Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
251/13.8TBGMR.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MONTANTE DA PENSÃO
PROGENITOR
PARADEIRO DESCONHECIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Ainda que seja desconhecido o paradeiro do respectivo progenitor, ou , sendo ele certo, não aufira porém qualquer remuneração mensal, deve ainda assim o tribunal, em sede de acção de regulação do exercício do poder paternal relativamente a menor cuja guarda não lhe foi atribuída, fixar a seu cargo uma prestação de alimentos devida à referida menor.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de Guimarães
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1. - Relatório.
Intentou o Ministerio Público, contra M… e J… , acção de regulação do exercício do poder paternal relativamente à menor B…
Citados os pais da menor para uma conferência, a esta se procedeu, tendo sido alcançado o entendimento/acordo ( que homologado foi ) entre os progenitores quanto à guarda e regime de visitas, mas, no tocante aos alimentos, nada foi fixado/acordado, razão porque seguiu-se a notificação dos requeridos para apresentarem alegações, e, bem assim , procedeu-se de imediato à elaboração dos inquéritos a que alude o art. 179º, nº2, da OTM.
1.1.- Por fim, seguiu a prolação da sentença ( a que alude o artº 180º, da OTM) , sendo do seguinte teor o respectivo comando/segmento decisório :
“ Nestes termos o Tribunal decide não condenar o requerido no pagamento de qualquer prestação de alimentos a favor da B….
Custas pelos requeridos na proporção de metade para cada um. Registe.
Notifique. “
1.2.- Inconformado com a decisão/sentença, indicada em 1.1., da mesma apelou então o Ministério Público, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1- A sentença ora recorrida, abstém-se de fixar a prestação de alimentos a cargo do requerido – pai –, uma vez que este não tem qualquer fonte de rendimento.
2 - Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes ,prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens – artigo 1878º, nº 1, do Código Civil.
3 - Os alimentos devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los, conforme dispõe o artigo 2004º, do Código Civil.
4 - A fixação da prestação de alimentos é uma das três questões essenciais a decidir na sentença que regula o exercício das responsabilidades parentais, não devendo os progenitores ficarem desresponsabilizados do dever de contribuir para o sustento do menor.
5 - Assim, na sentença deverá sempre fixar-se a pensão alimentícia e a forma de a prestar, independentemente da precária situação económica do progenitor a quem o menor não fique confiado.
6 - O dever de alimentos aos filhos menores é um verdadeiro dever fundamental dos progenitores, directamente decorrente do artigo 36º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, sendo um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores.
7 - Verificando-se que a capacidade alimentar dos pais se mostra insuficiente ou relapsa, cabe ao Estado substituir-se-lhes, garantindo aos menores as prestações existenciais que lhe proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.
8 - Tanto mais, que a primeira condição para que se possa accionar o mecanismo de acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é a fixação judicial do "quantum" de alimentos devidos a cada menor.
9 - A esta interpretação, de fixar a prestação de alimentos, obriga a defesa do superior interesse da criança, já que nos termos do artigo 3° da Convenção dos Direitos da Criança todas as decisões relativas a crianças terão primacialmente em conta os seus interesses.
10 - Acresce que o artigo 180°, nº 1, da Organização Tutelar de Menores, estabelece que na sentença o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com os interesses do menor.
11 - A assim se entender, a protecção social devida a menores ficaria dependente da sua situação económica do devedor, o que nos parece ser manifestamente contrário à filosofia que esteve na base do regime instituído pela Lei 75/98, de 19 de Novembro, acrescendo a violação do princípio da igualdade (cfr. artigo 13° da Constituição da República Portuguesa).
12 – Deste modo, não se afigura possível a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores, uma vez que está depende de o devedor ser judicialmente obrigado a prestar alimentos (cfr. artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro).
13 - A douta decisão recorrida não defende o superior interesse da criança, interesse este que deve nortear as decisões proferidas no âmbito dos presentes autos, pelo que, dúvidas não se suscitam de que essa defesa impõe que seja fixada prestação de alimentos a cargo dopai.
14 - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, 13º, 36º e 69º, da Constituição da República Portuguesa, 1878º, nº 1, 1905º, 1909º, 2004º, 2006º do Código Civil e 180º da Organização Tutelar de Menores.
