Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
197//15.5YRGMR G1
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
REMANESCENTE PENA DE PRISÃO NÃO EXCEDENTE A UM ANO
MOMENTO DE APLICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O regime de permanência na habitação, nos casos do artº 44º, do Código Penal em que em que o remanescente da pena de prisão não excede um ano, não pode ser aplicado em momento posterior à sentença condenatória.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães


I – RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos de Execução de Sentença Estrangeira, através do requerimento de fls. 178 (apresentado no dia 26.02.2016), veio o condenado Miguel F. solicitar que lhe fosse permitido cumprir o remanescente da pena de prisão (já inferior a um ano) em regime de permanência na habitação, com fiscalização electrónica.
2. Tal requerimento veio a ser indeferido por despacho judicial de fls 181 e 182 (proferido em 01.03.2016) que tem com o seguinte teor (transcrição):
Pretende o condenado autorização para a cumprir a pena que lhe foi aplicada em regime de permanência na habitação, com recurso à fiscalização electrónica, nos termos do disposto no artigo 44.º/1,b) do Código Penal.
O Ministério Público pronunciou-se, promovendo o indeferimento do requerido, por ausência de fundamento legal.
Cumpre decidir.
Como se refere, de forma lapidar, nos acs. TRC de 27.6.2012, proc 81/10.9GBILH.C1, e Ac TRP 7.2.2013, proc 403/10.2GAVLC.A.P1, ambos disponíveis em www. dgsi.pt, o regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e, deste modo, apenas pode ser decidido na sentença, pelo tribunal de julgamento, e não na fase de execução da sentença, como se constituísse mero incidente da execução da pena de prisão.
É precisamente o caso dos autos.
Na verdade, o que o condenado pretende é alterar a natureza da pena que lhe foi aplicada, sendo certo que esta matéria é da exclusiva competência do Tribunal que a aplicou, no caso as Autoridades Espanholas, razão pela qual não pôde o Tribunal nacional aceder ao requerimento para suspensão da execução da pena de prisão, como também não poderá aceder ao requerimento do condenado para cumprir a pena que lhe foi aplicada em regime de permanência na habitação, com recurso à fiscalização electrónica.
Face ao exposto, indefere-se o requerido pelo condenado Miguel F..
Notifique.
(…)”
3. Inconformado com o assim decidido, o condenado interpôs recurso (constante de fls. 196 a 212) finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“1 - O Recorrente encontra-se, atualmente, a cumprir pena de 1 ano e 3 meses de prisão efetiva, por sentença espanhola, que originou o Mandado de detenção Europeu.
II - Tal pena atingirá a sua metade a 10/07/2016, os dois terços a 24/09/2016, estando prevista o seu termo para 23/02/2017.
III - O Recorrente à data já cumpriu mais de 3 meses no E.P. anexo à P.J. do Porto, peto que lhe testam cumprir menos de 1 ano de pena.
IV - Pretende, por isso, que lhe seja permitido cumprir o remanescente da pena em regime de permanência na habitação, por entender preencher os requisitos previstos na alínea b’ do n.°1 do artigo 44.° do Código Penal.
V - Por douto Ac. desta Relação foi recusada a execução do Mandado de detenção Europeu e ordenada que a execução da pena de 1 ano e 3 meses fosse executada pelo Tribunal de primeira instância português da área de residência do condenado.
VI – Dispõe o artigo 101.º da Lei n.º 144/99 de 31/08, que: “1 - a execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa; 2 - as sentenças estrangeiras executadas em Portugal produzem os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses”
VIl - Não entende, o recorrente, o porquê do tribunal a quo não averiguar, sequer, a aplicação do regime previsto no artigo 44.° n.°1 alínea b) do Código Penal se, em casos de sentenças nacionais são aplicadas, ao cumprimento das respetivas penas, outros regimes previstos quer no código penal quer em outras legislações penais, quer o que ora se pugna e pugnou.»
VIII — Entende o Ilustre doutrinador André Leite que o regime previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 44.° do C. Penal se trata de uma forma de cumprimento da pena privativa da liberdade”, e no como uma pena de substituição.
IX — A filosofia do preceito previsto no artigo 44.° do C.P. assenta numa evidente reação contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão, situando-se a meio caminho entre a suspenso da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela rutura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutivo às finalidades das penas em geral.
X - In casu, tem aplicação o disposto no art. 44 n° 1 alínea b’, atendendo a circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do arguido que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, e que permitam uma mais rápida e eficaz ressocialização.
XI - O arguido tem uma personalidade, postura e atitude conformes e normativas, estando totalmente inserido social, familiar, laboral e economicamente, sendo um elemento válido e preponderante na sociedade onde se encontra inserido.
XII - Não apresenta uma verdadeira carreira criminosa e é de jovem idade.
XIII - A aplicação do regime de permanência na habitação não se opõe fortes exigências de prevenção ou de ordem e paz social.
XIV - Com a permanência na habitação, vulgo, pulseira eletrónica fica e ficará demonstrada de forma clara à comunidade que as normas violadas ainda continuam em vigor, e que os bens jurídicos violados estão protegidos pelo sistema jurídico.
XV - O recorrente tem suporte familiar e da companheira com quem vivia, antes da reclusão, o que permite concluir pela boa execução de tal regime.
XVI - A aplicação do regime de permanência na habitação, em momento algum coloca em causa o princípio do reconhecimento mútuo firmado entre os Estados Membros.
XVII - O que importará, sem dúvida, é certamente o cumprimento da pena fixada pela sentença espanhola, ficando o Tribunal do foro competente pela sua execução, entendendo o recorrente, que não releva para o foro espanhol a forma como a mesma é executada, o que verdadeiramente importa e importará é que se cumpra e se execute, de acordo com os preceitos do foro sem nunca ofender os direitos do condenado.
XVIII - Tendo esse mesmo cumprimento/execução de ser avaliado segundo as finalidades ínsitas às próprias penas que o ordenamento jurídico do foro quis consagrar e com elas lodos os direitos subjacentes a esse mesmo cumprimento, máxime - ressocialização eficaz dos delinquentes.
XIX - Pois se assim não fosse, os sujeitos alvos de Mandados de detenção que cumprissem a pena estrangeira em território Nacional, viam ser arredados da sua esfera jurídica direitos legais e constitucionalmente consagrados como o direito da liberdade condicional, ou, in casu, o direito do regime de permanência na habitação.
XX — O que a acontecer seria contra legislação e contra sensu, pois estariam a frustrar-se todas as finalidades que estão na base da prevenção geral e especial.
XXI - o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, é suscetível de garantir a necessária proteção do bem jurídico lesado e a recondução do arguido aos valores sociais dominantes - por um lado, porque o confina à sua residência, afastando-o da possibilidade de a reincidir: por outro lado, porque lhe dá tempo para refletir sobre o comportamento passado e futuro, e mais facilmente vislumbrar as vantagens de uma vivência em liberdade, junto da família e dos demais que consigo privam -, razões pelas quais se entende de aplicar, por se verificarem preenchidos os respetivos requisitos legais (art.° 44.°. 1 b), do Cód. Penal).
Nestes termos e nos melhores de direito que V.s Ex.s, Venerandos Juízes Desembargadores, suprirão, deverá ser admitido e procedente o presente recurso e a final, deverão V.°s Ex.s revogar o douto despacho que ora se recorre e o substitua por um outro que aplique a permanência na habitação previsto na alínea b) do n.°1 do artigo 44.° do C.P., fazendo assim tão almejada JUSTIÇA que nos vêm habituando.”

4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 213.
5. O Ministério Público junto do tribunal recorrido (a fls. 216 a 218) respondeu ao recurso, concluindo da respectiva improcedência e manutenção da decisão recorrida.
6. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta (a fls. 227 e 228), sufragando posição evidenciada pelo magistrado do Ministério Público da primeira instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
7. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
8. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objecto do recurso
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a questão que fundamentalmente se coloca consiste em saber se o regime de permanência na habitação, nos casos do artigo 44º do Código Penal em que o remanescente da pena de prisão não excede um ano, pode ser aplicado em momento posterior à sentença condenatória.

2. Antes de passarmos à análise da questão, importa dar nota das mais relevantes ocorrências processuais até à prolação da decisão recorrida:
2.1. O ora recorrente, por sentença transitada em julgado proferida pelo Julgado Penal nº 5 de Zaragoza, no âmbito do Procedimento Abreviado nº 137/2014, foi condenado na pena de um ano e três meses de prisão, pela prática de um crime de roubo com violência p. e p. pelos arts 242º nº 1 e 242º nº 4 do Código Espanhol.
2.2. Na sequência de MDE emitido pelas Autoridades Espanholas com vista à entrega àquelas do condenado a fim de cumprir tal pena, por acórdão preferido por este Tribunal da Relação de Guimarães em 18.01.2016 (devidamente transitado em julgado), foi recusada a execução do MDE, mas declarada exequível em Portugal a sentença em causa e confirmada a pena aplicada de 1 ano e 3 meses de prisão.
2.2. O recorrente encontra-se ininterruptamente detido à ordem destes autos a cumprir tal pena desde 26.11.2015, sendo que já anteriormente havia sofrido 2 dias de detenção em Espanha (dias 27 e 28 de Novembro de 2013).
2.3. O recorrente, por requerimento apresentado em 26.02.2016, veio solicitar que o cumprimento do remanescente da pena de prisão tivesse lugar em regime de obrigação de permanência na habitação ao abrigo do disposto no artº 44º, nº 1 b) do Código Penal.
2.4.Tal pedido foi-lhe indeferido por despacho de fls. 181 e 182 (já supra transcrito), ora sob recurso.

3. Apreciação do recurso
Insurge-se o recorrente contra o despacho recorrido, que indeferiu o seu pedido de cumprimento do remanescente da pena de 1 ano e 3 meses de prisão. Para tanto, alega e defende, em síntese, que: já cumpriu mais de 3 meses no EP anexo à PJ do Porto, pelo que se encontram reunidos os requisitos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 44 do Código Penal (ou seja a pena a cumprir já é inferior a um ano); que o regime previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 44º do Código Penal desaconselha a privação de liberdade em estabelecimento prisional; que está totalmente inserido social, familiar, laboral e economicamente, sendo de idade jovem, pelo que, à aplicação do regime de permanência na habitação, não se opõem exigências de prevenção geral ou especial, e melhor contribuem para a sua reinserção; que o regime previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 44º do Código Penal se trata de uma forma de cumprimento da pena privativa de liberdade, e não de uma pena de substituição; que a aplicação, nesta altura, do regime de permanência na habitação não coloca em causa o reconhecimento mútuo dos Estados Membros.

Vejamos, desde já adiantando que a pretensão do recorrente não consegue lograr êxito.
Inserido no Título III do Código Penal, mais concretamente no Capítulo II, que tem por objecto a definição das penas, o artigo 44º do Código Penal, com a epígrafe de “Regime de permanência na habitação”, estabelece que, com o consentimento do condenado, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano (descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação), pode ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que este modo de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Podendo, excepcionalmente, ainda ser uma alternativa em penas até dois anos.
Este preceito foi introduzido pela primeira vez no sistema penal português com a Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro (entrada em vigor a 15 de Setembro de 2007) e corporiza a preocupação do legislador na criação de um sistema punitivo com predominância das finalidades pedagógicas e ressocializadoras das penas, que dificilmente se harmonizam com o cumprimento de prisão em meio prisional, pelos seus conhecidos efeitos criminógenos.
Correspondendo a consagração no Código Penal da medida de obrigação de permanência na habitação, à instituição de uma nova pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, com a mesma natureza de outras penas de substituição, como sejam a prisão por dias livres e o regime de semidetenção, na medida em que todas elas são penas de substituição detentivas da liberdade, que representam uma alternativa ao clássico cumprimento da prisão em estabelecimento prisional (contínuo).
Aliás, no sentido de que se trata de uma pena de substituição (e não de uma forma de cumprimento da pena privativa de liberdade como defende o recorrente), na procura do pensamento, vontade e objectivos do legislador, refere-se expressamente na exposição de motivos (ponto 5.) da Proposta de Lei nº 98/X Que pode ser consultada em http://www.dgpj.mj.pt/sections/politica-legislativa/anexos/legislacao-avulsa/revisao-do-codigo-penal/downloadFile/attachedFile_f0/Proposta_de_Lei_98-X-, que deu origem à Lei nº 59/2007: «No Título III, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prevêem-se novas penas substitutivas da pena de prisão e alarga-se o âmbito de aplicação das já existentes. Assim, a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais (gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar ao cuidado), dois anos. A proibição de exercício de profissão, função ou actividade poderá substituir penas de prisão até três anos. O trabalho a favor da comunidade pode substituir doravante penas de prisão até dois anos e não apenas até um ano. Os restantes institutos – substituição por pena de multa, prisão por dias livres e regime de semidetenção - passam a referir-se a penas de prisão até um ano.». (sublinhado nosso)
Colhe-se clara e expressamente deste texto, ter sido intenção do legislador (o elemento teleológico) atribuir natureza de pena substitutiva ao regime de permanência na habitação.
Constituindo este regime uma nova pena de substituição, e não uma forma de execução da pena, o momento próprio da sua aplicação é o da sentença condenatória.
A propósito da natureza do regime de permanência na habitação, refere Paulo Pinto de Albuquerque: “O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão. Não se trata, pois, de um mero regime de cumprimento da pena de prisão, que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação (…) A configuração da permanência na habitação como uma verdadeira pena de substituição é rica em consequências substantivas e processuais. Desde logo, compete ao tribunal de julgamento ordenar a substituição, em função da situação pessoal e familiar “à data da condenação”, como se diz expressamente no nº 2. O termo de referência temporal à data da condenação deixa absolutamente claro o propósito do legislador sobre a natureza desta pena de substituição e, portanto, também sobre a competência exclusiva do tribunal de julgamento para a sua aplicação (…) a sua não aplicação após o trânsito em julgado da sentença condenatória em pena de prisão” (cfr. citado autor, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, 3ª Edição actualizada, Novembro 2015, pags. 288 e 289).
Efectivamente, é a sentença a peça processual adequada à ponderação da verificação dos pressupostos das medidas de substituição da pena, que têm de aferir-se no momento da condenação.
Como ensina Figueiredo Dias “(...) o processo de determinação da pena não se esgota nas operações de determinação da pena aplicável e de determinação da medida da pena, mas comporta ainda, ao menos de forma eventual, uma terceira operação, a da escolha da pena, (...) uma vez determinada a medida de uma pena de prisão, o tribunal verifica que pode aplicar, em vez dela, uma pena de substituição, devendo então proceder à determinação da medida da mesma (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 326).
E mesmo quando não está em causa a substituição do cumprimento de toda a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano (ou excepcionalmente a dois), mas apenas a aplicação do regime de permanência na habitação aos casos de cumprimento do remanescente da pena, conforme previsão da al. b) do nº 1 do artigo 44º, que no rigor dos princípios, se poderá já qualificar antes como uma regra de execução do remanescente, também se impõe a sua consideração em sede de sentença condenatória, como resulta do próprio texto legal. Pois é sempre nessa altura, ou seja “à data da condenação”, o momento adequado para ponderar se “aquela forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
De tudo assim vem decorrendo que o regime de permanência na habitação previsto no artigo 44º do Código Penal só pode ser aplicado na sentença condenatória, pelo tribunal de julgamento, e nunca na fase de execução da pena privativa da liberdade.
E também quanto a esta questão, a jurisprudência tem sido pacífica.
A título de exemplo passaremos a citar o sumariado em alguns acórdãos com relevância para a nossa questão
Assim:
O regime de permanência na habitação constitui pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, pelo que não pode ser aplicado posteriormente, por via incidental, na fase de execução da pena privativa da liberdade” (Ac da Relação de Évora de 10/12/2009 in CJ, XXXIV, V, 243)

O Regime de permanência na Habitação (art.º 44º C. Penal) tem a natureza de pena de substituição: não se trata nem de um mero regime de cumprimento da pena de prisão que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação nem um meio de substituir a execução de penas de prisão que resultem do incumprimento de outras penas de substituição.” (Ac da Relação do Porto de 19/5/2010, processo 117/07.0GAPFR-A.P1, in www.dgsi.pt)

I - O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e, deste modo, apenas pode ser decidida na sentença, pelo tribunal de julgamento, e não na fase de execução da sentença, como se constituísse mero incidente da execução da pena de prisão.” (Ac da Relação de Coimbra de 27/06/2012, processo 81/10.9GBILH.C1, in www.dgsi.pt)

1. A pena de prisão a executar no regime de permanência na habitação, nos termos do art. 44.º do Código Penal, é uma pena de substituição, e não uma forma especial de cumprimento da pena de prisão.” (Ac da Relação de Coimbra de 21/04/2010, processo 2412/09.5TXCBR.C1, in www.dgsi.pt)

O regime de permanência na habitação previsto no artº 44º do Código Penal não constitui um mero regime de cumprimento da pena de prisão que possa ser aplicado posteriormente, por via incidental, na fase de execução da pena privativa da liberdade, mas tão só na sentença condenatória pelo tribunal de julgamento.” (Ac da Relação de Lisboa de 30/6/2010, processo 1441/06.5PSLSB-B.L1-3, in www.dgsi.pt).

I – O regime de permanência na habitação, configura uma nova pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio.
II - O momento para decidir da aplicação deste regime é o da sentença condenatória, não podendo ser aplicado posteriormente, por via incidental, na fase de execução da pena privativa da liberdade. (Ac da Relação de Lisboa de 23/9/2013, in CJ XXXV, IV, pags 135 e 136).

O arguido condenado na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, que se encontra em cumprimento de pena de 3 anos de prisão englobada naquele cúmulo, não obstante o remanescente da pena única não ser superior a 1 ano, não beneficia do regime de permanência na habitação previsto no artigo 44.º do Código Penal.” (Ac da Relação de Guimarães de 29/3/2011, processo 1507/09.0TABRG.G1, in www.dgsi.pt)

O regime de permanência na habitação, enquanto pena substitutiva da pena de prisão, só pode ser aplicado na própria sentença condenatória. (Ac da Relação do Porto de 7/03/2012, processo 403/10.2GAVLC-A.P1, in www.dgsi.pt)

I - O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e, deste modo, como sucede com a prisão por dias livres ou com o regime de semidetenção, apenas pode ser decidida na sentença, pelo tribunal de julgamento, e não na fase de execução da sentença, como se constituísse mero incidente da execução da pena de prisão.
II - E, se o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, não permite o artigo 44º, do C. Penal, que, tendo sido suspensa a execução da pena de prisão, em caso de posterior revogação da referida pena, possa ser perspectivada a aplicação daquele regime.” (Ac da Relação de Coimbra de 23/05/2012, processo 492/10.0GAILH.C1, in www.dgsi.pt)

Não é legalmente possível a ponderação e aplicação do regime previsto no art. 44° do C. Penal (regime de permanência na habitação) após o trânsito em julgado da sentença que condenou o arguido em pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano. (Ac da Relação do Porto de 21/11/2012, processo 178/11.8GAMUR.P2, in www.dgsi.pt).

I – A obrigação de permanência na habitação prevista no art.º 44º do C. Penal corresponde a uma nova pena de substituição e não a uma forma de execução da pena.
II – Consequentemente, o momento próprio da sua aplicação é o da sentença condenatória.
III - Mesmo quando está em causa a aplicação do regime de permanência na habitação aos casos de cumprimento do remanescente da pena, conforme previsão da al. b) do n° 1 do artigo 44°, que no rigor dos princípios, se poderá já qualificar antes como uma regra de execução do remanescente, também se impõe a sua consideração em sede de sentença condenatória.” (Ac da Relação do Porto de 18/09/2013, processo 1781/10.9JAPRT-C.P1, in www.dgsi.pt)

I – O regime de permanência na habitação a que alude o art. 44 do Código Penal constitui uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão, sendo competente para a sua aplicação o tribunal do julgamento no momento em que o efetua. Não é um mero regime de cumprimento da pena de prisão que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação.( Ac da Relação de Guimarães de 18/11/2013, processo 2441/12.1PBBRG-A.G1, in www.dgsi.pt)

I - O regime de permanência na habitação não é aplicável a uma pena de prisão que tenha resultado de multa não paga, de pena de prestação de trabalho não satisfeita ou de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
II - O momento da ponderação da aplicação de uma pena de substituição é na sentença e não posteriormente.”(Ac da Relação de Évora de 4/02/2014, processo 12/09.9GDVRS-A.E1, in www.dgsi.pt)

I – O regime de permanência na habitação é pena de substituição da pena de prisão e não uma forma de execução que possa ser aplicada em momento posterior ao da condenação (Ac da Relação de Lisboa de 14.10.2104, in CJ XXXIX, IV, pag 134).

O regime de permanência na habitação, constitui uma pena de substituição e não uma forma de execução da pena de prisão, por isso o momento próprio da sua aplicação é a sentença condenatória. (Ac da Relação do Porto de 3/12/2014, processo 148/13.1PGGDM, in www.dgsi.pt).

Ora, tendo em conta as referências doutrinais e jurisprudenciais atrás expostas, retomando o caso sub judice, é, pois, manifesto que o requerimento apresentado pelo condenado Hugo Torrão, pedindo o cumprimento em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 44º nº 1 b) do Código Penal, do remanescente da pena de prisão de um ano e três meses de prisão em que foi condenado, nunca poderia ser deferido, por já ter sido ultrapassado o momento processual próprio para tal que, como vimos, era a sentença condenatória.
E como referido no Acórdão da Relação do Porto, 30-06-2010 (Proc. 1441/06.5PSLSB-B.L1-3, Relatora Conceição Gonçalves, in www.dgsi.pt) Mas também a sentença condenatória é o momento para aplicar o regime de permanência na habitação como regra de execução nos casos de cumprimento do remanescente da pena.
A verdade é que a forma de execução do remanescente da pena de prisão é igualmente ponderado no momento da condenação. E se nestes casos do remanescente da pena, do ponto de vista dogmático e no rigor dos princípios, se não pode dizer que se trata de uma pena de substituição detentiva da liberdade, mas antes de uma regra de execução do remanescente, não é menos certo que o regime previsto no citado artº 44º impõe que a aplicação do regime de permanência na habitação seja ponderado e decidido aquando da sentença condenatória. O que se estabelece é o regime de execução do remanescente da pena, verificados aqueles pressupostos, “à data da condenação”, havendo do mesmo modo que ponderar na sentença condenatória se “aquela forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

E porque assim é, nunca o regime de permanência na habitação previsto no artº 44º do CP poderá ser aplicado na fase de execução da sentença, como se de um mero incidente se tratasse, como considera o recorrente, quando o remanescente da pena a cumprir já era inferior a um ano.
E recordemos que a pena de 1 ano e 3 meses de prisão aplicada naquela sentença proferida pelo Julgado Penal nº 5 de Zaragoza, foi confirmada por acórdão desta Relação de Guimarães proferido em 18.01.2016 e foi declarada exequível em Portugal.
E tanto aquela sentença espanhola, como o já referido acórdão desta Relação há muito transitaram em julgado.
Também por esta razão, para além de falta de qualquer cobertura legal no nosso direito interno, alterar o decidido seria atentar contra o princípio do reconhecimento e respeito mútuo e da confiança entre os Estados Membros.
Em síntese conclusiva, diremos que o regime de permanência na habitação previsto no artº 44º do Código Penal não constitui um mero regime de cumprimento da pena de prisão que possa ser aplicado posteriormente, por via incidental, na fase de execução da pena privativa da liberdade, mas tão só na sentença condenatória pelo tribunal de julgamento.
Deste modo, tem-se por prejudicada a análise da ocorrência dos requisitos de índole excepcional, de natureza pessoal ou familiar invocados pelo arguido.
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Assim, numa síntese do que vínhamos dizendo, não merecendo censura a decisão recorrida, deverá ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, confirmada aquela.
Mais se deixa ainda consignado que não se mostram violados (na decisão recorrida, ou seja, por parte do tribunal a quo) quaisquer princípios ou normativos legais, designadamente os invocados no recurso.
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III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s, sem prejuízo do que dispõe o artigo 4º nº 1 alínea j) do Regulamento das Custas Processuais.
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(Elaborado em computador e revisto pelo relator, o 1º signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
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Guimarães, 30 de Maio de 2016
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(Luís Coimbra - relator)

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(Maria Manuela Paupério - adjunta)