Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
207/14.3T9VNF.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
ELEMENTO SUBJECTIVO
NARRAÇÃO DE FACTOS
ADMISSIBILIDADE DO RAI
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I) É do conhecimento geral, do senso e experiência comum, que os elementos volitivo e cognitivo do dolo emanam, na generalidade dos casos, da mera narração da ação típica objetivamente imputada ao arguido.
II) O elemento volitivo do dolo emana da factualidade alegada no requerimento de abertura da instrução, quando nele se descrevem ações voluntárias e conscientes por parte do arguido.
III) Quanto ao elemento cognitivo do dolo, o conhecimento da ilicitude resulta da imputação ao arguido de condutas a que qualquer cidadão, com um mínimo de integração social, associa um caráter proibido e de reprovação social.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Gumarães

I. RELATÓRIO
No processo de instrução nº 207/14.3T9VNF, da instância central de Guimarães, 2ª secção de instrução criminal, juiz 1, da comarca de Braga, em que é arguido Vitor O., com os demais sinais dos autos, foi, em 7 de março de 2016, proferido despacho de rejeição, por inadmissibilidade legal, do requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente Maria A..
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Inconformada, a assistente Maria A. interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
«A Recorrente no requerimento de abertura de instrução imputou ao denunciado a prática de um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal e não um crime de dano como, por lapso, é referido em algumas partes do douto despacho recorrido.
2- No RAI é feita a descrição precisa e completa dos factos que a assistente entende estarem indiciados, integradores tanto dos elementos objetivos como dos elementos e subjetivos do crime de abuso de poder, que justificam a aplicação ao denunciado de uma pena ou de uma medida de segurança.
3- Dos factos narrados pela assistente no RAI, designadamente, quanto aos elementos subjetivos do crime de abuso de poder, podemos realçar os seguintes:
a) Que o denunciado, quando notificou o Ministério Público, da venda e respetivas condições, ocultou propositadamente, que sabia que a assistente e o seu falecido marido, não estavam ausentes em parte incerta e que tinha conhecimento da sua residência, do seu número de telefone e do seu e-mail, pelo que, violou conscientemente, a obrigação de os notificar sobre a modalidade da venda, o local, a data da mesma e do respetivo valor base (art. 886º-A do anterior C.P.C.).
b) Que o denunciado voltou a violar conscientemente a obrigação de notificar o Denunciante a e esposa, na qualidade de Executados, da aceitação e venda da proposta particular de compra do prédio penhorado pelo preço escandaloso de € 15.000,00 (quinze mil euros), o que fez em manifesto abuso de poder, em benefício ilegítimo do comprador e em prejuízo dos executados.
c) Que o denunciado praticou os referidos factos, no exercício das suas funções de agente de execução, abusando dos poderes e violando os deveres inerentes às suas funções, com manifesta intenção de obter um benefício ilegítimo para a empresa compradora, a F…, S.A., NIPC …, com sede na Avenida R…, V.N. Famalicão, tendo com tal atuação causado graves prejuízos à assistente e seu falecido marido.
d) Esta omissão é tanto mais grave, porquanto, o denunciado procedeu à venda do prédio do Denunciante, pelo preço de apenas € 15.000,00 (quinze mil euros), poucos meses depois de ele próprio o ter avaliado no montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros) e quando a quantia exequenda era de apenas € 1.638,86 (mil seiscentos e trinta e oito euros e oitenta e seis cêntimos).
e) O denunciado não esclareceu as questões colocadas nos artigos 37º a 47º do RAI, porque usando do seu poder discricionário na referida venda executiva, omitiu todas as diligências a que estava obrigado com a intenção descarada de beneficiar a empresa compradora, conduta que era proibida e punida por lei.
4- Estes factos, salvo melhor opinião, são integradores dos elementos subjetivos constitutivos do crime de abuso de poder imputado ao denunciado no RAI.
5- De facto, facilmente se pode concluir que qualquer cidadão médio sabe que é algo de profundamente censurável e contrário à lei, num processo judicial ocultar factos essenciais e comunicar factos falsos, designadamente, ocultar que conhecia a residência e contactos dos executados e dá-los como ausentes em parte incerta; como qualquer cidadão médio sabe que é contrário à lei omitir conscientemente diligências processuais legalmente previstas de forma a impedir os executados de exercer os seus direitos no processo, com a intenção de beneficiar uma empresa terceira.
6- Acresce que nos presentes autos não estamos perante um cidadão médio, mas sim perante um agente de execução, que é quem atualmente dirige todo o processo executivo.
7- O RAI faz uma indicação e enunciação dos factos concretos e determinados que consubstanciam a prática pelo denunciado de um crime de abuso de poder, pelo que a instrução não é inexequível.
8- Por outro lado, o RAI contém todos os requisitos legalmente exigíveis para a acusação pública, pelo que não padece de nenhum vício que determine a sua nulidade.
9- De facto, a Recorrente procedeu no RAI a uma narração dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao denunciado, em obediência escrupulosa aos comandos legais constantes dos artigos 287.º e 283.°, nº 3, ambos do CPP.
10- Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, deveria o Meritíssimo Juiz de Instrução ter recebido o RAI, determinado a respetiva abertura e ordenado a subsequente tramitação processual, com a produção dos atos de instrução requeridos e que se mostrem pertinentes à demonstração dos factos que se espera provar com a instrução.
11- Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 287º, nºs 1, 2 e 3 e 283º, nº 3 do CPP, bem como violou o artigo 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães por despacho datado de 2 de maio de 2016.
O Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, pugnando pelo provimento do recurso, por entender que requerimento de abertura de instrução observa o disposto nos artigo 287.º, n.º 2 e 283., n.º 3, als. b) e c), do Código de Processo Penal, já que contém todos os elementos objetivos e subjetivos típicos do crime de abuso de poder da previsão do artigo 382.º que nele é imputado ao arguido, inexistindo qualquer causa que determine a sua rejeição.
Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral adjunta proferiu douto parecer, igualmente no sentido de que o recurso merece provimento.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cf. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, v..
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1. Questão a decidir
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, a questão a decidir é a de saber se é admissível o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente Maria A..
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2. A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«Requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente Maria A. a fls. 488 e ss
Não se conformando com o despacho de arquivamento proferido a fls. 475, a assistente Maria A., veio a fls. 488 e ss requer a abertura de instrução.
Alegou, para tal e em sínteses, que:
- discorda em absoluto do despacho de arquivamento;
- Após, procede aos motivos pelos qual discorda dos fundamentos do despacho de arquivamento, e elenco os factos que, na sua perspectiva se encontram indiciado, concluindo que o denunciado omitiu todas as diligências que estava obrigado, com intenção descarada de beneficiar a empresa compradora, conduta que era proibida e punida por lei.
Conclui pela imputação ao arguido de um crime de abuso de poder p. p. pelo artº 382º do CP.
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Cumpre proferir despacho liminar, sendo certo que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução – artigo 287º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
O tribunal é competente.
O requerimento é tempestivo.
O requerente tem legitimidade – artigo 287º, n.º 1, al. b), do CPP.
Importa, agora, apreciar a admissibilidade legal da instrução.
Findo o Inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento (cfr. Fls. 475).
Inconformado, a denunciante, constituída assistente, veio requerer, a fls. 488 e ss, abertura de instrução, com a invocação do supra referido.
Apreciemos.
A instrução, como fase intermédia entre o inquérito e o julgamento « visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» ( art. 286.°, n.º 1 do Código de Processo Penal – são deste Diploma legal os demais preceitos citados em menção expressa de proveniência).
Estatui o art. 287.°, n.º 2, do CPP referindo-se ao requerimento de abertura de instrução do assistente, que o mesmo deve conter «em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for o caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar», sendo certo que a tal requerimento, quando formulado pelo assistente, é aplicável «o disposto no artigo 283.°, n.º 3, alíneas b) e c) (...)».
