Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
751/14.2GAFAF.G1
Relator: ALCINA RIBEIRO
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
NÃO COMUNICAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
REENVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I) Ocorrre alteração substancial, nos termos do artº 359º, do CPP, quando há uma alteração dos factos, não relevando a mera alteração da qualificação e quando esta alteração determina a imputação de crime diferente ao arguido ou a agravação das sanções aplicáveis.
II) No caso dos autos, foi aditado um facto relevante à decisão impugnada. Todavia, uma vez que tal facto não belisca a identidade do processo, na medida em que faz parte do mesmo "pedaço de vida" da facticidade vertida na acusação, o seu conhecimento pressupõe o recurso ao mecanismo previsto no artº358º, nº 1, do CPP para a alteração «não substancial dos factos», mecanismo que, in casu, não foi observado na 1ª Instância.
III) O não cumprimento das formalidades do citado artº 358º, nº 1, do CPP acarreta nulidade de sentença prevista no artº 379º, al. b) do mesmo diploma legal.
IV) tal nulidade tem como consequência a anulação do processado a partir do momento em que deveria ter sido efectuada a comunicação à arguida, nos termos do citado normativo, o que implica a reabertura da audiência para observância daquele preceito.
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

13

Acordam, os Juízes que compõem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. Por sentença proferida em 20 de Novembro de 2014, foi a arguida, Filomena J. condenada pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º, nº 1, do Código Penal, na pena de três meses de prisão, substituída pela pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de 6.00€, o que perfaz o montante de 540,00€.

2 - Inconformada com esta condenação, impugna-a, a Arguida formulando as conclusões que seguem:

«A. Como resulta dos autos a arguida foi condenada pelo crime de resistência e coação sobre funcionário;

B. Salvo melhor entendimento, mal andou o tribunal “a quo” ao considerar que tal factualidade dada como provada é suficiente para dar como preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo;

C. Pois, nos termos do artigo 347°, n.° 1, do Código Penal pratica o crime de resistência e coação sobre funcionário: «Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres»;

D. Do tipo objectivo deste crime fazem parte o fim da acção e o meio utilizado, sendo que, quanto ao primeiro o sujeito terá de se opor a que a autoridade pública exerça as suas funções e para tal terá de empregar violência ou ameaça;

E. O elemento objectivo relevante para este tipo de crime é o emprego de violência, a ameaça grave ou ofensa à integridade física, o que nos presentes autos não se verificou com a idoneidade que o tipo criminal exige;

F. Na fundamentação da decisão o tribunal “a quo” considerou que a arguida tentou impedir que o militar da GNR conseguisse interceptar o seu companheiro José A, e que empurrou e agarrou a camisa do guarda António C. para que este não pudesse deter o seu companheiro;

G. Contudo, da matéria de facto dada como provada não resulta que a arguida tenha alguma vez agarrado a camisa do guarda da GNR, apenas resulta que arguida o empurrou o guarda António C. pelas costas ao mesmo tempo que proferia as expressões constantes do ponto 4 dos factos provados.

H. Não resulta, também, dos factos provados que a arguida tenha tentado impedir que o guarda da GNR pudesse interceptar ou deter o José A..

1. O tribunal “a quo” ao fundamentar a sua decisão em factos que não constam da decisão sobre a matéria de facto inevitavelmente está condenar por factos diversos dos constantes da acusação e a conhecer de factos de que não podia, o que acarreta nulidade da sentença nos termos e para os efeitos do artigo 379.°, n.° 1, aIs. b) e c) do Código de Processo Penal, nulidade, esta que ora se argui para os devidos e legais efeitos;

]. Para a consumação do crime de resistência e coação, “necessário se torna que a acção violenta ou ameaçadora se/a idónea a atingir de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que essas acções os possam impedir de concretizar a actividade por estes prosseguida”.

K. Como resulta da matéria de facto apenas se deu como provado que arguida empurrou o guarda da GNR, não se tendo provado que o empurrão tenha causado qualquer sofrimento ou que possa ser considerado agressão física pois que não importou qualquer dor física para o militar.

L. Por isso, o empurrão desacompanhado de qualquer agressão física ou psicológica não representou qualquer perigo para a vida ou integridade física do militar da GNR.

M. Assim, o simples empurrão não pode ser dotado de idoneidade suficiente para inviabilizar a pretensão do agente da GNR que era identificar o José A..

