Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
159/17.8GAVPA.G1
Relator: ANA TEIXEIRA
Descritores: INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
VALORAÇÃO DECLARAÇÕES
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ARTºS 355º
356º E 357º DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
As declarações prestadas por um arguido em sede de interrogatório, perante autoridade judiciária, estando representado pelo seu defensor e tendo sido advertido de que as mesmas podem ser utilizadas no processo mesmo que seja julgado na ausência, ou se remeta ao silêncio, podem ser lidas ou reproduzidas em audiência de julgamento e, consequentemente, apreciadas para formação da convicção do tribunal.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Ana Teixeira
Adjunta: Maria Isabel Cerqueira

I - RELATÓRIO

1. No processo comum (tribunal singular) supra identificado, a arguida C. M. foi condenada nos seguintes termos [fls. ]:

a) condeno a arguida C. M. pela prática, como autora material, de um crime incêndio florestal, p e p pelo art. 274.º, n.º 1, do Código Penal na pena de um ano e quatro meses de prisão.
b) Suspender a pena de prisão por igual período, sujeita a regime de prova em moldes a definir pela DGRSP, devendo contemplar continuação do tratamento ao comportamento aditivo a que vem sendo sujeita, com acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, se tal se revelar necessário, tudo: (cf. art. 50.º, n.ºs 1 e 5 e 51.º, n.º 1, al. c), do Código Penal)
(…)»