15 - A Sentença recorrida deve ser revogada na parte em que se abstém de fixar a prestação de alimentos a cargo do requerido, substituindo-a por outra, que fixe tal prestação em montante não inferior a 75 € (setenta e cinco euros) mensais, actualizável anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação, publicada pelo I.N.E.
Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando a Sentença na parte em que se abstém de fixar a prestação de alimentos a cargo do requerido, e substituindo-a por outra, que fixe tal prestação em montante não inferior a 75 € (setenta e cinco euros)mensais, actualizável anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação, publicada pelo I.N.E., assim se fazendo JUSTIÇA.
1.3.- Não foram apresentadas contra-alegações.
Thema decidendum
1.4. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é só uma:
a) Aferir se a sentença apelada incorre em error in judicando ao não fixar qualquer prestação de alimentos a cargo do requerido/progenitor da menor;
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2.- Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos :
2.1.- A menor B… nasceu em 08.09.2006, sendo filha dos requeridos M… e J…
2.2. - Os progenitores nunca foram casados entre si ;
2.3.- Os requeridos/progenitores encontram-se ambos desempregados, sem que aufiram qualquer rendimento ou prestação social ;
2.4.- A menor tem sete tios maternos ;
2.5.- A tia M…, de 51 anos de idade, divorciada, e funcionária da Camara Municipal de Guimarães, auferindo mensalmente €428,47, reside com um filho de 23 anos de idade, empregado na àrea da restauração e que aufere €592 mensais, em apartamento próprio, suportando uma prestação mensal de €250 para amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição;
2.6.- Os tios M… e J…, respectivamente de 62 e 43 anos de idade, o primeiro divorciado e o segundo solteiro, residem juntos em apartamento tomado de arrendamento, pagando mensalmente a título de renda a quantia de €250. O tio M… encontra-se reformado por invalidez, auferindo mensalmente €347,91, e o tio J… encontra-se desempregado, sem que lhe esteja a ser processada qualquer prestação social ;
2.7.- O tio J…, de 53 anos de idade, é funcionário da Camara Municipal de Guimarães, auferindo mensalmente €700 , reside com a esposa e uma filha de 29 anos de idade, desempregada, em habitação arrendada, pagando mensalmente a título de renda a quantia de €122 ; a esposa é empregada de limpeza, auferindo mensalmente €300 ;
2.8.- A tia M…, de 56 anos de idade, é empregada de limpeza auferindo mensalmente €485; reside com o marido, em apartamento próprio ; o marido é picheleiro e recebe € 1048,5/mês ;
2.9.- A tia Z…, de 49 anos de idade, é empregada de limpeza e reposição, auferindo mensalmente €530; reside com o marido, reformado por invalidez, em apartamento próprio ; o marido recebe €503/mês a título de pensão de reforma ;
2.10.- O tio J…, de 58 anos de idade, encontra-se desempregado, auferindo subsídio de desemprego no valor de €419,10/mês ; reside com a esposa, reformada por invalidez, em habitação social arrendada, pagando mensalmente a título de renda a quantia de €41; a esposa recebe €303,23/mês a título de pensão de reforma ;
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3.Motivação de direito.
3.1.- Será que a sentença apelada incorre em error in judicando ao não fixar qualquer prestação de alimentos a cargo do requerido/progenitor da menor ?
A questão que nos é colocada no âmbito da presente apelação, vem já há algum tempo a integrar verdadeira vexata quaestio, pois que, diversas/diferentes têm sido as decisões proferidas pelos Tribunais ( de todas as instâncias ) para a resolver.
Recordando, e alinhando a decisão apelada pela corrente que defende não se justificar a fixação de uma qualquer prestação de alimentos a cargo do requerido/progenitor da menor, verificado que seja o quadro factual provado ( de carência de recursos da parte do progenitor/obrigado da menor), alinhavou-se na referida decisão, e para tanto, os seguintes argumentos:
“ (…)
No caso sub judice apenas está em causa a fixação da prestação de alimentos a favor da menor.
Os alimentos compreendem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentando (art. 2003º,CC), competindo a ambos os pais (1878º CC e Principio 8 da Recomendação (R) 84) de igual modo (art. 36.º/3 CRP), sendo fixados atendendo quer as necessidades do alimentando, quer as possibilidades do prestador de alimentos ( art. 2004º CC).
Contudo, e como claramente se retira do preceituado no art. 2009º CC, outros, para além dos progenitores, se encontram vinculados a prestar alimentos a menores, nomeadamente os respectivos ascendentes e irmãos.
Dos factos dados como provados resulta que o requerido não tem qualquer fonte de rendimento, encontrando-se desempregado.
Resulta, assim, aparente que o progenitor não terá capacidade para prestar alimentos a sua filha menor, sendo impossível determinar um quantum por carencia de elementos probatórios.
Assim sendo, parece desde logo ao tribunal que não deverá ser fixada, a seu cargo, qualquer prestação de alimentos (neste sentido, RAMIÃO Tomé d' Almeida, (…)e Acs. Rel. Guimarães de 15.03.2011 e 13.06.2013 proferidos, respectivamente, no âmbito dos processos nºs 4231/09.0TBGMR e 2753/11.1TBGMR-A, ambos deste juízo).
Tal fixação apenas traria, quase inevitavelmente, ante o incumprimento do regime, o accionamento do Fundo de Garantia a Alimentos Devidos a Menores (e registando-se, aliás, um crescente recurso dos progenitores a juízo para fixação de regimes de regulação das responsabilidades parentais apenas com o fito de fixação de uma prestação alimentícia que se sabe não ir ser cumprida pelo progenitor a ela condenado para que assim se possa accionar o FGADM).
Por outro lado, os agregados familiares dos tios maternos J…, M… - que são igualmente obrigados a alimentos - cfr. art. 2009º,1, al. e) , do CC - tem um rendimento mensal superior ao dobro do salário mínimo nacional (superior ao triplo no caso do agregado familiar da tia M…), sem que sejam registadas despesas mensais significativas, pelo que sempre poderão prestar alimentos à criança, podendo o MP, ao abrigo do disposto nos arts. 188.º e ss OTM, diligenciar pela fixação de prestações alimentícias a favor da menor onerando outro obrigado a alimentos.
Consequentemente, entendo não dever ser condenado o requerido no pagamento a B… de qualquer prestação alimentícia.”
Já o nosso mais Alto Tribunal, porém, e de resto por mais do que uma vez, veio porém a sufragar e a decidir, no tocante a casos/situações algo semelhantes, de forma totalmente oposta, recordando-se de entre os mais recentes, os seguintes Acórdãos e respectivos parciais sumários :
A)
“ (…)
II - Independentemente do interesse do menor e para além dele, a lei constitui uma obrigação de prestação de alimentos que não se compadece com a situação económica ou familiar de cada um dos progenitores, não colhendo a tese de que não tendo o progenitor condições económicas para prover ou materializar o conteúdo do direito definido, se deva alienar o direito e aguardar pela superveniência de um estado económico pessoal que lhe permita substanciar, no plano fáctico-material, a exigência normativa que decorre da sua condição de progenitor.
(…)
V - A abstenção ou demissão do tribunal da obrigação/dever de definir o direito a alimentos, que é medida e equacionada em função das necessidades do menor e das condições do obrigado à prestação, conduzirá a uma flagrante e insustentável desigualdade do menor perante qualquer outro, que tenha obtido uma condenação do tribunal ao pagamento de uma prestação alimentar e que o obrigado, inicialmente capaz de suportar a prestação, deixou momentaneamente de a poder prestar .”
( Ac. de 22/5/2013, in Proc. nº 2485/10.8TBGMR.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Gabriel Catarino, e disponível in www.dgsi.pt );
B) “ O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que se desconheça no processo a concreta situação de vida de um dos progenitores obrigado a alimentos, num caso em que se não vislumbra a existência de responsáveis subsidiários pela dívida alimentar, já que o interesse fundamental do menor sobreleva a indeterminação factual dos meios de subsistência do obrigado a alimentos – cabendo às instâncias, através do recurso a presunções naturais e a juízos de equidade, estabelecer um patamar mínimo de rendimento presumível, com base no qual fixarão a contribuição a cargo do progenitor ausente, a suportar efectivamente pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores”.
( Ac. de 8/5/2013, in Proc. nº 1015/11.9TMPRT.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, e disponível in www.dgsi.pt );
C) “Em acção de regulação de exercício do poder paternal deve ser fixada a pensão alimentar devida a menor, mesmo que seja desconhecida a situação sócio-económica do progenitor-pai, a cargo de quem não ficou o menor”.
( Ac. de 22/5/2012, in Proc. nº 5168/08.5TBAMD.L1.S1, relatado pelo Conselheiro João Camilo, e disponível in www.dgsi.pt );
D) “ I- O tribunal deve fixar prestação alimentar a favor do menor, a suportar pelo progenitor, mesmo quando o paradeiro e condições sócio-económicas deste se desconheçam.
II - A fixação do montante da pensão alimentar a prestar pelo progenitor a filho é da exclusiva competência das instâncias””.
( Ac. de 15/5/2012, in Proc. nº 2792/08.0TBAMD.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, e disponível in www.dgsi.pt ).
Ora bem.
É ponto assente que, se a questão que integra o thema decidendum da presente apelação tem vindo a ser objecto de decisões contraditórias no âmbito das instâncias ( o que ocorre igualmente com decisões deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães (1), já o Supremo Tribunal de Justiça tem enveredado pela uniformidade de decisões, , e , quando chamado em sede de Revista excepcional ( interposta ao abrigo da alínea c), do artº 721º-A, do pretérito CPC ) a proferir Acórdão sobre a questão fundamental de direito que emerge da instância recursória ora em apreço, veio a fazê-lo nos termos do Ac. de 22/5/2013, supra referido.
Não se olvida que, o Ac. do STJ proferido no âmbito de Revista excepcional, ainda que proferido outrossim com vista a lograr-se uma melhor aplicação do direito e à segurança e estabilidade na interpretação normativa (2), não contribui, com igual relevância de um Acórdão de recurso para uniformização de jurisprudência, para uma maior uniformidade das decisões judiciais, e isto porque, como bem nota Abrantes Geraldes (3) “ conquanto estes não tenham força vinculativa, o facto de o seu não acatamento suscitar sempre a abertura de recurso até ao Supremo, nos termos do artº 678º,nº2, al. c), constitui um fortíssimo factor de redução da margem de incerteza e de segurança quanto à resposta a determinadas questões jurídicas, em face da mais que provável revogação da decisão se acaso for interposto recurso”.
Dir-se-á, assim, que não tem o supra referido Ac. do STJ de 22/5/2013, ainda no seguimento do defendido por Abrantes Geraldes, o efeito persuasivo que é reconhecido aos acórdãos de uniformização d jurisprudência, os quais implicam já uma natural adesão dos demais tribunais , mesmo do Supremo.
Ora, não obstante não se questionar que nada justifica que ponha em causa a independência decisória e a liberdade judicativa das instâncias jurisdicionais ( cfr. Artº s 202º e 203º, ambos da CRP ), certo é que, como resulta do CC ( Artº 8º, nº3 ), “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
Igualmente inquestionável é que, e sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional ( cfr. artigo 210.º da CRP), é ao Supremo Tribunal de Justiça, como órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, que compete, além da comum função a função específica dos supremos tribunais que consiste em procurar assegurar a unidade da ordem jurídica mediante a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais.
Ou seja, indubitável é que a uniformidade da jurisprudência é também um valor que carece de tutela, e isto sob pena de os valores da segurança jurídica e da igualdade sofrerem uma intolerável erosão no momento da aplicação da lei pelos tribunais. (4)
Postas estas breves considerações, e porque com referência à questão ora em apreço já tudo se disse e escalpelizou de pertinente e apropriado ( razão porque para os diversos Acórdãos supra citados se remete), quer em defesa da “tese” de que a fixação de uma prestação/pensão de alimentos não é obrigatória quando na presença de “obrigado” que não possua quaisquer meios que lhe permitam cumprir o dever de prestar alimentos, quer em sentido contrário, impondo-se decidir, temos para nós que, para além de corresponder à orientação uniforme que vem sendo sufragada pelo nosso mais Alto Tribunal, o certo é que ( que não apenas por mero e cómodo seguidismo da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça ) as razões que a referida uniformidade decisória tem justificado são também as que da nossa parte merecem total adesão.