N. O comportamento da arguida apesar de reprovável e injustificado não é idóneo a causar medo ou receio na actuação do agente da GNR, pois que, não foi o seu comportamento que o impediu que o José A. fosse identificado, mas o facto de ele se ausentar para o interior da loja para onde se dirigia;

O. Para comparação, numa situação em muito semelhante à dos autos e até com gravidade mais acentuada, o tribunal da Relação do Porto chamado a decidir um recurso em que o arguido em reacção à detenção disse “seus filhos da puta, eu vou-vos foder, eu mato-vos, vocês vão pagar por isto, estão fodidos”, ao mesmo tempo que esbracejava, empurrando, considerou que, à luz do apontado critério objetivo-individual, tal não consubstanciava um acto de força ou hostilidade idóneo a coagir dois membros de forças militarizada se de segurança. (Cfr. Ac. TR Porto de 17/004/2013, in, www dgsi. pt);

P. È entendimento da jurisprudência e da doutrina, que os agentes das forças policiais possuem especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que não assistem ao cidadão comum.

Q. O tribunal “a quo” ao ter considerado que estavam preenchidos os pressupostos legais, objectivos e subjectivos do crime de resistência e coacção fez errada interpretação do artigo 347°, n.° 1.0, do Código Penal.

R. Assim sendo, sempre ressalvando o máximo respeito por opinião diversa o tribunal deveria, como se impunha, decidir que não estavam preenchidos os pressupostos legais, objectivos e subjectivos, do crime de resistência e coação, e consequentemente decidido pela absolvição da arguida;

S. Ao não ter assim decidido violou a sentença o disposto no artigo 347°, n.° 1.°, do Código Penal».

3. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu ao recurso da arguida, pugnando pela manutenção do decidido

4. A Digna Procurador-Geral Adjunta, no parecer que emitiu, requer o reenvio do processo para novo julgamento, com fundamento na existência dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento de mérito do recurso.

II. MATÉRIA A DECIDIR

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões que os Recorrentes extraem da respectiva Motivação que delimitam o objecto do Recurso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

Donde, os temas a decidir são as seguintes:

1. Nulidade da sentença.

Na improcedência desta:

2. Insuficiência para a decisão de facto

3. Contradição insanável da fundamentação

III. A SENTENÇA RECORRIDA

A sentença recorrida decidiu a matéria de facto como a seguir se transcreve:

«A - Factos Provados:

Da audiência de discussão e julgamento resultou provada a seguinte matéria fáctica, pertinente para a decisão da causa:

1) No dia 24.10.2014, António C., Guarda da GNR no Posto Territorial de ..., encontrava-se em serviço de patrulha às ocorrências, tendo recebido uma comunicação para se deslocar à Rua M., sita nesta comarca de ..., em virtude de existirem desacatos naquele local;

2) Pouco depois de chegar ao local, António C., devidamente fardado e identificado como Guarda da GNR dirigiu-se ao arguido José A., com o intuito de proceder à sua identificação, sendo que este de imediato lhe disse, de forma a que, todos os que estivessem no local escutassem: "vai pró caralho", ao mesmo tempo que se afastava do local;

3) Perante tal atitude, António C. abeirou-se novamente do arguido, tendo este encostado o seu corpo ao corpo do Guarda da GNR, dizendo-lhe: "sabes quem eu sou? Vai-te foder", continuando de seguida a afastar-se do local;

4) Perante a insistência em proceder à identificação do arguido, a arguida Filomena aproximou-se de António C., empurrando-o pelas costas ao mesmo tempo que dizia: "que é que tu queres? Não o vais prender, eu apanho-te; Não o vais prender caralho, eu mato-te ".

5) Desta forma, conseguiu a arguida Filomena que o arguido José A. se ausentasse do local sem ser identificado;

6) Mais tarde, os arguidos acabaram por ser conduzidos ao Posto da GNR de ..., tendo o arguido voltado a dirigir-se a António C., em alta voz e dito: "estás a prender-me porque queres dinheiro; eu sei que vais mentir em tribunal; tu vais mentir, sois todos uns mentirosos";

7) A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que António C. era Guarda da GNR e que se encontrava no exercício das suas funções, querendo com o seu comportamento impedi-lo, de proceder a um acto, nelas compreendido;

8) A arguida bem sabia ser o seu comportamento previsto e punidos criminalmente, não se abstendo de os praticar;

Mais se provou que:

9) A arguida e o companheiro estão desempregados e recebem cerca de € 320,00 mensais de subsídio social;

10) Vivem em casa arrendada cuja renda ascende a € 180,00;

11) A arguida tem três filhos menores;

12) A arguida tem o 4º ano de escolaridade;

13) A arguida não regista antecedentes criminais.


***

B. Factos não provados

Não resultaram como não provados quaisquer factos com relevo para a decisão da causa.


***

Não deixaram de se provar quaisquer outros factos constantes da acusação pública, dos pedidos de indemnização civis e da contestação sendo certo que aqui não importa considerar alegações conclusivas ou de direito, que serão apreciadas em sede própria.

***

III – Convicção do Tribunal:

A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados resultou da análise crítica do teor do auto de notícia junto aos autos a fls. 02 e 03 bem como nos depoimentos prestados pelos militares da G.N.R. que foram intervenientes nos acontecimentos em causa nos presentes autos.

A arguida prestou as suas declarações que não lograram de todo convencer o tribunal, porquanto estavam em estrita contradição com os depoimentos prestados pelos militares intervenientes nos factos em apreço, designadamente que estava na rua como mera espectadora de uma discussão até que chegou a GNR e foi detida sem qualquer fundamento, sendo que as pessoas que estavam envolvidas no conflito não foram nem detidas nem chamadas ao posto da GNR.

Ora, no que respeita aos depoimentos das testemunhas, militares da G.N.R., António L., referiu que estava de patrulha e foi chamado ao local, Rua Montenegro, sendo que quando chegaram separaram as partes envolvidas em discussão para as identificar e se quiserem apresentarem queixa, até que uma pessoa pediu para identificarem José A. como testemunha. Mais referiu o militar que quando o interceptou para o identificar este o “tratou mal e como se estava a afastar do local, seguiu no seu encalço ao que a sua companheira, ora arguida empurrou-o por trás e começou a dizer que o não ia prender e que o matava”. Referiu, ainda, a testemunha que, não obstante ter dito à arguida para ter calma, esta continuou a andar atrás de si, a empurrá-lo e a puxá-lo, até que se colocou à frente da porta da loja onde o seu companheiro tinha entrado para impedi-lo de entrar e exercer as suas funções. Entretanto o militar da GNR pede reforços, e quando os reforços chegam dá-lhe voz de detenção à arguida, reagindo esta de forma exaltada, gritando em voz alta que “a iam prender para a levar para o posto e aí lhe baterem”.

Este depoimento foi de todo corroborado de forma isenta e credível pelo militar Tiago T., que viu a arguida a empurrar o colega e ela colocar-se à frente da porta de um estabelecimento para impedir que chegassem ao companheiro, esclarecendo que a partir do momento em que há um empurrão e a arguida agarra simultaneamente o militar seu colega há perigo de continuação da violência pois inclusive a arguida ficou com uma fechadura na sua mão que lhe entregou o seu companheiro.

Na verdade, os militares da GNR revelaram-se imparciais e credíveis, tendo relatado de forma clara e temporalmente lógica a sequência dos factos praticados pela arguida.

Ao invés, no que respeita às testemunhas arroladas pela arguida quanto à dinâmica dos factos, verificamos que as mesmas não presenciaram o desenrolar de todos os factos, mas apenas fragmentos tanto que as testemunhas estavam directamente relacionadas com a discussão que estava a decorrer, logo com interesse no conflito entre duas pessoas e já não com os factos ocorridos entre a arguida e os militares da GNR.

Com efeito Diana V. disse ter havido “porrada entre mulheres em que uma delas era a sua irmã e que quando chegou ao local, a confusão já tinha começado”! Afirmou a testemunha que não viu empurrão nenhum mas apenas a arguida a dizer para um dos militares da GNR “larga o meu marido” até entretanto chegaram mais militares e a empurraram para o jipe.

Mónica V., interveniente directa na discussão confirmou o depoimento da sua irmã, relatando os factos de forma imprecisa e incoerente, deixando dúvidas no tribunal em como poderia ter ouvido a arguida a dizer para os militares deixarem o marido em paz, quando ela própria estava a ser injuriada e agredida.

Por sua vez a testemunha José M. cujo depoimento não foi de todo credível, pois tomando o lugar onde afirmou se encontrar a presenciar os factos, não tinha capacidade humana para ouvir o que descreveu face à distância em que se encontrava.

Quanto aos antecedentes criminais foi valorado o Certificado de Registo Criminal junto aos autos de fls. 83 e as suas condições económicas e sociais o Tribunal tomou em consideração as declarações da arguida fazendo fé pública na veracidade das mesmas, inexistindo nos autos quaisquer elementos que as contradigam».

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Nulidade da sentença

Suscita a recorrente a nulidade de sentença prevista no artigo 379º, nº. 1, al. b) e c), do Código de Processo Penal, porquanto o tribunal a quo atendeu a factos que não constam na acusação, nem no elenco dos factos provados, conhecendo, assim, de matéria que lhe estava vedada.

Vejamos, então:

A fls. 95 e 96 da decisão recorrida lê-se:

«No caso em apreço verifica-se que a factualidade provada permite concluir que a arguida tentou impedir que o militar da GNR conseguisse interceptar o seu companheiro José A., resistindo à actuação dos militares, aos quais, enquanto militares da G.N.R, incumbe de modo especial a manutenção da ordem, segurança e tranquilidades públicas, que se encontravam devidamente fardados.

Mais se verifica que «a arguida empurrou e agarrou a camisa do Guarda da GNR António C., para que este não pudesse deter o seu companheiro».

Esta factualidade não está enumerada nos 13 pontos de facto constantes no item A do Capitulo II da sentença, o que, a nosso ver e salvo melhor opinião, não significa que não tenha de se considerar provado, no contexto da redacção da sentença recorrida.

Está demonstrado em primeira instância que a arguida Filomena se aproximou de António C. (militar da GNR) para impedir a identificação do arguido José A..

Na verdade, António C. tentou identificar o arguido, pela forma descrita nos pontos de facto nº 1 a 3 e, foi perante esta insistência para proceder à identificação José A., que a recorrente se aproxima do agente de autoridade (primeira parte do ponto de facto nº 4), querendo com este comportamento impedi-lo de praticar o acto de identificação (facto nº 7), tendo conseguido que o arguido se ausentasse do local sem ser identificado pela GNR (facto nº 5).

Não restam, pois, dúvidas, que o comportamento da arguida se destinava a impedir que António C. procedesse à identificação de José A..

Para tanto, a arguida empurrou António C. pelas costas, ao mesmo tempo que dizia: “que é que tu queres? Não o vais prender, eu apanho-te; Não o vais prender caralho, eu mato-te” (facto nº 4).

E, segundo o tribunal recorrido, a mesma arguida agarrou a camisa do Guarda da GNR (fls. 96), facto que foi valorado no enquadramento jurídico-penal da factualidade provada.

Pode, assim, afirmar-se que o tribunal recorrido deu como assente que a arguida agarrou a camisa do guarda da GNR, muito embora não figure autonomizado na descrição dos factos provados nºs 1 a 13.

E, a ser, assim, assiste razão à recorrente, quando afirma que o tribunal valorou factos não descritos na acusação.

É por demais sabido que, num processo penal, com estrutura acusatória, como é o nosso, se exige uma necessária correlação entre a acusação e a sentença, de molde a assegurar todas as garantias de defesa do arguido.

Porém, nem sempre a acusação - com a narração sintética dos factos (artigo 283º, do Código de Processo Penal) - consegue descrever toda a matéria circunstancial em que decorreu ilícito imputado ao agente, vindo esta a ser conhecida em momento posterior, surgindo então, uma alteração (aditamento e/ou eliminação) dos factos submetidos a julgamento.

Para estes casos, há que distinguir se a alteração de factos é substancial ou não substancial, para efeitos dos artigos 358º e 359º, do Código de Processo Penal.

O artigo 1º, al. f), do Código de Processo Penal define a alteração substancial dos factos, como «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».

Só a mudança factual que tem como consequência a imputação ao agente de um crime diverso ou agrave os limites máximos das sanções aplicáveis constitui uma alteração substancial, nos termos do artigo 359º, do Código de Processo Penal.

Quando tal não aconteça – a alteração dos factos não tem aquele efeito de imputação de crime diverso ou agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis – estamos perante uma alteração não substancial dos factos (cf. artigo 358º, do Código de Processo Penal).

Se os factos descritos na acusação ou na pronúncia forem qualificados juridicamente de forma diferente, a modificação segue o disposto no artigo 358º, nº 1, do Código Penal, como decorre do nº 3, do mesmo preceito e diploma. Ou seja, a qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação aplica-se o regime da alteração não substancial dos factos.

Porém, há situações, como a dos presentes autos, em que o tribunal para além de alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação de forma diferente, lhe adita os factos que vieram a ser conhecidos no decorrer do julgamento.

Neste caso, há que ponderar duas possibilidades.

- A diversa qualificação jurídica resulta directa e necessariamente do aditamento dos factos novos à acusação. Sem estes, não era possível integrar a conduta do agente no novo ilícito penal.

- Os factos descritos na acusação permitem uma outra qualificação jurídica, independentemente da existência ou não da factualidade acrescentada.

No primeiro caso, estaremos perante uma alteração substancial de factos (a alteração factual tem como efeito a imputação ao agente de um crime diverso ou agravamento dos limites máximos das sanções abstractamente aplicáveis), no segundo estaremos perante uma alteração não substancial.

Pode, assim afirmar-se que quando os factos aditados e/ou eliminados são inócuos para a qualificação jurídico-criminal, estaremos perante uma alteração não substancial.

Daí que, se a acusação é manifestamente infundada – os factos que menciona são insuficientes para a condenação - o aditamento factual para sanar aquele vício configura uma alteração substancial de factos.

Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 9 de Julho de 2008 (www.dgsi.pt, local onde poderá ser visionada a jurisprudência a que de futuro nos referiremos, sem alusão contrária):

«E então não estamos perante uma alteração substancial quando:

- os novos factos pertencem ao mesmo facto histórico unitário, ao mesmo pedaço de vida, composto por todas as acções do agente de conteúdo semelhante e proximidade espácio-temporal;

- apenas se alteram determinadas circunstâncias do crime, desde que estas não constituam elementos do tipo nem determinem o surgimento de um outro facto histórico (ex., discrepância do instrumento do crime, discrepância entre acordo prévio expresso relativamente ao cometimento do crime e acordo tácito, discrepância quanto ao local onde ocorreu este acordo);

- o bem jurídico protegido pelo crime imputado abrange aquele que resulta dos novos factos (ex., a autoria abrange a cumplicidade, o facto cometido com dolo directo abrange o dolo eventual, o dolo do homicídio abrange o dolo de ofensas corporais);

(…).

Recordando, tanto quanto se retira da letra da norma ocorre alteração substancial dos factos quando:

1º - há uma alteração dos factos, não relevando a mera alteração da qualificação; e

2º - esta alteração determina a imputação de crime diferente ao arguido ou a agravação das sanções aplicáveis, isto é, a alteração substancial tem que respeitar a factos constitutivos de crimes ou a factos que determinem a agravação do máximo das sanções aplicáveis.

Caso os novos factos se enquadrem no mesmo tipo legal mas agravem o limite máximo das sanções há alteração substancial. Se os novos factos determinam a imputação de crime diferente do acusado também há alteração substancial, sem mais, não havendo lugar ao recurso ao outro critério, da agravação da sanção».

No caso concreto, o facto aditado - a arguida agarrou a camisa do Guarda da GNR – e relevante para a decisão, não importa uma alteração substancial, porque não belisca a identidade do objecto do processo, na medida em que fazem parte do mesmo “pedaço de vida” dos factos da acusação nos nºs 1 a 7, qual seja o comportamento da arguida para impedir a identificação de José A..

Este facto tem com os demais vertidos na acusação, «uma relação de unidade sob o ponto de vista subjectivo, histórico, normativo, finalista, sociológico, médico, temporal, psicológico, etc.”.; fazendo parte do denominado «objecto do processo em sentido amplo». Não tem como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (isto é, não contendem com a identidade do objecto do processo), mas, por serem relevantes para a decisão, o seu conhecimento pressupõe o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358 nº 1 do CPP para a alteração «não substancial de factos» – (cf.. Marques Ferreira, Da Alteração dos Factos Objecto do Processo Penal, RPCC, ano I, tomo 2, pág. 226), mecanismo esse que, in casu, não foi observado pela primeira instância.

O não cumprimento das formalidades do artigo 358º, nº1, do Código de Processo Penal acarreta a nulidade de sentença prevista no artigo 379º, al. b), do mesmo diploma, arguida pelo recorrente.

Tal nulidade tem como consequência a anulação do processado a partir do momento em que deveria ter sido efectuada a comunicação à arguido, nos termos do já citado artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal, o que implica a reabertura da audiência para observância daquele preceito.

Esta decisão prejudica as demais questões suscitadas.

V – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Penal desta Relação declarar a nulidade da sentença proferida em primeira instância, com anulação do processado a partir do momento em que deveria ter sido efectuada a comunicação à arguido, nos termos do artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal, reabrindo-se audiência para observância deste preceito.

Sem custas.

Guimarães, 27 de Junho de 2016

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Alcina da Costa Ribeiro

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Luís Coimbra