Quer isto dizer que o requerimento de abertura de instrução do assistente está sujeito ao formalismo da acusação, isto é, equipara-se-lhe (vid. Ac. da Rel. Lisboa de 12.05.1998, BMJ n.o 477.°, pág. 555; da Rel. Porto de 15.04.1998, BMJ n.o 476.°, pág. 487; da Rel. Lisboa de 02.12.1998, BM] n.º 482.°, pág. 294; da Rel. Lisboa de 21.10.1999, CJ, XXII pág. 158; Rel. Lisboa de 09.02.2000, CJ, XXIII, 1.°, 153).
Sendo assim, poderemos concluir que, por força da conjugação dos arts. 287.°, n.º 2 o art. 309.°, n.º 1, a instrução requerida pelo assistente, em caso de despacho de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público – aquele que importa ter em conta – não pode destinar-se à simples impugnação de tal despacho, sendo certo que tal exigência, formalismo e equiparação não se pode afirmar ou exigir ao requerimento formulado pelo arguido (cfr. artigo 287º, n.º 2, in fine, a contrario sensu).
O requerimento do assistente para abertura da instrução deve, pois, conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (artigo 287º, nº 2).
No requerimento para abertura de instrução, o assistente tem de indicar os factos concretos que, ao contrário do Ministério Público, considera indiciados ou que pretende vir a fazer indiciar no decurso da investigação requerida.
O juiz, por seu turno, irá apurar se esses factos se indiciam ou não, proferindo ou não, em consonância, despacho de pronúncia (cfr., neste sentido, os Acs. da RP de 05/05/1993, C], XVIII, 3.°, pág. 243 e da RC de 24/11/1993, CJ, XVIII, 5.°, pág. 61).
Isto significa, portanto, que o requerimento de abertura de instrução equivale, em tudo, à acusação, definindo e delimitando o objecto do processo a partir da sua apresentação; ele constitui, pois, substancialmente, uma acusação alternativa ao despacho de abstenção proferido pelo M.P.
Na verdade, no caso de arquivamento do inquérito, a decisão instrutória só pode recair sobre os factos que foram objecto da instrução, ficando o objecto do processo delimitado pelo conteúdo daquele requerimento (Acórdão da Relação do Porto, de 24/04/2002, processo n.º 0210086, consultado em www.dgsi.pt), pelo que, não se descrevendo os factos que se pretende imputar aos arguidos, qualquer descrição que se venha a fazer numa eventual pronúncia redunda necessariamente numa alteração substancial do requerimento, sendo, então, nula, nos termos do artigo 309.º, 1, do CPP (Acórdão da Relação de Coimbra de 24/11/93, Colectânea de Jurisprudência, Tomo V, p. 61).
Expostos estes princípios jurídicos, abalancemo-nos na análise da situação vertente.
Desde logo, dir-se-á que, percorrendo o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos assistentes, facilmente se verifica que o mesmo é omisso quanto à indicação de todos os elementos subjectivos do crime imputado.

Analisando a situação sub judice, verifica-se que o assistente não indicou, como lhe competia, todos os elementos subjectivos do imputado tipo de crime de dano.
«São precisamente os elementos subjectivos do crime, com referência ao momento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito), que permitem estabelecer o tipo subjectivo de ilícito imputável ao agente através do enquadramento da respectiva conduta como dolosa ou negligente e dentro destas categorias, nas vertentes do dolo directo, necessário ou eventual e da negligência simples ou grosseira.(…) Num crime doloso – só esse interessa tratar aqui – da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa – o arguido pôde determinar a sua acção- o que não se verifica no RAI), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo – o agente quis o facto criminoso), e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).» – Ac.R.Coimbra de 30/9/2009, proc. 910/08.7TAVIS, relatado pelo Desembargador Jorge Jacob, disponível in www.dgsi.pt.
Com efeito, compulsado o RAI, verifica-se que o mesmo não refere que o arguido agiu de forma livre e consciente e que sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei punidas por lei (princípio da legalidade).
Assim, o invocado no RAI quanto aos elementos do tipo subjectivo não são suficientes para se considerarem todos as vertentes do elemento subjectivo do tipo de crime.
Na verdade, falta desde logo, que o arguido agiu de forma livre e consciente e que sabia que a sua conduta era punida e proibida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).
Não contendo o RAI a descrição de todos os elementos do tipo de ilícito, os factos narrados não integram qualquer ilícito criminal e como tal nunca poderá ser proferido despacho de pronúncia.
Acresce que o juiz não pode substituir-se ao assistente, colocando por iniciativa própria os factos em falta referentes aos elementos objectivos e subjectivos, sob pena de violação da estrutura acusatória do processo penal e do direito de defesa do arguido.
Por outro lado, não se pode inferir da materialidade objectiva, o elemento dolo, pois tal traduzir-se-ia numa presunção de iure do dolo, o que é inadmissível. Uma coisa é a alegação dos factos (no caso concreto relativos aos elementos subjectivos) e outra, diferente, é a respectiva prova. O facto do dolo poder ser provado com recurso a presunções naturais ou com recurso às regras da experiência comum, não significa que se possa dispensar a respectiva alegação.
A assistente, no seu requerimento de abertura de instrução, não contemplou na narração dos factos a totalidade daqueles elementos.
Assim, sem uma acusação alternativa não se pode abrir a fase processual da instrução (Vide Ac RE 13.1.98., BMJ 473, 586; Ac RP 23.05.01, p. n.º 0110362, 362/01, 1ª secção, in CJ ano XXVI, t III, pág 238; Ac RP 13.06.0l, p. n.º 0110352, 352/01, 1ª secção; Ac TC 27/2001, Proc. n.º 189/00, in DR II série, n.º 70 de 23 de Março de 2001, pág. 5265; Ac RP 04.04.01, p. n.º 0110047, 047/01, 1ª secção; Ac RG de22 /11/04, proferido no âmbito do P. n.º 157/03.9PBVCT deste 2º Juízo Criminal; Acórdão do STJ n.º 7/2005 (DR I-A, de 4 de Novembro de 2005).
No que diz respeito ao tipo subjectivo de ilícito, que é o que aqui importa analisar, desde já se diga, que o imputado crime de dano é de verificação exclusivamente dolosa.
Nos crimes dolosos, a verificação do tipo subjectivo de ilícito pressupõe, tradicionalmente, (cfr., neste sentido, Tereza Pizarro Beleza, in “Direito Penal – Lições Policopiadas”, Vol. II, AAFDL, pág. 181 e Cavaleiro Ferreira, in “Lições de Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, Editorial Verbo, 1992, pág. 282 e segs.) o conhecimento e vontade de realização de um tipo legal de crime por parte do agente - o elemento intelectual ou cognitivo e o elemento volitivo.
Como refere Figueiredo Dias, “o dolo é conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo (...)”; “mas o dolo é ainda expressão de uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença (...) perante o dever-ser jurídico-penal”.
Repetidamente o Tribunal da Relação do Porto tem emitido jurisprudência a propósito da falta dos factos integradores do dolo. A título meramente exemplificativo, veja-se o que se escreveu no recurso do Proc. 465 /07, do 1º Juízo Criminal de Matosinhos:
«O STJ, sugestivamente, no acórdão de 22.10.2003, tirado no proc. n.° 2608/033.a, SASTJ, n.° 74, 149, considerou que o dolo deve ser expressamente invocado para poder ser revelado. A ideia de um dolus in re ipsa, que sem mais resultaria da simples materialização da infracção, é hoje indefensável em direito penal.
Veja-se o aresto do Tribunal da Relação do Porto, publicado no site da dgsi datado de 7.1.2009, o qual é explícito sobre a imprescindibilidade da alegação expressa do elemento subjectivo para ser fixado o objecto do processo. E também no mesmo sentido se refere em outro acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto, igualmente desta Secção, no processo n.° JTRP000384I 1, em 19.10.2005, in www.dgsi.pt., “Entendemos que o elemento subjectivo não pode resultar como extrapolação e efeito lógico do conjunto dos factos objectivos que são imputados ao arguido; com efeito, no nosso ordenamento jurídico, ninguém sustenta a existência de presunções de dolo.
Com efeito, o STJ, por Acórdão de 20 Nov. 2014, Processo 17/07 fixou s seguinte jurisprudência: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS. É fixada jurisprudência no sentido de que na acusação, a falta de descrição dos elementos subjetivos do crime, particularmente os que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada em fase de julgamento com recurso ao mecanismo da alteração não substancial dos factos. Tendo o sistema processual penal uma estrutura basicamente acusatória, é pela acusação ou pela pronúncia que o objeto do processo é delimitado, em obediência ao princípio da vinculação temática. Deste modo, o conteúdo da acusação deverá pautar-se pelos aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, abarcando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal. Ora, na falta de alguns dos elementos caraterizadores do tipo subjetivo do ilícito, a integração de deficiências não consubstancia uma alteração não substancial dos factos, pelo que sendo o processo despachado para julgamento, sem ter passado pela instrução, impõe-se a rejeição da acusação, por a mesma ser nula e por ser manifestamente infundada ao não conter a narração dos factos. (com voto de vencido).
Resulta daqui que, quando o requerimento de abertura de instrução narra factos insusceptíveis de integrarem o tipo não pode haver legalmente pronúncia.
Na verdade, esta, nos termos do art.° 308°, n° 1, do CPP, tem de descrever os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Ora, se a acusação apresentada pelo assistente não contém esses factos, a sua inclusão na pronúncia significaria, repete-se, a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, sendo tal decisão nula, por força do já falado artº 309°, n° 1, do CPP.
E uma acusação que não pode legalmente conduzir à pronúncia do arguido é uma acusação que a lei não pode admitir, até porque seria inútil, e não é licito praticar no processo actos inúteis (artºs 137° do CPC e 4° do CPP).
É, pois, legalmente inadmissível o recebimento de acusação quando seja formulada pelo assistente e este não descreva no seu requerimento os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido, neles se incluindo os elementos subjectivos.

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Na hipótese de instrução requerida pelo assistente, em caso de despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo M.P., o requerimento de abertura de instrução deverá revestir todos os requisitos «de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório, e a elaboração da decisão instrutória.
É que, nessa eventualidade, o requerimento de abertura de instrução tem de constituir uma verdadeira acusação, não só para que o arguido possa, eventualmente, ser pronunciado pelos factos nele descritos, mas também para que fiquem « definitivamente assegurados os seus direitos de defesa» e lhe seja possível « carrear para o processo os elementos de prova que entender úteis» ( cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal. Anotado, 9: edição, pág. 541)- estrutura acusatória e delimitação ou vinculação temática do tribunal, em ordem a assegurar as garantias de defesa do arguido contra qualquer arbitrário alargamento do objecto do processo e a possibilitar-lhe a preparação da defesa, no respeito pelo princípio do contraditório.
A falta de formulação e enunciação de factos é insuprível ( cfr . neste sentido, o Ac. da Rel. Lisboa de 09/02/2000, CJ XXV- I- 153 e o Acordo Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2005, publicado no DR, S I A, de 04.11.2005), sabido como é instrução, no caso de abstenção da acusação, equivale à acusação e que a decisão instrutória só pode recair sobre os factos que foram objecto de instrução, ficando o próprio objecto do processo delimitado pela indicação feita nesse requerimento e posteriormente aceite no despacho de pronúncia, no todo ou em parte.
Efectivamente, não contendo o requerimento de abertura de instrução o indispensável conteúdo fáctico, «não só se torna inexequível a instrução, ficando o juiz sem saber quais os factos que o assistente gostaria de ver indiciados - e também o arguido, ficando inviabilizada a sua defesa -, como também, caso mesmo assim se prosseguisse a instrução, qualquer despacho de pronúncia que se proferisse na sua sequência sempre seria nulo nos termos do art. 309.° do CPP », e, por isso, «inútil e proibido, tal como os actos eventualmente subsequentes» (cf. o Ac. da RL de 11/10/2001, CJ, XXVI, 4. °, pág. 141 ).
Daí que, se o assistente requerer a abertura de instrução sem a indicação e enunciação dos factos concretos e determinados imputados ao arguido susceptíveis de consubstanciarem a prática de um hipotético tipo legal de crime e sem a delimitação do campo factual sobre que a instrução há-de versar, como sucede in casu, « a instrução será a todos os títulos inexequível » (cfr. Maia Gonçalves, op. cit., pág. 541, e Souto de Moura, « Inquérito e Instrução » in « Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal », ed. do CEJ., Almedina, Coimbra, 1991, pág. 120)».
Paralelamente, se o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, em caso de despacho de arquivamento formulado pelo M.P., não obedecer aos requisitos contemplados no art. 283.°, n.º 3, al. b)- aplicável por força da remissão operada pelo art. 287.°, n.º 2 -, que a lei exige para a acusação pública, tal requerimento não pode deixar de considerar-se nulo, tal como ocorre, aliás, com a acusação pública deduzida sem observância de tais requisitos.
É o que sucede, inquestionavelmente, na situação vertente, porquanto no requerimento de abertura de instrução não são de todo em todo respeitadas, como precedentemente se referiu, as exigências legais plasmadas no n.º 3, do citado art. 283º do CPP.
E nem se diga que o juiz deveria proferir, em situação como à destes autos, despacho de aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução, não obstante tal entendimento ter sido já defendido (cfr. Ac. da Rel. Évora de 16.12.1997, BMJ n.º 472.°, pág. 585, 20.06.2000, CJ III, pág. 153 e de 21.03.2001, CJ, II, pág. 131).
Na verdade o convite ao aperfeiçoamento não está prevista na lei processual penal, para além de que tal convite violaria os princípios da imparcialidade, das garantias de defesa do arguido, da estrutura acusatória do processo e do contraditório (cfr., neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 14/01/2004, de 31/03/2004, de 05/05/2004, de 16/06/2004, de 23/06/2004, de 15/12/2004 e de 05/01/2005, todos consultados em www.dgsi.pt e Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 12 /05/2005, publicado no DR – I Série-A, de 04/11/2005), solução que não contende com princípios constitucionais (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 27/2001, de 30 de Janeiro de 2001, consultado em www.tribunalconstitucional.pt).
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Nestes termos e pelos fundamentos expostos, ao abrigo do disposto no art. 287.°, n.ºs 2 e 3, quer porque a instrução é inadmissível - por inexequibilidade e por falta de objecto (cfr., em situações similares, Acórdãos da Relação de Lisboa de 06/11/2001, da Relação de Coimbra de 31/10/2001 e da Relação do Porto de 23/05/2001 e de 24/04/2002, processo n.º 0210078, todos consultados em www.dgsi.pt).-, quer porque o requerimento de abertura de instrução é nulo, atentas as disposições conjugadas dos arts. 287°, n° 2 e 283°, n° 3, al. b), rejeito tal requerimento.
Custas pela assistente, com taxa de justiça que se fixa em uma UC, sem prejuízo de apoio judiciário que beneficia
Notifique.
Transitado em julgado, arquive.»
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
A assistente Maria A. interpôs o presente recurso com o intuito de ver revogado o despacho que rejeitou o requerimento de abertura da instrução por si formulado, no qual, reagindo ao despacho de arquivamento do Ministério Público, considera haver indícios suficientes de que Vitor O. praticou um crime de abuso de poder previsto e punível pelo artigo 382.º do Código Penal.
Defende a recorrente que esse seu requerimento de abertura de instrução obedece às exigências das disposições conjugadas dos artigos 287.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, pelo que não deveria ter sido rejeitado.
Vejamos.
Como é sabido, a instrução é uma fase processual que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, com vista a submeter ou não a causa a julgamento, com base em critérios de legalidade (cfr. artigo 286º, nº 1, do Código de Processo Penal).
Podendo ser requerida «pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação» (artigo 287º, nº 1, als. a) e b) do Código de Processo Penal).
No presente caso, é inquestionável ser na qualidade de assistente que a recorrente apresentou o requerimento de abertura da instrução, pretendendo reagir a um despacho de arquivamento do Ministério Público.
Como tal, o requerimento de abertura dessa fase processual tem de corresponder à dedução da acusação, como prescrevem os artigos 287.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
De tal ordem que a decisão instrutória que vier a ser proferida no final da fase da instrução0 só pode recair sobre os factos descritos no requerimento para a respetiva abertura.
O requerimento de abertura da instrução tem pois de proceder à delimitação clara do objeto do processo, em obediência ao princípio da vinculação temática, corolário do princípio do acusatório, que impede que o tribunal tome a iniciativa de investigar e decidir para além do que lhe é solicitado. Ao mesmo tempo que, por essa via, se consegue também efetivar o princípio do contraditório, bem como o respeito pelas garantias de defesa do arguido, que só assim pode saber de que factos tem de se defender e em função deles delinear a sua estratégia de defesa (cf. artigo 32º, nº 1 e nº 5, da Constituição da República Portuguesa).
Revertendo ao caso sub judice, analisemos pois a conformidade legal do requerimento de abertura da instrução formulado pela recorrente, designadamente se ele contém a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, ou seja, se contém a narração de factos suscetíveis de integrarem os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime imputado ao arguido, que é o crime de abuso de poder, previsto e punível pelo artigo 382.º, do Código Penal. Posto é que o requerimento foi rejeitado pelo senhor juiz de instrução precisamente com o fundamento de que ser omisso quanto à indicação de todos os elementos subjetivos do crime imputado.
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Nos primeiros quarenta e oito artigos do requerimento de abertura da instrução descrevem-se os factos pretensamente praticados pelo arguido e as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram, dos quais decorre que aquele, na qualidade de agente de execução, no âmbito de um processo de execução em que a assistente e o seu falecido marido tinham a qualidade de executados, atuou sempre como se eles estivessem ausentes em parte incerta, não os notificando da data e modalidade da venda judicial do prédio que lhes foi penhorado, nem da aceitação e venda por proposta particular da respetiva compra, embora soubesse onde eles se encontravam. Notificando apenas o Ministério Público para se pronunciar sobre as condições daquela compra e, para justificar que o preço fosse de 15.000,00 €, disse que o prédio estava inacabado, quando nele estavam apenas a ser efetuadas obras de remodelação. Em consequência do que o prédio foi vendido naquele processo executivo por preço muito inferior ao respetivo valor de mercado (que era de 85.000,00 €), em benefício da empresa compradora e prejuízo da assistente e marido.
Ora, esta factualidade é já suscetível de integrar os elementos constitutivos do tipo objetivo do crime de abuso de poder previsto e punível pelo artigo 382.º do Código Penal, que dispõe: «O funcionário que, fora dos casos previstos nos números anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido …».
Por outro lado, pode ainda ler-se no requerimento de abertura da instrução, nomeadamente nos seus artigos 28º, 29º, 37º e 48º, o seguinte:
(sob o nº 28º) «O denunciado, quando notificou o Ministério Público, da venda e respectivas condições, ocultou propositadamente, que sabia que a assistente e seu falecido marido, não estavam ausentes em parte incerta e que tinha conhecimento da sua residência, do seu nº de telefone e do seu e-mail, pelo que violou, conscientemente, a obrigação de os notificar sobre a modalidade da venda…»;
(sob o nº 29º) «O denunciado voltou a violar conscientemente a obrigação de notificar o denunciante e esposa, na qualidade de executados, da aceitação e venda da proposta particular de compra do prédio penhorado pelo preço escandaloso de € 15.000,00…, o que fez em benefício ilegítimo do comprador e em prejuízo dos executados»;
(sob o nº 37º) «O denunciado praticou os referidos factos, no exercício das suas funções de agente de execução, abusando dos poderes e violando os deveres inerentes às suas funções, com manifesta intenção de obter um benefício ilegítimo para a empresa compradora…»;
(sob o nº48) «O denunciado…omitiu todas as diligências a que estava obrigado com a intenção…de beneficiar a empresa compradora, conduta que era proibida e punida por lei».
Tais afirmações são por sua vez suscetíveis de preencherem, sem esforço, o dolo específico exigido no crime de abuso de poder, na medida em que delas se retira a intenção de o agente obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, concretamente a intenção de obter benefício para a empresa compradora, causando prejuízo aos executados.
O que efetivamente não consta do requerimento de abertura da instrução é a alegação expressa e direta do dolo genérico, também exigido pelo tipo subjetivo do crime de abuso de poder, que se reporta ao conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, que mais não é do que a afirmação dos elementos cognitivo e volitivo do dolo.
A alegação factual deste dolo genérico é vulgarmente feita através de uma fórmula antiga, repetidamente empregue na prática judiciária, do tipo: «O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei».
Contudo, não é obviamente necessária a utilização desta fórmula ou de outra equivalente, para a afirmação da realidade que com ela se pretende transmitir.
É do conhecimento geral, do senso e experiência comum, que os elementos volitivo e cognitivo do dolo emanam, na generalidade dos casos, da mera descrição do iter criminis do arguido, ou seja, da narração da ação típica que lhe é objetivamente imputada, a não ser que se afirmem circunstâncias excecionais, suscetíveis de contrariar esse entendimento Cf., neste sentido, e entre outros, o acórdão do TRE, de 11.07.2013, proferido no processo nº 126/12.8GAMAC.E1, disponível em www.dgsi.pt/jtre..
Nesta perspetiva, e revertendo novamente ao caso sub judice, parece-nos ser indubitável que o elemento volitivo do dolo emana da factualidade alegada no requerimento de abertura da instrução, designadamente quando nele se descrevem ações voluntárias e conscientes por parte do arguido, como acontece quando se afirma: «O denunciado, quando notificou o Ministério Público, da venda e respetivas condições, ocultou propositadamente, que sabia que a assistente e seu falecido marido, não estavam ausentes em parte incerta e que tinha conhecimento da sua residência, do seu nº de telefone e do seu e-mail. (...) Voltou a violar conscientemente a obrigação de notificar o denunciante e esposa, na qualidade de executados, da aceitação e venda da proposta particular de compra»
Por sua vez, no que ao elemento cognitivo do dolo respeita, o conhecimento da ilicitude resulta da imputação ao arguido de condutas a que qualquer cidadão, com um mínimo de integração social, associa um caráter proibido e de reprovação social, como é, in casu, a venda de um prédio penhorado, no âmbito de uma execução, sem de tal dar conhecimento ao executado, cujo paradeiro é conhecido, omitindo-se esse conhecimento em todo o processo e agindo como se ele se encontrasse em parte incerta, com o objetivo de beneficiar o comprador, possibilitando a aquisição por preço inferior.
Efetivamente, e nas expressivas palavras de Cavaleiro de Ferreira Lições de Direito Penal, Parte Geral, 290.: «Conhecer para agir é sempre discernir, ajuizar e não só contemplar cada elemento objectivo do crime, sem simultânea apreciação da sua instrumentalidade, da sua inserção no processo finalístico da vontade. E é também por isso, como veremos, que a representação de todos os elementos componentes do facto pode equivaler, na generalidade dos crimes, à consciência da ilicitude, só se exigindo o conhecimento da proibição legal quando do conhecimento do próprio facto, em todos os seus elementos, não resulte implicitamente essa consciência da ilicitude (cit. art. 16º, nº 1)».
Nada impedindo assim que, quanto a este ponto, se vier a ser caso disso, em sede de decisão instrutória possa vir a introduzir-se uma formulação típica e mais conseguida do elemento subjetivo da infração, sem que seja cometida qualquer irregularidade, nos termos do artigo 303.º, n.º 1 do Código de Processo Penal Cf., no sentido de que o conhecimento da proibição de uma conduta resulta da simples prática dos factos, quando os mesmos são como tal entendidos pela generalidade das pessoas, também o já supra referido acórdão do TRE, de 11.07.2013, proferido no processo nº 126/12.8GAMAC.E1 e demais jurisprudência nele citada.
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De tudo assim decorrendo, que o requerimento de abertura da instrução satisfaz as exigências legais de indicação do crime imputado ao arguido e da narração dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança. Delimitando de forma suficiente o objeto do processo e, como tal, podendo conduzir, à luz dos princípios básicos constitucionais do acusatório e do contraditório, à pronúncia do arguido.
A instrução é pois legalmente admissível, procedendo o recurso.

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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e ordenando que o mesmo seja substituído por outro que, na ausência de qualquer outro motivo impeditivo, declare aberta a instrução, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
Sem tributação.
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Guimarães, 9 de janeiro de 2017
(Elaborado e revisto pela relatora)