Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
43621/19.2YIPRT.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
PROCEDIMENTO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA
CONTRATO DE MANDATO FORENSE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – São da competência dos Tribunais Administrativos os litígios referentes à execução de contratos objeto de legislação que os submeta, ou que admita a sua submissão, a procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.

II - Um contrato celebrado por uma concessionária (entidadeadjudicante nos termos da al. a), do n.º 2, do artigo 2.º do CCP), tendo por objeto a aquisição de serviços mediante um preço, é um contrato administrativo.

III - O recurso a um procedimento de contratação pública para formação de um contrato de mandato forense não melindra a independência do mandatário naquela que é a sua praxis jurídica, uma vez que aquele contrato não deixa de ser um contrato típico de prestação de serviços, com as especificidades que a sua natureza forense determina.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório

ZC. e Associados, Sociedade de Advogados, R.I. apresentou requerimento de injunção contra Águas …, S.A., solicitando que esta fosse notificada no sentido de lhe pagar a quantia de € 2.165,05, acrescida de juros de mora vincendos.
Como fundamento da sua pretensão alegou a autora ter celebrado com a ré um contrato de mandato judicial, cuja procuração forense foi outorgada no dia 2 de Novembro de 2012, e que aquela, após o contrato ter cessado a 20 de Abril de 2018, não lhe pagou os valores inscritos na nota de honorários e despesas que lhe foi então apresentada.
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Na oposição veio a ré invocar excepção de incompetência absoluta, defendendo que o litígio está sob a alçada da jurisdição administrativa e fiscal, e não dos tribunais comuns, entendimento que não é compartilhado pela autora, como sustentou no articulado através do qual teve oportunidade de exercer o contraditório.
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Em sede de despacho saneador o tribunal a quo apreciando a excepção deduzida, declarou verificada essa excepção de incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, absolveu a ré da instância.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio a A./Recorrente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1.ª - “Os órgãos da administração pública podem celebrar contratos administrativos,sujeitos a um regime substantivo de direito adminis-trativo, ou contratos submetidos a um regime de direito privado.” (art.º 200.º, 1, do CPA)
2.ª – Sob a epígrafe “procedimentos pré-contratuais”, dispõe o artigo 201.º, 1, do CPA, que “a formação dos contratos cujo objecto abranja prestações que estejam ou sejam suscetíveis de estar submetidos à concorrência de mercado encontra-se sujeita ao regime estabelecido no código dos contratos públicos ou em lei especial.” (destacado nosso)
3.ª –Sob a epígrafe “regime substantivo”,dispõe o artigo 202.º, 2, daquele mesmo código: ”no âmbito dos contratos sujeitos a um regime de direito privado são aplicáveis aos órgãos da administração pública as disposições deste código que concretizam preceitos constitucionais e os princípios gerais da atividade administrativa.”
4.ª – O contrato de mandato forense é um contrato de direito privado sujeito ao regime substantivo de direito privado;
5.ª –Competente para dirimir litígios emergentes de contratos sujeitos a regime de direito privado, como é o caso do contrato de mandato forense, é a jurisdição comum; 6.ª O disposto no artigo 280.º,1,identifica os contratos a que se aplica o regime substantivo previsto na sua parteIII,da qual está excluído, por não encaixar nela, o contrato de mandato forense;
7.ª – O que se conclui nas alíneas anteriores só sofre a exceção prevista no artigo 280.º,3,do CCP.aí se estabelece,reportando-se a contratos que, embora submetidos na sua formação ao regime estabelecido neste código, não são contratos administrativos;
