Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
964/12.1TAFAF.G1
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: SEQUESTRO
CRIME DE EXECUÇÃO LIVRE
CO-AUTORIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Comete o crime de sequestro do artº 158º, do CP, em co-autoria material o co-arguido que, depois de ter entrado no local onde se encontrava o seu pai o tentou convencer a acompanhá-lo, mas não o conseguindo, empurrou-o para fora do escritório onde este se encontrava para o local onde estava o recorrente, agindo em comunhão de esforços com aquele, mediante o uso de força física, logrando fazê-lo entrar para o veículo, contra a sua vontade, conduzindo-o para um lugar ermo e despovoado, agindo consciente da censurabilidade da sus conduta.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:
Relatório
Na Inst. Local de Fafe – Secção Criminal – J1, da Comarca de Braga, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi, em 4/01/2016, proferida sentença (fls. 307 a 316 verso) que, condenou cada um dos arguidos Vítor M. e António J., pela prática, em co-autoria material, de um crime de sequestro previsto e punido pelo art.º 158º n.º 1 do Código Penal (a partir de agora apenas sempre designado por CP), na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros.
Mais foram os arguidos condenados a pagarem, a título de indemnização civil, ao demandante civil José P., a quantia de 450,00 euros, relativa aos danos não patrimoniais por este sofridos, com a conduta daqueles.
Desta decisão interpôs o arguido António J. o presente recurso (fls. 335 a 435), no qual, nas suas conclusões, pelas quais se afere o âmbito do recurso, alega estar a decisão recorrida ferida do vício do erro notório na apreciação da prova e nela ter sido feito um errado enquadramento jurídico da conduta. Transcreve parte das declarações do assistente e dos depoimentos das testemunhas Orlando C. (ao qual aponta diversas incoerências, pelo que, deveria ter sido encarado com muitas reservas), Gilberto N., José J. e Luís M., e conclui que se a prova tivesse sido correctamente valorada, teriam que ser dados como não provados os factos constantes da matéria provada sob os n.ºs 3 a 10, com a sua consequente absolvição da parte crime e cível (esta designadamente, por o assistente não ter sofrido quaisquer danos), por aplicação do princípio in dubio pro reo.
Acrescenta não ter ocorrido qualquer privação da liberdade e de locomoção ou de movimentos do assistente, que o acompanhou voluntariamente, pelo que, nunca a sua conduta e do co-arguido poderia integrar o crime de sequestro.
O assistente José P. e o Magistrado do M.P. junto do tribunal recorrido responderam ao recurso interposto (respectivamente, a fls. 440 a 442 e 450 a 461), sustentando o segundo que o recorrente deveria ser convidado a apresentar novas conclusões do seu recurso, sob pena de rejeição, e pugnando ambos pela sua total improcedência.
A Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu o douto parecer de fls. 471 a 474, pronunciando-se igualmente pela total improcedência do recurso interposto.
Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417º do CPP, tendo o recorrente apresentado a resposta de fls. 480 e seguinte, foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
*****
Foram as seguintes a fundamentação de facto e a motivação da douta decisão recorrida (que se transcrevem integralmente):
1 - Factos Provados:
1) Os arguidos Vitor M. e António J. são filhos do assistente José P., e estão desavindos com este desde data concreta não determinada e também por motivos não concretamente determinados.
2) No dia 23 de Novembro de 2011, por volta das 17.00H, o assistente encontrava-se na sala de espera do escritório da Sociedade de Advogados …., RL, sito na Rua M…, desta comarca de Fafe.
3) Nisto e sem que nada o fizesse prever, o arguido Vitor M. entrou no referido escritório, abeirou-se do ofendido e, não tendo logrado convencer o seu pai a consigo abandonar o local, agarrou-o num dos braços, empurrando-o para o exterior do escritório, onde se encontrava o outro co-arguido António J., junto da sua viatura de trabalho, tendo este último acabado por também agarrar o seu pai por um dos braços, tendo ambos os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, e mediante o uso da força física e contra a vontade do ofendido, obrigado o assistente José P. a entrar para dentro de uma carrinha de dois lugares, de marca e matrículas não apuradas, que se encontrava estacionada na mencionada Rua M….
4) De seguida, os arguidos, juntamente com o ofendido, que tinham metido à força na carrinha, abandonaram o local, sendo que quem conduzia a mesma era o arguido António J., enquanto o arguido Vitor M. procurava controlar os movimentos do ofendido, tendo conduzido a mesma para um lugar ermo e despovoado sito nesta comarca de Fafe, onde o arguido Vitor M. começou a discutir com o assistente, dizendo-lhe designadamente que aquela viagem era a última da sua vida.
5) Actuaram os arguidos com o propósito alcançado de constranger o assistente José P. a actuar contra a sua própria vontade, privando-o da sua liberdade de movimentos, obrigando-o a sair daquele escritório e a entrar no referido veículo automóvel, conduzindo-o para local desconhecido, detendo assim o assistente nos seus movimentos e impedindo-o de se deslocar livremente.
6) Actuaram os arguidos de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
7) A ida do assistente ao referido escritório de advogados prendia-se com assuntos relacionados com a partilha da herança por óbito da sua esposa, falecida uns dias antes, em 04-11-2011;
8) Os arguidos circularam com o pai na carrinha, contra a vontade deste, cerca de 5 minutos, tendo aquele permanecido no seu interior contra a sua vontade, no dito local despovoado durante mais cerca de 15/20 minutos, altura em que chegou ao local o filho mais velho do ofendido, José J., tendo então o mesmo saído da carrinha onde se encontrava retido pelo arguidos e sido levado por este para casa do mencionado filho José J..
9) Como causa necessária e directa dos factos praticados pelos demandados, acima descritos, o demandante sentiu dores, medo, incómodo e limitação da sua liberdade, além de vergonha, sentindo a sua auto-estima atingida.
10) Mesmo depois de findo o sucedido, o demandante ficou com medo dos demandados e envergonhado por sofrer tais os actos acima descritos por parte dos seus próprios filhos;
11) O ofendido apresentou uma participação-crime que deu origem ao inquérito n.º873/12.4GAFAF, referente a factos ocorridos a 06-09-2012, o qual foi arquivado por despacho de 06-12-2012-cfr. fls. 260-262 para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2) A mãe dos arguidos, esposa do ofendido, faleceu em 04-11-2011, correndo inventário pelo seu óbito nos autos de P.2171/12.4TBFAF, em que é cabeça-de-casal o aqui ofendido, autos estes que ainda se mostram pendentes-cfr. fls.263 e ss, para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
13) O arguido Vítor M..:
a) é solteiro e trabalha em assessoria de importação/exportação, actividade onde aufere aproximadamente €1000,00 mensais;
b) tem uma filha de 4 anos e é licenciado em Administração Pública;
c) habita em casa própria e vive em união de facto com a sua companheira, psicóloga.
d) Do crc junto a fls.283 nada consta;
14) O arguido António J.:
a) é solteiro e tem uma filha menor de 13 anos, contribuindo com cerca de €150 para o seu sustento;
b) é técnico de agropecuária e aufere cerca de €700 mensais;
c) habita em casa arrendada, pagando juntamente com a sua companheira, professora, com quem vive em união de facto, €250 de renda mensal;
d) possui o 12.º ano de escolaridade e formação complementar;
e) Do crc junto a fls.293 nada consta;
2- Factos não Provados:
-Que o arguido António J. tenha chegado a entrar no escritório acima referido;
-Que actualmente o ofendido ainda se sinta coagido nas suas decisões e liberdade de movimentos mercê do sucedido;
-Que os arguidos não tenham praticado os factos acima descritos nos factos provados;
-Que o ofendido tenha apresentado uma participação crime contra os aqui filhos, por rapto da mãe, quando a mesma era viva e se encontrava doente devido àqueles a terem colocado numa clínica de cuidados continuados, inquérito este que foi arquivado.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, pedido de indemnização civil, contestações ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes, não se tendo o Tribunal pronunciado quanto a alegações meramente conclusivas, não factuais ou de direito.
3- Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados, baseou-se, na apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, a saber:
- quanto aos arguidos, tendo os mesmos se remetido ao silêncio, num direito que lhes assiste, apenas atendeu às declarações que os mesmos prestaram no que respeita à sua situação pessoal e financeira, única matéria sobre a qual desejaram prestar declarações, as quais nesta medida se mostraram credíveis;
- na tomada de declarações ao assistente José P., a qual de forma que se afigurou isenta, pormenorizada, sem contradições, bem esclarecedora e credível explicou ao Tribunal o que no dia em causa se passou, sendo que o relato por si avançado teve suporte e arrimo na análise da restante prova oferecida, designadamente no depoimento prestado pela testemunha de acusação Orlando Costa.
Com efeito, o arguido logrou convencer o Tribunal que, em síntese, no dia em causa se encontrava na sala de espera do escritório de advogados em causa a aguardar consulta para tratar de um assunto relacionado com as partilhas por óbito recente da sua esposa, quando, sem que o esperasse, foi abordado pelo seu filho Vitor M. , que ali se deslocou e procurou demovê-lo de efectuar tal consulta jurídica, o que não logrando fazer, fez com que o mesmo, fazendo valer a sua opinião, o tivesse agarrado por um dos braços e o arrastado para fora do edifício, onde se encontrava o seu outro filho, o aqui arguido, António J., que secundando o irmão também o agarrou pelo outro braço, forçando ambos os arguidos a entrada do ofendido dentro de uma viatura de 2 lugares, contra a vontade daquele, na qual se fizeram circular, abandonando o local e deslocando-se para um sítio mais ermo e despovoado junto ao cemitério municipal, tendo este estado retido na dita viatura contra a sua vontade cerca de 15-20 minutos, altura em que outro filho do assistente, José J. terá comparecido no local, tendo então aquele logrado abandonar a viatura para ser conduzido por este a casa do mesmo.
Mais disse ter sido injuriado e magoado nos braços, tendo ainda o arguido Vítor o agredido com uma cabeçada (sendo que quanto a esta matéria os autos foram arquivados por extemporaneidade da queixa apresentada), tendo-lhe sido dito que aquela seria a última viagem que fazia, o que lhe causou receio.
Ilustrou bem o quanto a situação o transtornou e causou tristeza, bem como receio, o que conduziu a que, por cautela e com medo que algo de mau lhe pudesse suceder tivesse redigido o texto junto aos autos e exibido em audiência de julgamento, de que guardou cópia e o tivesse apresentado junto do Comandante da GNR, como este viria a corroborar.
Mais explicou que o motivo pelo qual apenas apresentou queixa por estes factos mais tarde se prende com o facto de posteriormente a situação se ter agravado com a ocorrência de outro episódio relacionado com as partilhas, de que então decidiu apresentar queixa, bem como do presente aqui em discussão.
Quanto ao sucedido foi testemunha presencial, Orlando A., funcionário forense e irmão do causídico em causa, o qual de forma coerente como o avançado pelo ofendido, e de forma que igualmente se afigurou isenta e credível, explicou ter ouvido um barulho anormal na sala onde se encontrava a trabalhar, pelo que se levantou para ver o que se estava a passar, tendo ainda visto o aqui ofendido, já fora da porta, a ser arrastado pelos filhos, que o agarravam nos braços e a ser à força introduzido num a viatura carrinha de 2 lugares contra a sua vontade, abandonando o local, sendo certo que o assistente tem um assunto de partilhas por óbito da sua esposa ainda pendente em Tribunal.
Quanto ao depoimento do arguido Gilberto Cunha Nogueira, aceitou-o o Tribunal na medida em que confirmou que no dia em causa o arguido se encontrava no local, bem como a testemunha, corroborando que o arguido Vitor M., filho daquele, entrou depois do pai e tentou convencer o pai a ir embora sem efectuar a consulta, gerando-se um clima de tensão e teimosia mútua, não tendo visto mais nada por entretanto a testemunha ter efectuado pagamento, saindo do local, não tendo assim presenciado tudo o que se terá passado.
Contudo tendo a testemunha em causa, em sede de julgamento, acrescentado que ao passar com o seu carro e a olhar de fugida para os 3 no exterior nada se lhe afigurou de errado estar a suceder já merece muitas reticências ao Tribunal, roçando um eventual depoimento de favor, primeiro por tal não ter sido dito aquando ouvido a fls.24 do inquérito com cujas declarações foi confrontado nos termos melhor constantes da respectiva acta, depois por tal ter sido peremptoriamente desmentido pela testemunha de acusação Orlando C., que atestou o contrário, muito mais conforme com o que se tinha passado momentos antes na sala de espera, uma discordância acalorada e teimosa que tinha causado um burburinho tal que o mesmo teve necessidade de ir atestar o que se passava, não se afigurando sequer credível que as partes, passassem quase de imediato de um estado de disputa e discordância rasgada para um entendimento pacífico e anuente, como quis dar a entender tal testemunha, aproveitando a nosso ver para refugiar-se no facto por si avançado de ser apenas “um olhar de fugida”, que agora acrescentou em julgamento, como ressalva, caso se venha a entender o contrário, salvaguardando a sua posição assim com um muito ligeiro e auto-declarado pouco conhecimento da causa, designadamente do que se passou no exterior.
Quanto ao depoimento da testemunha José J., irmão dos arguidos e filho do ofendido, o mesmo reconheceu que a relação com o seu progenitor não é das melhores, tendo inclusive aquele já apresentado também queixa contra si por factos eventualmente constitutivos da prática de crime de furto, abuso de confiança/sequestro, ocorridos em Setembro de 2012 e que viriam a ser arquivados por falta de prova.
Na verdade, o depoimento prestado por José J., que se auto intitulou “mediador de conflitos familiares” afigurou-se ser parcial e de favor aos irmãos, a quem terá pretendido auxiliar, negando, com falta à verdade, ter sido o mesmo quem “socorreu” o seu pai no dito lugar ermo, reconhecendo apenas alguns factos parciais que julga indesmentíveis procurando dar-lhes outra explicação. Com efeito e desde logo, para “justificar” a presença inusitada dos irmãos junto ao ofendido avançou com a tese pouco credível de os mesmos por mero acaso numa deslocação de ambos a uma clínica, terem alegadamente de forma fortuita avistado o veículo do pai junto ao escritório de advogados, indo lá buscar o pai alegadamente por se encontrar marcada uma reunião da família em casa deste irmão para discutirem um problema de lote de terrenos, quando é claro que o assunto em cima da mesa nessa altura era o de partilhas da mãe dos arguidos e mulher do ofendido, recentemente falecida, explicando assim que de facto, no final, todos os envolvidos se encontrassem em sua casa, ainda que numa versão diferente da apresentada pelo ofendido.
Depois acabou por reconhecer ter dado boleia ao seu pai para mais tarde ir buscar o carro que tinha estacionado junto do escritório de advogados. Pergunta-se: se a deslocação foi voluntária porque não veio então o ofendido na sua viatura até casa deste filho, tendo antes efectuado 3 pessoas uma viagem numa carrinha com apenas dois lugares, com o incómodo acrescido de o ofendido ter de se deslocar novamente ao local para recuperar a dita? Percebendo talvez a pertinência deste argumento estranhamente a testemunha lá foi dizendo não saber em que viatura chegaram embora reconhecendo que vinham exaltados. Pergunta-se novamente: qual a razão de tal exaltação?
Acresce que esta testemunha lá foi dizendo que efectivamente o seu pai se queixou de dores de cabeça, não sabendo dizer contudo porquê, a não ser que o pai lhe terá dito que deu uma pancada que deu ao entrar para o carro do irmão, o que também é pouco compaginável com uma entrada voluntária, receando talvez a testemunha ser confrontada com registos clínicos eventualmente existentes (tendo havido nesta parte arquivamento do processo relembra-se por extemporaneidade na apresentação da queixa), datados dessa época, avançando logo por antecipação com explicações que se afiguraram ao Tribunal fantasiosas e de favor aos irmãos em julgamento, nos quais se terá projectado até por o seu pai já ter apresentado contra si, como acima dito, uma queixa por crime semelhante.
Em conclusão, entende-se que a testemunha em causa procurou “pacificar” a presente questão aqui em discussão, à sua maneira, afigurando-se para o efeito ter faltado à verdade do sucedido, como a nosso ver sai ilustrado pela restante prova oferecida acima melhor mencionada.
Foi ainda aflorada a hipótese de atenta a apresentação dilatada da queixa a mesma não passar de uma encenação do arguido que desagradado com o desenrolar do processo de inventário a terá fabricado.
Ora tal hipótese ficou afastada com o depoimento imparcial e credível de Luís M., sargento chefe da GNR o qual corroborou a versão dos factos emocionada já avançada pelo ofendido, em como em finais de 2011 lhe apresentou um relato escrito do que os aqui arguidos haviam feito como “queixa informal” e para ser apresentada apenas no caso de algo lhe suceder, do que se encontrava visivelmente receoso, tendo o arguido explicado apenas ter apresentado queixa passado cerca de um ano depois por a situação se ter agudizado com novos episódios, sentindo então necessidade de seguir com a apresentação de queixas pela totalidade do sucedido: não só o episódio mais recente, como o episódio ocorrido em finais de 2011, aqui em discussão.
Foram ainda relevantes para o Tribunal o teor da queixa de fls.2 e ss, do crc de fls.283 e 293, cópia de fls.260-264, documento de fls.285-286, teor de fls.287-291.
Quanto aos factos não provados tal ficou a dever-se a não ter sido feita qualquer prova dos mesmos, aquela resultar insuficiente ou ter ficado demonstrado o contrário, nos termos que melhor acima constam.
*****
*****
Fundamentação de facto e de direito
O recorrente, acusado da prática de um crime de sequestro, vem impugnar os factos 3 a 10 da matéria provada, e alegar estar a decisão ferida de erro notório na apreciação da prova, designadamente, por o assistente ter apresentado a participação crime mais de um ano após os alegados factos por si e pelo co-arguido perpetrados, hiato com uma carta que entregara então à também testemunha Luís M., cuja cópia juntou e à qual este disse não ter dado muito importância ao seu conteúdo, além de apenas terem sido indicadas na acusação como prova, o assistente e a testemunha Orlando C., embora naquela participação tivessem sido indicadas várias outras testemunhas, e não merecerem aquelas declarações e depoimento qualquer credibilidade, ao contrário da testemunha José J., à qual o tribunal a quo não conferiu a credibilidade devida.
Acrescenta que face ao depoimento daquela testemunha Luís M. de não ter valorizado o que estava escrito não pode ser valorada o documento em causa, nomeadamente por a mesma apenas “ter saído da cartola” em pleno julgamento, e não ter sido esclarecido pelo assistente a forma como o filho e testemunha José J. chegara ao lugar ermo para o qual afirma ter sido levado contra a sua vontade pelos arguidos, além de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao facto 8 dado como provado.
Impugna a matéria de facto provada constante de 3 a 10, indicando como a impor decisão diversa as “partes” (entre parêntesis, por praticamente indicar a totalidade dos mesmos, excluindo as identificações, e pequenas partes em “branco” da gravação), e transcrevendo-os conforma resulta de fls. 397 e seguintes, das declarações do assistente e das testemunhas Orlando C., Gilberto N., José J. e Luís M., ou seja, todas a prova por declarações prestada em audiência.
Acrescenta não ser a testemunha Orlando isenta pela sua envolvência em todo o circunstancialismo dos assuntos respeitantes ao assistente e os seus filhos (entre eles, os 2 co-arguidos), contradizendo as declarações do assistente que diz não ter o mesmo assistido aos factos, e estarem na sala de espera onde se encontrava cerca de 10 ou 15 pessoas, e não ter sido conferida pelo tribunal a quo a credibilidade que merecia a testemunha José J., pelo que, deveria ter sido absolvido, em nome do princípio in dubio pro reo, nomeadamente, do pedido de indemnização civil, relativamente ao qual sustenta não existirem nos autos factos que determinassem a obrigação de indemnizar, por assistentes e arguidos terem continuado a privar e de boas relações, pelo menos até Setembro de 2012, o que deveria implicar a não prova dos factos 9 e 10.
Por fim, alega, que mesmo a considerar-se a matéria de facto provada, esta não integra o crime de sequestro, que implica privação da liberdade de locomoção ou de movimentos, que não existiu, tanto mais que o assistente, em plena rua, para onde alegadamente foi levado contra a sua vontade, nem pediu socorro a ninguém.
A impugnação da matéria de facto apenas pode ser feita, nos termos do art.º 412º do CPP, que impõe que o recorrente indique as partes concretas dos depoimentos das testemunhas que impõem decisão diversa, não remetendo para eles na sua totalidade, ou seja de uma forma vaga e imprecisa, já que, aquela impugnação não corresponde a um novo julgamento, mas sim ao remédio jurídico para eventuais erros de julgamento, ou através da arguição da verificação dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º daquele mesmo diploma legal (estes de conhecimento oficioso do tribunal de recurso)
A gravação da audiência foi efectuada nos exactos termos do n.º 2 do art.º 364º do CPP, porém o recorrente fazendo uma remissão total para toda a matéria de facto provada relativa ao crime pelo qual foi condenado e à matéria do pedido de indemnização civil fixada, não indica concretamente as partes das declarações e depoimentos, que na sua opinião impunham decisão diversa da acolhida em 1ª instância, pelo que, não fez qualquer impugnação da matéria de facto eficaz nos termos daquele art.º 412º.
Na verdade, e como vem sendo pacificamente defendido o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, uma vez que, “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros” (Acórdão do S.T.J. de 11/10/2005, P. 2435/05, da 3ª secção).
Aliás, o Acórdão do S.T.J. de 24/07/2006 (www.dgsi.pt) vem referir que com a redacção introduzida no n.º 3 e o aditamento do n.º 4 do art.º 412º resultantes da L. 59/98, de 5/08, (actualmente também alterados pela L. 48/2007, de 29/08, que introduziu também o n.º 3 do art.º 417º do CPP) “…visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade.”
Foi essa discordância vaga no plano factual que o recorrente fez em relação a toda a matéria eventualmente integradora do crime que lhe era imputado, pelo que, tem a impugnação da matéria de facto da decisão recorrida que improceder,
Cumpre, pois, e face ao supra exposto, verificar se ocorre na douta decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do CPP, que têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com regras de experiência comum.
O vícios previsto na alínea a) daquele n.º 2 nada tem a ver com a insuficiência para a decisão de facto da prova produzida, referindo-se apenas à “decisão justa” que devia ter sido proferida (ver, neste sentido, Acs. do STJ de 13/02/1991 e 13/05/1998, citados em anotação ao art.º 410º no Código de Processo Penal de Maia Gonçalves), prendendo-se exclusivamente com a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, e não com a insuficiência da prova para a decisão de facto, que parece ser uma das razões de discordância do recorrente com a decisão em recurso.
O segundo daqueles vícios, o da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ocorre quando, há uma incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através do texto da decisão recorrida, entre os factos provados, entre factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão de facto. Fala-se do vício da contradição insanável «(…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal» – Ac.STJ de 13/10/1999, in Colectânea de Jurisprudência – Ac.STJ, ano VII, tomo II, pág.84, relatado pelo Conselheiro Armando Leandro.
Finalmente, existe erro notório na apreciação da prova quando, analisada a decisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementos extrínsecos, é manifesto que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão diferente daquela a que chegou o tribunal. Trata-se de um erro ostensivo, que é detectado pelo homem médio.
O Tribunal a quo, na sua claríssima motivação da decisão de facto, esclarece com toda a clareza as razões de ter dado total credibilidade às declarações do assistente, que explicou também de forma verosímil as razões da apresentação da participação criminal pelos factos em causa cerca de 1 ano após os mesmos, declarações confirmadas na generalidade e na parte a que assistiu pela testemunha Orlando C., e quanto à participação criminal pela testemunha Luís M., sargento da GNR que corroborou que em 2011, o ofendido lhe entregara um relato escrito dos factos em causa, dizendo que só devia ser apresentada queixa se alguma coisa que acontecesse, tendo vindo a apresentar a participação criminal apenas porque as relações com os filhos se tinham agudizado face a novos incidentes.
Esclareceu ainda as razões da pouca credibilidade dada a uma parte do depoimento da testemunha Gilberto N., que levou inclusive à leitura permitida das suas declarações de fls. 24, que contrariam o referido em audiência, por ali ter dito que nada mais presenciou além do passado dentro do escritório do advogado do assistente, bem como a parte do depoimento prestado pelo filho deste José J., que claramente pretendeu defender os irmãos (os co-arguidos), o que de certa forma até é em parte compatível com a característica que a si próprio atribuía de “mediador de conflitos familiares”.
No caso sub judice, do texto da decisão recorrida não resulta a existência de qualquer erro na valoração da prova produzida, mas antes uma apreciação lógica e de acordo com as regras de experiência comum, pelo que, não está a decisão recorrida ferida do vício do erro notório na apreciação da prova, ou por qualquer outro dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do CPP, e tem a matéria provada da decisão recorrida que ser mantida na totalidade.
De qualquer forma, resulta claramente de toda a motivação do recurso que, com a “impugnação” efectuada, o que o recorrente pretende é impor a sua versão dos acontecimentos, em detrimento da acolhida pelo tribunal a quo, não passando a mesma de uma mera manifestação de discordância com a forma como foi apreciada a prova na 1ª instância.
Porém, no direito processual penal português, vigora o princípio da livre apreciação da prova, que significa que o julgador tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos, sendo, por consequência, o tribunal livre de formar a sua convicção na apreciação da prova, em conformidade com as regras de experiência, nada obstando a que nessa actividade de valoração dos meios probatórios produzidos alicerce a sua convicção apenas nalguns deles, contanto que se lhe afigurem credíveis, em detrimento de outros, eventualmente, em maior número e até de maior vastidão e amplitude probatória, mas não revestidos de suficiente consistência e credibilidade de molde a permitir a infirmação dos primeiros (neste sentido, ver entre outros, Acórdão da Relação do Porto, Recurso 99.2001).
O recorrente ao “impugnar” a matéria de facto limitou-se, como já se disse, a manifestar a sua discordância com a apreciação da prova feita em 1ª instância, pretendendo apenas e só que a sua versão dos factos mereça total credibilidade, esquecendo-se, porém, que é ao julgador, não aos sujeitos processuais, que cabe apreciar quais os depoimentos que merecem credibilidade e se o merecem na totalidade ou só parcialmente, já que, «A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção” Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24.11.2004.
O tribunal a quo, como já se disse e se repete, fez uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão, fazendo uma indicação e análise crítica das provas que serviram para fundamentar a sua convicção, em obediência ao n.º 2 do art.º 374º do CPP, e fazendo uma avaliação da prova totalmente “…recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo” (expressão do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal), pelo que, não foi violado aquele princípio, como não o foi o da presunção de inocência com assento constitucional, que na sua aplicação no domínio probatório se designa habitualmente por in dubio pro reo, e se traduz em que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido, e do qual decorre que “todos os factos relevantes para a decisão … que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à ´dúvida razoável´ do tribunal, também não possam considerar-se como ´provados´” (Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I).
Ora, do texto da decisão recorrida resulta claramente que o tribunal a quo não teve qualquer dúvida sobre a prática pelo recorrente, em co-autoria, dos factos impugnados, nem legitimamente resulta para este tribunal que a devesse ter tido, já que, a dúvida relevante para aquela violação é essa e não a dúvida que o recorrente acha que o tribunal deveria ter tido.
Finalmente, o recorrente põe em causa que a conduta descrita na matéria de facto integre o crime de sequestro pelo qual foi condenado, pelo que, cumpre analisar tal questão.
Dispõe o n.º 1 do art.º 158º do CP que: “Quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer outra forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”.
O bem jurídico protegido por esta incriminação “…é a liberdade de movimento de outra pessoa, no sentido mais amplo da liberdade de deslocação actual ou potencial e de hétero-locomoção.” (Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art.º 158º na obra já citada), consistindo o tipo objectivo na privação absoluta da liberdade de movimentação de outrem e o subjectivo no dolo em qualquer das suas modalidades.
No caso em análise, o co-arguido do recorrente entrou no local onde se encontrava o seu pai e assistente e tentou convence-lo a acompanhá-lo, mas não o conseguindo, empurrou-o para fora do escritório onde este se encontrava, para o local onde estava o recorrente, e agindo em comunhão de esforços com aquele, e mediante o uso da força física, lograram faze-lo entrar para um veículo, contra a sua vontade, conduzindo-o para um lugar ermo e despovoado, onde com ele discutiram.
Quer isto dizer que o privaram da sua liberdade, o que integra o crime imputado, mesmo que tal aconteça por escassos segundos, como afirma o próprio recorrente, mas que no caso concreto durou desde que o recorrente e o co-arguido o conseguiram tirar do lugar onde se encontrava e de onde o retiraram à força, e contra a sua vontade, no período em que o forçaram a andar na carrinha onde o tinham introduzido com violência, e até que o mesmo foi “liberto” num lugar ermo para onde o tinham conduzido, para com ele discutir, mas sem permitir que ele abandonasse o veículo, e ficasse livre nos seus movimentos.
O direito à liberdade de movimentos abrange o direito a não ser por qualquer forma confinado a um determinado espaço, não exigindo uma forma especial para o conseguir, nem dependendo do lapso de tempo em que durou a privação daquela liberdade (ver neste sentido, Acórdão desta Relação de 30/05/2016, relatado pelo Senhor Desembargador Lee Ferreira, in www.dgsi.pt), sendo pois, um crime de execução livre, como refere o autor supra citado no mesmo Comentário do Código Penal.
Assim, cometeu, pois, o recorrente, em co-autoria material com o co-arguido o crime de sequestro que lhe era imputado, pelo que, tem o recurso que improceder na totalidade.
*****
*****
Decisão
Pelo exposto, os juízes deste Tribunal acordam em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido António J..
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
Guimarães, 21 de Novembro de 2016