Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2568/17.3T8BRG.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRATO A TERMO
SUBSTITUIÇÃO DE TRABALHADOR
RELAÇÃO LABORAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

I. Quando o fundamento legal da contratação a termo é a “substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar”, o trabalhador substituto tanto pode assegurar o trabalho do trabalhador substituído como o de outro(s) trabalhador(es) que assegure(m) aquele, o que, em caso de rotatividade total ou parcial de tarefas entre os trabalhadores duma determinada secção, pode levar a situações diversas, sendo a efectiva substituição aferível, em última análise, pela manutenção do número de trabalhadores que no conjunto asseguram tais tarefas.
II. Quando o trabalhador contratado a termo está a substituir outro trabalhador, aquele fica colocado na posição em que este estaria se não estivesse temporariamente ausente ou impedido de trabalhar, pelo que eventuais mudanças na prestação do trabalho que o empregador pudesse determinar ao trabalhador substituído no exercício do poder de direcção, designadamente em termos de funções, tarefas ou locais, podem também ser determinadas ao trabalhador substituto.
III. Não pode o abuso de direito considerar-se verificado em determinada relação jurídica por referência ao modo como o seu titular o exerce em termos gerais e abstractos, relativamente à generalidade das pessoas (no caso, candidatos a emprego ou trabalhadores), se o exercício do direito naquela em concreto não exceder os limites da boa-fé ou o fim social ou económico subjacente à sua atribuição.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

N. C. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X CAR MULTIMEDIA PORTUGAL, S.A., pedindo que seja considerado sem termo o contrato celebrado em 13/06/2014 entre o Autor e a Ré e esta condenada a:

a) reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor e a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou, no caso de este optar, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 45 dias de remuneração de base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado de decisão final;
b) pagar-lhe a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida; e
c) pagar ao Autor e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas pela sentença que vier a ser proferida e a partir da data em que a mesma puder ser executada.
Para tanto alegou, em síntese, que, tendo celebrado com a Ré o referido contrato de trabalho a termo incerto, aquela comunicou-lhe que o mesmo caducaria em 7/09/2016. No entanto, do referido contrato celebrado ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art. 140.º do Código do Trabalho não resulta identificada em concreto a necessidade temporária da empresa, a qual, por outro lado, também não corresponde à realidade, sendo certo ainda que a Ré vem adoptando reiteradamente uma prática de contratação a termo contrária às finalidades desta. Assim, o contrato em causa deve ser considerado como contrato sem termo.
A Ré apresentou contestação, onde, para além de impugnar parte dos factos alegados pelo Autor, sustenta que a contratação daquele a termo teve como objectivo real a substituição da trabalhadora da Ré, M. F., operadora especializada, a trabalhar na secção LOG3, onde executava funções inerentes à respectiva categoria profissional, estando a justificação da aposição do termo suficientemente concretizada no contrato, devendo improceder a acção. Em reconvenção, pede que, caso venha a ser declarada a ilicitude do despedimento, sejam deduzidas aos montantes que vierem a ser devidos ao Autor as quantias eventualmente recebidas nos termos das als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, bem como a quantia global de 2.408,11 € que a Ré lhe pagou a título de compensação por caducidade e créditos emergentes da cessação, devendo proceder-se a compensação.
Findos os articulados, foi admitida a reconvenção, proferido despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Realizou-se a audiência de julgamento, no decurso da qual o Autor declarou optar pela reintegração no seu posto de trabalho.

Após, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgando a acção improcedente, por não provada, absolvo a Ré dos pedidos contra ela formulados.
Sem custas, dado que o Autor goza de isenção.»