8.ª – Assim, nos termos desta norma, a esses contratos, não obstante não se integrarem no âmbito de aplicação da parte III do CCP, só lhes é aplicável o regime aí estabelecido quanto à invalidade (artigos 283.º a 285.º),limites à modificação do contrato (artigo 313.º com remissão para o artigo 312.ª) à cessão da posição contratual e à subcontratação (artigos 316.º a 324.º);
9.ª – Como se vê, o estabelecido na referida parte III do CCP – disciplinadoregimesubstantivodoscontratosnuncaseaplicaàexecução dos ontratos de direito privado, salvo no que tange à validade da contratação e às modificações objetivas e subjetivas do mesmo;
10.ª – O caso dos autos não contempla qualquer daquelas questões, antes o litígio se enquadra na falta de pagamento, pela recorrida, dos honorários peticionados pela recorrente;
11.ª – Daí que, repete-se, a jurisdição competente para dirimir tal litígio seja a jurisdição comum e não a jurisdição administrativa;
12.ª – Aliás, atento o comando constitucional, vertido no artigo 212.º,3,da Constituição da República Portuguesa, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”;
13.ª – O que significa que a competência exclusiva da jurisdição administrativase afere pelanaturezaadministrativadas relações jurídicas em litígio;
14.ª – E a natureza administrativa das relações jurídicas, quando resultantes de contrato, não depende nem resulta do formalismo ou do procedimento pré-contratual que o precedeu,mas dos seus intrínsecos factores de administratividade;
15.ª – Só questões relacionadas com a formação do contrato, negociações ou formalismos, podem ser sindicadas pela jurisdição administrativa no caso de contratos de direito privado;
16.ª –As questões que se suscitem quanto ao regime substantivo dos contratos privados estão excluídos da sindicância da jurisdição administrativa vertida na parte IIIdo CCP;
17.ª – O contrato de mandato forense é um específico contrato de direito privado, quer pelas suas características (impossibilidade de se fixar o prazo, o preço e mesmo o objecto) quer pela natureza da relação entre cliente e advogado que radica na confiança mútua pessoal;
18.ª – Outrossim, e por isso mesmo, não é possível, por exemplo, a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas que permitam definir qualitativamente atributos de propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação;
19.ª – Até o direito europeu que endeusa a “concorrência”, assim o entende, oartigo 10.º,d),i),da Diretiva 2014/24/EU,do parlamento europeu e do conselho, de 26de fevereiro de 2014,exclui,expressamente das normas da contratação pública, os contratos de mandato forense e de assessoria jurídica;
20.ª – Assim é que, entendendo-se como necessário um procedimento pré-contratual ele só pode consistir no ajuste direto, por critérios materiais, independentemente do valor;
21.ª – Aliás, só assim seria exequível a escolha e contratação de um advogado, pois não haveria tempo para tratar de procedimento mais complexo, dada a exiguidade dos prazos processuais;
22.ª – Finalmente, salienta-se a previsão do artigo 67.º, 2, do estatuto da ordem dos advogados, aprovado pela lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, onde afirma categoricamente:
“o mandato forensenão pode ser objeto,por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.”
23.ª – O que significa que, no mandato forense, não há medida ou acordo – ou concurso – que obrigue o mandante a escolher como seu mandatário pessoa diferente da que ele,em seu exclusivo critério, escolheria.
24.ª – Decidindo diversamente, a douta decisão recorrida, salvo o devido respeito, violou, designadamente, o disposto nos artigos 212.º, 3, da constituição da república portuguesa, 67.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela lei n.º 145/2015,de 9de setembro,200.º e 202.º do cpa,280.º, do código dos contratos públicos e 4.º,1, e),do ETAF.