2. Inconformada, a arguida recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. ]:

1º- O recurso abrange a questão da condenação da arguida, incidindo sobre a matéria de facto e de direito.
2- Com o devido respeito, tendo em conta a matéria de facto carreada para os autos, e tendo em atenção as regras da experiência comum, haverá, salvo o devido respeito, insuficiência notória para a decisão da matéria de facto e de direito dada por provada, contradição de fundamentação e erro notório na apreciação da prova.
3- Salvo o devido respeito por opinião contrária, a prova produzida não é suficiente para sustentar a seguinte matéria fáctica dada por provada pelo Tribunal “a quo”, nomeadamente os pontos 1 a 5 da sentença.
4- Para fundamentar a sua decisão o Tribunal baseou-se meramente nas declarações da arguida prestadas em sede de primeiro interrogatório, bem como no auto de reconstituição.
5- Certo é que a arguida, que à data do primeiro interrogatório se encontrava visivelmente perturbada, encontrando-se detida há mais de 24 horas, começou por negar os factos dos quais vinha indiciada, tendo, apenas e somente, admitido os mesmos, após ter sido confrontada com o que havia dito em sede de reconstituição.
6- Temos então que da prova testemunhal não existe prova direta dos factos, nomeadamente por alguém ter visto a arguida a cometer o crime.
7- O Tribunal “a quo” decidiu, ainda, com base num auto de reconstituição, o qual não foi objeto de apreciação em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente através de declarações dos polícias que presidiram ao mesmo que poderiam ter sido essenciais para a descoberta da verdade.
8- O auto de reconstituição foi valorado por si só, sem recurso a outros meios de prova, pois a arguida negou os factos em sede de audiência de julgamento, tal como negou inicialmente em sede de primeiro interrogatório.
9- Para a devida fundamentação da convicção do Tribunal, que apenas o faz em dois parágrafos, é conveniente que a reconstituição não seja avaliada só por si, mas corroborada por outros meios de prova, que mostrem a completa e imediata compatibilidade da reconstituição com essa provas e destas com aquela.
10- Por outro lado, a artigo 357º, nºs 1 a 3, do Código de Processo Penal, é claro no sentido de que a valoração das declarações prestadas pela arguida devidamente informada nos termos do artigo 141º, nº 4, alínea b), do mesmo Código, exige a reprodução ou leitura das mesmas em audiência de julgamento, para cumprimento do contraditório e embora de algum modo limitado, dos princípios da imediação e da oralidade, o que não ocorreu no caso em apreço.
11- Não tendo sido lidas ou ouvidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pela arguida no inquérito, a valoração das suas declarações constitui valoração proibida de prova, nos termos do artigo 355º do CPP.
12- Efetivamente, não consta das atas de audiência de julgamento, como o nº 9 do artigo 356º do CPP impõe, sob pena de nulidade, que tenham sido lidas ou ouvidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pela arguida durante o primeiro interrogatório.
13- É pois nula a sentença recorrida, nos termos do artigo 122º, nº 1, do CPP, por violação do disposto nos artigos 355º, 356º e 357º do mesmo Código.
14- Não foi produzida qualquer prova, além das declarações da arguida prestadas em inquérito, que levasse à conclusão de que foi a arguida que praticou os factos descritos na acusação.
15- A admissão da valoração em julgamento das declarações prestadas pelo arguido em primeiro interrogatório, viola o princípio constitucional do artigo 32°, n° 5 da CRP, caindo-se inevitavelmente na inconstitucionalidade do normativo do artigo 141º, n° 4, alínea b), do CPP.
16- Assim, para tal prova poder ser valorada em sede de julgamento, as declarações prestadas pela arguida perante a Meritíssima Juíza teriam que ser lidas ou ouvidas na audiência, o que não aconteceu no caso concreto, com clara violação do princípio do contraditório e da auto defesa, determinando pura e simplesmente que nenhuma prova se fez que fundamente a decisão condenatória.
17- Nesse sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/02/2015, proferido no âmbito do processo nº 212/11.1GACLB.C1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/01/2014, proferido no âmbito do processo nº 67/07.0GAVZL.C1.
18- Houve, pois, errada aplicação da lei substantiva e processual e violação das normas legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 18º, 20º, 25º, e 26º da CRP, os artigos 122º, 126º, 355º e 357º do CPP e o artigo 274º do CP.
19- Se este não for o douto entendimento do Tribunal «ad quem», sempre terá de ser repetido o julgamento para apurar com rigor os factos ocorridos e se houve ou não responsabilidade criminal da recorrente.
20- Da matéria de facto provada resulta manifesto, no que ora importa, que a arguida não tem antecedentes criminais, tendo ardido apenas uma pequena área de terreno.
21- Na verdade, determina o artigo 40º, nº1, do Código Penal, que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», acrescentando o nº 2 deste mesmo artigo que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
22- Acresce que, nos termos do nº 1 do artigo 71º, do Código Penal, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», sendo que a sentença deve obedecer aos princípios da atenuação especial da pena, elencados no artigo 72º do Código Penal.
23- Assim, nestes termos e face à prova produzida, a pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, aplicada à arguida é exagerada e desproporcionada, tendo em conta as circunstâncias concretas dos factos tal como o Tribunal diz que os apurou, as condições pessoais da arguida, a sua situação sócio-económico-cultural e a ausência de antecedentes criminais.
24- Atendendo à moldura penal do artigo 274º, nº 1, do Código Penal, a pena de prisão a aplicar à arguida enquadrar-se-ia entre o limite mínimo de um ano, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, suspendendo-se na sua execução por igual período.
25- O Tribunal recorrido entendeu aplicar à arguida a pena de um ano e quatro meses de pena de prisão, a qual é, salvo o devido respeito, excessiva e desproporcionada, pelo que face à concreta situação em que o crime foi praticado, deveria o Tribunal ter aplicado uma pena igual ao mínimo legal.
26- É que, a manterem-se a pena constante da sentença, esta constitui uma medida demasiado gravosa, o que inverte a natureza e o papel das sanções penais, violando o critério de escolha das penas (artigo 70º do Código Penal).
27- Assim, a decisão recorrida violou, nesta parte, o disposto nos artigos 14º, 40º, 41º, 50º, 70º, 71º, 72º e 274º do Código Penal, havendo, pois, errada aplicação da lei substantiva e processual e violação das normas legais aplicáveis.

Nestes termos, e nos melhores de direito, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva a arguida, assim se fazendo, como sempre, sã
JUSTIÇA.
(…)»

3. O Ministério Público não apresentou resposta [fls. ].
4. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. ].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. A sentença/acórdão recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. ]:

2. Fundamentação de facto

A) Factos provados

Com relevância para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade:
1) No dia 16 de Agosto de 2017, pelas 21 horas, a arguida dirigiu-se ao local denominado …, situado na localidade de …, freguesia de …, concelho de Vila Pouca de Aguiar.
2) Ali chegada, a arguida acendeu um fosforo que tirou de uma caixa que trazia consigo e ateou fogo à vegetação.
3) Em consequência da conduta da arguida, o fogo iniciado por ela propagou-se à zona envolvente, que veio a consumir 0,2 ha de pinheiros bravos.
4) A arguida actuou com o desígnio concretizado de atear fogo no coberto vegetal existente no local supra mencionado, inserido numa mancha florestal.
5) A arguida agiu de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
6) A arguida não tem antecedentes criminais registados
7) A arguida com o companheiro há 20 anos em casa própria, toma conta da mãe, não tendo qualquer ocupação, nem recebe qualquer subsídio, subsistindo com os rendimentos que o marido aufere na agricultura.

B) Factos não provados

1) Não fora a pronta intervenção do Bombeiros Voluntários de Vila Pouca de Aguiar, as chamas ateadas ter-se-iam propagado a toda a zona envolvente, mercê da continuidade arbustiva e das condições de tempo meteorológico – quente e seco, próprios da época – que se faziam sentir

C) Motivação da decisão de facto

O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de acordo com as regras da experiência comum e a sua livre convicção, tal como preceitua o artigo 127 º do C.P.P.

Assim, o Tribunal começou por atender à confissão integral e sem reservas da arguida em sede de primeiro interrogatório judicial, concatenada com a reconstituição junta aos aotos que mostra de forma pormenorizada e descritiva a forma como a arguida actuou.
Apesar de a arguida ter procurado, em sede de julgamento, dar uma versão diferente dos factos, o certo é que tal se revelou aos olhos do Tribunal com um claro propósito de aligeirar as suas responsabilidades, de forma até pueril, tanto assim que a arguida acaba por admitir que possa ateado o incêndio de que vem acusada e que confessou em primeiro interrogatório, mas que na altura estava bastante desorientada fruto dos comportamento aditivos de bebidas alcoólicas de que padecia, pelo que “acha” que não foi ela, o que não consubstancia um dúvida bastante capaz de abalar a confissão em sede de primeiro interrogatório corroborada com o auto de reconstituição junto aos autos.
No que concerne às condições económicas e pessoais do arguido, o Tribunal atendeu, nesta parte, ao depoimento da arguida que se revelou credível, não tendo sido infirmado por qualquer outro meio de prova.
Relativamente à inexistência de registos criminais registados, o Tribunal atendeu ao teor do certificado de registo criminal de junto aos autos
O Tribunal atendeu ainda à seguinte prova documental de fls 3 a 7 e 48 a 58.
A factualidade não provada resultou da falta de prova quanto à sua verificação.

(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO

7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
·
Nulidade da sentença nos termos do disposto nos artigos 122º, nº 1, por violação do disposto nos artigos 355º, 356º e 357º, todos do Código de Processo Penal;
·
Erro Pena aplicada pede atenuação da mesma, com fixação em um ano de prisão;

Analisemos as questões

A arguida entende que o tribunal para a sua condenação fez uso das suas declarações em primeiro interrogatório e não o podia fazer dado que nem tais declarações foram valoradas, através de leitura, em audiência, nem foi para o efeito respeitado o princípio do contraditório.
Importa pois aferir se o primeiro interrogatório, para ser valorado, tem de ser lido em audiência.
Em conformidade com o determinado pela Lei nº 43/86, de 26-09 (Autorização legislativa), o Código de Processo Penal de 1987 consagrou um processo de estrutura acusatória, integrada por um princípio de investigação. Não corresponde, pois, a um modelo acusatório puro, mas antes ao chamado modelo misto.
Em obediência à estrutura acusatória do processo penal, o C.P. Penal encontra para cada uma daquelas fases – inquérito, instrução e julgamento – um distinto e diverso órgão com competência para lhe presidir.
Um princípio que deriva da estrutura acusatória do processo penal é o do contraditório.
O conteúdo essencial do princípio do contraditório significa, no essencial, que nenhuma prova deve ser aceite na audiência de julgamento ou na instrução, nem nenhuma decisão, mesmo que interlocutória, deve ser tomada pelo Juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorizar.
Em obediência à estrutura acusatória do nosso processo penal, a fase de inquérito, tem como dominus o Ministério Público.
Tal não obsta a que nesta fase processual a lei imponha uma articulação entre o Ministério Público e o Juiz de Instrução, exigindo a intervenção deste Juiz sempre que haja a decidir questões que contendem com direitos fundamentais do arguido.

Na concretização das garantias de defesa do arguido em processo criminal, enunciadas no art.32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, o Código de Processo Penal, a propósito do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, estabelece no seu art.141.º, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, designadamente, e com interesse para a decisão em causa, o seguinte:

«1 - O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam.
2 - O interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência do Ministério Público e do defensor e estando presente o funcionário de justiça. Não é admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não ser que, por motivo de segurança, o detido deva ser guardado à vista.
3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, sendo-lhe exigida, se necessário, a exibição de documento oficial bastante de identificação. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das respostas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.

4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido:

a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário;
b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova; (…)».

A modificação introduzida pela Lei n.º 20/2013, na utilização em sede de audiência de julgamento, das declarações prestadas pelo arguido ao abrigo do disposto nos artigos 141.º, n.º 4, alínea b), e 357.º, do C.P.P., é justificada na “Exposição de motivos” do modo seguinte:

«3. De maior relevância é a modificação introduzida quanto à possibilidade de utilização das declarações prestadas pelo arguido, na fase de inquérito e de instrução, em sede de audiência de julgamento.
A quase total indisponibilidade de utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de indignação social e incompreensão dos cidadãos quanto ao sistema de justiça.
Impunha-se, portanto, uma alteração ao nível da disponibilidade, para utilização superveniente, das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento, devidamente acompanhadas de um reforço das garantias processuais.
Assim, esta disponibilidade de utilização, para além de só ser possível quanto a declarações prestadas perante autoridade judiciária, é acompanhada da correspondente consolidação das garantias de defesa do arguido enquanto sujeito processual, designadamente quanto aos procedimentos de interrogatório, por forma a assegurar o efetivo exercício desses direitos, maxime o direito ao silêncio. (…).Por outro lado, exige-se a assistência de defensor sempre que as declarações sejam susceptíveis de posterior utilização, e exige-se a expressa advertência do arguido de que, se não exercer o seu direito ao silêncio, as declarações que prestar podem ser futuramente utilizadas no processo embora sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova.
Preserva-se, assim, a liberdade de declaração do arguido que, apenas, voluntariamente pode prescindir do direito ao silêncio e, também, apenas voluntariamente, prescinde do seu controlo sobre o que disse.
As declarações que, nos termos legais, possam e venham a ser utilizadas em julgamento, estão sujeitas à livre apreciação da prova, assim se autonomizando da figura da confissão prevista no artigo 344.º.

Na sua actual redacção, o art. art.357.º do C.P.P., estabelece:

«1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:

a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º.

No caso em análise, a aqui arguida recorrente foi interrogada pela Mmª Juíza de Instrução Criminal, no dia 7 de setembro de 2017, com assistência de defensora oficiosa, a Drª C. T., e, nessa altura, foi informada, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 141º do Código de Processo Penal, como consta do respetivo “auto de interrogatório de arguido” constante de folhas 84 a 92 dos autos.
Assim sendo, resulta que o seu depoimento pode ser lido ou reproduzido na audiência de julgamento e consequentemente pode ser apreciado para formação da convicção do tribunal, mesmo que não tenha sido lido nem examinado na audiência de julgamento, de acordo com o disposto nos artigos 355º, nº 2 e 357º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal. Esclareça-se que não vale o depoimento como confissão nos termos e para os efeitos previstos no artigo 344º do Código de Processo Penal, uma vez que só à confissão presencialmente feita em tribunal e que seja feita de forma integral e sem reservas se aplica o particular regime processual do artigo 344º, nº 2, mas já vale para o efeito de formação da convicção do tribunal.
Assim sendo, dado que em sede de interrogatório as suas declarações foram prestadas perante autoridade judiciária, estava representada pela sua defensora e foi advertida de que as declarações poderiam ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova (alínea b) do nº 4 do artigo 141º), não merece, por isso, qualquer reparo a decisão recorrida.

Medida da Pena

A propósito defende a recorrente que a medida da pena a aplicar deveria ficar pelo ano de prisão, por via de atenuação especial
O regime vigente de atenuação especial da pena, constante dos artºs. 72º e 73º do CP, destina-se a responder a situações em que a ilicitude do facto e a culpa mas também a necessidade da pena e as exigências de prevenção se revelem diminuídas de forma acentuada[Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do crime, Aequitas, 1993, p. 302 e segs ]. Como salienta Figueiredo Dias, constitui uma válvula de segurança do sistema penal, respondendo a hipóteses especiais em que existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá considerado quando fixou os limites da moldura penal respectiva. Sobre os «factores de atenuação especial», relativamente às circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 72.º do Código Penal, que constituem exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuada contida na cláusula geral do nº 1, em que «outras situações que não as descritas naquelas alíneas podem (e devem) ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências da prevenção » e «as próprias situações descritas naquelas alíneas não têm o efeito “automático” de atenuar especialmente a pena, só o possuindo se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido» Idem, p. 306..
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se pautado por idêntico entendimento, quando afirma que «[pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas no art. 72.º do CP, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção», «[na análise a fazer há que ter uma visão integral do facto, atender ao pleno das circunstâncias que enformaram os factos; a emissão de uma declaração de arrependimento por parte do arguido tem de ser entendida com a verdadeira amplitude e o alcance que tem, pois uma coisa é declarar arrependimento no que pode ser uma declaração de circunstância determinada pelas circunstâncias, outra a corresponder a uma interiorização do mal da conduta» Acórdão de 25 de novembro de 2009, processo n.º 490/07.0TAVVD.S1. Entre outros no mesmo sentido podem consultar-se os de 17 de dezembro de 2014, processo n.º 937/12.4JAPRT.P1.S1 e de 15 de janeiro de 2015, processo n.º 92/14.5YFLSB.
A recorrente não indica quais as circunstâncias que poderiam levar a tal regime.
Poderemos nós indicar por exemplo que não tem antecedentes criminais mas cabe referir que a sociedade espera de todos os cidadãos que se abstenham de condutas criminais pelo que é patente que tal facto não consente, sem mais, atenuação especial da pena.
Não vemos que no presente caso que possamos estar perante uma situação excecional, nem a recorrente a indica.
Concordamos com a posição do MP junto desta relação quando afirma que no momento da determinação da pena foram tidos em conta todos os elementos que depunham a favor da arguida e foram perfeitamente integrados no âmbito da moldura estabelecida para o tipo de crime praticado, sem que se sentisse necessidade de uma moldura menor.
Cumpre, assim, afastar a pretendida atenuação especial da pena.
De qualquer forma consigna-se que a pena aplicada à arguida recorrente é justa e adequada e não se mostra desproporcionada ou excessiva.
Improcede, deste modo, também nesta parte a pretensão da recorrente.


III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam em:

Negar provimento ao recurso interposto pela recorrente C. M.
· Condená-la no mínimo de taxa de justiça

[Elaborado e revisto pela relatora]
Guimarães, de 2020

[Ana Maria Martins Teixeira]
[Maria Isabel Cerqueira]