusão “não pode deixar de ser o de que a exclusão nela prevista apenas opera quando o sinistro seja provocado “por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada ou que se encontre, temporária ou definitivamente, inibida de conduzir” e que, apesar disso, conduzia o veículo seguro com autorização do respectivo proprietário”.

Assim se respeitou a directriz legal de, em caso de dúvida, prevalecer o sentido mais favorável ao aderente.

Desta forma, improcedem todas as conclusões apresentadas pela recorrente, mostrando-se a sentença recorrida legalmente correcta e justa.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando integralmente a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 11/10/2018

Relator

(Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto
(Alcides Rodrigues)

2º Adjunto
(Joaquim Boavida)
1- Afigura-se-nos que estamos perante algo parecido com isto: Cobertura: ficam incluídos os números de 1 a 10. Exclusões: ficam excluídos os números 3, 5, 10, 8, 9, 1, 7, 2, 4, e 6.