O Autor, inconformado, interpôs recurso da sentença, formulando conclusões, das quais se realça:
«(…)
D) Na acção invoca-se, em suma, a nulidade do contrato a termo, a inexistência de caducidade do contrato e a ilicitude do despedimento do Recorrente pela Recorrida, sustentado que, inicialmente, em 17/04/2005, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, com a designação de Y Auto-Rádio Portugal, Ldª, que pertencia ao grupo X NIPC ........., por contrato de trabalho a termo incerto, para trabalhar, como trabalhou, nas instalações da ora Ré, com funções correspondentes à categoria de operador de logística, com o motivo de manutenção da produção de quantidades, que vigorou de 17/06/2014 a 03/02/2009; em 13/06/2014, com efeitos a partir do dia 16/06/2014, a Ré admite novamente o Autor ao seu serviço, mediante contrato de trabalho designado “a termo incerto”, para as funções de operador de logística, que o motivo invocado é a substituir a trabalhadora M. F.; Ré não identifica em concreto a necessidade temporária da empresa, que o contrato não faz referência à categoria profissional da alegada trabalhadora subsituida, como não indica a necessidade em concreto da admissão de um operador de logística no seio da organização produtiva da empresa, sendo omisso em relação à secção em que trabalha e à organização produtiva da empresa; que o Autor não exerceu as mesmas funções da referida trabalhadora, atendendo que nos últimos meses do contrato recolhia o lixo (big bags); que o autor foi admitido para uma necessidade permanente e não temporária da Ré; que a Ré tem admitido desde a data de admissão do Autor dezenas de trabalhadores, incluindo operadores de logística; que a Ré contrata centenas de trabalhadores a termo, de forma sistemática e reiterada por forma contornar as normas que regulam o contrato por tempo indeterminado, o qual tem sido reconhecido em diversas ações judiciais, e prejudicando, assim, os trabalhadores; a comunicação da Ré, por de carta datada de 05/09/2016 com efeitos a partir do dia 07/09/2016, não se traduz em qualquer caducidade do contrato, mas num despedimento ilícito do trabalhador, Recorrente, devendo a Recorrida ser condenada na reintegração e no pagamento das retribuições vencidas e vincendas;
E) A Recorrida na contestação limita-se, de forma conclusiva, a referir que o trabalhador confunde posto de trabalho com categoria profissional, sustentando que o contrato cumpre com todos os requisitos, tendo o mesmo cessado por caducidade, apresentando, no final, um pedido reconvencional relativo à compensação paga no termino do contrato e de proporcionais de ferias, subsídio de ferias e de Natal, no valor global de € 2.408,11, o qual o Recorrente responde e contesta o pedido reconvencional, confirmando o vertido na inicial, esclarecendo que a recolha de lixo antes de ser desempenhado por si era pelo J. F. e não pela trabalhadora que figura no contrato;
F) O tribunal a quo profere sentença no qual entendeu que o contrato a termo é valido, que se encontra provado o motivo justificativo, existindo uma presunção da validade para aposição do motivo justificativo no contrato a termo, sustentando que inexiste abuso de direito pela empregadora na contratação a termo, absolvendo, assim, a Recorrida dos pedidos formulados pelo Recorrente;
G) Sempre com o devido respeito, entende-se que a sentença recorrida, quer na decisão da matéria de facto e de direito encontra-se desconforme com a prova produzida como se verifica uma errada interpretação e aplicação das normas legais atinentes;
(…)
M) No que respeita à factualidade que foi considerada provada e não deveria ter sido importa referir a seguinte:
M.1) No que respeita ao vertido na al. h) da matéria assente, a expressão, “onde executada funções inerentes à respectiva categoria”, é manifestamente conclusivo e, nessa medida deve ser considerada não escrita, por outro lado, de acordo com o registo desta na empresa, a categoria atribuída é de operador especializado de 1ª, o que foi confirmado pela testemunha (…), pelo que apenas deve constar “A trabalhadora M. F., com a categoria de operadora especializada, trabalhava na secção LOG3”;
M.2) No que respeita ao vertido na al. i) da matéria assente, trata-se de matéria conclusiva que deve ser considerada como não escrita, para além de que é contraditória com a vertida na al. k) que refere que a trabalhadora M. F. não exercia funções de Big Bags (recolha de lixo), sendo que o depoimento das testemunhas (…)
M.3) Em relação à matéria assente na al. j), trata-se igualmente de matéria conclusiva e, como tal deve ser dada como não escrita, ao qual acresce o facto de ter sido completamente contrariada pelos depoimentos prestados pelas testemunhas (…)
M.4) No que se reporta à matéria vertida na al. k), mais uma vez reporta-se a uma afirmação conclusiva, na medida em que não descreve as funções que a trabalhadora “substituída” desempenhava, pelo que deve ser dada como não escrito. Acresce que, a função de big bags (recolha de lixo) não se enquadra nas funções de logística, como não foi desempenhada pela Trabalhadora M. F., conforme resulta dos depoimentos das testemunhas (…) por ultimo, que não tem cabimento que o Autor tenha aceite tal factualidade, conforme é referido pelo Tribunal a quo;
N)No que respeita à factualidade que não foi considerada provada e que deveria ter sido - não colhendo o argumento apresentado pelo tribunal de que se trata de matéria conclusiva e que não corresponde a verdade - é a seguinte:
N.1) No que respeita ao vertido no artº 4º da PI, a mesma encontra-se suportada no contrato de trabalho junto com a pi e identificado como doc. 2, sendo que se tal matéria não foi impugnada pela Recorrida pelo que, nos termos do artº 574, nº 2 do CPC, considera-se admitida por acordo, devendo ficar assente com a seguinte redacção: Inicialmente, em 17/04/2005, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, com a designação de Y Auto-Rádio Portugal, Ldª, que pertencia ao grupo X NIPC ........., por contrato de trabalho a termo incerto, para trabalhar, como trabalhou, nas instalações da ora Ré, sita na rua ... nº …, freguesia de ... em Braga.;
N.2) Em relação ao Artº 6º da PI, também esta factualidade encontra-se suportada no contrato de trabalho junto com a pi e identificado como doc. 2, sendo que a Ré não impugnou tal factualidade, pelo que deve ser admitida por acordo, ficando assente com o seguinte teor: No supra referido contrato é indicado como motivo justificativo “o presente contrato (…) é celebrado ao abrigo do artº 143º, alínea f), da Lei 99/2003 de 27 de Agosto, tendo como objectivo:
- Fazer face à manutenção das quantidades do Heatronic que se prevê começar a descer na 2ª metade do ano (conforme plano de produção fr 01.06.2005);
N.3) Deve igualmente ficar assente o vertido no artº 7º da PI, com a correcção da data da cessação, pela prova do contrato de trabalho e extracto da segurança social identificados por docs. 2 e 3 coma PI e, pelo facto de não ter sido impugnado pela Ré, à excepção de corrigir apenas a data da cessação, ficando, assim assente com o seguinte teor: Por virtude do referido contrato de trabalho, o Autor esteve ininterruptamente a prestar serviço nas instalações fabris da Ré, desde 17/06/2005 até 03/02/2009, data que a referida sociedade comunicou a cessação do contrato;
N.4) Em relação à factualidade vertida no artº 16º da PI, (…) devendo ficar assente com o seguinte teor: A Ré não identifica em concreto a necessidade temporária da empresa, nomeadamente não faz referência à categoria profissional da trabalhadora M. F., que figura como alegada trabalhadora substituída, como não indica a necessidade em concreto da admissão de um operador de logística no seio da organização produtiva da empresa, sendo omisso em relação à secção em que trabalha, sendo certo que também quanto à organização produtiva, não é feita qualquer referencia.
N.5) Relativamente ao artº 23º da PI, esta factualidade encontra-se comprovada, documentalmente, através do registo de empregadora em relação da trabalhadora M. F., atribui a categoria de operador de especializado, a exercer funções de operador de logística na secção “Log 3” e pelos depoimentos das testemunhas (...) pelo que deve tal factualidade ser dada como provada com a seguinte teor: Nos últimos 6 meses em que antecederam o seu despedimento, ou seja de Abril até 07/09/2016, o Autor exerceu as funções completamente distintas da trabalhadora M. F., que se encontra identificado no motivo justificativo;
N.6) Quanto ao vertido no artº 24º da PI, o mesmo encontra-se suportado, documentalmente no registo de empregadora em relação da trabalhadora M. F., aquela atribuía a esta a categoria de operador de especializado, a exercer funções de operador de logística na secção “Log 3” e nos depoimentos das testemunhas (…) pelo que deve ficar assente a factualidade em análise com o seguinte teor: As funções da trabalhadora M. F., eram prestadas na secção LOG3, em rotatividade no STE;
N.7) No que respeita ao vertido no artº 26º da PI, esta factualidade encontra-se suportada no registo de empregadora em relação da trabalhadora M. F. e pelo depoimento das testemunhas (…) pelo que deve ficar assente a factualidade em análise com o seguinte teor: O Autor, desde Abril até à data do seu despedimento, ocorrido a 07/09/2016, ou seja durante mais de 5 meses nunca exerceu as funções da trabalhadora M. F., indicada no contrato a termo e que alegadamente deveria ter substituído;
N.7) A factualidade vertida no artº 26º da PI encontra-se suportado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas (…) devendo ficar assente a seguinte factualidade: Nesse período (Abril até 07/09/2016), o Autor exercia funções no “BIG BAG”, que consistia em recolher nos contentores com resíduos (cartão plástico e esferovite e devolução de mercadorias);
N.8) No que concerne à factualidade vertida no artº 27º da PI, o local onde o Autor exercia as funções de recolha de lixo, no corredor entre o LOG 2 e LOG 3, encontra-se suportada nos depoimentos das testemunhas (…) devendo tal factualidade ser dada como assente com o seguinte teor: Esta função era desempenhada no corredor entre as áreas de logística, que correspondem a espaços distintos;
N.9) Relativamente à matéria vertida no artº 28º da PI, encontra-se, mais uma vez, suportada nos depoimentos das testemunhas (…) devendo ficar assente com o seguinte teor: “A função do Autor era, no seu horário, apenas desempenhado por este”;
N.10) Em relação ao artº 29º da PI a factualidade aí vertida encontra-se suportada pelos depoimentos das testemunhas (…) devendo tal factualidade ficar assente com o seguinte teor: As funções do Autor nas Big Bags eram anteriormente exercidas pelo F. J. e, nesta altura, quando faltava era substituído pelo C. B., D. ou P.;
N.11) O vertido no Artº 30º da PI encontra-se suportado pelo o registo em relação da trabalhadora M. F. e pelo depoimento das testemunhas (…) devendo, ficar assente com o seguinte teor: A comunicação que a Ré fez a cessar o contrato de trabalho do Autor, com efeitos a 07/09/2016, nada tem a ver com o término do motivo que consta no contrato a termo;
N.12) A factualidade vertida no artº 33º da PI encontra-se suportada no registo da empregadora em relação à trabalhadora M. F. e dos depoimentos das testemunhas (…) pelo que a mesma deve ficar assente com o seguinte teor: A comunicação da cessação do contrato nada teve a ver com qualquer eventual regresso da trabalhadora M. F., uma vez que esta exercia funções distintas em local de trabalho diferente que do Autor;
N.13) Em relação à factualidade vertida no artº 34º da PI a mesma encontra-se corroborada pelo teor da comunicação de cessação do contrato de trabalho por caducidade (…) pelo que deve ficar assente a seguinte factualidade: A comunicação de “caducidade do contrato de trabalho” não descreve nem faz referencia ao facto que sustenta a invocada caducidade, referindo, apenas “vimos comunicar-lhe que tal contrato caducará, deixando portanto de vigorar, ou seja deixaremos de o considerar ao nosso serviço a partir de 07.09.2016, inclusive.;
N.14) No que respeita a factualidade vertida no artº 36º-A da PI, encontra-se suportada na comunicação da Ré à Comissão de Trabalhadores, à listagem de trabalhadores contratados a termo e pelo depoimento das testemunhas (…) devendo, assim, ficar assente a seguinte factualidade: O Autor foi admitido para uma necessidade permanente e não transitória da Ré;
N.15) Em relação ao vertido no artº 38º da PI encontra-se suportado no teor da comunicação da Ré à Comissão de Trabalhadores, datada de 8/07/2014, da Listagem de trabalhadores contratados a termo e no âmbito de trabalho temporário, incluindo o Autor, no período de 31/12/2016 e do depoimento de (…) devendo ficar tal factualidade assente com a seguinte redacção: No período que antecedeu a celebração do último contrato a termo (16/06/2014), quer durante a vigência do mesmo (16/06/2014 a 07/09/2016), quer após o seu termo, a Ré sempre recorreu à contratação a termo de mais trabalhadores, nomeadamente para a logística;
N.16) No que respeita à factualidade vertida no artº 39º da PI encontra-se sustentada, documentalmente, pela comunicação da Ré à Comissão de Trabalhadores relativamente a admissão de trabalhadores e pela listagem dos trabalhadores contratados a termo e pelo depoimento das testemunhas (…) devendo tal matéria ficar assente com o seguinte teor: A Ré contrata sucessivamente centenas de trabalhadores a termo quer directamente, quer através de empresas de contrato temporário tal como a W, K. tempo Team para substituir outros cujos contratos faz entretanto cessar com o objectivo de contornar os motivos indicados para a celebração de tais contratos a termo, de dispor da tão reivindicada flexibilidade de mão-de-obra e de evitar o aumento do seu quadro de trabalhadores efectivos e o consequente aumento dos encargos e responsabilidades que os contratos sem termo necessariamente acarretam;
N.17) Em relação à factualidade vertida no artº 40º da PI, a sua prova resulta pelo facto de a Ré não a impugnar, pelo que, nos termos do artº 574º, nº 2 do CPC consideram-se admitidos por acordo, ficando a mesma assente com o seguinte teor: Nos anos de 2010 a 2017, em que a Ré admitiu os seguintes números de trabalhadores: 2010 – contrataram 338 trabalhadores a termo, tendo recorrido, também, à celebração de contratos de utilização de trabalho temporário, nomeadamente com as empresas K. e da W; 2011 – contrataram 343 trabalhadores a termo, tendo recorrido, igualmente, nesse ano, à celebração de contratos de utilização de trabalho temporário; 2012 – 146 trabalhadores a termo; 2013-150 trabalhadores a termo; 2014- 202 trabalhadores a termo; 2015- 308 trabalhadores a termo; 2016- 217 trabalhadores a termo;
N.18) Em relação ao vertido no artº 41º da PI, esta factualidade encontra-se provada pela não impugnação por parte da Ré do vertido no artº 40º da PI e supra referido – que se reporta ao numero de trabalhadores contratados a termo, de 2010 a 2017 – e, ainda, documentalmente, pela comunicação da Ré à Comissão de Trabalhadores em relação a admissão de trabalhadores, a Listagem de trabalhadores contratados a termo e pelo depoimento das testemunhas (…) devendo, assim, ficar assente, com a seguinte redacção: Pelo menos, desde 2010 a Ré quer directamente, quer por empresas de trabalho temporário, utiliza como regra na contratação inicial de qualquer trabalhadora o contrato de trabalho a termo, sempre com a indicação de motivos justificativos idênticos, como se estivesse perante um período experimental permanente;
N.19) A factualidade vertida no artº 42º encontra-se suportada no teor da comunicação da Ré à Comissão de Trabalhadores, datada de 8/07/2014, da Listagem de trabalhadores contratados a termo e no âmbito de trabalho temporário, incluindo o Autor, no período de 31/12/2016 e do depoimento de (…) devendo ficar assente com o seguinte teor: A Ré, desde, pelo menos 01/01/2010, que na contratação de qualquer trabalhador que vá exercer as funções pela primeira vez, no estabelecimento fabril, recorre sempre à contratação a termo;
N.20) Em relação ao vertido no artº 47º da PI, encontra-se suportado pelos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, secção social, proc. nº 195/13.3TTBRG.P1, de 3/11/2014, em que figura como Autor N. B. e Ré X Car Multimédia Portugal, SA e Tribunal da Relação do Porto, secção social, proc. nº 324/13.7TTBRG.P1, de 9/02/2015, em que figura como Autor S. S. e Ré X Car Multimédia Portugal, SA , em que declararam nulo o contrato a termo celebrado entre o trabalhador e a empregadora, a considerar que a comunicação de caducidade configura um despedimento ilícito, o registo do mapa de pessoal junto pela Ré aos autos, relativo aos trabalhadores N. B., D. M., J. S., G. M., S. S. e H. M., no qual consta a data de admissão, de cessação e de reintegração de cada um, a própria confissão da Ré no artº 37º da contestação, pelo que deve ficar a assente tal factualidade com a seguinte redacção: É também frequente a Ré acabar por impor aos trabalhadores que celebram contratos de meses/anos e que estão prestes a atingir o limite das duas renovações permitidas por lei, a alterar o período de prorrogação dos contratos para o limite máximo, ou então, alterar os termos dos respectivos contratos, incluindo o motivo justificativo, o qual, a título de exemplo, se identificam os trabalhadores N. B., D. M., J. S., G. M., C. V., H. M., entre outros;
N.21) O vertido no artº 48º da PI encontra-se corroborado acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, secção social, proc. nº 195/13.3TTBRG.P1, de 3/11/2014, em que figura como Autor N. B. e Ré X Car Multimédia Portugal, SA e Tribunal da Relação do Porto, secção social, proc. nº 324/13.7TTBRG.P1, de 9/02/2015, em que figura como Autor S. S. e Ré X Car Multimédia Portugal, SA , em que declararam nulo o contrato a termo celebrado entre o trabalhador e a empregadora, a considerar que a comunicação de caducidade configura um despedimento ilícito, O registo do mapa de pessoal junto pela Ré aos autos,relativo aos trabalhadores N. B., D. M., J. S., G. M., S. S. e H. M., no qual consta a data de admissão, de cessação e de reintegração de cada um, a própria confissão da Ré no artº 37º da contestação, pelo que deve ficar a assente tal factualidade com a seguinte redacção: Têm sido inúmeros os processos judiciais a reconhecer a nulidade dos contratos com o consequente reconhecimento da ilicitude do despedimento dos trabalhadores e que terminaram, quer por sentença condenatória, quer por transacção, na reintegração destes quer por acórdão quer por transacção e que, a título de exemplo, se identificam os seguintes: N. B., D. M., J. S., G. M., C. V. e H. M.;
N.22) Quanto ao vertido no artº 65º da PI, o mesmo não se encontra impugnado pela Ré, pelo que deve ficar assente com o seguinte teor: A Ré, como é publico e notório, é a maior empresa do distrito de Braga, com mais de 2000 trabalhadores ao seu serviço, tendo sempre obtido, no exercício da sua actividade elevados lucros, calculados quer mensalmente, quer anualmente.
(…)
P) Quer em face da alteração da decisão da matéria de facto assente, quer mesmo que assim não se entendesse alterar, o que não se concede, sempre impunha decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo, mais precisamente da nulidade do contrato a termo incerto celebrado a 13/06/2014, com efeitos a partir do dia 16/06/2014, consequentemente, a sua conversão a contrato por tempo indeterminado, desde logo pela falta de cumprimento dos requisitos formais para a celebração do mesmo, pela falta de um elemento indispensável no contrato celebrado que é a categoria da trabalhadora alegadamente substituída – M. F. – que, ainda por cima, através do seu registo, consta como operadora especializada, nem tão pouco indica ou é mencionada a data em que a mesma ficou impedida de trabalhar, não permitindo, assim, estabelecer um nexo de causalidade entre a necessidade da empregadora admitir o Autor para as funções de operador de Logistica e o motivo indicado, sendo certo que se trata de uma formalidade ad substantian, ou seja, é um requisito de validade do próprio contrato que nem sequer pode ser suprido mediante meios de prova, pelo que nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 140º, 141, nº 1, al. e) e nº 3 do CT, implica a nulidade do referido contrato de trabalho termo e, consequentemente, a comunicação de caducidade configura um despedimento ilícito, nos termos previstos no artº 381º, al. c) do CT;
Q) Acresce que no motivo justificativo do contrato em análise não é verdadeiro, atendendo que as funções desempenhadas pelo Recorrente nos últimos meses que precederam a cessação do contrato exerceu, em exclusivo a recolha de lixo (Big Bags), funções que não foram desempenhadas pela trabalhadora M. F., não sendo, assim, verdade que o Autor fosse admitido para substituir, directa ou indirectamente, a referida trabalhadora, sendo certo que a recolha de lixo nem se enquadra na categoria de operador de logística e é executado num espaço físico distinto do da referida trabalhadora, sendo certo que a Recorrida contratou, mesmo apos a cessação do contrato do recorrente, centenas de trabalhadores, incluindo operadores de logística, o que demonstra que aquele foi contratado para uma necessidade permanente e não temporária da empresa;
R) Importa referir que a recorrida não fez qualquer prova da necessidade temporária da admissão do Recorrente e do motivo justificativo, discordando do entendimento do Tribunal a quo de que, contrariamente ao vertido no nº 5 do artº 140º do CT, refere que existe uma uma presunção de “validade de justificação”, o que se discorda, pelos fundamentos supra expostos e, ainda, porque colide com o ónus de prova que cabe à empregadora na sua prova!;
(…)
T) Importa, ainda, referir que a Recorrida usa e abusa da contratação a termo de centenas de trabalhadores, utilizando esta modalidade a termo, quer directamente quer por empresas de trabalho temporário, como de um período experimental se tratasse – agindo numa conduta de contornar as normas legais que regulam os contratos de trabalho sem termo – o que se comprova com o próprio Recorrente foi, inicialmente admitido ao serviço da Recorrida, num primeiro contrato a termo de 17/05/2005 a 3/02/2009- o que apenas demonstra a sucessão de contratos a termo entre as mesmas pessoas iludindo, assim, as disposições legais que regulam o contrato de trabalho indeterminado, o que torna inválido a pratica de tais actos jurídicos;
U) Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, verifica-se que a Recorrida ao celebrar os contratos a termo que celebrou com o Recorrente, bem como a centenas de outros trabalhadores, adoptando, de forma indiscriminada, o uso da contratação a termo, quer directamente quer através de empresas de trabalho temporário, aos trabalhadores admitidos pela primeira vez e com contratos sucessivos, invocando no termino desses contratos uma caducidade e voltando, posteriormente a admitir trabalhadores, sabendo que estes são prejudicados em termos de progressão na carreira profissional e no pagamento de diuturnidades, para além de os manter em permanente precariedade, constitui um claro abuso de direito, no termos do artº 334º do Código Civil, uma vez que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, dos bons costumes e pelo bem social desse direito de contratar a termo (art.º 139º e 140º e ss do CT), o que torna ilícito tal exercício e, consequentemente, torna ilícito o despedimento do Recorrente;
V) Nestas circunstâncias, de harmonia com as disposições conjugadas dos art.ºs 140º nº 1 , 2, al. a), 3 e 5, 141º, n.º 1, al. al. b) e), nº 3, 143º,147º, nº 1 al. a), b) e c) e d) , 381º, al. c), todos do Código do Trabalho, o contrato de trabalho a termo que vincula a Recorrida ao Recorrente é nulo e, consequentemente, converte-se em contrato por tempo indeterminado e, nessa medida, a decisão de cessação do contrato de trabalho, configura um despedimento ilícito, pelo que deve a Recorrida. de harmonia com o disposto no artº 389º, nº 1, al. b) do CT, ser condenada a reintegrá-lo sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e a pagar, nos termos do artº 390º do CT, a compensação correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde trinta dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão judicial que venha ser proferida e, por ultimo, deve, ainda, ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 500,00;
W) Ao decidir, como decidiu, julgando totalmente improcedente a acção instaurada pelo Recorrente contra a Recorrida, absolvendo esta dos pedidos formulados, o tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou devidamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 140º nº 1 , 2, al. a), 3 e 5, 141º, n.º 1, al. al. b) e), nº 3, 143º,147º, nº 1 al. a), b) e c) e d), 381º, al. c), 389º, nº 1 , al. a) e b), 390º nº 1, todos do Código do Trabalho, os artºs 334º, 362º, 363º, 364º, 371º, 376º, e 829º-A do Código Civil, os art.ºs 154º, 410º, 411º, 413º, 414º, 466º, 574º nº 1 e 2 e 607º, nºs 3, 4 e 5 todos do Código de Processo Civil e artº 53º e 58º da Constituição da Republica Portuguesa;»
A Ré apresentou resposta ao recurso do Autor, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- invalidade da estipulação de termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes, com as legais consequências.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
a) A Ré tem por objecto o fabrico, comércio e venda de aparelhos de recepção, emissão, gravação e ou reprodução de som para veículos automóveis, nomeadamente de auto-rádio e de gravadores e ou reprodutores de fitas magnéticas ou de disco, assim como peças e acessórios, explorando um estabelecimento fabril no local da sua sede, com cerca de 2.000 trabalhadores.
b) O Autor é associado do SITE – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Norte.
c) Em 13/06/2014, com efeitos a partir do dia 16/06/2014, a Ré admitiu o Autor ao seu serviço, mediante um contrato de trabalho designado “a termo incerto” através do qual este se obrigou a desempenhar, sob a autoridade, direcção e fiscalização daquela, as funções correspondentes à categoria de operador de logística, mediante o vencimento mensal base de 599,00 €.
d) Na cláusula 1.ª do referido contrato ficou consignado o seguinte: “O presente contrato (…) é celebrado ao abrigo da alínea a) do nº 2 do artº 140º do Código do Trabalho, com o fundamento na substituição temporária, da colaboradora M. F., que se encontra ausente por baixa prolongada”.
e) Na cláusula 4.ª do mesmo contrato ficou estabelecido que o Autor cumpriria o horário de trabalho de 8 horas diárias e 40 semanais, de segunda a sexta-feira, com entrada às 06h00, descanso entre as 11h00 e as 11h30 e saída às 14h30.
f) Por carta datada de 05/09/2016, a Ré comunicou ao Autor a cessação do contrato de trabalho supra referido, por caducidade, com efeitos a partir do dia 07/09/2016.
g) Em consequência da celebração do contrato de trabalho ora em análise, o Autor esteve ininterruptamente ao serviço da Ré desde 16/06/2014 até 07/09/2016.
h) A trabalhadora M. F., com a categoria de operador especializado de 1.ª e funções de operador de logística, trabalhava na secção LOG3. (alterado nos termos do ponto 4.1.)
i) Aos trabalhadores com funções de operador de logística, afectos à secção LOG3 (logística/recepção), podiam ser atribuídas as seguintes tarefas:
i. Descarga e conferência de material;
ii. Milk Run recepção volumoso (espera paletes);
iii. Milk Run recepção não volumoso;
iv. Desc. 103;
v. Big Bags;
vi. Recolha embalagem;
vii. Posto reel id;
viii. Rolete não volumoso.

(alterado nos termos do ponto 4.1.)
j) O Autor e a trabalhadora indicada no seu contrato de trabalho estavam afectos ao 1.º turno da referida secção LOG3 e executavam em regime de rotatividade com os demais colegas de equipa, pelo menos, as seguintes tarefas:
i. Descarga e conferência de material;
ii. Milk Run recepção volumoso (espera paletes);
iii. Milk Run recepção não volumoso;
iv. Posto reel id;
v. Rolete não volumoso.

(alterado nos termos do ponto 4.1.)
k) Nesse 1.º turno, por opção de gestão do respectivo chefe de equipa, eram os elementos do sexo masculino que executavam ainda a tarefa de “Big Bags” (recolha de resíduos), atribuída, excepto nas respectivas ausências, ao colega J. F., e, quando este passou para o turno da noite, em Abril de 2016, ao ora Autor, tendo depois da saída deste começado a ser executada também pelos elementos do sexo feminino.

(alterado nos termos do ponto 4.1.)
l) A Ré comunicou à Comissão de Trabalhadores tanto a celebração como a cessação do contrato de trabalho a termo com o ora Autor, respectivamente em 08/07/2014 e 29/11/2016.
m) Comunicação que também fez relativamente à ACT, através do envio do respectivo Relatório Único, em 08/07/2015 e 11/04/2017.
n) Em resultado da comunicação de cessação do contrato por caducidade, a Ré pagou ao Autor a respectiva compensação, no montante de 892,00 €, bem como os demais créditos emergentes da cessação, designadamente proporcionais de férias (no valor de 516,00 €), do subsídio de férias (no valor de 516,00 €) e do subsídio de Natal (no valor de 484,11 €).
o) A trabalhadora M. F. regressou ao trabalho no dia 05/09/2016, sem antes ter avisado a Ré que o iria fazer nessa data.

4. Apreciação do recurso

4.1. Como se disse, o Recorrente pretende a modificação da decisão sobre a matéria de facto.

Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
(…)
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que o Recorrente, no seu recurso, sustenta que foi indevidamente julgada a matéria constante das alíneas h), i), j) e k) dos factos dados como provados, bem como a constante dos artigos 4, 6, 7, 16, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 33, 34, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 47, 48 e 65 da petição inicial, que foram dados como não provados.
No que se refere à matéria constante das alíneas h), i), j) e k) dos factos dados como provados, o tribunal recorrido fundamentou assim a sua decisão:
«Os factos dados como provados resultam da confissão, expressa ou tácita no respectivo articulado, por cada uma das partes, em relação aos factos alegados pela contraparte, no teor dos documentos juntos aos autos, bem como nos depoimentos das testemunhas criticamente analisados e confrontados com o teor de alguns dos documentos.
Assim, os factos referidos nas alíneas a), c), g), h) foram expressa ou tacitamente confessados pelo Ré.
(…)
Quanto aos factos relatados nas alíneas i), j), k) e o), resultam por um lado, da sua aceitação parcial pela Autora (que os não nega peremptoriamente, na totalidade) e, por outro, nos depoimentos claros e isentos das testemunhas arroladas pela Ré, M. V. (Encarregado de Logística na Ré desde 2001), J. P. (1ª Escriturário no Departamento de Recursos Humanos da Ré) e F. C. (Chefe de Equipa na Logística e Recepção, desde 1991, no 1º turno e chefe directo do Autor). Todos eles confirmaram a contratação do Autor a termo bem como o respectivo motivo, referindo todos eles que aquele foi contratado única e exclusivamente para substituir a trabalhadora doente. É de realçar, pela sua clareza e certeza, os depoimentos do Encarregado de Logística e do Chefe de Equipa de Logística e Recepção, que garantiram que o único objectivo da contratação do Autor foi o de substituir a trabalhadora doente, confirmando, por isso, que passou a desempenhar todas as funções que aquela antes desenvolvia, incluindo “Big Bags”, tarefa de que esta havia sido dispensada por determinação, precisamente, desta última testemunha da Ré.
Estes depoimentos – que não nos pareceram alinhados com os interesses da Ré –, não foram contrariados pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor, todos eles seus colegas de trabalho. Aliás, estes também confirmaram os motivos da contratação a termo do Autor, bem como a correspondência das funções desempenhadas entre a trabalhadora substituída e aquele, nomeadamente, a testemunha M. N., que também confirmou a factualidade das alíneas i), j) e k). Também a trabalhadora substituída confirmou no seu depoimento que as funções descritas na alínea i) competiam a um operador de logística, como ela. Além do mais, nas suas declarações, o próprio Autor deu a entender que sabia perfeitamente que havia sido contratado para substituir uma trabalhadora que estava doente.
Em face da prova produzida, o Tribunal ficou plenamente convencido da verificação desses factos.»
No que se refere à alínea h), tem actualmente a seguinte redacção:
h) A trabalhadora M. F., com a categoria de operadora de logística, trabalhava na secção LOG3, onde executava funções inerentes à respectiva categoria profissional.
O Recorrente sustenta que deve ser eliminada a expressão «onde executava funções inerentes à respectiva categoria», por ser conclusiva, e ficar a constar, de acordo com o registo na empresa e o depoimento da testemunha R. G., que a trabalhadora M. F. tinha a categoria de operadora especializada.
Vejamos.
No que respeita à categoria da trabalhadora, não é correcto que o tribunal recorrido invoque a confissão da Ré, na medida em que o Autor não alegou aquele facto na petição inicial e a Ré até invocou na contestação que ambos os trabalhadores tinham a categoria de «operador especializado», o que só foi rectificado mediante requerimento apresentado e deferido na sessão de julgamento do dia 29/05/2019.
Do registo da trabalhadora (junto com o requerimento de 23/10/2017) consta que a mesma tem a categoria de operador especializado de 1.ª e funções de operador de logística, sendo o depoimento da testemunha R. G. no mesmo sentido. A trabalhadora M. F. identificou-se como tendo a categoria de operadora de logística, mas no decurso do seu depoimento justificou-o com as funções que efectivamente exercia, não chegando a indicar peremptoriamente qual a denominação da categoria que lhe era reconhecida pela Ré, o mesmo sucedendo com as demais testemunhas desta.
Por outro lado, como das alíneas i), j) e k) resultam as concretas tarefas que a trabalhadora executava, e se trata de matéria essencial ao thema decidendum, concorda-se que a expressão final constante da alínea h) pode ser considerada conclusiva, além de desnecessária em face daqueloutras alíneas.

Assim, a alínea em apreço passa a ter a seguinte redacção:
h) A trabalhadora M. F., com a categoria de operador especializado de 1.ª e funções de operador de logística, trabalhava na secção LOG3.
No que concerne às alíneas i), j) e k), têm actualmente a seguinte redacção:
i) Integram o posto de trabalho em causa as seguintes tarefas:
i. Descarga e conferência de material;
ii. Milk Run recepção volumoso (espera paletes);
iii. Milk Run recepção não volumoso;
iv. Desc. 103;
v. Big Bags;
vi. Recolha embalagem;
vii. Posto reel id;
viii. Rolete não volumoso;
j) Quer o Autor, quer a trabalhadora que este substituiu temporariamente, na sua qualidade de operadores de logística afectos ao referido posto, executavam as tarefas inerentes ao mesmo.
k) A trabalhadora substituída apenas não desempenhava a função de “big bags”, por decisão do chefe de equipa de logística.
Conforme se alcança do recurso, e concretamente das conclusões (M.2, M.3 e M.4), o Apelante sustenta que a factualidade em apreço deve ser considerada não provada, por ser conclusiva, haver contradição entre as alíneas i) e k) e ter sido contrariada pelos depoimentos que indica e concretiza nas respectivas passagens da gravação.
Ora, vistas as alegações de ambas as partes, e ouvida a prova gravada, de modo algum se pode aceitar que nada ficou provado no que tange à factualidade em apreço, entendendo-se, isso sim, que essencialmente ocorrem ambiguidades, imprecisões e insuficiências, mais substanciais em termos de factualidade provada apenas quanto à questão da execução pelo Autor da tarefa designada “Big Bags”.

Assim, pelas razões adiante explicitadas, consideram-se justificadas as seguintes alterações:
i) Aos trabalhadores com funções de operador de logística, afectos à secção LOG3 (logística/recepção), podiam ser atribuídas as seguintes tarefas:
i. Descarga e conferência de material;
ii. Milk Run recepção volumoso (espera paletes);
iii. Milk Run recepção não volumoso;
iv. Desc. 103;
v. Big Bags;
vi. Recolha embalagem;
vii. Posto reel id;
viii. Rolete não volumoso.
j) O Autor e a trabalhadora indicada no seu contrato de trabalho estavam afectos ao 1.º turno da referida secção LOG3 e executavam em regime de rotatividade com os demais colegas de equipa, pelo menos, as seguintes tarefas:
i. Descarga e conferência de material;
ii. Milk Run recepção volumoso (espera paletes);
iii. Milk Run recepção não volumoso;
iv. Posto reel id;
v. Rolete não volumoso.
k) Nesse 1.º turno, por opção de gestão do respectivo chefe de equipa, eram os elementos do sexo masculino que executavam ainda a tarefa de “Big Bags” (recolha de resíduos), atribuída, excepto nas respectivas ausências, ao colega J. F., e, quando este passou para o turno da noite, em Abril de 2016, ao ora Autor, tendo depois da saída deste começado a ser executada também pelos elementos do sexo feminino.
A factualidade da alínea i) foi confirmada pela generalidade dos depoimentos, quando se pronunciaram sobre as tarefas executadas pelos trabalhadores com funções de operador de logística, afectos à secção LOG3 (logística/recepção), incluindo: de M. F., que a propósito da tarefa “Big Bags” referiu que antes de ir de baixa era executada principalmente pelo colega J. F., mas também pelo C. B., e que também poderia sê-lo por si própria, se necessário (mas nunca aconteceu), sendo que depois de regressar de baixa soube que tinha sido executada pelo Autor e após a saída deste passou a ser executada rotativamente por todos, incluindo a própria; do Autor, que referiu que, quando entrou em 2014, aquela tarefa era executada pelo J. F., e, no caso de este faltar ou estar de férias, por colegas do sexo masculino, incluindo o próprio, sendo que em Março ou Abril de 2016, quando aquele pediu para ir para o turno da noite, e até final do contrato, passou a ser executada apenas por si, Autor, excepto quando esteve de férias; de F. C., Chefe de Equipa do 1.º turno da secção LOG3 (logística/recepção) desde 1991, que confirmou que todas as tarefas elencadas estavam adstritas à sua secção e eram efectuadas pelos operadores de logística em sistema de rotatividade, sendo que, à data dos factos em análise, a “Big Bags” o era apenas por elementos do sexo masculino, por opção de gestão sua, que depois alterou; de R. G., que confirmou que as tarefas em causa eram todas exercidas por operadores de logística afectos ao LOG3 durante o 1.º turno, designadamente o “Big Bags” foi-o pelo J. F., pelo Autor quando o anterior foi para o turno da noite e pelos colegas D., C. B., J. e P. quando o Autor foi dispensado, não obstante emitindo a opinião de que se trata de tarefa que não devia caber à logística/recepção; de M. N., em termos semelhantes à anterior.
A factualidade da alínea j) resulta de os colegas do Autor M. F., R. G. e M. N. terem assegurado, de forma convincente, que a primeira não executava as demais tarefas, mas, relativamente ao Autor, apenas terem destacado a diferença a que se refere a alínea k), nos termos já referidos; por outro lado, dos restantes depoimentos, incluindo o do próprio Autor, resultou dum modo abstracto e conclusivo que ambos os trabalhadores fariam todas as tarefas da secção, com excepção da diferença entre homens e mulheres assinalada na alínea k). Assim, a generalidade dos depoimentos acabou por não ser esclarecedora sobre o que eram as tarefas «Desc. 103» e «Recolha de embalagem», se ainda existiam e por quem eram habitualmente feitas, sendo os depoimentos vagos e divergentes nessa parte.
A factualidade da alínea k), quanto à diferença entre homens e mulheres na execução da tarefa de “Big Bags”, resulta da generalidade dos depoimentos, e, quanto à atribuição principalmente ao colega J. F., e, quando este passou para o turno da noite, em Abril de 2016, ao ora Autor, decorre dos depoimentos das testemunhas R. G. e M. N. e do próprio Autor, que o asseguraram de modo convincente, tendo a M. F. declarado que, quando se apresentou ao trabalho depois da baixa, era essa a tarefa que o Autor estava a fazer, assim como no dia seguinte, tendo sabido pelo chefe que já o fazia antes. Quanto ao chefe da equipa, F. C., quando perguntado se, de Abril de 2016 até ao final do contrato o Autor esteve só nos “Big Bags”, limitou-se a responder que não, sem qualquer esclarecimento, sendo aliás notório que assumiu sempre um depoimento contido, de tentativa de contorno das questões, só esclarecendo com precisão se e quando “apertado”. Assim, a concordância de modo fundamentado dos depoimentos antes mencionados impõe-se como credível na parte em apreço.
O Apelante sustenta ainda que a factualidade constante dos artigos 4, 6, 7, 16, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 33, 34, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 47, 48 e 65 da petição inicial deveria ser dada como provada, nos seguintes termos:
4. Inicialmente, em 17/04/2005, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, com a designação de Y Auto-Rádio Portugal, Lda., que pertencia ao grupo X NIPC ........., por contrato de trabalho a termo incerto, para trabalhar, como trabalhou, nas instalações da ora Ré, sita na rua ..., n.º .., freguesia de ... em Braga;
6. No supra referido contrato é indicado como motivo justificativo “o presente contrato (…) é celebrado ao abrigo do artº 143º, alínea f), da Lei 99/2003 de 27 de Agosto, tendo como objectivo: - Fazer face à manutenção das quantidades do Heatronic que se prevê começar a descer na 2.ª metade do ano (conforme plano de produção fr 01.06.2005);
7. Por virtude do referido contrato de trabalho, o Autor esteve ininterruptamente a prestar serviço nas instalações fabris da Ré, desde 17/06/2005 até 03/02/2009, data que a referida sociedade comunicou a cessação do contrato;
16. A Ré não identifica em concreto a necessidade temporária da empresa, nomeadamente não faz referência à categoria profissional da trabalhadora M. F., que figura como alegada trabalhadora substituída, como não indica a necessidade em concreto da admissão de um operador de logística no seio da organização produtiva da empresa, sendo omisso em relação à secção em que trabalha, sendo certo que também quanto à organização produtiva, não é feita qualquer referência;
23. Nos últimos 6 meses que antecederam o seu despedimento, ou seja, de Abril até 07/09/2016, o Autor exerceu as funções completamente distintas da trabalhadora M. F., que se encontra identificado no motivo justificativo;
24. As funções da trabalhadora M. F. eram prestadas na secção LOG3, em rotatividade no STE;
26. O Autor, desde Abril até à data do seu despedimento, ocorrido a 07/09/2016, ou seja durante mais de 5 meses, nunca exerceu as funções da trabalhadora M. F., indicada no contrato a termo e que alegadamente deveria ter substituído;
26-I. Nesse período (Abril até 07/09/2016), o Autor exercia funções no “BIG BAG”, que consistia em recolher nos contentores com resíduos (cartão plástico e esferovite e devolução de mercadorias);
27. Esta função era desempenhada no corredor entre as áreas de logística, que correspondem a espaços distintos;
28. A função do Autor era, no seu horário, apenas desempenhado por este;
29. As funções do Autor nas Big Bags eram anteriormente exercidas pelo F. J. e, nesta altura, quando faltava, era substituído pelo C. B., D. ou P.;
30. A comunicação que a Ré fez a cessar o contrato de trabalho do Autor, com efeitos a 07/09/2016, nada tem a ver com o término do motivo que consta no contrato a termo;
33. A comunicação da cessação do contrato nada teve a ver com qualquer eventual regresso da trabalhadora M. F., uma vez que esta exercia funções distintas em local de trabalho diferente do Autor;
34. A comunicação de “caducidade do contrato de trabalho” não descreve nem faz referência ao facto que sustenta a invocada caducidade, referindo, apenas “vimos comunicar-lhe que tal contrato caducará, deixando portanto de vigorar, ou seja deixaremos de o considerar ao nosso serviço a partir de 07.09.2016, inclusive;
36-A. O Autor foi admitido para uma necessidade permanente e não transitória da Ré;
38. No período que antecedeu a celebração do último contrato a termo (16/06/2014), quer durante a vigência do mesmo (16/06/2014 a 07/09/2016), quer após o seu termo, a Ré sempre recorreu à contratação a termo de mais trabalhadores, nomeadamente para a logística;
39. A Ré contrata sucessivamente centenas de trabalhadores a termo, quer directamente, quer através de empresas de contrato temporário, tal como a W, K. Tempo Team, para substituir outros cujos contratos faz entretanto cessar, com o objectivo de contornar os motivos indicados para a celebração de tais contratos a termo, de dispor da tão reivindicada flexibilidade de mão-de-obra e de evitar o aumento do seu quadro de trabalhadores efectivos e o consequente aumento dos encargos e responsabilidades que os contratos sem termo necessariamente acarretam;
40. Nos anos de 2010 a 2017, a Ré admitiu os seguintes números de trabalhadores: 2010 – contrataram 338 trabalhadores a termo, tendo recorrido, também, à celebração de contratos de utilização de trabalho temporário, nomeadamente com as empresas K. e da W; 2011 – contrataram 343 trabalhadores a termo, tendo recorrido, igualmente, nesse ano, à celebração de contratos de utilização de trabalho temporário; 2012 – 146 trabalhadores a termo; 2013 - 150 trabalhadores a termo; 2014 - 202 trabalhadores a termo; 2015 - 308 trabalhadores a termo; 2016 - 217 trabalhadores a termo;
41. Pelo menos desde 2010, a Ré, quer directamente, quer por empresas de trabalho temporário, utiliza como regra na contratação inicial de qualquer trabalhador o contrato de trabalho a termo, sempre com a indicação de motivos justificativos idênticos, como se estivesse perante um período experimental permanente;
42. A Ré, desde, pelo menos, 01/01/2010, que na contratação de qualquer trabalhador que vá exercer as funções pela primeira vez, no estabelecimento fabril, recorre sempre à contratação a termo;
47. É também frequente a Ré acabar por impor aos trabalhadores que celebram contratos de meses/anos e que estão prestes a atingir o limite das duas renovações permitidas por lei, a alterar o período de prorrogação dos contratos para o limite máximo, ou, então, alterar os termos dos respectivos contratos, incluindo o motivo justificativo, o qual, a título de exemplo, se identificam os trabalhadores N. B., D. M., J. S., G. M., C. V., H. M., entre outros;
48. Têm sido inúmeros os processos judiciais a reconhecer a nulidade dos contratos com o consequente reconhecimento da ilicitude do despedimento dos trabalhadores e que terminaram, quer por sentença condenatória, quer por transacção, na reintegração destes quer por acórdão quer por transacção e que, a título de exemplo, se identificam os seguintes: N. B., D. M., J. S., G. M., C. V. e H. M.;
65. A Ré, como é público e notório, é a maior empresa do distrito de Braga, com mais de 2000 trabalhadores ao seu serviço, tendo sempre obtido, no exercício da sua actividade, elevados lucros, calculados quer mensalmente, quer anualmente.

No que se refere à matéria de facto considerada não provada, o tribunal recorrido fundamentou assim a sua decisão:
«Para além dos que acima se narram, mais nenhum dos factos alegados na petição e contestação resultou provado, nomeadamente os que constam dos artigos 23º, 25º, 26º (na medida em que, para além dessas, exercia outras), 27º, 28º, 29º, 30º, 38, 39º, 40º, 41º, 42º, 47º e 48º da petição, pese embora grande parte destes artigos utilizem um modo conclusivo de narração de factos. Os restantes artigos da petição não contêm factos que apresentem qualquer interesse para a apreciação do mérito da causa.
(…)
O mesmo já não poderemos dizer relativamente aos factos não provados, porque, para além de não terem sido confessados pela Ré, não resultam nem dos documentos juntos, nem se podem retirar dos depoimentos das testemunhas.
Cumpre ainda referir que o que consta da alínea o) foi confirmado pela própria trabalhadora M. F., que depôs como testemunha da Autora.»
Vejamos.
Considerando o pedido formulado nos autos pelo Autor – que seja considerado sem termo o contrato celebrado em 13/06/2014 entre o Autor e a Ré e esta condenada a pagar-lhe as quantias decorrentes da respectiva cessação por iniciativa da segunda, que deve ter-se como ilícita – é totalmente irrelevante a matéria constante dos arts. 4, 6, 7, 38, 39, 40, 41, 42, 47, 48 e 65, atendendo aos fundamentos legais invocáveis como causa de pedir, conforme adiante melhor se explicitará.
Por outro lado, é inatendível em sede de decisão sobre a factualidade que deve ser considerada como provada ou não provada a matéria que consta dos arts. 16, 23, 26, 30, 33, 34 e 36-A, na medida em que a mesma contém meros juízos de valor sobre os factos invocados ou conclusões de direito a retirar dos mesmos, que ao tribunal cabe extrair, tratando-se de actividade excluída de demonstração através da produção de meios de prova, designadamente por depoimentos ou documentos.
Com efeito, dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta.
Assim, porque a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito ou valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (1), e os enunciados constantes dos artigos acima indicados traduzem isso mesmo, têm necessariamente de ser ignorados para os efeitos em apreço.
Quando aos factos constantes dos arts. 24, 26-I, 28 e 29, já foram atendidos nas alterações efectuadas nas als. h), i), j) e k), pelas razões e nos termos sobreditos, de onde decorre nada mais se impor considerar como provado.
Finalmente, quanto ao facto constante do art. 27, afigura-se a este Tribunal que resultou provado sem margem para dúvidas que a tarefa de “Big Bags” estava atribuída à secção LOG3 (recepção/logística), para ser efectuada pelos trabalhadores da mesma com funções de operador de logística (sendo irrelevante para a questão dos autos se assim devia ser ou não por a mesma integrar ou não a respectiva categoria normativa), sendo certo que o Tribunal não ficou convencido de que a mesma, consistindo numa operação de recolha de resíduos, fosse executada exclusivamente no corredor entre as áreas de logística.
Em face do exposto, a pretensão do Apelante no que respeita a alteração da matéria de facto provada e não provada procede apenas parcialmente, nos termos sobreditos.
4.2. Cabe, então, apreciar a questão da alegada invalidade da estipulação de termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes, com as legais consequências.
Com efeito, o Recorrente insurge-se contra a sentença na medida em que esta considerou que o contrato de trabalho a termo incerto que aquele celebrou com a Recorrida observou as exigências legais, e, em consequência, que foi lícita a cessação desse contrato operada pela Ré através de missiva que endereçou àquele.
Vejamos.

Estabelece o Código do Trabalho de 2009 (diploma a que se reportarão todos os preceitos doravante indicados sem outra menção), na redacção vigente à data dos factos provados nos autos (2):
Artigo 140.º
Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo
1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade.
2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:
a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;
b) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento;
c) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição;
d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado;
e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;
g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do número anterior.
4 - Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para:
a) Lançamento de nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores;
b) Contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego.
5 - Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto em qualquer dos n.ºs 1 a 4.

Artigo 141.º
Forma e conteúdo de contrato de trabalho a termo
1 - O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Actividade do trabalhador e correspondente retribuição;
c) Local e período normal de trabalho;
d) Data de início do trabalho;
e) Indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo;
f) Datas de celebração do contrato e, sendo a termo certo, da respectiva cessação.
2 - Na falta da referência exigida pela alínea d) do número anterior, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração.
3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 3.

Artigo 143.º
Sucessão de contrato de trabalho a termo
1 - A cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável nos seguintes casos:
a) Nova ausência do trabalhador substituído, quando o contrato de trabalho a termo tenha sido celebrado para a sua substituição;
b) Acréscimo excepcional da actividade da empresa, após a cessação do contrato;
c) Actividade sazonal;
d) Trabalhador anteriormente contratado ao abrigo do regime aplicável à contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

Artigo 147.º
Contrato de trabalho sem termo
1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;
b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.ºs 1, 3 ou 4 do artigo 140.º;
c) Em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente, as datas de celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo;
d) Celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 143.º
2 - Converte-se em contrato de trabalho sem termo:
a) Aquele cuja renovação tenha sido feita em violação do disposto no artigo 149.º;
b) Aquele em que seja excedido o prazo de duração ou o número de renovações a que se refere o artigo seguinte;
c) O celebrado a termo incerto, quando o trabalhador permaneça em actividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 15 dias após a verificação do termo.
3 - Em situação referida no n.º 1 ou 2, a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início da prestação de trabalho, excepto em situação a que se refere a alínea d) do n.º 1, em que compreende o tempo de trabalho prestado em cumprimento dos contratos sucessivos.

Artigo 148.º
Duração de contrato de trabalho a termo
1 - O contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes e a sua duração não pode exceder:
a) 18 meses, quando se tratar de pessoa à procura de primeiro emprego;
b) Dois anos, nos demais casos previstos no n.º 4 do artigo 140.º;
c) Três anos, nos restantes casos.
2 - O contrato de trabalho a termo certo só pode ser celebrado por prazo inferior a seis meses em situação prevista em qualquer das alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º, não podendo a duração ser inferior à prevista para a tarefa ou serviço a realizar.
3 - Em caso de violação do disposto na primeira parte do número anterior, o contrato considera-se celebrado pelo prazo de seis meses desde que corresponda à satisfação de necessidades temporárias da empresa.
4 - A duração do contrato de trabalho a termo incerto não pode ser superior a seis anos.
5 - É incluída no cômputo do limite referido na alínea c) do n.º 1 a duração de contratos de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretiza no mesmo posto de trabalho, bem como de contrato de prestação de serviço para o mesmo objecto, entre o trabalhador e o mesmo empregador ou sociedades que com este se encontrem em relação de domínio ou de grupo ou mantenham estruturas organizativas comuns.

Tendo presente o normativo transcrito, constata-se, conforme refere João Leal Amado (3), que “…a nossa lei estabelece requisitos de verificação obrigatória para que seja validamente celebrado um contrato de trabalho a prazo. Existem requisitos de ordem material, que se prendem com o tipo e o elenco de situações legitimadoras da contratação a termo, e existem requisitos de ordem formal, obrigando à adequada documentação deste negócio jurídico.”
No que toca aos requisitos materiais, dispõe o art. 140.º, n.º 1 que o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade, procedendo o n.º 2 a uma enumeração exemplificativa de situações que ali podem caber, restringidas pelo n.º 3, com carácter de taxatividade, para o caso de contratação a termo incerto.
No que, em especial, se refere a estas situações de necessidade temporária, “(…) a conjugação do n.º 1 com os n.ºs 2 ou 3 do art. 140.º do CT permite concluir que a celebração de contratos de trabalho a termo com uma fundamentação de gestão corrente passa por duas operações sucessivas: a indicação de um dos motivos do art. 140.º n.º 2 (ou de outro motivo previsto em convenção colectiva, no caso de contrato a termo certo) ou do art. 140.º n.º 3 (no caso de contrato a termo incerto); e a subsunção deste motivo à cláusula geral de fundamentação do art. 140.º n.º 1, com o objectivo de verificar se o contrato corresponde, efectivamente, a uma necessidade temporária da empresa e se é celebrado pelo tempo correspondente a essa necessidade.
A cláusula do n.º 1 do art. 140.º funciona assim como um controlo geral de admissibilidade do contrato, restringindo essa contratação quando necessário.” (4)
Já o n.º 4 do art. 140.º admite a celebração de contrato de trabalho a termo certo como instrumento de dinamização do investimento empresarial (al. a)) e como uma medida de fomento do emprego (al. b)), em ambos os casos tendo em vista a satisfação de necessidades permanentes das empresas (5), mas sem interesse para a situação dos autos.
No que respeita aos requisitos formais, estão previstos no acima transcrito art. 141.º, nos termos do qual, além do mais, o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, este pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
A propósito desta disposição legal, salienta-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2017 (6) que, "(...) [c]om este requisito visa-se um duplo objectivo: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou, por um lado; e por outro, a averiguação acerca da realidade e adequação da justificação invocada face à duração estipulada, porquanto o contrato a termo - nas palavras de Monteiro Fernandes [‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 319] - …só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem.
Por isso, ocorre a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c).
Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova."
Assim já se decidira, também, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2009 (7), sublinhando que “[a] indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde resulta que o contrato se considera celebrado sem termo, ainda que depois se viesse a provar que na sua génese estava uma daquelas situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo” e que “[i]sto significa que só podem ser considerados como motivo justificativo da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual” e “não é possível ter em conta os factos dados como provados, com o objectivo de completar ou confirmar o motivo justificativo da contratação a termo.”
Ou seja, em suma, sob pena de o contrato ser considerado sem termo, as razões que justificaram a aposição do termo têm que ser verdadeiras, competindo ao empregador a respectiva prova (art. 140.º, n.º 5), e, por outro lado, o contrato tem que indicar de modo suficientemente preciso essas razões, fazendo menção expressa dos factos e estabelecendo a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (art. 141.º, n.ºs 1, al. e) e 3).
Isto é, a “(…) lei exige que, no indispensável documento escrito, seja indicado o motivo justificativo da contratação a termo. Caso este exista, mas não seja indicado, a consequência é a prevista no n.º 1, al. c) do art. 147.º. Caso o motivo seja indicado, mas realmente não exista (motivo forjado), terá aplicação o n.º 1, als. a) e b) do art. 147.º - sendo certo que, em ambos os casos, o contrato de trabalho é tido como um contrato sem termo. Note-se ainda que, segundo o n.º 3 do art. 141.º, «a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado». A lei impõe, portanto, que o documento contratual seja revelador, que não seja vago ou opaco, que permita um controlo externo da situação – e este especial ónus de transparência e de veracidade recai sobre o empregador, como decorre do n.º 1, al. c), do art. 147.º.” (8)
Retornando ao caso em apreço, decorre da factualidade provada que, em 13/06/2014, com efeitos a partir do dia 16/06/2014, a Ré admitiu o Autor ao seu serviço, mediante um contrato de trabalho designado “a termo incerto” através do qual este se obrigou a desempenhar, sob a autoridade, direcção e fiscalização daquela, as funções correspondentes à categoria de operador de logística, mediante o vencimento mensal base de 599,00 €.
Na cláusula 1.ª do referido contrato ficou consignado o seguinte: “O presente contrato (…) é celebrado ao abrigo da alínea a) do nº 2 do artº 140º do Código do Trabalho, com o fundamento na substituição temporária, da colaboradora M. F., que se encontra ausente por baixa prolongada”.
Na cláusula 4.ª do mesmo contrato ficou estabelecido que o Autor cumpriria o horário de trabalho de 8 horas diárias e 40 semanais, de segunda a sexta-feira, com entrada às 06h00, descanso entre as 11h00 e as 11h30 e saída às 14h30.
Constata-se, pois, que, para além de se invocar a hipótese legal de necessidade temporária de contratação a termo a que se refere o art. 140.º, n.º 2, al. a), ou seja, a substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar, se identificou pelo nome completo a trabalhadora a substituir, se concretizou o motivo que, por período indeterminado, a impossibilitava de trabalhar (ausência por baixa prolongada) e se indicaram as funções (operador de logística) para as quais o Autor estava a ser admitido e o horário que teria de observar.
Estes elementos afiguram-se suficientes para possibilitar o controlo, quer da adequação da concreta situação indicada à hipótese legal invocada, quer da correspondência da concreta situação provada à concreta situação indicada, inclusive quanto à duração, de modo a que se possa concluir se o Autor foi ou não efectivamente contratado para substituir a trabalhadora M. F. enquanto a mesma esteve impedida de trabalhar em virtude de baixa prolongada.
Com efeito, por um lado, a lei exige a menção expressa dos factos que integram o motivo da aposição do termo e dos que permitem o estabelecimento da relação entre a justificação invocada e aquele termo, e, por outro lado, aponta como incumprimento relevante a respectiva omissão ou insuficiência, de onde resulta que não se demanda uma descrição exaustiva e detalhada, bastando que a necessidade temporária seja caracterizada em termos concretos que possibilitem que seja percepcionada nos seus exactos contornos pelo trabalhador, bem como efectivamente controlada pelo tribunal, o que ocorre na situação dos autos, tanto assim que o Autor escalpeliza os detalhes da factualidade efectivamente verificada em ordem a demonstrar que a mesma não corresponde à situação consignada como sendo a tida em vista no contrato.
Em suma, como refere o Ministério Público no seu parecer, «(…) o texto do contrato de trabalho cumpre os requisitos formais da contratação a termo, explicita e concretiza quais os motivos que o justificaram.»
Por outro lado, resulta da factualidade provada sob as alíneas h), i) e j) que tanto o Autor como a trabalhadora indicada no seu contrato de trabalho estavam afectos à secção LOG3 (logística/recepção) da Ré, ambos no 1.º turno e ambos com funções de operador de logística, executando ambos, em regime de rotatividade com os demais colegas de equipa, um conjunto de idênticas tarefas inerentes àquelas funções.
Mais se provou sob a alínea k) que nesse 1.º turno, por opção de gestão do respectivo chefe de equipa, eram os elementos do sexo masculino que executavam ainda a tarefa de “Big Bags” (recolha de resíduos), atribuída, excepto nas respectivas ausências, ao colega J. F., e, quando este passou para o turno da noite, em Abril de 2016, ao ora Autor, tendo depois da saída deste começado a ser executada também pelos elementos do sexo feminino.
Como decorre da conjugação desta factualidade com a assente sob a alínea i), a tarefa de “Big Bags” podia ser atribuída a quaisquer dos trabalhadores com funções de operador de logística afectos à secção LOG3 (logística/recepção), sucedendo tão-somente que na altura, por decisão do respectivo chefe de equipa, no 1.º turno era executada apenas pelos elementos do sexo masculino, e por um destes a título principal, pelo que o Autor só muito esporadicamente a terá realizado desde o início da prestação do trabalho em 16/06/2014 até Março de 2016, tendo a partir de Abril de 2016 e até ao termo da prestação do trabalho em 7/09/2016, ou seja, durante apenas os últimos cinco meses, tal tarefa lhe sido atribuída, excepto nas suas ausências.
Conclui-se, assim, que o Autor e a trabalhadora M. F., na mesma secção, no mesmo horário e com as mesmas funções, executavam em regime de rotatividade com os demais colegas de equipa precisamente as mesmas tarefas, com excepção do que decorria ipso facto de um ser homem e a outra mulher e de o respectivo chefe ter optado por uma organização do trabalho com a aludida particularidade, que, aliás, alterou depois da saída do Autor, tendo os elementos do sexo feminino, e portanto a dita M. F., começado a executar também a tarefa de “Big Bags”.
Tenha-se em atenção, aliás, que o fundamento legal da contratação a termo, neste caso, é a “substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar”, isto é, o trabalhador substituto tanto pode assegurar o trabalho do trabalhador substituído como o de outro(s) trabalhador(es) que assegure(m) aquele, o que, em caso de rotatividade total ou parcial de tarefas entre os trabalhadores duma determinada secção, pode levar a situações diversas, sendo a efectiva substituição aferível, em última análise, pela manutenção do número de trabalhadores que no conjunto asseguram tais tarefas.
Acresce que a trabalhadora M. F. regressou ao trabalho no dia 05/09/2016, sem antes ter avisado a Ré que o iria fazer nessa data, e esta, por carta datada de 05/09/2016, comunicou ao Autor a cessação do seu contrato de trabalho, por caducidade, com efeitos a partir do dia 07/09/2016 – em conformidade, portanto, com o disposto nos termos conjugados dos arts. 147.º, n.º 2, al. c) e 345.º, n.º 1 a contrario.

Em face do exposto, é de concluir pela veracidade do motivo invocado para contratação a termo incerto do Autor, isto é, a substituição da trabalhadora identificada durante a sua ausência por baixa prolongada, mantendo inteira validade e pertinência o que a propósito se refere na sentença, citando João Leal Amado e outros (9), a saber:
«Este juízo de veracidade pode, desde logo suscitar um problema, “o de saber até que ponto um desfasamento existente entre o circunstancialismo fáctico associado ao motivo justificativo invocado e os dados da execução contratual será ou não suficiente para se concluir pela falsidade do motivo justificativo invocado e/ou pela insuficiência da formalização do motivo justificativo, e por conseguinte, pela invalidade do termo resolutivo.”
Uma resposta afirmativa a esta questão não pode ser dada em termos incondicionais, desde logo porque, “as referidas discrepâncias, ao invés de consubstanciarem um indício de fraude e de falsidade do motivo justificativo invocado, podem traduzir apenas o são e normal exercício de certas faculdades patronais, como sejam o mero exercício do poder de direcção, enquanto poder de conformar a prestação de trabalho, especificando em cada momento as tarefas e os locais de realização das mesmas, podendo mesmo afectar o trabalhador a funções que extravasam a actividade contratada, mas que lhe são afins ou funcionalmente ligadas – ou mesmo o exercício de faculdades de cunho mais extraordinário, como sejam o ius variandi ou a mobilidade geográfica.”
Ainda segundo JOANA NUNES VICENTE, “no caso dos contratos de interinidade, em que o trabalhador está a substituir outro trabalhador, o trabalhador contratado a termo está como que a desempenhar o papel hipoteticamente desempenhado pelo trabalhador ausente, não fosse a verificação de um dado impedimento que obsta a que aquele último esteja presente. Daí resulta que eventuais mudanças que pudessem vir a ocorrer em termos de tarefas, funções ou locais junto do trabalhador substituído possam, por coincidência, ocorrer junto do trabalhador substituto enquanto dura a execução do seu contrato.
É de acordo com este critério que a jurisprudência tem decidido, por exemplo que “cabendo à entidade empregadora definir, a cada momento, as tarefas que o trabalhador temporariamente impedido devia realizar (dentro, naturalmente, dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem), não faria sentido que o não pudesse fazer em relação ao trabalhador que o veio substituir” (10) ou que, “cabendo ao empregador organizar o trabalho, este tem o poder de exigir alguma maleabilidade, que permita conciliar as exigências de serviço com as capacidades dos trabalhadores, e portanto que não é forçoso, para que ocorra substituição, que o trabalhador contratado a termo execute as mesmas tarefas concretas do impedido de as realizar, por ausência.” (11)
(…)
De acordo com os critérios supra referidos e seguindo a jurisprudência mencionada, uma pequena diferença de tarefas desempenhadas, como a ocorrida nos autos, não é, de forma alguma, suficiente para se concluir pela falsidade do motivo justificativo invocado. Aliás, a existir divergência de tarefas, ela teria ocorrido já numa fase avançada da execução do contrato. Por isso, tratar-se-ia antes de “uma genuína alteração superveniente das circunstâncias que não inquina a validade do termo estipulado.”»
Em face do exposto, tendo a Ré observado os requisitos formais legalmente exigíveis para a celebração de contrato de trabalho a termo, e tendo a mesma logrado provar, como lhe competia, a veracidade do motivo invocado para a aposição do termo, improcedem os fundamentos invocados para se considerar o contrato de trabalho sem termo ao abrigo do disposto nas als. a), b) e c) do n.º 1 do art. 147.º.
Acresce que também não se verifica o fundamento a que alude a al. d) da mesma disposição, ou seja, a violação do disposto no n.º 1 do art. 143.º, uma vez que este estabelece que a cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações.
Ora, tendo o contrato do trabalho do Autor durado cerca de 27 meses, tinha o mesmo de alegar e provar que a Ré admitiu outro trabalhador para o exercício de funções de operador de logística no 1.º turno da secção LOG3 antes de 7/06/2017, sendo certo que não relevariam situações reconduzíveis ao disposto no n.º 2 do art. 143.º - o que o demandante não fez, nada tendo alegado em concreto.
Na verdade, o Apelante alega alguma factualidade tendente a demonstrar, em conclusão, que «(…) a Recorrida usa e abusa da contratação a termo de centenas de trabalhadores, utilizando esta modalidade a termo, quer directamente quer por empresas de trabalho temporário, como de um período experimental se tratasse – agindo numa conduta de contornar as normas legais que regulam os contratos de trabalho sem termo – o que se comprova com o próprio Recorrente foi, inicialmente admitido ao serviço da Recorrida, num primeiro contrato a termo de 17/05/2005 a 3/02/2009- o que apenas demonstra a sucessão de contratos a termo entre as mesmas pessoas iludindo, assim, as disposições legais que regulam o contrato de trabalho indeterminado (…)», mas tal factualidade, sem prejuízo de eventual relevância contra-ordenacional, nenhuma tem para efeitos de se considerar o contrato de trabalho sem termo, em que é apenas atendível a sucessão de contratos nos termos restritos acima referidos.
O Apelante invoca ainda tal factualidade com vista a demonstrar, em conclusão, «(…) que a Recorrida ao celebrar os contratos a termo que celebrou com o Recorrente, bem como a centenas de outros trabalhadores, adoptando, de forma indiscriminada, o uso da contratação a termo, quer directamente quer através de empresas de trabalho temporário, aos trabalhadores admitidos pela primeira vez e com contratos sucessivos, invocando no termino desses contratos uma caducidade e voltando, posteriormente a admitir trabalhadores, sabendo que estes são prejudicados em termos de progressão na carreira profissional e no pagamento de diuturnidades, para além de os manter em permanente precariedade, constitui um claro abuso de direito, no termos do artº 334º do Código Civil, uma vez que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, dos bons costumes e pelo bem social desse direito de contratar a termo (art.º 139º e 140º e ss do CT), o que torna ilícito tal exercício e, consequentemente, torna ilícito o despedimento do Recorrente».
Ora, dispõe o art. 334.º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Assim, segundo Manuel de Andrade (12), “(…) há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”.
De acordo com Pires de Lima e Antunes Varela (13), “[a] figura do abuso do direito é uma válvula de segurança à disposição do julgador para fazer face àqueles casos em que a fria aplicação da lei (caracterizada pela generalidade e abstracção) não atendendo às especificações do caso concreto levaria a situações de injustiça gravemente chocantes e reprováveis para o sentimento jurídico dominante na comunidade social.”

Em suma, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2011 (14), “[n]a sequência do ensinamento dos ilustres mestres, poder-se-á dizer, em síntese, que existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado."

Ora, como decorre do exposto, o abuso de direito supõe, antes de mais, a existência do direito, pelo que o abuso censurável decorre necessariamente de o seu exercício em determinado caso concreto, atentas as suas específicas circunstâncias, ofender gravemente o sentimento jurídico dominante na comunidade social ou a finalidade social ou económica que justifica a sua existência. Não pode o abuso de direito considerar-se verificado em determinada relação jurídica por referência ao modo como o seu titular o exerce em termos gerais e abstractos, relativamente à generalidade das pessoas (no caso, candidatos a emprego ou trabalhadores), se o exercício do direito naquela em concreto não exceder os limites da boa-fé ou o fim social ou económico subjacente à sua atribuição.
Ora, a situação dos autos reconduz-se a uma das hipóteses consensualmente admitidas como fundamento válido de contratação a termo – a substituição de trabalhador temporariamente impedido de trabalhar – e foram observados os requisitos formais e materiais atinentes à celebração e cessação do contrato, sem que tenham sido alegadas quaisquer circunstâncias que demonstrassem que o exercício do direito no caso concreto é abusivo, no sentido acima explicitado.
E, assim sendo, soçobram necessariamente as consequências jurídicas que o Apelante visava retirar do juízo oposto, improcedendo totalmente o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
Em 5 de Novembro de 2020

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



1. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, bem como os aí citados (disponível em www.dgsi.pt).
2. Ou seja, antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 93/2019, de 04/09.
3. Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 91.
4. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2014, p. 281.
5. João Leal Amado, op. cit., pp. 93-94.
6. Proferido no processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
7. Proferido no processo n.º 08S3769, disponível em www.dgsi.pt.
8. João Leal Amado, op. cit., pp. 95-96.
9. Direito do Trabalho: relação individual, Almedina, 2019, pp. 371 e ss..
10. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2007.
11. Acórdão da Relação do Porto de 6 de Fevereiro de 2012.
12. Teoria Geral das Obrigações, 3.ª ed., pp. 63-64.
13. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., 1987, p. 299.
14. Proferido no processo n.º 2/08.9TTLMG.P1S1, disponível em www.dgsi.pt.