Nestes termos, e nos mais de direito, do douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a douta decisão recorrida, julgando-se competente para dirimir a presente causa a jurisdição comum e, logo, o tribunal a quo, com o que se fará, J U S TI Ç A!
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A Ré apresentou as suas contra-alegações, concluindo no sentido de ser julgado totalmente improcedente o Recurso interposto, por absoluta falta de fundamento, mantendo-se, em consequência, o decisão Recorrida.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III. O objecto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Face às conclusões das alegações de recurso, cumpre apreciar e decidir se o litígio cabe no âmbito da jurisdição comum ou administrativa.
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Fundamentação de facto

- As incidências processuais supra expostas.
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Fundamentação de direito

No caso em causa nos autos, a Recorrente veio, através de requerimento de injunção apresentado, peticionar o pagamento de honorários alegadamente devidos pelos serviços prestados no âmbito do mandato forense, relativo ao processo n.º 2097/12.1BEBRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
No entanto, há que ter em consideração que, se um lado, temos uma sociedade de advogados que vem peticionar o pagamentos de honorários alegadamente não pagos, do outro lado, posiciona-se a Recorrida enquanto entidade de natureza eminentemente pública, gestora do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento do norte, concessionária de um serviço público, como decorre do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29.5 que a constituiu, vindo, assim, por essa via, suceder nos direitos e obrigações das entidades anteriores extintas.
Em causa está, portanto, a apreciação, análise e respectivo cumprimento de um contrato de prestação de serviços estabelecido entre as partes, sendo que uma delas é uma entidade de natureza eminentemente pública.
Sendo esta a configuração da causa a ter em conta na decisão a proferir, há que atentar no facto dos tribunais judiciais terem uma competência residual na estrita medida em que a eles cabem as acções que não estejam atribuídas especificamente aos outros tribunais.
Esta competência residual decorre desde logo do artigo 211º, nº 1, da Constituição da República, e também do artigo 64° do Código de Processo Civil, tal como do artigo 40º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, que postulam serem da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Já no que toca à competência dos tribunais administrativos e fiscais, estabelece-se no artigo 212°, nº 3, da Constituição da República Portuguesa que “c[C]ompete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”
Por sua vez, estabelece-se no artigo 1°, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro (doravante E.T.A.F.), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, aqui aplicável, por se tratar de um processo iniciado ou a iniciar após a sua entrada em vigor, que “o[O]s tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.
Ora, como se sabe, e foi expressamente referido pelo tribunal a quo, o E.T.A.F. aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro teve como objectivo clarificar os critérios de delimitação da jurisdição administrativa com o propósito de facilitar o efectivo acesso à tutela jurisdicional dos interessados e de evitar conflitos de competência que sempre acabavam por retardar o funcionamento da Justiça. Nesse sentido, abandonou-se o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido, passando o artigo 4º do E.T.A.F. a enunciar as questões ou litígios sujeitos ou excluídos do foro administrativo, fazendo-o umas vezes de acordo com a cláusula geral do referido artigo 1º daquele Estatuto, outras em desconformidade com ela.
Certo é que a reforma administrativa de 2002, através da redacção conferida àquele artigo 4º, nº 1 do E.T.A.F., alargou claramente, em comparação com o E.T.A.F. de 1984, o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. Não só ampliou o âmbito da jurisdição desses tribunais como, por outro lado, restringiu o tipo de litígio e de acções expressamente excluídos da competência desses mesmos tribunais.

Assim, para o caso que agora nos interessa, dispõe-se no artigo 4º desse diploma legal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 215-G/2015, de 2 de Outubro, que:

“1.- Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questão relativas a:
(…)
e) Validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.”
Assim, são da competência dos Tribunais Administrativos, à luz desta norma, os litígios referentes à execução de contratos objeto de legislação que os submeta, ou que admita a sua submissão, a procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
Vejamos então a questão, agora mais clarificada, e que se traduz em saber se um contrato de mandato celebrado entre uma pessoa colectiva de natureza pública e uma sociedade de advogados é ou não um contrato abrangido pela previsão do art. 4º, 1, e) do ETAF, isto é, se existe lei específica que o submeta ou permita a sua submissão a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
No presente caso, estando em causa um contrato de mandato, conferido através de procuração, emitida em 2 de Novembro de 2012, quando estava já em vigor o CCP, o qual entrou em vigor em 2008 (seis meses depois da data da publicação que ocorreu em 29 de Janeiro de 2008 – art. 18º do Dec. Lei 18/2008, de 29 de Janeiro), é a este diploma que se tem de atender para apurar da submissão de tal mandato a um regime pré-contratual de direito público.

Ora, dispunha-se no artigo 1º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro – na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 149/2012, de 12 de Julho, que era a aplicável à data em que foi celebrado o contrato de mandato aqui em causa (cfr. o artigo 5º, nº 1 deste último Decreto-Lei) – o seguinte:

“1 - O presente Código estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo.
2 - O regime da contratação pública estabelecido na parte II do presente Código é aplicável à formação dos contratos públicos, entendendo-se por tal todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código.
(…)
5 - O regime substantivo dos contratos públicos estabelecido na parte III do presente Código é aplicável aos que revistam a natureza de contrato administrativo.
6 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, reveste a natureza de contrato administrativo o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos, que se integre em qualquer uma das seguintes categorias:
a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;
b) Contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;
c) Contratos que confiram ao co-contratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público”.

No caso, a entidade que incorporou e celebrou o contrato é uma pessoa colectiva de natureza privada qualificada como organismo de direito público, assumindo a natureza de contraente público [cfr. os artigos 2º, nº 2, al. a) e 3º, nº 1, al. b) do Código dos Contratos Públicos].
Por sua vez, o artigo 450º desse Código define “Aquisição de serviços” como “o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço”.
Já, no que concerne aos procedimentos de formação de contratos em sede de contratação pública o artigo 6º nº 1 do Código dos Contratos Públicos (à data em vigor, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 149/2012) dispunha que “1 - À formação de contratos a celebrar entre quaisquer entidades adjudicantes referidas no n.º 1 do artigo 2.º, a parte II do presente Código só é aplicável quando o objecto de tais contratos abranja prestações típicas dos seguintes contratos:
(…)
e) Aquisição de serviços”.

De harmonia com o disposto no artigo 16º, nº 1 daquele Código - na versão vigente à data contratação do mandato aqui em causa - “Para a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adoptar um dos seguintes tipos de procedimentos:
a) Ajuste direto; (…).”
E de acordo com o nº 2 desse mesmo artigo “Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, designadamente, as prestações típicas abrangidas pelo objeto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza:(…)
e) Aquisição de serviços;(…)”.

Nos termos do art. 27º, nº 1 b), no caso de contratos de aquisição de serviços, pode adoptar-se o ajuste directo quando “A natureza das respectivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual (…) não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam qualitativamente definidos atributos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º, e desde que a definição quantitativa, no âmbito de um procedimento de concurso, de outros atributos das propostas seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objectivos da aquisição pretendida.
Daqui resulta que apesar de se estar perante um contrato em que o factor confiança é determinante, tal, de modo algum, inviabiliza que a contratação deva ser efectuada segundo as regras da concorrência ainda que por ajuste directo.
Entende-se, por outro lado, que a Directiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014 relativa aos contratos públicos não exclui do seu âmbito de aplicação todos os contratos de mandato forenses, mas, a nosso ver, apenas os contratos destinados a serviços jurídicos em processos judiciais perante os tribunais de um outro Estado-Membro.
Isto porque não se encontram excluídos do âmbito de aplicação da respetiva diretiva todos os contratos de mandato forense, mas antes aqueles que se inserem no âmbito da diretiva 77/249/CEE, quetem como finalidade facilitaro exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados, ou seja, tem como objetivo regular a prestação de serviços de advogados noutros Estados-Membros que não o Estado-Membro de origem, tal como decorre dos respectivos considerandos dessa directiva.
Aliás, o próprio artigo 10.º, alínea b), ponto i) estabelece que a representação por advogado se exclui do âmbito de aplicação da diretiva 2014/24/EU apenas quandoeste represente um cliente “numa arbitragem ouconciliação realizada num Estado-Membro ou num país terceiro ou perante uma instância internacional de arbitragem ou conciliação” ou “em processos judiciais perante os tribunais ou autoridades públicas de um Estado-Membro ou deum país terceiro ou perante tribunais ou instituições internacionais”.

Do exposto é possível, pois, concluir que, o contrato de mandato, enquanto uma modalidade do contrato de prestação de serviços, tendo sido celebrado com uma concessionária de serviços públicos, está sujeito a um regime pré-contratual de direito público.
De facto, como se tem entendido, tal contrato só estaria excluído de tal procedimento se as prestações da autora não estivessem ou não fossem susceptíveis de serem submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua formação (cfr. art. 5.º, n.º 1).
Ora, relativamente a esta questão, tem-se entendido que a prestação de serviços de patrocínio judiciário é passível de avaliação técnica do seu prestador através de parâmetros objectivos e suficientemente concretizados, por forma a estabelecer-se o valor de mercado dos serviços a prestar.
Neste sentido, o Tribunal de Contas vem afirmando que a relação de confiança que se estabelece com os prestadores de serviços jurídicos tem de ser aferida por critérios objectivos, designadamente por parâmetros curriculares, referenciados a matérias trabalhadas, respectiva extensão e resultados, pelo que não deve sequer eleger-se a relação de confiança subjectiva entre o prestador e o beneficiário dos serviços como fundamento material de adopção do procedimento de ajuste directo (vide SENTENÇA n.º 1/2015-3.ª Secção-PL -Proc. 03JFR/2014).
Tal permite, assim, concluir que um contrato celebrado por uma concessionária (entidade adjudicante nos termos da al. a), do n.º 2, do artigo 2.º do CCP), tendo por objeto a aquisição de serviços mediante um preço, é um contrato administrativo especialmente previsto no referido Código e, como tal, um contrato que possui aspetos específicos do respetivo regime substantivo regulado por normas de direito público – Neste preciso sentido veja-se o Acórdão do Tribunal de Conflitos, datado de 31-01-2017, Proc. n.º 023/16.
Igual entendimento foi perfilhado pelo Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido em 11.01.2017, Proc. n.º 020/16, que decidiu que “para julgar o presente processo é competente a jurisdição administrativa, sendo irrelevante para a determinação da competência a natureza privada ou administrativa do contrato. Na verdade, como decorre do art. 4º, 1, al. e) do ETAF, o elemento determinante da competência não é a natureza jurídica da relação jurídica de onde emerge o litígio, mas sim a sujeição do mesmo ou a possibilidade da sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público, o que quer dizer que a jurisdição administrativa é competente quer a relação jurídica subjacente seja, ou não, uma relação jurídico-administrativa.”
Por outro lado, e quanto à possível fundamentação relativa à caracterização estatuída pela Ordem dos Advogados no que concerne às características essenciais e imprescindíveis do mandato forense, já o Tribunal de Contas, no seu Acórdão n.º 1/2015-3ª, Proc. 03JFR/2014, se posicionou, esclarecendo precisamente que o carácter concorrencial em que se deve firmar o procedimento pré-contratual de contratação de advogado não contraria a relação de confiança e a independência, características de um mandato forense, nem impede ou limita a escolha pessoal e livre do mandatário, uma vez que “a relação de confiança que se estabelece com os prestadores de serviços jurídicos tem de ser aferida por critérios objetivos, designadamente por parâmetros curriculares, referenciados a matérias trabalhadas, respetiva extensão e resultados, pelo que não deve eleger-se a relação de confiança subjetiva entre o prestador e o beneficiário dos serviços como fundamento material de adopção do procedimento de ajuste direto”.
Conclui-se que o recurso a um procedimento de contratação pública para formação de um contrato de mandato forense não melindra, em nada, a independência do mandatário naquela que é a sua praxis jurídica, uma vez que aquele contrato não deixa de ser um contrato típico de prestação de serviços, com as especificidades que a sua natureza forense determina.
Aliás, de igual forma assim se entendeu no Acórdão do Tribunal dos Conflitos n.º 020/16, disponível in www.dgsi.pt, bem como no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 27/06/2019, proferido no processo nº 46229/18.6YIPRT, numa acção em tudo similar à presente, em que são as mesmas as partes e a questão suscitada.

Nestes termos, tem, assim, de se entender que a questão relativa à execução deum contrato deprestação deserviços, em concreto quanto à respectiva facturação e pagamentos, face ao disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. e) do ETAF, é da competência da jurisdição administrativa.
Tem, como tal, de improceder a apelação, por forma a manter-se a decisão recorrida.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Guimarães, 30 de Janeiro de 2020
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
José Carlos Dias Cravo
António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida