Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
39226/14.2YIPRT.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
CLÁUSULAS
FIDELIZAÇÃO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I--A evolução da legislação sobre comunicações electrónicas permite concluir que é legalmente admissível a fixação de cláusulas penais nomeadamente quando se estabelece, no contrato, prazo de fidelização, mesmo sem entrega de equipamentos a preços reduzidos, e o contrato seja antecipadamente resolvido pelo utilizador.
II—A válida resolução do contrato pelo utilizador, ou seja, com escopo de desvinculação motivada, e eficácia ex nunc, por se tratar de contrato de execução continuada, e não tendo a fornecedora do serviço obstado, nos termos a que estava contratualmente vinculada, à produção desse efeito extintivo, permite concluir que não ocorreu incumprimento do contrato pelo utilizador.
III—A resolução antecipada do contrato por parte do utilizador, no qual se estabelecia um período de fidelização, não implica o pagamento da indemnização previamente fixada na cláusula penal para o caso de incumprimento, se ocorreram motivos sérios relacionados com o incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação desse serviço.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I—RELATÓRIO
Os presentes autos iniciaram-se, em 21.03.2014, com o requerimento de injunção apresentado por O - Comunicações, S.A., actualmente designada N Comunicações, S.A., contra B Tectos Falsos Unipessoal, Lda, no qual é reclamada a quantia de 5.174,82€ (cinco mil cento e setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), sendo 4.759,25€ a título de dívida, 173,37€ a título de juros, €153,00 a título de taxa de justiça paga e € 89,20 a título de outras quantias. Desse requerimento consta derivar a quantia peticionada de um contrato de "fornecimentos de bens ou serviços".
Alega que celebrou com a Requerida um contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações, em 19-06-2009, no âmbito do qual, a Requerente obrigou-se a prestar o serviço, no plano tarifário escolhido pela Requerida, e este obrigou-se a efectuar o pagamento tempestivo das facturas e manter o contrato pelo tempo indicado na proposta, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à Requerente, a título de cláusula penal e nos termos fixados nas condições contratuais, do valor das mensalidades em falta, pela quebra do vínculo contratual.
Das facturas emitidas, permanecem em dívida as seguintes: €2.151,93 de 07-08-2013, €52,28 de 06-09-2013, €749,80 de 07-10-2013, €1.805,24 de 07-11-2013, vencidas, respectivamente, em 27-08-2013,26-09-2013,27-10-2013 e 27-11-2013.
Enviadas à ré logo após a data de emissão e apesar das diligências da autora, não foram as mesmas pagas, constituindo-se o réu em mora e ficando devedor dos juros legais desde o seu vencimento.
Ainda é devedora a ré de €89,20 pelas despesas da autora em diligências de cobrança.
*
Notificada a requerida nos termos do art.º 12.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, veio esta deduzir oposição, alegando, em suma, que não deve os montantes das facturas, pois os mesmos consubstanciam serviços que não usufruiu por o contrato com a requerida já se encontrar resolvido, além de que não é devida qualquer quantia a título de cláusula penal, pois desconhece qualquer condição contratual que a tivesse estipulado.
*
Proferiu-se sentença que decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, e condenou a ré B Tectos Falsos, Unipessoal, Lda. a pagar à autora N Comunicações, S.A. o valor de € 118,01 (cento e dezoito euros e um cêntimo), acrescida de IVA à taxa de 23% e de € 89,20, (oitenta e nove euros e vinte cêntimos), acrescidas dos respectivos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
*
Inconformada com a sentença, na parte desfavorável, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes
Conclusões:
1. Contrariamente ao decidido, foi alegado pela Recorrente, consta do elenco dos factos provados e da Motivação da sentença que as partes acordaram um determinado montante de indemnização a pagar pelo utente no caso de denunciar o contrato antes do prazo ou em caso de incumprimento.
2. Nos termos do art.º 810º, n.º 1 do CC, as partes podem fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível (cláusula penal).
3. Na injunção alegou a Recorrente:
(i) que foi estabelecida uma cláusula penal em caso de não manutenção do serviço pelo período contratado;
(ii) que a referida cláusula penal foi estabelecida como contrapartida da prestação do serviço "No âmbito do referido contrato, a Rte obrigou-se a prestar o serviço, no plano tarifário escolhido pelo Rda e este obrigou-se a efectuar o pagamento tempestivo das facturas e manter o contrato pelo tempo indicado na proposta.
(iii) que o montante da referida cláusula se determinava pelo valor das mensalidades em falta até final do período de permanência contratado.
4. O Tribunal a quo considerou provado (n.º 5) os prazos de permanência contratados.
5. A testemunha da Recorrente, como a sentença reconhece, confirmou nos autos que os aditamentos foram celebrados, assinados na sua presença e explicados os períodos de permanência.
6. Nestes termos e contrariamente ao decidido, foram alegados e provados os factos sobre os quais apoiava a Recorrente o pagamento das verbas reclamadas a título de cláusula penal;
7. E porque a Recorrente não alegou nos autos que a cláusula penal tivesse sido estabelecida como contrapartida da entrega de equipamentos, carece de fundamento a invocação, pelo Tribunal a quo, do DL 56/2010, de 01.06:
- com o DL 56/2010 o Legislador refere-se, claramente, ao preço do desbloqueio e à fidelização (apenas) quando é estabelecida como contrapartida da entrega de equipamentos - (cfr. doc. 1) -, o que não é o caso.
8. Pelo que, contrariamente ao decidido, não poderia o Tribunal recorrido, depois de ter considerado como não provada a justa causa invocada pela Recorrida (cfr. "factos não provados") deixar de julgar totalmente procedente o pedido da Recorrente.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que a sentença recorrida:
- carece de fundamento ao ter decidido que a Apelante não alegou factos que permitissem condenar na cláusula penal
- violou o DL 56/2010 de 01.06, os artigos 9º, 405º e 810º todos do Código Civil e o artigo 48º da Lei nº 5/2004 de 10/02 na redacção dada pela Lei 51/2011 de 13/09 ao não aplicar a cláusula penal convencionada entre as partes e, consequentemente, absolver a Recorrida da indemnização nela prevista e peticionada nos autos.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso
A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se assiste à Autora o direito de exigir o pagamento da cláusula penal constante do contrato celebrado com a Ré.
*
III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS (elencados na sentença, com aditamentos resultantes dos documentos juntos aos autos)
1. A Autora celebrou com a Ré, em 29-05-2009, o contrato de prestação do serviço telefónico em local fixo e acesso à internet, conforme documento junto de fls. 47 a 54, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
2. No âmbito do referido contrato, a Autora obrigou-se a prestar o serviço, no plano tarifário escolhido pela Ré, e esta obrigou-se a efectuar o pagamento tempestivo das facturas.
3. A Autora emitiu as facturas seguintes: n.º 0206888210813, no valor de €2.151,93, de 07-08-2013, referente ao período de facturação de 01/07/2013 a 31/07/2013; n.º 0207759730913, no valor de €52,28, de 06-09-2013, referente ao período de facturação de 01/08/2013 a 31/08/2013; n.º 0208625211013, no valor de €749,80, de 07-10-2013, referente ao período de facturação de 01/09/2013 a 30/09/2013; n.º 0209484351113, no valor de €1.805,24, de 07-11-2013, referente ao período de facturação de 01/10/2013 a 31/10/2013; vencidas, respectivamente, em 27-08-2013, 26-09-2013, 27¬10-2013 e 27-11-2013, enviadas à Requerida logo após a data de emissão.
4. A Autora despendeu a quantia de 89,20 com diligências de cobrança de dívida, tendentes a evitar o recurso à presente acção.
5. Após a celebração do primeiro contrato referido em 1, entre Autora e Ré foram sendo celebrados os seguintes aditamentos, quer de alteração de tarifário, quer de troca de pontos, que levaram ao aumento do período de permanência: aditamento de 12-01-¬2012, aumentando o período de permanência em 24 meses; aditamento de 16-01-2012; aditamento de 08-03-2013, aumentando o período de permanência para 18 meses; aditamento de 19-03-2013, sem impacto no período de permanência.
6. Nos dias 23-04-2013, 13-05-2013, 15-05-2013, 21-05-2013, a Ré reportou à requerente reclamações porque não conseguia receber nem fazer chamadas, quer porque a chamada se desligava sózinha, quer porque não tinha som do outro lado da linha.
7. Em 27 de Junho de 2013 a Ré procedeu à resolução do contrato celebrado com a Autora nos termos constantes dos documentos de fls. 10 e 9, cujo teor se dá por reproduzido.
*
Factos Não Provados: Os três telemóveis que constam do contrato nunca receberam SMS'S nem MMS's.
*
IV-DIREITO
Apesar de se ter considerado, na sentença, a possibilidade de estipulação de cláusulas penais também na situação em que a operadora não fornece equipamentos a preços reduzidos, entendeu-se que a exiguidade da factualidade alegada e provada não permitia a condenação da Ré nesse pagamento.
A lei designa cláusula penal o acordo das partes que fixa o montante da indemnização exigível-cfr. art. 810.º do C.Civil.
Sobre a possibilidade legal de fixação de cláusula penal quando não é cumprido pelo utilizador ou consumidor o prazo estipulado de permanência, designado por período de fidelização, suscitaram-se dúvidas de interpretação nomeadamente do regime previsto no Dec.-Lei n.º 56/2010 de 01 de Junho conjugado com a subsequente Lei n.º 51/2011, de 13.09.
Importa, assim, analisar o regime jurídico vigente sobre a matéria:
A Lei n.º 5/2004 de 10.02 (Lei das Comunicações Electrónicas-LCE), na sua versão inicial, estabeleceu o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos e definiu as competências da autoridade reguladora, transpondo as directivas n.º 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7.03 e a directiva n.º 2002/77/CE da Comissão de 16.09.
O Dec.-Lei n.º 56/2010 de 01.06 teve como objectivo facilitar o mercado concorrencial por ter sido constatado que a falta de mobilidade dos consumidores relacionava-se com os custos contratuais emergentes da mudança de operador por se encontrarem vinculados a um período de fidelização como contrapartida de cedência de equipamentos a preços reduzidos e aos custos de compatibilidade associados à aquisição de equipamentos que apenas permitem usufruir dos serviços oferecidos por determinado operador/prestador.
O ICP-Autoridade Nacional de Comunicações determinou nomeadamente que os contratos deviam incluir um meio, expedito e simples, do assinante saber o valor que terá de pagar e respectiva fórmula de cálculo se rescindir antecipadamente e que, nessa situação, tem direito ao desbloqueio do equipamento pelo preço que consta do contrato, não lhe podendo ser exigido, a nenhum título, quantia suplementar.
Na sequência destas determinações, visando garantir o direito dos utilizadores e uma maior concorrência, o artigo 2.º, n.º 2, alíneas a) a c) daquele diploma estabeleceu limites à cobrança de contrapartidas, calculados com referência ao valor do equipamento.
E, no n.º 3, o legislador proibiu, em conformidade com os objectivos anunciados no respectivo preâmbulo, a cobrança de qualquer outra contrapartida a título indemnizatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização.
Atendendo à inserção sistemática desta última norma, deverá ser conjugada com a anterior (n.º 2) e com as preocupações vertidas no referido preâmbulo, que consistiram precisamente em limitar a penalidade a um determinado valor decorrente da resolução antecipada do contrato, ao assinante que beneficiou do fornecimento de equipamento com preços reduzidos, sendo totalmente proibida, nesse caso específico, a exigência de qualquer outra quantia.
A directiva 2002/22/CE de 27.03 do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas foi alterada pela directiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25.11.
Uma das alterações incidiu sobre o artigo 20.º relativo aos contratos, impondo que deverão especificar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, no mínimo, a duração do contrato e as condições de renovação e cessação dos serviços e do contrato, incluindo:
--qualquer utilização ou período contratual mínimos exigidos para beneficiar de condições promocionais,
--eventuais encargos decorrentes da portabilidade dos números e outros identificadores, e
--eventuais encargos decorrentes da cessação do contrato, incluindo a recuperação dos custos associados aos equipamentos terminais. (al. e))
As mencionadas directivas 2002/19, 2002/20 e 2002/21 foram revogadas pela directiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25.11, transposta, tal como a directiva 2009/136/CE que alterou a directiva 2002/22/CE relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, para a nossa ordem jurídica através da Lei n.º 51/2011 de 13.09, que procedeu à sexta alteração da Lei das Comunicações Electrónicas.
A referida Lei n.º 51/2011 de 13.09, em conformidade com a directiva 2002/22/CE relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, alterou o artigo 48.º (contratos) e o artigo 2.º, n.º 2 da Lei das Comunicações Electrónicas.
Assim, foi aditado ao artigo 48.º, na parte que interessa, o n.º 2 com o seguinte teor:
A informação relativa à duração dos contratos deve incluir a indicação da existência de períodos contratuais mínimos associados, designadamente, à oferta de condições promocionais, à subsidiação de custo de equipamentos terminais ou ao pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores, bem como indicar eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato por iniciativa do assinante nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais. (negrito nosso)
Sem prejuízo da existência de períodos contratuais mínimos, acrescenta-se no n.º 5, que as empresas não devem estabelecer condições contratuais desproporcionadas ou procedimentos de resolução dos contratos excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante.
A rescisão do contrato pelo assinante, sem qualquer penalidade, só é aplicável no caso em que ocorram alterações contratuais em que não seja possível identificar qualquer vantagem objectiva para aquele, não afastando o regime de contrapartidas previstas para a rescisão antecipada do contrato que estabeleça períodos contratuais mínimos. (cfr. n.ºs 6 e 7)
Em suma, resulta deste quadro legal que, após a directiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25.11 que alterou a directiva 2002/22/CE de 27.03 do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, o legislador europeu e português pretendeu conciliar um ambiente concorrencial permitindo a mudança de operador sem entraves legais, técnicos ou práticos, com a possibilidade de imposição de prazos contratuais mínimos razoáves (considerando 47)
A evolução da legislação sobre comunicações electrónicas conduz-nos, com segurança, à conclusão de que é legalmente admissível a fixação de cláusulas penais nomeadamente quando se estabeleça prazos de fidelização, sem entrega de equipamentos a preços reduzidos, e o contrato seja antecipadamente resolvido pelo utilizador.
Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 01.04.2014 , no seguimento do Ac. dessa Relação de 09.09.2013, defendeu igualmente que nada veda a previsão de cláusulas penais em contratos que não oferecem equipamentos a preços reduzidos uma vez que, no mercado concorrencial, são praticadas outras formas de promoção (subsidiação de tarifário) com repercussão prolongada até para além do período de fidelização.
Este entendimento maioritário na Relação do Porto sufraga uma interpretação no sentido não derrogatório, sobre esta questão, da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004) decorrente da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 56/2010 de 01.06.
Na linha argumentativa dos doutos arestos que se pronunciaram sobre esta problemática, as alterações introduzidas na Lei n.º 5/2004 de 10.02 (Lei das Comunicações Electrónicas) pela Lei n.º 51/2011 de 13.09 permitem que a operadora, em conformidade com a autonomia contratual, possa exigir, em contrapartida de determinados benefícios promocionais dos respectivos tarifários, um período contratual mínimo, o qual, se não for cumprido pelo utilizador, o obriga a proceder ao pagamento de uma indemnização, previamente fixada no contrato para esse efeito.
Consta do contrato junto a fls. 47 a 54, mais precisamente da cláusula 6, n.º 3, de fls. 51, e reproduzida nos aditamentos que “No caso de o cliente não cumprir pontualmente o Contrato…a optimus pode exigir o pagamento antecipado das Mensalidades vincendas que seriam devidas até ao fim do prazo contratado, a título de indemnização pelo incumprimento.
Portanto, a Autora alegou e provou a existência de uma cláusula penal no contrato, que desempenha a dupla função ressarcidora e coercitiva na medida em que pressiona o devedor ao cumprimento e o quantum aí fixado substitui o cumprimento ou a indemnização por não cumprimento.
Por outro lado, também ficou provado que a Ré resolveu o contrato antecipadamente, ou seja, antes do termo do período de fidelização acordado entre as partes.
Antes de mais, cumpre notar que a Ré, até à data em que resolveu o contrato, cumpriu-o pontualmente, no que respeita ao pagamento do serviço fornecido pela Autora.
No entanto, a questão que agora se suscita consiste em saber se a Autora tem direito a exigir o pagamento da cláusula penal uma vez que o contrato foi resolvido antecipadamente pela Ré.
É que se o contraente tiver motivos válidos para resolver o contrato, não poderá ficar vinculado até ao termo do período de fidelização, em razão do incumprimento ou cumprimento defeituoso do operador.
Como refere Brandão Proença , a resolução surge como poder unilateral de extinguir um contrato (maxime bilateral) válido, em virtude de circunstâncias posteriores à sua conclusão e frustrantes (o facto subjectivo de um certo incumprimento) do interesse na execução contratual ou desequilibradoras (o facto objectivo de uma anómala alteração ou a não verificação das condições contratuais pressupostas) da relação de equivalência económica entre as prestações e desencadenado uma normal “liquidação” retroactiva.
Analisando :
A Ré remeteu à Autora a missiva junta a fls. 10 comunicando-lhe a resolução do contrato motivada por incumprimento das prestações de serviços atenta a falta de funcionamento dos equipamentos instalados, onde nem o telefone fixo nem os telemóveis funcionam correctamente.
Reproduziu, quanto aos motivos da resolução, os vícios e defeitos denunciados em 15 de Maio de 2013, e que se mantinham em 27 de junho de 2013 (data da missiva).
Acrescentou que interpelou a Autora sucessivamente para reparar os equipamentos instalados, por telefone e por carta, e que nenhuma iniciativa foi tomada para resolver o problema, causando um prejuízo enorme na actividade da empresa.
Na carta datada de 15 de Maio de 2013, a Ré reclamou sobre o mau funcionamento dos novos equipamentos, desta feita por escrito uma vez que referiu ter reclamado por telefone por mais de 10 vezes, sem sucesso.
Comunicou à Autora que:
--os telefones fixos não funcionam bem. O sinal de chamada é dado mas quando atendem, a chamada desliga-se ou se por acaso se mantiver aberta a ligação não se ouve nenhum som do outro lado.
--os três telemóveis que estão no contrato não recebem SMS nem MMSs.
Finalizou concedendo um prazo de oito dias para a resolução desses problemas, sob pena de procederem à anulação do contrato.
Na cláusula 12.8 das Condições Gerais, ficou consignado que “O Cliente poderá rescindir o contrato com base no incumprimento da optimus de qualquer obrigação resultante do mesmo, por carta registada com aviso de recepção, enviada para o Apartado indicado na Proposta e onde faça prova da titularidade do contrato. A optimus poderá obstar à rescisão prevista no número anterior se, no prazo de 8 (oito) dias após a recepção da carta prevista nesse número, efectuar a sua prestação em falta ou ressarcir o dano ocorrido.”
Ora, a Optimus obrigou-se, nos termos da cláusula 8.1 (Garantias do Serviço), a reparar eventuais avarias que ocorram na sua prestação e a cumprir os níveis de qualidade a que se encontra obrigada, sob pena de indemnização do cliente através de emissão de nota de crédito ou desconto na factura pelo valor correspondente ao valor da mensalidade devida pelo cliente proporcional ao período de tempo em que se verificou a restrição, suspensão ou limitação da oferta em inobservância do nível de qualidade que estiver em causa.
Não resulta da factualidade provada ter a Autora reparado ou tentado rectificar as anomalias sucessivamente denunciadas pela Ré no sentido de repor o nível de qualidade da prestação do serviço, ao qual se encontrava vinculada.
Acresce que a falta de prova de que os telemóveis nunca receberam SMS'S nem MMS's não significa que ficou demonstrado o contrário.
Considerando que a cláusula penal só seria devida no caso de incumprimento do contrato e que os seus efeitos foram extintos mediante válida declaração resolutiva por parte da Ré, recebida pela Autora, em relação à qual não impediu a sua concretização nos termos da mencionada cláusula 12.8 das Condições Gerais, não lhe assiste o direito de exigir o respectivo pagamento.
Por outras palavras, tendo o contrato sido resolvido pela utilizadora, aqui Ré, de forma válida, ou seja, com escopo de desvinculação motivada e eficácia ex nunc, por se tratar de contrato de execução continuada, e não tendo a Autora obstado, nos termos contratuais, à produção desse efeito extintivo, não se pode afirmar que ocorreu incumprimento do contrato pela utilizadora (arts. 432.º, 434.º, n.º 2, 436.º, 801.º, n.º 2, 802.º ex vi do art. 808.º, n.º 1 do C.Civil).
Em resumo, a resolução antecipada do contrato por parte da utilizadora, no qual se estabelecia um período de fidelização, não implica o pagamento da indemnização previamente fixada na cláusula penal para o caso de incumprimento, uma vez que ocorreram motivos sérios relacionados com o incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação desse serviço.
A sentença deverá ser confirmada, embora com diferente fundamentação.
*
V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença.
Custas pela apelante.
Notifique e registe.
**
Guimarães, 09 de Junho de 2016
(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)
(Fernando Fernandes Freitas)
*
1 Cfr. Preâmbulo do referido diploma.
2 Disponível in www.dgsi.pt.
3 conf. Acs. de 09.09.2013, 20.05.2014, 16.09.2014 e 28.04.2015, disponíveis em www.dgsi. pt.; em sentido contrário, v. Ac. Rel.Porto de 26.06.2014.
4 .v. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 248 e ainda sobre a distinção entre as três modalidades da “cláusula penal” identificadas pela doutrina, cfr. o Ac. Rel. Porto de 03.03.2016 disponível em www.dgsi.pt;
5 A Resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra Editora, 1996, pág. 74; v. ainda, entre outros, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, Almedina, 4.ª edição, pág. 265.