Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
132/14.8T8BCL.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGUES
RUPTURA DEFINITIVA DO CASAMENTO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. - Para efeitos de preenchimento do tatbestand da alínea d) do art. 1781º do CC, exigível é que da matéria de facto provada resulte comprovada uma situação objectiva que, pela sua gravidade, reiteração e segundo as regras da experiência comum, apontem com segurança para a ruptura definitiva do casamento, indiciando a mesma estar-se na presença da irreversibilidade do rompimento da comunhão que é própria da vida conjugal.
2.- Verifica-se a situação integradora da “cláusula geral” da alínea d) do art. 1781 do CC, quando, tendo o casamento sido celebrado em 2012, e residindo ambos os cônjuges na Suíça em meados de 2014 , na companhia um do outro , em determinado momento a ré regressa a Portugal onde se encontra desde então , e , desde a referida data que não dormem juntos, não mantêm relações sexuais entre si, não partilham a mesma casa, não partilham refeições e não convivem entre si perante terceiros como marido e mulher, mantendo o Autor a vontade e firme propósito de não mais manter o vínculo conjugal.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
J.., casado, residente em Portugal , intentou no Tribunal de Família e Menores de Barcelos, acção de divórcio sem o consentimento do cônjuge requerido, contra D.., casada, residente em Vila Nova de Famalicão, pedindo que seja dissolvido o casamento entre ambos celebrado.
Para tanto, invocou o autor que :
- Tendo contraído casamento católico com a Ré em 2012, sucede que há já algum tempo que Autor e Ré não fazem vida em comum;
- Na verdade, vivendo ambos à data na Suíça, local onde o A. exerce a sua actividade profissional, acontece que a requerida após ter passado algum tempo com o A. na Suíça , regressou a Portugal, não pretendendo mais viver com o A/marido na Suíça e, consequentemente, também o Autor não pretende mais reatar a vida em comum com a Ré.
1.1. - Frustrada a conciliação a que alude o art. 1407° do Código de Processo Civil, veio a Ré contestar a acção (o que fez essencialmente através de impugnação motivada, alegando que mantém o propósito de restabelecer a vivência marital com o Autor logo que termine o tratamento médico em Portugal aos dentes, pugnando portanto pela improcedência do pedido) , e , seguindo-se depois a realização de uma audiência prévia , nesta foi o Autor convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial no sentido de alegar e concretizar concreta factualidade.
1.2.- Proferido em sede de audiência prévia o despacho saneador, tabelar, foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temos de prova , sendo que , tendo as partes apresentado a competente prova e o Autor um articulado superveniente, seguiu-se depois a realização da audiência de discussão e julgamento da causa, a qual se realizou com a observância do legal e devido formalismo.
1.3.- Por fim, terminada a audiência e conclusos os autos para o efeito, foi proferida sentença, sendo o respectivo comando/segmento decisório do seguinte teor :
“ (…)
V - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se procedente a acção e decreta-se o divórcio entre o autor, J.. e D.., dissolvendo o casamento entre ambos celebrado.
Custas pela Ré atento o seu total decaimento.
Registe e notifique.
Oportunamente, cumpra o disposto no art. 78° do Código do Registo Civil. “
1.4.- Inconformada com a sentença proferida, da mesma apelou então a Ré D.. , concluindo do seguinte modo :
1. A decisão do Tribunal “a quo", carece assim de absoluta fundamentação no exame crítico, que não foi operado, sobre as razões e factos invocados pelo recorrente quanto à inexistência de pronuncia sobre os factos invocados em sede de contraditório;
2. O Tribunal a quo optou tão só e em primeira mão pela aceitação de que não haverá a possibilidade da retoma imediata da vida em comum, quando, tão só por razões de cuidados médicos, se prova uma "separação" considerada a data da propositura da acção; insuficiente; um pouco superior a 6 meses, se a que não se aceita e considera
3. Porquanto, há omissão de pronúncia no sentenciado quando desconsidera factos provados, que, se considerados obrigavam a uma outra decisão ;
4. Como também a sentença é nula quando o Tribunal deixe pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar... ( artº 668º do C.P.Civil), in casu, o pedido reconvencional como supra se evidencia;
5. Sendo consabido que, se a nulidade ínsita à omissão de pronúncia não for arguida por alguma das partes, não pode o Tribunal de recurso dela conhecer oficiosamente. Porque,
6. a contestação foi recebida e da mesma vários factos quesitados porque motivo de prova.
7. A omissão de pronúncia, como a lei expressamente preceitua – artº 668º, nº 1, alínea d), lª Parte - apenas incide sobre questões postas ao Tribunal e não sobre os fundamentos produzidos pelas partes ( do Ac. STJ, de 6.1.1977: BMJ, 263-187);
8. É nula a sentença que deixe de se pronunciar sobre questão que o juiz devia conhecer. O artº 659º, nº 2 do CP. Civil prescreve que o Juiz "estabelecerá os factos que considera provados", e que, finalmente, "interpretará e aplicará a lei aos factos".
O que in casu, não sucedeu.
9. A convicção e as conclusões do Tribunal "a quo" na sentença em crise, fazem tábua rasa da prova produzida a favor da bondade da tese que, sendo provada como foi, os motivos justificativos da saída da habitação na Suíça da Ré e o seu normal relacionamento com o Autor até ao fim de semana de Setembro de 2014, são fundamento que afasta a ruptura irreversível da vida em comum ;
11. O "Julgador" não acautelou e valorou , como devia todos os factos que foram contraditados e provados, violando o nº 3 do artº 659º, do CPC ;
Não pode ser desconsiderado na apreciação substantiva do sentenciado o facto do Autor NÃO TER ESTADO PRESENTE EM NENHUMA DAS CESSÕES DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, PELO QUE A SUA VONTADE EM VER DECRETADO O DIVÓRCIO assentou no pedido e na representação do seu mandatário;
12. É verosímil, melhor, não é admissível, como também consta da sentença recorrida, que não sendo a situação do decurso do prazo de um ano da invocada separação por banda do Autor, aqui recorrido, causa que justificasse a sentença ora em crise, que tenha sido a saída, que não o abandono, da casa de morada de família, situação que de per si seja facto bastante que mostre a ruptura definitiva do casamento.
13. Desde logo porque, a recorrente, maxime, no uso do contraditório deduziu factos, que deviam ser considerados provados, e fundamentos admissíveis e eivados de verdade, sendo, inclusive, alguns deles, a alavanca da manutenção do contrato de casamento, como sempre desejou.
14. Lembre-se que a Ré não abandonou o lar conjugal, tão só teve necessidade de cuidar dos seus dentes em Portugal, situação que o Autor, aqui recorrido, bem sabia já antes do casamento, como também resultou provado.
15. Destarte, não se aceita que os conceitos jurídicos-processuais, o mesmo é dizer-se, a lei aplicada in casu, na apreciação pelo Tribunal "a quo" do mérito da causa, sejam os próprios, quando omite flagrantemente a pronuncia sobre os factos ínsitos ao contraditório e desconsidera os meios de prova carreados para os autos pela Ré; Meios de prova, que se devidamente valorados obrigam a outra decisão, como se requer.
Não deixando de igualmente se requerer, nos termos e para os efeitos do artº 662º do Código Processo Civil, a modificação da decisão de factos, porquanto os factos assentes e prova documental e testemunhal produzida, impõem decisão diversa da produzida pelo Tribunal "a quo"
16. Por último, afigura-se verosímil que, seguindo de perto , como acima se referiu, por analogia o douto Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça ( processo número 2610/10.9MPRT.P1.51 da 7ª secção - relator: Drª Maria dos Prazeres Beleza), a resposta à questão: " Perante a não coabitação dos cônjuges, verificada há mais de 6 meses, considerada a data da propositura da acção, é possível concluir que se verifica uma situação de ruptura do casamento? "
Na verdade, entendemos que não, como de resto prolatou o Supremo Tribunal no Ac. antes identificado, face à exiguidade desse lapso de tempo que não permite concluir ser tal ruptura definitiva, mesmo inexistindo da parte do autor o propósito de não reatar a vida em comum com a ré.
In casu, essa vida em comum, mesmo a íntima, tão só terá sido interrompida pelo tempo bastante para a recuperação dos dentes da ré.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a sentença ser revogada e ou declarada nula por força da invocada omissão de pronuncia, como é de justiça;
1.5.- Em sede de contra-alegações, aduz o apelado que a sentença recorrida não é merecedora de qualquer reparo, razão porque deve ser negado provimento ao recurso de apelação interposto pela Recorrente, e ,consequentemente, ser mantida in totum a sentença recorrida, com todas as devidas e legais consequências .
Para tanto, concluiu do seguinte modo:
1. O Recorrente apresenta alegações de facto e de direito que salvo melhor opinião, violam de forma grosseira as imposições formais impostas para o Recurso de facto.
2. Com efeito, a Recorrente limita-se a transcrever integralmente todas as gravações, de todas as testemunhas, de toda a audiência de Discussão e Julgamento para, no final, concluir como lhe convém. Salvo melhor opinião, não é este o procedimento correto, nem incumbe aos Venerandos Desembargadores procurarem no meio de 45 páginas os motivos que possam eventualmente levar à conclusão que o Recorrente pretende. Com efeito, cabia à Recorrente indicar ao Tribunal Superior quais os factos que entende estarem erroneamente julgados pelo Tribunal a quo e quais os fundamentos para isso.
3. No que aos fundamentos de prova gravada diz respeito, deveria concretizar com exactidão a concreta passagem da gravação, e isto significa indicar ao tribunal a hora, o minuto e o segundo da gravação em que se encontra a prova de que o Tribunal decidiu de forma errada. A transcrição é facultativa.
4. Incumpriu, por isso, o estatuído no artigo 640º do C.P.C.
5. A Recorrente refere que, para fundamentar as suas convicções, servem como prova os documentos juntos aos autos pela R., sem especificar qual documento serve para provar o quê e em que medida, como lhe é imposto em seu próprio benefício!
6. De entre os documentos juntos aos autos - e que a Recorrente refere não terem sido alvo de impugnação pelo A - encontra-se um bilhete de avião (EMH8G8L) junto aos autos a 19.03.2015, não numerado, em nome da Recorrente, sozinha, de regresso da Suíça para Portugal, em que inclui bagagem de porão, ao contrário de outras viagens que a Recorrente realizava e igualmente documentadas no mesmo requerimento de 19.03.2015 nas quais viajava acompanhada do marido, sem bagagem de porão. Igualmente, no mesmo requerimento, se encontra documentado, não numerado, um comprovativo do que a R. foi fazer à Suíça em Julho de 2014: encerrar a sua inscrição nos sistemas de protecção social naquele país. Parece-nos que esta prova só serve para corroborar a Sentença proferida, e nunca o contrário!
7. Pretende a Recorrente ver como data da cessação do convívio marital o mês de Setembro de 2014. Resulta da prova produzida que desde Março de 2013, a Recorrente apenas foi à Suíça no mês de Julho para cessar a sua inscrição nos sistemas de protecção social naquele país e o Recorrido apenas veio a Portugal em Setembro para o casamento da sua irmã.
8. Ficou cabalmente demonstrado que desde Março de 2014 que Recorrente e Recorrido não dormiram juntos. Não comeram juntos. Não viveram juntos.
9. A Recorrente nem sequer acompanhou o Recorrido ao casamento da sua irmã - e bem sabemos a importância familiar que têm os casamentos religiosos no Minho!
10. Tudo conforme o depoimento de P.., irmão do Autor, de Minuto 05:03 a minuto 05:40 da gravação; M.., mãe da Recorrente, do minuto 8: 42 ao minuto 10.10;
11. A Recorrente não alegou nem logrou provar nenhum facto de que se depreenda a efectividade do casamento -entendido à luz da reforma de 2008.
12. No que ao facto 5, relativo à vontade do A em colocar um termo no casamento, a mesma está documentada pela acção de divórcio que propôs, consubstanciada nos presentes autos, e pela prova testemunhal arrolada, tudo conforme referem as testemunhas M.., mãe do A, ao minuto 11.10 ao minuto 11.32 e M.., mãe da Recorrente ao Minuto 11.22 a minuto 11.43.
13. Quer o abandono do lar conjugal por parte da Recorrente, em Março de 2014, com todos os seus contornos - nunca mais ter regressado nem acompanhado o Recorrido ao casamento da sua irmã e perdurando até agora, e indo perdurar para sempre - quer a vontade inabalável do Recorrido em terminar a relação conjugal são subsumíveis à previsão legislativa da alínea d) do artigo 1781.° do Código Civil, havendo assim motivo mais do que suficiente para a dissolução do vínculo matrimonial que une A e R ..
14. Em última análise até a litigância judicial existente nos presentes autos - com autos principais e dois apensos - é, de per si, demonstrativa da irremediável situação matrimonial entre A e R ..
15. Com o objectivo de ver dados como provados factos do seu interesse a Recorrente alega uma nulidade sem que para isso alegue o fundamento legal; também não apresenta fundamentos, com recurso à lógica, para os factos que refere fossem dados como provados.
16. A Recorrente alega omissão de pronúncia no que concerne à sua Reconvenção. Não vemos nos autos qualquer Reconvenção de que o Tribunal se devesse pronunciar. A contestação da Recorrente apenas faz referência à Pensão de Alimentos que exigiria na sede própria.
17. Entende, por isso, o Recorrente que a Sentença não merece qualquer censura por parte deste Venerando Tribunal.
Nestes termos e nos mais de Direito, mantendo vaso Exas. a Sentença recorrida farão a merecida JUSTIÇA!
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Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
a) Da invocada NULIDADE DA SENTENÇA.
b) Da pertinência de se introduzirem alterações na decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, e no seguimento de subjacente impugnação da apelante .
c) Do alegado error in judicando em que incorrerá a sentença apelada, ao julgar a acção procedente com base da factualidade provada.
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2. - Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foi fixada a seguinte factualidade :
A) Provada
2.1 - O autor, J.., e a ré, D.., contraíram entre si casamento católico, no dia 4 de Fevereiro de 2012 sob o regime de comunhão de adquiridos.
2.2.- O autor reside e trabalha na Suíça.
2.3.- Em 23 de Março de 2014 a ré, que se encontrava a residir na Suíça na companhia do autor, regressou a Portugal onde se encontra desde então.
2.4.- O autor e a ré desde 23 de Março de 2014 não dormem juntos, não mantêm relações sexuais entre si, não partilham a mesma casa, não partilham refeições e não convivem entre si perante terceiros como marido e mulher.
2.5.- O autor não tem qualquer vontade de manter o vínculo conjugal.
Mais se provou que:
2.6. -A presente acção foi instaurada em 29 de Setembro de 2014.
2.7. - A audiência de discussão e julgamento teve o seu início em 15 de Abril de 2015.
B) Não Provada
Para além da factualidade indicada de 2.1. a 2.7., considerou/julgou a tribunal a quo que não se provaram quaisquer outros factos.
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3.- Da invocada NULIDADE DA SENTENÇA, à luz do nº1, alínea d), primeira parte do artº 615º, do CPC .
Considera a apelante D.., que padece a sentença recorrida do vício de nulidade subsumível à primeira parte da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC ( ainda que aluda a disposição legal – artº 668º - do pretérito CPC, o que é irrelevante em face do disposto no artº 5º, nº 3, do CPC aplicável ) , essencialmente em razão do seguinte, a saber :
- Em sede de sentença não respondeu o tribunal a quo a todos os pontos de facto controvertidos, pois que , alguns dos alegados pela Ré ( na contestação, v.g. os correspondentes aos respectivos artºs 4º a 16º ) ficaram sem qualquer resposta, ou seja, sem julgamento de facto .
Não reconhecendo o apelado a existência do referido vício adjectivo, e impondo-se decidir da respectiva verificação, importa antes de mais tecer breves considerações sobre a ratio da norma do artº 615º, do CPC, maxime sobre a alínea d), do respectivo nº 1..
Ora bem.
Em primeiro lugar, pertinente é não olvidar que as causas de nulidade da sentença são de previsão/enumeração taxativa (1), estando as mesmas [ quais nulidades especiais (2) ] discriminadas no nº1, do artº 615º, do actual CPC, razão porque forçoso é que qualquer vício invocado como consubstanciando uma nulidade da sentença, para o ser, deve necessariamente integrar o tatbestand de qualquer uma das alíneas do nº1, da citada disposição legal.
Depois, importante é outrossim ter sempre em atenção que, como é consabido, não faz de todo qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer erro de julgamento ( seja de facto , seja de direito) , sendo que, em rigor, integra igualmente um erro de julgamento a desconsideração v.g. de uma qualquer regra vinculativa extraída do direito probatório, maxime o não atendimento de determinado acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto, vício este que deverá ser invocado em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto ( cfr. artºs 640º, nº1 e 662º,nº1, ambos do CPC ).
Isto dito, reza a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.
O vício/nulidade referida, mostra-se em consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença , resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (3).
Sobre o Juiz recai , portanto, no dizer de Lebre de Freitas e outros (4) , a obrigação de apreciar/conhecer “ todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…), sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento, e , não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “(…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença e que as partes hajam invocado (…) “, então o “ não conhecimento do pedido , causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.
Porém, importa não olvidar que, como há muito advertia já o Prof. José Alberto dos Reis (5), não se devem confundir factos ( fundamentos ou argumentos ) com questões (a que se reportam os artigos 608.º, n.º 2, e 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) a resolver, pois que uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto invocado pela parte, e , outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questão submetida à apreciação do tribunal.
Em rigor, para nós e em termos conclusivos, dir-se-á que as questões a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mais não são do que as que alude o nº2, do artº 607º, e artº 608º, ambos do mesmo diploma legal, e que ao Tribunal cumpre solucionar, delimitando-se e emergindo as mesmas da análise da causa de pedir apresentada pelo demandante e do seu confronto/articulação com o pedido que na acção é formulado.
Ou seja, e dito de um outro modo, não se confundindo é certo as questões a resolver pelo juiz em sede de sentença com quaisquer argumentos e razões que as partes invoquem em defesa das suas posições, o correcto/adequado será em rigor considerar-se que o vocábulo “questões” a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mostra-se empregado na lei adjectiva com o sentido equivalente a “questões jurídicas” ainda carecidas de resolução, impondo-se que no âmbito das mesmas seja dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver (nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual que interfiram no resultado), e , sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, deve o juiz limitar-se a apreciar as que foram invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos temos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine. (6)
Postas estas breves considerações, manifesto se nos afigura, desde logo, que a invocada omissão de julgamento pelo tribunal a quo de concretos pontos de facto que integrem os temas da prova - quando a sua enunciação existe -, está longe de consubstanciar vício susceptível de integrar a previsão da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, podendo, quando muito, e a verificar-se uma total/absoluta ausência de especificação dos fundamentos de facto [ o que in casu não sucede ] , cair-se sob a alçada da alínea b) do nº1, da mesma disposição legal.
Por outra banda, ao prever expressamente o CPC a obrigatoriedade de o Tribunal da Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto - e ademais sem necessidade de a mesma ter sido sequer requerida por uma qualquer das partes ( cfr. nºs 1 e 2, do artº 662º, do CPC ) - quando a mesma se revele deficiente [ o que sucede quando determinado ponto da matéria de facto ou algum seu segmento não tenha sido objecto de resposta positiva ou negativa (7) ] , inevitável é concluir-se que o vício invocado pela apelante e ora em análise não pode de todo implicar a nulidade da sentença, antes deve caber na previsão do artº 662º, nº2, alínea c), do CPC, podendo a questão ser suscitada pela parte recorrente em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto ( cfr. artº 640º, do CPC ).
Em razão do acabado de expor, improcedem portanto as conclusões recursórias da apelante interligadas com a invocada nulidade da sentença e relacionadas com a alegada omissão de pronúncia sobre pontos da matéria de facto.
De resto, sempre se adianta que, ao proclamar o julgador em sede de decisão de facto que, para além da factualidade indicada de 2.1. a 2.7., não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, em rigor, não existe sequer omissão de pronúncia de factualidade pertinente e alegada ( nos termos do artº 662º,nº2, alínea c), do CPC ), antes existirá, quando muito, um erro de julgamento de facto, o qual deve ser atacado por via de impugnação da decisão relativa à matéria de facto ( cfr. artº 640º, do CPC).
Por fim, acresce ainda que, em rigor, a factualidade que a apelante indica como que tendo sido, apesar de alegada, desprezada, no essencial,, integra mera impugnação motivada ( a factualidade alegada pelo Autor e integrando a respectiva causa pedendi ) , e , como tal, não carecia sequer de ser objecto de julgamento de facto, antes e tão só poderia conduzir a que, ao integrar a actividade da Ré de contra-prova, forçar o Exmº julgador do a quo a considerar como Não Provada a factualidade vertida nos itens 4 e 5 da sentença ( em sede de motivação de facto ).
Em conclusão, improcedem in totum as conclusões recursórias da apelante dirigidas para os invocados vícios adjectivos da sentença recorrida.
4. - Da impugnação da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto.
No âmbito das alegações ( stricto sensu ) da recorrente D.., incontroverso é que manifesta a mesma a sua discordância em relação ao julgamento de facto da primeira instância, quer no tocante a alguns pontos de facto que a primeira instância expressamente os considerou/julgou provados, quer relativamente a outros que, implicitamente, os considerou não provados, e apesar de alegados.
Ainda no âmbito das alegações, transcreve a recorrente diversos pretensos depoimentos – aparentemente na sua integralidade - testemunhais prestados em audiência, aludindo quer ao seu inicio , quer ao respectivo final, aparentemente com o fito de demonstrar o erro do a quo em sede da respectiva avaliação/valoração.
Já em sede de conclusões, e com alguma ligação ao julgamento de facto, limita-se a recorrente a dizer/concluir que:
- a convicção e as conclusões do Tribunal "a quo" fazem tábua rasa da prova produzida a favor da bondade da tese que, sendo provada como foi, os motivos justificativos da saída da habitação na Suíça da Ré e o seu normal relacionamento com o Autor até ao fim de semana de Setembro de 2014, são fundamento que afasta a ruptura irreversível da vida em comum ;
- O "Julgador" não acautelou e valorou , como devia todos os factos que foram contraditados e provados, violando o nº 3 do artº 659º, do CPC.
Efectuada a referida e sintética resenha direccionada para a forma como a apelante manifesta a sua discordância do julgamento da matéria de facto da primeira instância, importa de imediato aferir se in casu se impõe ao ad quem conhecer da pertinência/mérito da impugnação que a recorrente dirige para a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto.
É que, ainda que para o efeito não seja relevante, certo é que invoca o apelado o incumprimento pela apelante de diversos requisitos/ónus que uma adequada impugnação de decisão de facto deve reunir.
Vejamos
Como é consabido, pretendendo o recorrente que a 2 dª instância aprecie da bondade/acerto da decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, carece porém o mesmo de observar/cumprir determinadas regras/ónus processuais, a que acresce (para que a modificação da matéria de facto seja possível ) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.
Assim [ cfr. artº 640º, nº1, alíneas a) e b), do CPC ] e em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar quais :
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas .
Depois, caso os meios probatórios invocados pelo recorrente para sustentar o alegado erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe-lhe ainda, e sob pena de imediata rejeição do recurso na referida parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda ( cfr. nº2, do artº 640º), e sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes .
Por fim, exigível é , outrossim, e agora para que ao Tribunal da Relação seja lícito alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, imponham uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo ( cfr artº 662º, nº1, do CPC).
Tendo presentes tais regras e pressupostos orientadores e exigíveis, para que ao tribunal da Relação seja lícito sindicar da pertinência de a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto ser modificada/alterada, e tal como bem nota Abrantes Geraldes (8), dir-se-á que o legislador ( maxime e desde logo com as alterações introduzidas na lei adjectiva com o DL nº 303/2007, de 24 de Agosto ) veio introduzir “ (…) mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto, com a indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta”.
Ainda em razão das supra indicadas regras adjectivas, certo é que não é de todo admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando portanto vedado ao apelante impetrar, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida, manifestando uma genérica discordância com a decisão da 1ª instância. (9)
É que, não cabendo ao ad quem - aquando do julgamento da impugnação do recorrente da decisão do a quo relativa à matéria de facto - proceder a um segundo julgamento [ como ninguém questiona, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não conduz necessariamente à realização de um segundo julgamento pelo ad quem, antes incumbe tão só à segunda instância, e ainda que formando a sua própria convicção, aferir da existência de erros do a quo no âmbito da valoração/apreciação dos meios probatórios colocados à sua disposição ], importa que o recorrente alegue, especifique e esclareça o porquê da discordância, isto é, como e qual a razão porque é que determinados meios probatórios indicados e especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras (10), importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele, ou seja, obrigado está o recorrente a concretizar e a apreciar criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.(11)
Ou seja, como o considera - e bem - o STJ, ao impor-se/exigir-se que o recorrente-impugnante indique (concretamente) quais os depoimentos prestados que fundamentam a sua discordância, não basta “indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.” (12)
Dito ainda de uma outra forma (13) , porque não se trata de um " (…) segundo julgamento, mas antes de uma reponderação, até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não basta que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos (…) não basta a alegação por banda dos Recorrentes em sede de recurso de Apelação que houve erro manifesto de julgamento e por deficiência na apreciação da matéria de facto (…), que o mesmo é dizer, “ uma proposição genérica, destituída de qualquer especificidade que permita habilitar o Tribunal de segunda instância a efectuar uma qualquer reapreciação factual dentro dos parâmetros objectivados por aquele normativo”. (14)
A propósito ainda do modo e forma correcta/adequada de se observarem os diversos ónus a que alude o acima indicado artº 640º, nºs 1 e 2, do CPC, importa também recordar que, e por diversas ocasiões de resto, já o mesmo STJ (15) veio decidir que, em sede do respectivo cumprimento, não é porém de exigir que o recorrente, nas conclusões do recurso, deva reproduzir tudo o que alegou anteriormente, sob pena de, ao assim proceder, transformar as conclusões, não numa síntese ( como o refere o nº1, do artº 639º, do CPC), como se exige que o sejam, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.
Mas, o mesmo recorrente, o que não está dispensado, e caso pretenda efectivamente impugnar a decisão do a quo relativa à matéria de facto, é , nas conclusões recursórias, de deixar bem claro que visa a apelação interposta a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nelas - nas conclusões - indicando assim e sobretudo, quais os pontos concretos que pretende ver reapreciados (16), e, outrossim, quais as respectivas e diferentes respostas que o recorrente pretende que sejam pelo ad quem proferidas no tocante às questões de facto impugnadas ou concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (cfr. alínea c), do nº1, do artº 640º, do CPC).
É que, neste conspecto, recorda-se, são precisamente as conclusões [ porque é nelas que o recorrente delimita objectivamente o recurso, precisando quais as exactas questões a decidir e indicando, de forma clara e concludente, quais as questões de facto e/ou de direito que pretende suscitar na impugnação que deduz e as quais o tribunal superior obrigado está a solucionar (17) ], o local adequado para os recorrentes procederam às indicações apontadas. (18)
Não o fazendo, ou seja, não observando o recorrente as supra apontadas regras/ónus a seu cargo, aquando da impugnação da decisão do a quo relativa à matéria de facto, outra alternativa não restará ao ad quem que não seja a da sua rejeição, e isto porque, como bem avisa Abrantes Geraldes (19), “a observação dos antecedentes legislativos leva a concluir que não existe, relativamente ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento” . (20)
De resto, acrescenta ainda António Santos Abrantes Geraldes (21), todas as apontadas exigências “ devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Em suma, e a despeito de prima facie não deixar de repugnar [ tal como se refere em Ac. do STJ (22) importa “interpretar o preceito com grande cuidado, mas também com suficiente abertura, em ordem a não se frustrar, na prática, em muitos casos, o recurso sob a matéria de facto que a lei quis proporcionar aos recorrentes“ ] não poder conhecer-se de parte ( em sede de impugnação da matéria de facto ) de um recurso por o recorrente não ter cumprido os subjacentes ónus processuais, não há forma de o evitar, para tanto não se justificando enveredar por interpretações mais amplas e salvíficas, desvalorizando-se deste modo a função pedagógica da jurisprudência para quem deve alegar e concluir de harmonia com as prescrições legais impositivas da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais. (23)
É que, convenhamos, o que o legislador exige das partes em sede de impugnação da decisão de facto não é nada, de todo transcendente e dificultoso
Postas estas breves considerações, e rememorando, temos assim que , em sede de alegações , não teve a recorrente o cuidado de esclarecer e justificar o porquê da discordância, v.g. não alude aos precisos/exactos fundamentos pelos quais os pontos de facto mal julgados mereciam diversas respostas, antes se limita a transcrever a totalidade da prova produzida , pedindo que o ad quem a aprecia em bloco, qual segundo julgamento de facto.
No essencial, como que se limita a apelante, ao mesmo tempo que afirma a sua discordância em relação à convicção formada pela Exmª Juiz a quo, a impetrar que a segunda instância enverede por uma convicção diversa após a reapreciação ex novo de toda a prova testemunhal produzida, qual novo julgamento de facto.
Por outra banda, e agora já em sede de conclusões, não apenas não especifica a recorrente quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como, ademais não menciona sequer quais as - diversas - decisões que, no seu entender , devem ser proferidas pelo ad quem no “lugar” das impugnadas e da responsabilidade do a quo.
Ou seja, e v.g., não alega/conclui a recorrente ( o que não é nada de transcendente e/ou complexo ) que discorda do julgamento ( de provado ) dos concretos pontos de facto nºs X, Y, Z ( ou dos artºs I, E, R , todos da contestação ), pois que, em razão dos depoimentos prestados pelas testemunhas V, G, H, antes mereciam/deveriam tais pontos de facto terem sido julgados de modo diferente, ou seja, como “ Não Provados”).
Em razão do acabado de expor, é assim para nós inevitável e incontornável a aplicação da sanção a que alude o artº 640º, nº 1, do CPC, impondo-se a rejeição [ o que se decreta ] do recurso da apelante no tocante à almejada impugnação da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto.
Destarte, forçosamente, impedido está este tribunal de alterar tal decisão, introduzindo na mesma uma qualquer modificação dependente da iniciativa das partes e/ou recorrente, que não já no tocante a modificações decorrentes dos poderes oficiosos que assistem ao ad quem, v.g. por aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório.
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5.- Do invocado error in judicando em que incorrerá a sentença apelada.
Decorre da sentença apelada que a acção foi julgada procedente no pressuposto de que, em razão da factualidade provada, lícito era concluir pela verificação de fattispecie subsumível à alínea d), do artigo 1781.º, do CC.
Acresce que, no entender do tribunal a quo, não obstante prima facie e numa visão formalista poder-se considerar que os factos alegados pelo Autor tiveram por desiderato integrar a causa petendi na previsão da al. a) do art.1781º ( separação de facto há mais de um ano ), certo é que, não se provando integralmente essa factualidade ( maxime a separação com tal duração ) , nada obstava a que a acção venha a proceder com base na “cláusula geral” da alínea d), do artº 1781º, do CC, ou seja, não há fundamento legal que impeça que uma situação de separação de facto por período não apurado possa ser valorada, para se aferir se existe ou não uma ruptura definitiva do casamento.
Já para a apelante, porém, dada a exiguidade da factualidade provada, nada justificava que a Ex.ª Juiz a quo tivesse concluído, como o veio a fazer, e considerando sobretudo a curta duração do lapso de tempo de separação, pela existência de uma ruptura definitiva do casamento , nos termos e para efeitos da alínea c), do artº 1781º, do CC .
Ora bem.
É um dado adquirido que o actual regime jurídico do divórcio, instituído pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, antes consagrou/adoptou a ideia do divórcio-consumação ou divórcio-falência, ao estabelecer v.g. que integra fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges “Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento “ ( cfr. alínea d), do artº 1781º, do CC ).
Ou seja, eliminada/erradicada pelo legislador a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais – o “divórcio-sanção” – , e a qual, ao invés de contribuir para a solução de um vínculo conjugal em falência, antes alimentava e prolongava o problema, enveredou-se pela consagração do chamado “divórcio ruptura”, por causas objectivas, designadamente a separação de facto por um ano consecutivo ( cfr. alínea a) do artº 1781º, do CC ), sendo que, ainda que não se prove existir separação de facto por um período igual a um ano consecutivo, nada impede que o tempo de separação, ainda que inferior , não possa ser valorado em sede de aferição da “cláusula geral” a que alude a alínea d), da referida disposição legal.
O que importa é, no essencial, que permita o conjunto da factualidade alegada e provada concluir, com segurança, que demonstra a mesma estar-se na presença de um vínculo conjugal destruído e desfeito, apresentando-se a referida situação como não transitória ou passageira, antes consolidada e sem quaisquer perspectivas de ser ultrapassada, que é o mesmo que dizer, perante uma ruptura definitiva do casamento.
Ou seja, e dito de uma outra forma (24), “A cláusula geral e objectiva da ruptura definitiva do casamento – enquanto fundamento de divórcio, previsto na al. d) do art. 1781.º do CC – não exige, para a sua verificação, qualquer duração mínima, como sucede com as restantes causas que impõem um ano de permanência “, bastando-se a demonstração da ruptura definitiva – presumida no caso das alíneas a), b) e c) do art. 1781.º do CC ao fim de um ano – com a prova “ (…) da quebra grave dos deveres enunciados no art. 1672.º do CC e da convicção de irreversibilidade do rompimento da comunhão própria da vida conjugal”.
Ora, como bem refere António José Fialho (25), o conceito de ruptura definitiva da vida do casamento ou da vida em comum deve ser interpretada objectivamente, em harmonia com a teleologia e o conteúdo do próprio contrato de casamento e deve constituir a situação de facto alegada e provada que evidencie a frustração definitiva dos fins do casamento, nomeadamente a inobservância dos deveres conjugais que, de forma grave e séria, comprometa a possibilidade da vida em comum e o sentido de constituição de família, mediante uma plena comunhão de vida, a que o casamento se dirige”.
Por outra banda, como com total pertinência se chama a atenção em Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa (26), o casamento, para existir, exige a vontade de duas pessoas e não apenas a de uma, não subsistindo por mera imposição de uma sobre a outra, razão porque, inexistindo tal consenso ou vontade, não querendo uma delas manter o vínculo, não pode o Tribunal desvalorizar essa vontade, minimizá-la ou anulá-la.
É que, acrescenta-se, está-se inevitavelmente “no âmbito do foro pessoal, da intimidade das pessoas e, por conseguinte, não pode o Estado deixar de exercer o seu papel de dirimir os conflitos, regulando-os e pondo-lhes fim, para que não atinjam proporções maiores ou redundem em situações dramáticas e irremediáveis…
Postas estas breves considerações, recorda-se que tendo Autor e Ré contraído casamento católico no dia 4 de Fevereiro de 2012, e residindo ambos na Suíça à data de 23/3/2014 ( porque o autor trabalha na Suíça) e na companhia um do outro , o certo é que, nesta última data, a ré regressou a Portugal onde se encontra desde então , e , desde então, que não dormem juntos, não mantêm relações sexuais entre si, não partilham a mesma casa, não partilham refeições e não convivem entre si perante terceiros como marido e mulher.
Mais se provou que, o autor, e em razão de tudo o supra referido, não tem qualquer vontade de manter o vínculo conjugal, o que afirmou e reafirmou, ainda que através de mandatário com poderes especiais, quer em sede de petição inicial, quer no âmbito da tentativa de conciliação, quer ainda em sede de audiência Prévia.
Tal factualidade, convenhamos, para além de reflectir de forma inequívoca a quebra em sede do vínculo conjugal do autor e ré de alguns dos deveres dos cônjuges a que alude o artº 1672º, do CC, maxime os de coabitação, e de cooperação, traduz ou revela outrossim e em consequência a “falência do casamento” de ambos , ou seja, uma manifesta ruptura definitiva do casamento, pois que, a uma separação física e geográfica significativa , acresce uma mais importante e decisiva separação/ruptura afectiva, e , sobretudo, um firme propósito de uma das “partes” de não mais reatar os laços quebrados, reacendendo algo que há muito esfriou.
Ou seja, a uma situação objectiva de separação de facto ( traduzida numa total ausência de vida em comum ), acresce um outro elemento subjectivo , traduzido ele no firme “propósito” do ora apelando de não mais restabelecer a comunhão de vida matrimonial, o que tudo sopesado e à luz do critério de um pater familias , inevitavelmente obriga a concluir-se que se está na presença da irreversibilidade do rompimento da comunhão que é própria da vida conjugal.
Em conclusão, e sufragando-se portanto o entendimento do tribunal a quo, por si só permite a factualidade provada extrapolar estar-se na presença de um casamento acabado/morto, nada justificando que seja ele mantido apenas artificialmente, no mundo do jurídico, que não da realidade , nada justificando assim que o pedido do apelado não seja satisfeito, provado que logrou o mesmo os necessários pressupostos constitutivos do respectivo direito.
Destarte, reunidos que se mostram portanto os necessários pressupostos de facto e de direito do pedido do recorrido, inevitável se mostrava a decretação do divórcio sem o consentimento da Ré/recorrente, improcedendo assim as “conclusões” recursórias da apelante dirigidas para a improcedência da acção.
A sentença recorrida, importa assim ser confirmada.
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5 - Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do Cód. de Proc. Civil ).
5.1. - Para efeitos de preenchimento do tatbestand da alínea d) do art. 1781º do CC, exigível é que da matéria de facto provada resulte comprovada uma situação objectiva que, pela sua gravidade, reiteração e segundo as regras da experiência comum, apontem com segurança para a ruptura definitiva do casamento, indiciando a mesma estar-se na presença da irreversibilidade do rompimento da comunhão que é própria da vida conjugal.
5.2.- Verifica-se a situação integradora da “cláusula geral” da alínea d) do art. 1781 do CC, quando, tendo o casamento sido celebrado em 2012, e residindo ambos os cônjuges na Suíça em meados de 2014 , na companhia um do outro , em determinado momento a ré regressa a Portugal onde se encontra desde então , e , desde a referida data que não dormem juntos, não mantêm relações sexuais entre si, não partilham a mesma casa, não partilham refeições e não convivem entre si perante terceiros como marido e mulher, mantendo o Autor a vontade e firme propósito de não mais manter o vínculo conjugal.
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6. - Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , não concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pela Ré D.. :
6.1.- Não conhecer da impugnação deduzida pela apelante da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto;
6.2.- Manter e confirmar a sentença recorrida, em sede de decretação do divórcio entre Autor e Ré;
Custas da acção e da apelação pela Ré, e sem prejuízo do apoio judiciário.
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(1) Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984 , Coimbra Editora, págs. 668 e segs..
(2) Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 33.
(3) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(4) In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(5) In Código do Processo Civil Anotado, vol.V, Coimbra Editora, págs. 143-145.
(6) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, in sentença Cível, texto-base da intervenção efectuada nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014.).
(7) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES , in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Pág. 332.
(8) In Recursos em Processo Civil, Almedina, Novo Regime, 2010, Pág. 152.
(9) Cfr. Ac. do STJ de 18/11/2008, proc. nº 08A3406 e disponível in www.dgsi.pt.
(10) Cfr. Ac. do STJ de 15/9/2011, proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(11) Cfr. Ana Luísa de Passos Martins da Silva Geraldes, in Trabalho de Agosto de 2012, publicado na Obra realizada em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas.
(12) Cfr. Ac. do STJ de 15/09/2011, Proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1 , in www.dgsi.pt.
(13) Cfr. Ac. do STJ de 2/12/2013, Proc. nº 34/11.0TBPNI.L1.S1 , in www.dgsi.pt.
(14) Cfr. ainda o Ac. do STJ de 19/2/2015, Proc. nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt, e no sentido de que “ A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação” .
(15) Vide os Acs de 23/2/2010 e de 21/4/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt .
(16) Conforme v.g. os Acórdãos do STJ de 19/2/2015 ( Proc. nº 299/05.6TBMGD.P2.S1), de 4/7/2013 ( proc. nº 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1), de 2/12/2013 ( Proc. nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 13/11/2012 ( Proc. nº 10/08.0TBVVD.G1.S1 ), e todos eles acessíveis in www.dgsi.pt.
(17) Cfr. Ac. do STJ de 18/6/2013, Proc. nº 483/08.0TBLNH.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(18) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/12/2013, Proc. nº 6830/09.0YIPRT.L1-1, e in www.dgsi.pt.
(19) Ibidem, pág.158/159
(20) Neste sentido vide o Ac. do STJ de 9/12/2012, Proc. nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1, e in www.dgsi.pt.
(21) Ibidem, pág.159
(22) Cfr. Ac. de 25/6/2014 ( ou 1/7/2014 ? ), in Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. Gabriel Catarino e in www.dgsi.pt.
(23) Cfr. João Aveiro Pereira, in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil“,www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf‎.
(24) Cfr. Ac. do STJ de 3/10/2013, proc. nº 2610/10.9TMPRT.P1.S1, do qual é Relatora MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA, e disponível in www.dgsi.pt.
(25) In Regime Português do Divórcio, Modalidades Questões Processuais e Principais Efeitos, FDUNL, 2011.
(26) Ac. de 30/10/2014 ,in Proc. nº 145/13.7TMLSB.L1-8, sendo Relatora Ana Luísa Geraldes e in www.dgsi.pt.
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Guimarães, 15/10/2015
António Santos
Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte