Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1710/21.4T8VRL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
NULIDADE DE DESPACHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- A irregularidade processual decorrente de falta de cumprimento do contraditório só gera a nulidade do acto caso tenha influência na decisão da causa.
II- O erro na forma de processo, por princípio, implica apenas a convolação para a forma adequada, aproveitando-se os actos possíveis – 193º CPC. No caso da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento tal não se afigura adequado. Inexistindo petição inicial nada há a aproveitar. A apresentação do formulário a que se alude no art. 98º-C do CPT desencadeador da acção, não contém, desde logo, uma exposição dos factos e das razões de direito que servem de fundamentação à acção.
III- Proferida decisão, esgota-se de imediato o poder jurisdicional do juiz, independentemente da existência de caso julgado formal. Assim, havendo decisão inequívoca anterior sobre determinada questão - no caso erro sobre a forma de processo-, está o tribunal a quo impedido de novamente a analisar- 613º, 1, CPC. Não podendo pronunciar-se de novo, fica prejudicado a invocação da nulidade do despacho que não revê a decisão anterior para a qual remete.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR: M. R..
RÉ – Centro Social e Paroquial …”, pessoa colectiva religiosa.
A autora apresentou requerimento/formulário destinado a iniciar a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, conforme artigo 98º-C/1, 98º-D, CPT.
Juntou documento escrito subscrito pela entidade empregadora em que esta comunica à autora, por carta registada com AR datada de 21-07-2021, a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar o seu trabalho, nos termos da alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho.

Consta do referido documento:
”…o contrato de trabalho que estava em vigor com V.exa, na qualidade de Directora Técnica da instituição, contendia manifestamente com o disposto nos artigos 11º e 12º da Portaria 62/2012 de 21 de Março- diploma que define as condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer as estruturas residenciais para pessoas idosas- de onde resulta que o quadro de pessoal exigido para 30 utentes deve contemplar obrigatoriamente um Director Técnico a tempo inteiro, o que aliás decorre do relatório inspetivo de 2019 do Departamento de Fiscalização do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais da Segurança Social….Nesta senda a falta de disponibilidade de V.exa. para desempenhar o cargo de Directora Técnica a tempo inteiro, durante 35 horas semanais distribuídas por 7 horas diárias…configura impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar o seu trabalho, na acepção da alínea b, do artigo 343 do Código do Trabalho…o que constituiu causa de caducidade do contrato de trabalho…”
Na audiência de partes frustrou-se a conciliação.
Após, veio a empregadora, por requerimento, requer a sua absolvição da instância, por ser aplicável à pretensão da trabalhadora outra forma de processo.
Em 27-09-2021, foi proferido despacho considerando que existe erro na forma de processo, absolvendo a ré da instância.

DESPACHO RECORRIDO (DISPOSITIVO):
Em face do exposto, ao abrigo dos referidos preceitos legais, decide-se anular todo o processado e, consequentemente absolver a ré/empregadora, da instância.
Custas, se devidas, a cargo do autor/trabalhador, fixando-se o valor da causa em €2.000,00 – cfr. art. 98º-P, nº. 1, do Cod. Proc. Trabalho e alínea e) do nº. 1 do art. 12º do RCP.
Notifique e advirta-se a autora/trabalhador de que, querendo, deverá instaurar a acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, no prazo de um ano a contar do dia seguinte à data da cessação do contrato de trabalho, sob pena de, não o fazendo, operar a prescrição dos créditos que eventualmente tenha em virtude da vigência e da cessão do invocado contrato de trabalho, nos termos do disposto no art. 377º, nº. 1 do Código do Trabalho.”

Entretanto, em 29-09-2021, veio a autora responder e opor-se ao pedido de absolvição de instância formulado pelo réu.

Em 4-10-2021, foi proferido despacho sobre esta resposta com o seguinte teor (SEGUNDO DESPACHO RECORRIDO):

O Tribunal atentou nos argumentos apresentados pela autora quanto ao vício processual de erro na forma de processo, de conhecimento oficioso e a todo o tempo pelo Tribunal, sendo que os mesmos não teriam a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida, no âmbito da natureza urgente dos presentes autos (art.º 26.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho).”
A autora interpôs recurso dos dois despachos acima referidos.

CONCLUSÕES DO RECURSO:

1. A Recorrente impugna a sentença, que absolveu o Réu da Instância, desde logo porque houve clara violação do princípio do contraditório previsto no art. 3.º do CPC, geradora do vício de nulidade; houve inesperada, inoportuna, precipitada e injustificável revogação do despacho proferido, dias antes, na audiência de partes, que não tinha merecido qualquer reclamação ou impugnação, pelo que, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo não exerceu do modo mais sábio, razoável, tempestivo e eficaz o dever de gestão processual previsto no art. 6.º do CPC, inviabilizando, por isso, o útil aproveitamento do processado, se os autos prosseguissem normalmente, por mais uns breves dias até à apresentação dos articulados ordenada por aquele despacho (não impugnado); e houve erro na análise e interpretação da carta de despedimento e, por conseguinte, na aplicação do art. 387.º do CT, do art. 98.º-C/1 do CPT e demais normas processuais citadas na sentença recorrida.

2. A Recorrente impugna também o despacho proferido em 04-10-2021, pelas razões adiante explicitadas.

3. A presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento teve início com a apresentação do formulário previsto nos arts. 98-C/1 e 98-D do CPT, tendo sucedido que a Secretaria do Tribunal não recusou o recebimento do formulário (cf. art. 98-E do CPT) e o Meritíssimo Juiz a quo, cumprindo o disposto no art. 98-F do CPT, entendeu não indeferir liminarmente o requerimento, com a carta de despedimento, o que podia fazer nos termos e com os efeitos previstos no art. 590/1 do CPC, e designou data para audiência de partes (art. 98-F do CPT).
4. Ou seja, antes de fixar a data para a audiência de partes, o Meritíssimo Juiz a quo não descortinou a existência de qualquer exceção dilatória que devesse conhecer oficiosamente, fosse a de erro na forma do processo, fosse outra, isto apesar de ter nos autos a carta de despedimento, em cujo teor veio sustentar a absolvição do Réu, na sequência do articulado anómalo deste.
5. A audiência de partes foi realizada no dia 14 de setembro de 2021, começando a correr o prazo de 15 dias, fixado no douto despacho exarado na ata, para que o Réu apresentasse o articulado motivador, sob as cominações legais.
6. Sucedeu que, em vez de cumprir o que lhe foi ordenado por despacho, o Réu, no dia seguinte, apresentou nos autos um requerimento/articulado, concluindo a pedir a absolvição da instância.
7. O ilustre Mandatário do Réu deu cumprimento à norma do art. 221/1 do CPC, pelo que a Mandatária da Autora se considera notificada do requerimento/articulado em 20-09-2021 e, por isso, o prazo para o exercício do contraditório cessaria no dia 30-09-2021, tendo apresentado a sua resposta/impugnação no dia 29-09-2021.
8. A sentença recorrida foi proferida em 27-09-2021, tendo a Mandatária da Autora sido notificada dela no dia 30-09-2021.
9. Esta notificação da sentença cruzou-se, no trânsito das remessas, com o envio daquele requerimento de resposta/impugnação da Autora para os autos.
10. A sentença recorrida foi motivada pelo requerimento/articulado do Réu, como dela resulta, ao afirmar, no seu segundo parágrafo, que “a entidade empregadora vem requerer que, sendo aplicável à pretensão da trabalhadora outra forma de processo, se abstenha o Tribunal de conhecer do pedido, absolver da instância a empregadora e informar a trabalhadora do prazo que dispõe para intentar ação com processo comum (artigo 98.º - I n.º 3 do CPT); cumpre apreciar”.
….
12…. a sentença recorrida, além do mais, violou, injustificada e inexplicavelmente, o direito ao contraditório consagrado no art. 3/3 do CPC, incorrendo na ilicitude prevista nesta norma, vício que obviamente era (e foi!) suscetível de influir no exame da questão e na decisão proferida (vd. infra).
13. Ora, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, produzem a nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, como prescreve o art. 195/1 do CPC.
.....
19. O art.. 61/1 do CPT, acabado de citar, sob o título “suprimento de exceções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos articulados”, manda que “findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador nos termos e para os efeitos dos n.os 2 a 7 do artigo 590.º do Código de Processo Civil (…)”; e este arr. 590/2 do CPC, impõe que “findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a (a) providenciar pelos suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º2 do artigo 6.º”; por sua vez, este art. 6/2 do CPC, que se reporta ao “Dever de Gestão Processual”, diz que “o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”

21. E tal juízo de censurabilidade e de falta de oportunidade não provêm só da direta violação ou desrespeito do regime legal invocado, pois acresce que havia claras vantagens ou conveniência para a celeridade dos autos que o exercício do dever de gestão tivesse sido exercido de modo sábio, razoável e eficaz para a realização da justiça.
22. Na verdade, não fora a intempestividade ou a precipitação verificadas e a pronúncia sobre o eventual erro na forma do processo ocorresse, de acordo com aquelas normas, apenas na fase do saneador ou na audiência prévia, a consequência, no caso de procedência, sempre implicaria o aproveitamento do processado (cf. art. 193/1 do CPC), o que não prejudicava a adequação da tramitação posterior que o falado dever de gestão processual sempre permitiria (vd. tb. art. 547 do CPC).

24. A Autora remeteu aos autos, no dia 29/09/2021 (antes de recebida a notificação da sentença), a sua resposta/impugnação (cf. ref. Citius 2701256) ao requerimento/articulado do Réu, que motivou a sentença.
25. Sobre aquele requerimento/impugnação, foi proferido despacho que, no respeitante à questão em análise, se limita a dizer que “o Tribunal atentou nos argumentos apresentados pela autora quanto ao vício processual de erro na forma de processo, de conhecimento oficioso e a todo o tempo pelo Tribunal, sendo que os mesmos não teriam a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida, no âmbito da natureza urgente dos presentes autos (art.º 26.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho).
….
27. É que o despacho peca, desde logo, por falta de fundamentação, pois não refere nenhum dos “argumentos” ou fundamentos da impugnação da Autora, nem tampouco a sentença recorrida o faz, pelo que o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que estava obrigado a conhecer.
28. Por isso o despacho é nulo (cf. 613/3 e 615/1/b do CPC).
…35. Ficará claro que a caducidade invocada no início da carta de despedimento não passa de um “truque”, que será desmascarado quando se expuserem e comprovarem as reais motivações para o despedimento.
….37. É facto que a carta de despedimento invoca a “caducidade”, mas esta expressão não altera minimamente a natureza do conteúdo ou o resultado (a decisão da vontade) subjacente a essa “forma”, uma vez que, como é sabido, tem de imperar o princípio da primazia da realidade subjacente à “forma de expressão”.
38. Ora, a expressão “caducidade”, no contexto, não tem o condão de fazer desaparecer os fundamentos de facto que o Réu explana na sua decisão de despedir e expressa ou aflora na sua comunicação do despedimento.

40. Ora, essas acusações ou imputações à Autora, além de jamais poderem gerar a caducidade, são falsas e cerceiam mentirosamente a verdade: ao contrário do que o Réu diz na decisão do despedimento, a Autora respondeu à última carta dele recebida (antes da notificação do despedimento), como também se demonstrará na contestação do articulado motivador e foi alegado na resposta/contestação da Autora.
….50. Está fora de dúvida de que o citado regime do Código do Trabalho define a caducidade como impossibilidade superveniente absoluta e definitiva para a continuidade do vínculo, ou seja, é indiscutível que tal impossibilidade tem de revestir cumulativamente a sua natureza de superveniente, definitiva e absoluta.
51. Em fim, a sentença recorrida merece censura e, por isso, deve ser revogada também por erro na análise e interpretação dos factos ou motivações expressas na carta de despedimento e, em consequência, por erro de aplicação dos art. 387 do CT e do art. 98-C/1 do CPT.
Nestes termos e nos demais de direto, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença e o despacho recorridos e ordenando-se o normal prosseguimento, …

CONTRA-ALEGAÇÕES DO RÉU:
Defende-se a manutenção das decisões recorridas.
Parecer do Ministério Público: propugna-se pela manutenção das decisões recorridas.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÃO A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)): apurar se existe erro na forma do processo e, em caso afirmativo, consequências que daí resultam; nulidade, por falta de contraditório, do despacho que decretou a absolvição da instância; nulidade do despacho proferido em 4-10-2021.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:
São os constantes do relatório.

B) DO ERRO NA FORMA DO PROCESSO

A acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento é um processo especial com uma tramitação específica e figurino muito diferente da acção comum, revestindo natureza urgente. Está regulada nos artigos 98º-B a 98º-P do CPT.
Segundo o disposto no artigo 98º-C/1, CPT, esta tramitação é apenas aplicável, nos termos do artigo 387º do CT, aos casos “…em que seja comunicado por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação…”
Ou seja, o legislador, independentemente das críticas que se possam tecer sobre a exclusão de outras situações carecidas de tutela, restringiu o uso desta acção ao despedimento disciplinar, ao despedimento por extinção de posto e ao despedimento por inadaptação, desde que comunicados por escrito.
Ficam de fora uma multiplicidade de situações subsumíveis noutras causas de cessação do contrato de trabalho (340º CT), ainda que comunicadas por escrito e, ainda que, à partida, exista alta probabilidade de êxito na impugnação da legalidade da cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador.
Assim, por exemplo, são excluídas desta acção as situações em que é comunicada, ainda que por escrito, a cessação do contrato tratado como sendo de serviços e que o trabalhador classifica como sendo de trabalho.
Ficam também de fora os casos de abandono de trabalho, ainda que não se verifiquem os seus pressupostos (403º CT).
São excluídos da tramitação da acção os despedimentos verbais.
Por último, ficam de fora inúmeras situações em que o trabalhador entende que não há motivo justificativo para o empregador invocar a respectiva caducidade (2), como por exemplo a inexistência de termo, ou a inexistência de situações subsumíveis numa impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber- 340º, a), 343º CT.
A impossibilidade superveniente pode ser física ou legal, consoante seja consequência de um impedimento do sujeito da relação (ex. surdez de telefonista), ou de uma determinação legal, mormente ligada a requisitos e habilitações que o trabalhador deixa de ter no decurso da relação laboral, de que é exemplo paradigmático a retirada da carteira profissional (não se trata de um vício originário do contrato, que, a existir, determinará, antes, a nulidade do contrato) (3).
Ora, no caso dos autos é precisamente invocada uma situação de caducidade por impossibilidade superveniente legal, em razão de, alegadamente, a trabalhadora não reunir os requisitos legais exigíveis a lares com capacidade superior a 30 residentes, em que as funções de Directora Técnica têm de ser exercidas a 100%, ou seja, em 35 semanais, conforme artigo 11º da Portaria 62/2012 de 21 de Março.
A comunicação de despedimento é uma declaração negocial que vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele - 236º CC. Consagrou-se a teoria objectivista da impressão do destinatário, valendo a declaração com o sentido que um destinatário comum e mediano lhe daria.
Ora, objectivamente, no documento de cessação de contrato de trabalho comunica-se uma caducidade, mencionando-se, inclusive, as normas legais que se lhe adequam.
Ao contrário do referido pela trabalhadora (inclusive na resposta à excepção arguida) e nos termos supra referidos, não cabe aqui discutir se ocorreu ou não uma impossibilidade superveniente do contrato e se a cessação é válida.
Releva apenas o facto de a causa invocada para a cessação do contrato não se subsumir aos casos taxativamente previstos para o recurso a esta acção especial (despedimento disciplinar, extinção do posto trabalho, inadaptação) - 98º-C, CT. Aplicando-se o processo comum aos casos a que não corresponda processo especial, onde serão discutidos todos os aspectos questionados pela trabalhadora, incluindo a verificação da ocorrência ou não de uma situação de caducidade por impossibilidade superveniente- 48º, 3, CPT.
Repare-se que esta acção especial idealiza-se como um processo célere em que a litigiosidade se resuma à irregularidade e/ou ilicitude de um despedimento clara e expressamente assumido pela empregadora como tal, não se estendendo a averiguação a outros aspectos laterais, independentemente na bondade da opção legislativa (4).
Ocorre, assim, um erro na forma de processo, nulidade/excepção, aliás de conhecimento oficioso -193º, 196º, 278º/1/b, CPC.
Refere a trabalhadora que o tribunal se precipitou e que se a acção tivesse continuado poderia ser aproveitada. Ora, esta não é a maneira certa de ver as coisas. O erro na forma do processo pode ser apreciado a todo o tempo até à sentença final, incluindo antes do despacho saneador -200º CPC. Pode ser apreciado por iniciativa do tribunal ou a requerimento da parte-193º e 196º CPC. É aliás desejável que seja apreciado o mais cedo possível, por economia processual. O que a trabalhadora pretende é usar uma forma de processo urgente e mais facilitadora para uma situação que por ela não é abrangida.
Concorda-se com o tribunal a quo quando se refere que a grande diferença tramitacional das acções em confronto (a especial e a comum), implica a anulação de todo o processado e a absolvição da instância - Viriato Reis e Diogo Ravara, A ação especial de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento: questões práticas no contexto do novo código de processo civil, in A ação especial de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento: questões práticas no contexto do novo código de processo civil, CEJ, e-book, 2015).
Isto porque, embora o erro na forma de processo, por princípio, implique a mera convolação para a forma adequada, no caso tal não se afigura adequado, também face ao estado embrionário da acção, sem actos que possam ser aproveitados, inexistindo sequer petição inicial.
Na verdade: “estando-se como se está numa fase inicial do presente processo, verifica-se que o requerimento inicial deduzido pela A. mediante a apresentação do formulário a que se alude no art. 98º-C do Cod. Proc. Trabalho, não contém, desde logo, uma exposição dos factos e das razões de direito que servem de fundamentação à acção, o que constitui um dos requisitos da petição de acordo com o estabelecido na al. d) do n.º 1 do art. 467º do Cod. Proc. Civil e que aqui é aplicável por força do disposto no art. 1º n.º 2 al. a) do Cod. Proc. Trabalho, não sendo, por isso, possível, a aludida convolação processual; iv. Nada obsta ao indeferimento liminar do requerimento inicial nas aludidas circunstâncias, não merecendo censura a decisão recorrida” (5).
Para além de existirem outras diferenças importantes referentes ao prazo maior de um ano para a propositura da acção comum, em confronto com o menor para a apresentação de formulário para desencadear a presente acção especial.
Improcede este recurso.

Nulidade do despacho que absolveu a ré da instância, em razão de falta de cumprimento do contraditório:
A trabalhadora insurgiu-se porque o tribunal a quo decidiu a questão do erro na forma de processo, arguida pela empregadora, sem esperar pela sua resposta, em violação do princípio do contraditório.
As causas de nulidade das sentenças e, com as necessárias adaptações, dos despachos estão taxativamente previstas na lei- 615º, 613º, 3, CPC.
São elas a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a contradição entre os fundamentos e a decisão, a ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, a omissão ou o excesso de pronúncia sobre questões a decidir e a condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Portanto, a falta de contraditório não faz parte dos referidos fundamentos de nulidade das decisões judiciais.
É recorrente a confusão entre as referidas nulidades da decisão e as nulidades processuais.
As nulidades processuais ocorrem quando o juiz omite um acto ou formalidade que a lei prescreve ou pratica um acto que a lei veda - 195º CPC. A forma de reagir contra este vício é a arguição de nulidade e não o recurso. É também diferente o seu regime de arguição (feito na própria instância), o prazo (geral de 10 dias) e as consequências (diversas, desde a anulação do acto e dos subsequentes até à sua irrelevância se o vício em nada influir), regime regulado em termos gerais nos artigos 195º a 202º CPC.
Aceita-se, contudo, que em algumas situações a parte possa arguir a nulidade no requerimento de interposição do recurso, por uma questão de economia, sendo a recurso útil em caso de improcedência da nulidade. Abarcam-se os casos em que a parte apenas se apercebe da nulidade processual quando esta é revelada com a notificação da própria decisão, da qual depois se recorre. Como por exemplo, precisamente, quando a decisão final constitua uma decisão surpresa sem ser precedida do contraditório que a lei processual imponha (6).
No caso, estaríamos perante uma nulidade processual e não da decisão judicial, mas aceitamos a sua arguição em sede de recurso nos termos expostos.
Conhecendo agora da nulidade processual:
Não obstante a questão ser do conhecimento oficioso, a trabalhadora tem razão, porque lhe foi vedado o direito de pronúncia sobre o erro na forma do processo, arguido pela empregadora. O facto de o tribunal poder decidir a questão por sua própria iniciativa não invalida a obrigatoriedade legal de audição prévia de ambas as partes, evitando-se decisões surpresa e permitindo-lhes a exposição das razões de facto e de direito – 3º, 3, CPC.
Ocorreu-se assim uma nulidade por omissão de acto que a lei prescreve (audição de uma das partes, violando-se o princípio do contraditório) – 195º, 1, cPC
Contudo, trata-se de uma irregularidade não expressamente cominada com nulidade e sem influência na decisão da causa, pelos motivos acima referidos, já que a decisão sempre seria idêntica. O requerimento da trabalhadora não contém materialidade que conduza à alteração da decisão, limitando-se a insistir que ocorreu despedimento e não caducidade. Assim, o vício, no caso, não produz o efeito de nulidade.

A nulidade do despacho proferido em 4-10-2021:
Refere a recorrente que o despacho peca, desde logo, por falta de fundamentação, pois não refere nenhum dos “argumentos” ou fundamentos da impugnação da Autora.

Relembramos o teor integral do despacho em causa:
O Tribunal atentou nos argumentos apresentados pela autora quanto ao vício processual de erro na forma de processo, de conhecimento oficioso e a todo o tempo pelo Tribunal, sendo que os mesmos não teriam a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida, no âmbito da natureza urgente dos presentes autos (art.º 26.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho).”
Em bom rigor, o despacho em causa não se pronuncia de novo sobre a questão do erro na forma de processo, limitando-se a referir que já se atentou nas razões apresentadas, remetendo para a decisão anterior.
Aliás, tendo sido proferido despacho anterior sobre a questão, estava esgotado o poder jurisdicional do juiz- 613º, CPC.
O despacho anterior datado de 27-09-2021 incidiu sobre a relação processual (absolvição da instância), pelo que, logo que transitado em julgado, adquiriria força obrigatória dentro do processo, geradora de caso julgado formal. O que significa que teria de ser cumprido e respeitado nestes autos, não podendo a decisão anterior ser alterada - 620º, 1, CP. Note-se que o despacho em causa é inequívoco e contém correcta e adequada fundamentação sobre a decisão tomada.
Donde, o juiz a quo não poderia sequer pronunciar-se novamente sobre a mesma questão, por esta já ter sido decidida previamente (não se verificando os casos excepcionais de rectificação de erro material, supressão de nulidades e reforma - 613º, 2, CPC).
É certo que a trabalhadora recorreu do primeiro despacho de absolvição da instância e, por isso, não há ainda caso julgado formal, excepção dilatória de conhecimento oficioso, que, a ocorrer, levaria a que a esta Relação não conhecesse sequer deste recurso – 576º, 2, 578º, 608º e 663º, 2, CPC.
Mas, independentemente disso, o esgotamento do poder jurisdicional do juiz é imediato e não depende da existência de caso julgado formal, pelo que havendo decisão inequívoca anterior sobre determinada questão, está o tribunal a quo impedido de novamente a analisar – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 4º ed., Almedina, p. 731
Ora, não podendo o juiz a quo, nos termos supra ditos, pronunciar-se de novo sobre a irregularidade da forma de processo, fica prejudicado a invocação da nulidade do despacho em causa. Se ao juiz não é lícito sequer proferir novo despacho revendo decisão anterior, logicamente a este não lhe podem ser apontados vícios de falta de fundamentação.
Improcede a arguição.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso- artigos 87º do CPT e 663º do CPC.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
20-01-2022

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. Albino Mendes Baptista, A nova acção de impugnação do despedimento…”, 1ª ed., p. 74.
3. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II- Situações Laborais Individuais, 4ª ed., Almedina, p. 784, 788 a 790
4. Ac.s da RE: de 12-09-2018 (caso semelhante em que a comunicação do empregador é explícita, ao referir caducidade do contrato de trabalho,) e Ac. de 20-06-2013 (onde se invoca caducidade igualmente), www.dgsi.pt.
5. Ac. RE de 20-06-2013, www.dgsi.pt
6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2, 4ª ed., p, p. 739.