É que, se como há muito ensinava Francesco Ferrara (5), a arte da decisão e da aplicação da Lei, para além de exigir alguma técnica na aplicação direito, exige outrossim uma sua aplicação instintiva, “ por via da qual, sem mais, o prático sente a decisão justa e a segue“, temos para nós que, além de se nos afigurar ser a decisão mais justa, é também o entendimento ao qual aderimos aquele que melhor amparo encontra junto do direito positivo que nos rege.
Acresce que, e ainda segundo Francesco Ferrara, se “ a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto em toda a plenitude assegure tal tutela”, bem se compreende a uniformidade do STJ quando escudada no interesse fundamental do menor , “o qual tem efectivamente de prevalecer sobre quaisquer constrangimentos ou dificuldades procedimentais ou práticas que hajam obstado à aquisição processual de factos relevantes para aferir da capacidade económica do progenitor, vinculado pelo dever fundamental de custear prestação que garanta o direito a uma sobrevivência condigna do seu filho menor”.(6)
Em suma, e impondo-se concluir, e porque ademais o entendimento que vem contrariando a jurisprudência uniforme do STJ é também aquela que, como bem se “chama a atenção “ no supra citado Ac. do STJ de 22/5/2013, conduz inevitavelmente a uma flagrante e insustentável desigualdade do menor perante qualquer outro, que tenha obtido uma condenação do tribunal ao pagamento de uma prestação alimentar e que o obrigado, inicialmente capaz de suportar a prestação, deixou momentaneamente de a poder prestar, inevitável e forçosa é a procedência da apelação interposta pelo MP.
Por fim, não se olvidando que, nos termos do disposto no artigo 665º, nº 2, do CPC, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas deve conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, certo é que apenas assim deve diligenciar sempre que disponha dos elementos necessários para o efeito.
Ora, in casu, não tendo a Exmª Juiz a quo fixado qualquer factualidade - no âmbito da decisão apelada - provada atinente à menor B… , maxime no tocante às normais necessidades do respectivo sustento, habitação, instrução e educação, resta nesta matéria determinar que o a quo proceda à prolação da decisão “substitutiva” a que alude o nº2, do artº 655º do CPC, fixando o montante da prestação de alimentos a favor da menor B… e a cargo do requerido J… .
4 - Sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do Cód. de Proc. Civil ).
I - Ainda que seja desconhecido o paradeiro do respectivo progenitor, ou , sendo ele certo, não aufira porém qualquer remuneração mensal, deve ainda assim o tribunal, em sede de acção de regulação do exercício do poder paternal relativamente a menor cuja guarda não lhe foi atribuída, fixar a seu cargo uma prestação de alimentos devida à referida menor.
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5. Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pela autora :
5.1.- Revogar a decisão do tribunal a quo no tocante à não condenação do requerido no pagamento de qualquer prestação de alimentos a favor da menor B….
5.2- Determinar que o tribunal a quo proceda à fixação do montante da prestação de alimentos a favor da menor B… e a cargo do requerido J… .
Sem custas.
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(1) Como se pode constatar através dos Ac.s proferidos por este Tribunal em 12/11/2013 (Proc. nº 3339/12.9TBGMR.G1), 6/11/2012 ( Proc. nº 3870/10.0TBGMR.G1 ), 20/11/2012 ( Proc. nº 2485/10.8TBGMR.G1.S1 ) e 19 de Janeiro de 2012 ( Proc. nº 1208/11.9TBGMR.G1), todos eles acessíveis in www.dgsi.pt.
(2) Cfr. A.Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Almedina, pág.400.
(3) Ibidem, pág. 411.
(4) Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional de 8/10/2013, in DR - Diário da República - , 2.ª série - N.º 38 , de 24 de Fevereiro de 2014, págs. 5556/5562.
(5) In Interpretação e Aplicação das leis, 4ª edição, págs. 185 e segs., Traduzido por Manuel A. Domingues de Andrade, Coimbra, 1987.
(6) In Ac. do STJ de 8/5/2013, Proc. nº 1015/11.9TMPRT.P1.S1, sendo Relator Lopes do Rego, e in www.dgsi.pt.
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Guimarães, 13/3/2014
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte