Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
852/14.7TBVRL.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
CAUSALIDADE ADEQUADA
PERDA DE CHANCE
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Em sede de causalidade adequada, não pode considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, havendo que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado.
2 - O agente só deve responder pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária.
3 – Na denominada “perda de chance”, seria necessário atestar que existiam, de facto, chances ou possibilidades de alcançar o resultado pretendido, que elas se apresentavam com um grau suficientemente razoável de seriedade e consistência e que a conduta ilícita destruiu, irreversivelmente, as possibilidades do resultado pretendido vir a ser alcançado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“X Instalaciones, SL” deduziu ação declarativa contra A. S., agente de execução e “Y – Companhia Portuguesa de Seguros, SA” pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora a diferença entre o valor de € 73.681,23, peticionado na ação executiva, acrescido dos juros de mora até efetivo e integral pagamento (contabilizados desde a data em que foi apresentado o requerimento executivo), e o valor que a autora venha a receber no âmbito da insolvência “C. S., Lda.”, acrescido do valor de € 697,90, quanto aos demais danos patrimoniais. Alegou que, em consequência do comportamento ilícito e culposo da ré, como agente de execução, no processo executivo que a autora havia intentado contra “C. S., Lda”, ficou a autora privada de ser ressarcida do seu direito de crédito, tendo sofrido danos patrimoniais materializados na diferença entre o valor que a autora receberá no processo de insolvência em curso e aquele que viria a receber no processo executivo, a que acrescem as despesas que teve que suportar nos dois processos.
A 1.ª ré contestou, por impugnação, afastando qualquer responsabilidade da sua parte no não recebimento da quantia exequenda por parte da autora. Em reconvenção pediu que a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais (arrelias, devassa do seu bom nome e do seu profissionalismo) e os danos patrimoniais no mínimo de 10% do valor da ação. Pede, ainda, a condenação da autora como litigante de má-fé em indemnização a arbitrar pelo Tribunal a favor da ré e em multa exemplar a favor do Tribunal.
Contestou, também, a 2.ª ré, aceitando a existência do seguro de grupo celebrado com a Câmara dos Solicitadores, em que são segurados todos os solicitadores de execução, membros da referida Câmara, entre os quais, a 1.ª ré. Impugnou toda a factualidade constante dos autos, por desconhecimento, uma vez que a ocorrência dos factos que aqui se discutem nunca lhe foi participada. Sem prescindir, alega que, ainda que se provasse toda a factualidade descrita pela autora, nunca a seguradora poderia ser responsabilizada uma vez que estão excluídos os danos que não sejam consequência direta e imediata do erro da segurada ou da falta profissional cometida, o que sucederia no caso dos autos, pois a atuação da co-ré, por si só, nunca originaria diretamente a perda do direito da autora.
A autora replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção e do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho que determinou a suspensão da instância “até que no processo de insolvência n.º 1801/12.2TBVRL se fique a saber se a aqui autora poderá, ou não, obter ou obterá, no todo ou em parte, o pagamento do seu direito de crédito sobre a insolvente, que reclamou na verificação ulterior de créditos que por apenso àqueles autos de insolvência instaurou”.
Obtida a informação de que a autora recebeu, no processo de insolvência, a quantia de € 53.072,76, foi determinada a cessação da suspensão da instância.
Em sede de audiência prévia, foi fixado o valor da ação e não foi admitida a reconvenção. Foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:

“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência,
Condeno a 1ª R., a pagar à A., 10% das quantias infra referidas, no mínimo de € 500,00 e máximo de € 1.250,00, e
Condeno a 2ª R., a pagar à A., a quantia remanescente à supra mencionada, referente à quantia ilíquida correspondente à diferença entre: a) o montante de € 73.681,23 (setenta e três mil seiscentos e oitenta e um euros e vinte e três cêntimos), acrescido dos juros de mora, calculados sobre a quantia de € 49.787,28 (quarenta e nove mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte oito cêntimos), contabilizados estes desde 29-10-2009 até que foi declarada a insolvência da executada, porém, apenas até ao montante total máximo de capital e juros de € 90.000,00 (noventa mil euros), mais os juros de mora, calculados sobre o montante de € 49.787,28 (quarenta e nove mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte oito cêntimos), contados desde a citação nesta ação, até integral pagamento, e b) o valor que a A. veio a receber no âmbito do processo de insolvência n º 1801/12.2TBVRL da executada C. S., Limitada; e ainda, o valor de € 697,90 (seiscentos e noventa e sete euros e noventa cêntimos)”.

As rés interpuseram recurso, em conjunto, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

1- As Recorrentes não se conformam com a decisão proferida porquanto a mesma fez uma errada decisão da matéria de facto e menos correta e interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
2- Foram julgados incorretamente o ponto 2 dos factos não provados que deveria ser dado como provado, assim como os pontos 13 a 15, 17, 25, 27, 31, 37 da matéria de facto dada como provada os quais não refletem cabalmente a realidade demonstrada nos autos executivos 1654/09.8TBVRL e Processo 1801/12.2TBVRL de que são causa direta da presente ação.
3- De igual modo, deveriam ter sido dados como provados outros factos acerca dos quais o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou pese embora tenham sido devidamente alegados.
4- Ao contrário da douta fundamentação da sentença, pese embora a primeira citação realizada pela Recorrente A. S. fosse declarada nula e ordenando-se a sua repetição, ainda assim o processo nunca esteve parado e continuou os seus tramites normais com notificações nos termos do 119 do CRP e notificações de credores para reclamarem os créditos.
5- A Recorrida, naquele processo de execução, para além de se ter pronunciado pela inexistência da nulidade da mesma quando notificada da decisão não recorreu do referido despacho e só as partes o podem fazer.
6- A AE não é parte (funciona como mero funcionário judicial).
7- O funcionário judicial é que não cumpriu o despacho que disso mesmo dá conhecimento à senhora juiz a qual releva o lapso e tal notificação acaba por só ocorrer em 17.10.2012, sendo proferida decisão que declara a nulidade em 19.11.2012 despacho este que só transitaria em 22.12.2012
8- Isto é que atrasa o processo em quase 5 (cinco) meses.
9- A Recorrente/AE sem aguardar o decurso de tal prazo procede à nova citação em 6.12.2012, na mesma morada indicada e aonde havia sido feita a primeira citação.
10- Com a penhora efetuada e respetiva citação teriam os autos que aguardar pelo prazo para oposição do executado e por eventuais reclamações de créditos que pudessem surgir, sendo que era necessário que houvessem propostas para a venda do bem, o que não sucedeu.
11- Estes factos são muito relevantes e não constam, sequer, da factualidade assente.
12- Deveria ter sido dado como provado que em 25.10.2012 deu entrada o processo de insolvência e que nesse mesmo processo de insolvência a juiz que curiosamente era a mesma do processo executivo profere decisão em 15.07.2013 no sentido de que a secretaria averigue a existência de processos de execução.
13- A Recorrente A. S. só tomou conhecimento da sentença de insolvência em 14.01.2014 e disso dá conhecimento à Recorrida e ao Tribunal.
14- Esta não reclama junto do Administrador da insolvência o seu crédito.
15- Deveria também constar dos factos assentes que o prazo para aceitação das propostas em carta fechada só terminava dia 16.09.2013 às 14h0m e que não poderia a AE aceitar a proposta de venda que entretanto lhe havia sido enviada, sob pena de nulidade do ato.
16- A Recorrente A. S., à semelhança do Tribunal, só comunica as propostas no dia e hora em que termina o prazo para o efeito e ainda assim em férias judiciais (30.08.2013)
17- A Recorrente A. S., sem qualquer obrigação, comunica a proposta de venda mas está à mesma de todo vedado a sua adjudicação.
18- De igual forma não consta dos factos assentes que a Recorrida foi notificada da penhora da fazenda Nacional, mormente do processo executivo fiscal, pela Recorrente A. S..
19- O Tribunal ignorou que houve reclamação de créditos por parte da Segurança Social e pelo Ministério público nos autos executivos e de outros incidentes e que tiveram que aguardar decisão do juiz titular desses autos executivos, e que nesses autos executivos a venda foi efetuada pela AE.
20- A Mma juiz do Processo 1654/09.8TBVRL é que não deu despacho a validar a mesma para se avançar para a escritura pública como prescreve a lei que, nesta data de 16.09.2013, este processo executivo ainda não tinha conhecimento do processo de insolvência da executada.
21- Estes factos deveriam constar da matéria dada como provada o que não sucedeu.
22- O Tribunal a quo nem sequer considerou a interrupção dos prazos judiciais como é o caso das férias judiciais, o prazo para o trânsito em julgado das decisões, o lapso do Tribunal, na pessoa do funcionário, judicial, que não cumpriu o despacho e que desencadeou um atraso de meses para se voltar a repetir a citação, os atrasos da Mma. Juiz do Processo 1654/09.8TBVRL em proferir decisões, que diga-se ainda hoje (data da apresentação das alegações), este processo se encontra aguardar decisão sobre a venda efetuada em 16.09.2013 e outros, da inexistência de propostas aquando da primeira citação (aliás era sempre necessário partir para a venda por negociação particular e proceder-se novamente a agendamento de dia e hora para abertura de tais propostas e publicitar tal venda, pelo que a exequente aqui A. recorrida teria sempre que suportar os custos desse ato).
23- Na verdade, deviam ter sido dados como provados todos os factos alegados na contestação da Ré A. S. e que supra se alegaram e que são o resumo de toda a matéria alegada na sua contestação.
24- Tais factos constam da prova documental (processos judiciais) junta aos autos.
25- Devem estes factos ser considerados como provados e o facto do ponto 2 da matéria dada como não provada ser considerado como provado, tudo nos seguintes termos:
a) Ponto 13 dos factos provados a ter a seguinte redação “A. A não reclamou os seus créditos naquele processo de execução fiscal, apesar de ter sido notificada da existência do mesmo, e haver uma quantia remanescente no valor de 37.401,46€.
b) Ponto 14 dos factos provados a ter a seguinte redação “O mandatário da exequente, requereu, no processo de execução n º 1654/09.8TBVRL, de julho de 2010 a janeiro de 2011 que, a diferença do produto da venda do imóvel revertesse para o processo de execução n º 1654/09.8TBVRL, o que veio a ser indeferido, por despacho judicial de maio de 2011, que não foi objeto de recurso.
c) Ponto 15 dos factos provados a ter a seguinte redação “A A. não logrou obter qualquer ressarcimento do seu crédito através desta primeira penhora realizada no processo de execução 1654/09.8TBVRL, por terem sido vendidos na outra penhora anterior a esta.
d) Ponto 17 dos factos provados a ter a seguinte redação:” O mandatário da A. foi notificado da referida certidão e não reclamou”.
e) Ponto 25 dos factos provados a ter a seguinte redação: “Em 13 de abril de 2012, o mandatário da A. foi notificado pela 1ª R, quanto ao deferimento da modalidade de venda e adjudicação dos imóveis.
f) Ponto 27 dos factos provados a ter a seguinte redação: ”Em 2 de julho de 2012, dois dias antes da data designada para a abertura de propostas, o Tribunal Judicial de Vila Real suscitou, oficiosamente, a questão da eventual nulidade da citação da executada, dando prazo para as partes se pronunciarem, dando logo sem efeito a diligência de abertura de propostas em carta fechada agendada.”
g) Ponto 29 dos factos provados a ter a seguinte redação: “Por despacho de 19 de novembro de 2012, o Tribunal declarou a nulidade da citação da executada, determinando a repetição de tal ato, com fundamento no facto de ter sido realizada a “citação por afixação”, modalidade de citação que exige que previamente o agente de execução apure que o citando reside ou trabalha efetivamente no local, o que não sucedeu no caso, não tendo a A. reclamado deste despacho
h) Ponto 31 dos factos provados a ter a seguinte redação – “Em 21 de Fevereiro de 2013, o Tribunal proferiu despacho a designar o dia 29 de abril de 2013, pelas 14 horas, para abertura de propostas em carta fechada.”
i) Ponto 37 dos factos provados a ter a seguinte redação - “Porém, a sociedade executada fora declarada insolvente em 22 de julho de 2013, e o administrador da insolvência só oficia a AE em 18.03.2014 que deverão ser suspensas quaisquer diligências executivas”.
26- Não podia o Tribunal a quo na sua fundamentação ter concluído que a Recorrida teria sempre a possibilidade de receber até ao valor da proposta apresentada nos autos no valor de 90.000,00€.
27- Foram apresentadas reclamações de créditos pelo Instituto da Segurança Social no valor de 17.412,04€ e pelo Ministério Público no valor de 6.011,32€ que gozam de privilégio no pagamento dos seus créditos, a que sempre seria de tirar o valor das custas processuais e só depois é que a Recorrida seria paga.
28- Fazendo as alterações supra aduzidas porque assim o impõe a prova documental junta aos autos mormente todos os documentos juntos aos autos e a prova testemunhal e as declarações de parte produzidas.
29- Não podem concordar as Recorrentes com o entendimento vertido pelo Tribunal a quo nesta parte da perda de oportunidade ou de chance da Recorrida.
30- Está amplamente provado nos autos tanto por via documental como testemunhal que a Recorrida é que contribuiu para a sua perda de oportunidade ou de chance na medida em que devidamente avisada pela AE naquele processo executivo fiscal não foi reclamar o seu crédito, apesar de haver um remanescente no valor de 37.401,46€.
31- Limitou-se a fazer requerimentos anómalos por via telemática à AE para que aquela solicitasse o remanescente do valor obtido com a venda, conforme o demonstra o processo executivo 1654/09.8TBVRl junto a estes autos.
32- Não recorreu dos despachos que lhe eram desfavoráveis como sendo o da nulidade da citação e indeferimento da sua pretensão de receber o remanescente do processo executivo fiscal, pois podia ter pedido a penhora deste e assim já o teria recebido, coisa que não fez como o comprova a informação das AT de 28.01.2011.
33- Pese embora o Tribunal a quo tenha decidido que a repetição da citação e a marcação de nova data para abertura de proposta por negociação particular tenha gerado um atraso de meses que impediu a Recorrida de receber o seu crédito pelo menos até ao valor de 90.000€ por ser a proposta que foi apresentada nesta negociação particular em 30.8.2013 e que só foi comunicada à Recorrida e a consequente declaração de insolvência impediu a mesma de receber a verdade é que da prova documental junta aos autos e da produzida em sede de julgamento podemos constatar que nunca a Recorrida podia ver o bem vendido antes do termino da data fixada para aceitação das propostas por negociação particular pese embora até fosse aceite pela AE em data anterior.
34- Os autos mostram-nos que a venda foi efetuada e que surgiu um outro incidente levantado pela W no sentido de suspender essa venda.
35- A Recorrente/AE leva o incidente a apreciação do senhor juiz para o decidir e só em 22.11.2013 é que o Tribunal indefere a pretensão.
36- Existiam nos autos duas outras reclamações de crédito: uma da Segurança Social no valor de 17.412.04€ e outra do MP no valor de 6.011,32€.
37- Só em 26.02.2014 a MJ titular daquele processo executivo 1654/09.8TBVRL, constata que a secretaria do Tribunal não cumpriu o que ordenou e por isso não pode ainda proferir decisão quanto aos referidos incidentes de reclamação de créditos.
38- O Administrador da insolvência naquele processo 1801/12.2TBVRL só em ofício de 18.03.2014é que manda suspender todas as diligências executivas, sendo que o processo até aos dias de hoje (data da apresentação das alegações) nunca a Recorrente A. S. foi notificada do que quer que seja.
39- A Executada naqueles autos executivos 1654/09.8TBVRL há muito que se encontrava em situação de “insolvência”, pois já corriam contra si processos de execução fiscais, por falta de pagamento de impostos
40- A chance de ver o seu crédito todo satisfeito, que diga-se, na sua maior parte são juros de mora usurários, era diminuta.
41- Perante esta factualidade que está toda ela demonstrada documentalmente nestes autos e nos autos executivos e apensos e nos autos de insolvência da executada, não podia o Tribunal concluir que a Recorrida teria todas as chances de ver o seu crédito pago até 90.000€ por ser o valor da proposta para a compra do imóvel tanto mais que nos autos executivos 1654/09.8TBVRL, foram reclamados créditos da Fazenda Nacional contra a executada após a penhora deste imóvel, conforme consta dos autos a fls. no valor total de 23.423,36€ a que acresceriam os respetivos juros moratórios.
42- Existem factos que não foram corretamente julgados pelo Tribunal a quo que é o caso dos pontos 13 a 15, 17, 25, 31, 37 dos factos provados carecendo de concretização/especificação e o do ponto 2 dos factos não provados que deveria constar dos factos provados, assim como existem factos que foram alegados pela Ré A. S. e que constam de prova documental e que deveriam constar dos factos assentes e o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou e que supra se demonstrou e que por si levariam a que o presente lide fosse declarada improcedente na totalidade.
43- Omitem-se diligências que foram efetuadas e que nos mostram que o processo não teve nenhum atraso por via de nulidade da citação.
44- A indemnização por perda de chance ou de oportunidade processual exige a verificação duma chance real e séria a determinar num «julgamento dentro do julgamento» realizado incidentalmente pelo tribunal da indemnização para apurar como teria sido decidida a ação pelo respetivo tribunal, devendo o lesado que pede o ressarcimento de um dano provocado pela perda de «chances» processuais fornecer elementos para a prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado.
45- Cumpre ao tribunal perante o qual é deduzido o pedido de indemnização fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado, numa espécie de «julgamento dentro do julgamento» (um «trial within the trial»), prognose que, em conformidade com o seu objetivo deve ser realizada a partir da perspetiva do tribunal que teria julgado a ação.
46- O dano por perda de chance ou de oportunidade processual exige, pois, a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, segundo juízo de probabilidade tido por suficiente, a aferir casuisticamente, em função dos indícios factualmente apurados.
47- O ressarcimento do dano por perda de chance não visa indemnizar a perda do resultado querido, antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita impondo-se, na determinação e quantificação de tal dano, num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa’ e, num ‘segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.
48- Perante a entrada do processo de insolvência em 25.10.2012, nunca a Recorrida conseguiria ver o seu crédito pago por via da venda naquele processo judicial, pois todos os atos de venda ou diminuição do património do insolvente são nulos ou anuláveis em benefício da massa insolvente e os efeitos reportando-se sempre em data anterior à data do inicio do processo de insolvência, a que acresce o facto de haver credores reclamantes privilegiados e por isso pagos antes da Recorrida.
49- A nulidade da citação em nada interferiu nos termos do processo, nem o despacho a ser dada sem efeito a data da abertura de propostas, simplesmente porque também não havia nenhuma proposta, e nem o atraso do tribunal em notificar esse despacho que só ocorreu em 17.10.2012, nem nenhum dos atos que foram praticados depois do ato de citação considerado nulo, foi declarado nulo e foram sempre praticados todos os atos solicitados ou exigidos por força da lei, pois a declaração de insolvência é datada de 15.07.2013, data a partir do qual se sustam todos os processos executivos em curso que existam, para além dos efeitos dos artº 120 e 121 do CIRE.
50- Toda a prova documental junta aos autos com a PI e com a contestação da Recorrente A. S. bem como da prova documental que foi determinada pelo Mmo. juiz a quo em sede de Audiência Prévia, como sendo a junção a estes autos do processo 1654/09.8TBVRL e o Processo 1801/12.2TBVRL e de todos os documentos que supra se enunciaram demonstram toda a factualidade vertida na contestação da Ré Recorrente A. S..
51- Mal andou o Tribunal a quo quando interpretou a aplicação das normas do artº 483 nº1, 562 e 564 do C.C no que tange a responsabilidade civil mormente no dano da perda de chance, entendida esta como uma perda de oportunidade, de forma errada e que se tivessem sido interpretadas e aplicadas de forma correta o que teria seguramente dado uma outra e mais justa sorte à presente contenda.
52- A sentença recorrida limitou-se a aplicar (erradamente e interpretar) os artigos 483 nº1, 562 e 564 do CC, pois se tivesse aplicado e interpretado como supra se explicou teria concluído que a Recorrente A. S. não é responsável pelo não ressarcimento da Recorrida naquele processo executivo e de insolvência.
53- Pese embora o ato de citação até fosse declarado nulo a verdade é que os atrasos que ocorreram no processo foram gerados pela própria Recorrida e pelo Tribunal.
54- O Mmo Juiz a quo reconhece tal facto na sua douta fundamentação mas não o dá como provado na matéria de facto assente e que supra se sindicou e consequentemente teria o reconhecido que não estava obrigada a indemnizar a Recorrida e, consequentemente, não era também a Recorrente Y responsável por via da transferência da responsabilidade através do contrato seguro obrigada a indemnizar a mesma.
55- A douta Sentença recorrida sempre seria nula atento o disposto no art 615 nº 1 alíneas c) e d) do CPC, face ao supra exposto oque se invoca para todos os efeitos legais.
56- Apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, na eventualidade de se entender que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil e consequentemente o dever de indemnizar, nunca a sentença poderia condenar, ou melhor ter entendido que a Recorrida sempre teria direito a vir ser ressarcida até no mínimo ao montante do valor da proposta apresentada naqueles autos executivos 1654/09.8TBVRL.
57- Antes da Recorrida, ali exequente, ser paga teriam sempre que ser pagos os credores privilegiados (Segurança Social e MP) uma vez que estes reclamaram créditos que ascendia à data da reclamação de créditos a que acresciam os respetivos juros de mora ao valor de 23.423,36€ bem como a dedução das respetivas custas processuais e encargos e só depois do remanescente é que a Recorrida poderia ser paga.
58- A douta sentença agora colocada em crise nem sequer se pronunciou quanto a esta questão, o que também determinaria a nulidade da douta sentença atento o disposto no artº 615 nº 1 al. d) do CPC o que se invoca para todos os efeitos legais.
59 - Ainda que se admitisse a probabilidade do Tribunal de recurso decidir, no sentido como decidiu, nunca poderá o dano da Recorrida ser fixado na totalidade da diferença entre o valor efetivamente peticionado pela mesma (divida e juros moratórios sobre juros) peticionados nesse autos 1654/09.8TBVRL e também aqui peticionado, e o valor que este douto Tribunal considerou como justo e equilibrado.
60- Isto viola as normas legais contidas nos artigos 563.º e 564.º do CC;
61- À falta de melhor critério, tem a jurisprudência atual considerado que, a probabilidade (quando séria e credível) a considerar, deverá ser, tendo por base critérios de equidade, fixada em 50%, algo que, in casu (e hipoteticamente), conduziria à fixação de um dano de perda de chance (presumivelmente) sofrido pela Recorrida, muito inferior ao decidido.
62- Ao decidir do modo como decidiu, violou o Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 483.º, 496.º, n.º 1, 562.º, 563.º e 564.º do C.C.
63- Por um lado, não se encontram demonstrados nos autos todos os requisitos legais previstos no artigo 483.º do CC (nomeadamente a ilicitude e a culpa), passíveis de gerar, na esfera jurídica da 1ª Ré, agente de execução, uma obrigação de indemnizar (cfr. artigos 483.º, 496.º, n.º 1 e 562.º do CC), não se encontrando.
64- Por outro lado, demonstrado qualquer nexo de causalidade adequada entre tal pretensa atuação omissiva, e os danos alegadamente sofridos pela A. em consequência de tal atuação, uma vez que a 1ª Ré em nada contribuiu para a declaração de insolvência da executada naqueles autos executivos 1654/09.8TBVRL (cfr. artigo 563.º do CC).
65- Acresce referir que a douta sentença não condena as partes em quantia certa.
66- Limita-se a indicar valores para que as partes possam fazer as respetivas contas. Tendo o tribunal a quo a possibilidade de condenar as Rés em quantia certa, não se justifica que a decisão parta de um valor (€90.000,00) e que se ordena a subtração do valor recuperado no processo de insolvência, dos juros e da parte a cargo da primeira Ré, nos termos do contrato de seguro dos autos.
67- O Tribunal a quo estava, assim, na posse dos elementos de facto que lhe possibilitariam a condenação das Rés na parte líquida, procedendo à respetiva quantificação.
68- A douta sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos arts 483nº1, 562 e 564 do CC e 542 do CPC. Mais violou o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2, última parte, ambos do CPC.
69- Deve a Recorrida ser condenada como litigante de má-fé nos termos do disposto no artº 542 do CPC tal como requerido pela Recorrente A. S., ao assim não ter decidido violou o Tribunal a quo o referido normativo legal.
Pelo exposto deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a decisão constante das alíneas 13,15,17,25, 27, 31 da matéria de facto considerada provada da douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere tais factos como provados com as alterações supra referidas assim como deve ser dado como provado o ponto 2 dos factos não provados, considerando-se procedentes por provados os factos alegados na contestação da Ré A. S. e consequentemente serem as Recorrentes absolvidas de todos os pedidos. Deve a Recorrida ser condenada como litigante de má fé nos termos supra articulados.
Assim se fará a costumada e sã JUSTIÇA.

A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e com a análise dos requisitos/pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, bem como da perda de chance.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Factos provados:
1 - A 1ª R. é agente de execução, inscrita na Câmara dos Solicitadores, com a cédula profissional n º …, com escritório na Rua …, Vila Real.
2 - A Câmara dos Solicitadores celebrou um contrato de seguro de grupo, titulado pela apólice n º ...100, com a 2ª R., através do qual, transferiu a responsabilidade civil profissional decorrente da atividade dos solicitadores de execução, membros da referida Câmara, inclusive da 1ª R., para aquela entidade seguradora, tendo sido atribuído o n º .. ao certificado individual referente à 1ª R.
3 - Foi estabelecida uma franquia de 10% do valor dos prejuízos, no mínimo de € 500,00 e no máximo de € 1.250,00 e um capital seguro de € 100.000,00 por cada solicitador de execução.
4 - Tal contrato de seguro encontrava-se em vigor desde 27-10-2003.
5 - E tinha por objeto a garantia da responsabilidade que, ao abrigo da lei civil, fosse imputável ao segurado, por erros ou faltas profissionais cometidas no exercício da sua atividade profissional expressamente referida nas condições particulares e especiais da apólice.
6 - Os danos indiretos, ou seja, os danos que não fossem consequência imediata e direta do erro ou falta profissional cometida, foram excluídos do âmbito das garantias de cobertura.
7 - Em 29 de outubro de 2009, a A. intentou, no Tribunal Judicial de Vila Real, ação executiva, contra a C. S., Lda., que viria a correr termos no 3º Juízo, do Tribunal Judicial de Vila Real, sob o n º 1654/09.8TBVRL.
8 - O valor da execução instaurada foi de € 73.681,23, respeitante a capital e juros, calculados à data em que o requerimento executivo deu entrada em Tribunal, no dia 29 de outubro de 2009.
9 - No momento em que apresentou o requerimento executivo, a A. indicou a 1ª R. como agente de execução.
10 - A 1ª R. aceitou a nomeação e, em 19 de novembro de 2009, juntou aos autos relatório de bens encontrados em nome da executada.
11 - O processo executivo seguiu os seus termos, durante todo o ano de 2010, nomeadamente, com a penhora do seguinte bem: estabelecimento comercial de serviços ou restauração e bebidas, designado pelo n º 1, sito no rês do chão, com 5 lugares de garagem na 1ª cave com os nº 7, 8, 9, 10 e 11, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, no lugar …, lote n º .., da freguesia de ….
12 - O bem identificado em 11, tinha registada previamente, uma penhora a favor da Fazenda Nacional - Serviço de Finanças de Vila Real - , no montante de € 47.269,16, realizada em 26 de Maio de 2009, resultante do processo de execução fiscal n º ………….78.
13 - A A. não reclamou os seus créditos naquele processo de execução fiscal.
14 - O mandatário da exequente, requereu, no processo de execução n º 1654/09.8TBVRL, de julho de 2010 a janeiro de 2011 que, a diferença do produto da venda do imóvel revertesse para o processo de execução n º 1654/09.8TBVRL, o que veio a ser indeferido, por despacho judicial de maio de 2011.
15 - A A. não logrou obter qualquer ressarcimento do seu crédito através desta primeira penhora realizada no processo de execução n º 1654/09.8TBVRL.
16 - Em certidão de citação por afixação, que a 1ª R. elaborou e juntou ao processo de execução n º 1654/09.8TBVRL, consignou ter deixado aviso com indicação para citação da executada com dia e hora certa, tendo ficado consignado que a diligência seria realizada pelas 12.00 horas, do dia 23-09-2010, data em que, na morada indicada foi efetuada a citação, mediante afixação; informando que, no local se verificava não haver sinais de qualquer atividade no escritório da executada (tudo encerrado), mas havendo sinais de que a correspondência era levantada da caixa do correio.
17 - O mandatário da A. foi notificado da referida certidão.
18 - Em 27 de Janeiro de 2011, a A., apresentou requerimento no supra referido processo de execução n º 1654/09.8TBVRL, requerendo a penhora dos seguintes dois prédios:
a) prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo … e,
b) prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ….
19 - Em 3 de fevereiro de 2011, a R. notificou a A. do teor do documento da Conservatória do Registo Predial de Vila Real, onde constava que, o prédio urbano supra identificado, se encontrava provisoriamente registado em nome da K Comércio de Mobiliário, S.A, e o prédio rústico supra identificado, se encontrava registado em nome de M. J..
20 - O registo de aquisição provisória do prédio urbano supra identificado, realizado a favor da K Comércio de Mobiliário, S.A., acabou por caducar, com o decurso do tempo.
21 - Em 30 de novembro de 2011, o Tribunal Judicial de Vila Real, ordenou a realização da penhora definitiva do referido prédio urbano, a favor da A.
22 - Em 11 de janeiro de 2012, a 1ª R. notificou a A., para se pronunciar quanto à modalidade de venda e quanto ao valor base para a alienação do prédio urbano penhorado.
23 - Em 18 de janeiro de 2012, a A. solicitou que, a venda do prédio urbano em causa, fosse realizada mediante abertura de propostas em carta fechada, mais indicando o valor de € 131.593,68, como valor base para a referida venda.
24 - Quanto ao prédio rústico supra identificado, a A. solicitou a sua adjudicação à exequente, ora A., pelo valor de € 1.543,87, como forma de pagamento parcial da dívida.
25 - Em 14 de abril de 2012, o mandatário da A. foi notificado pela 1ª R., quanto ao deferimento da modalidade de venda e adjudicação dos imóveis.
26 - O processo executivo seguiu os seus termos, tendo o Tribunal designado o dia 4 de julho de 2012, pelas 14 horas, para abertura de propostas em carta fechada.
27 - Poucos dias antes da data designada para a abertura de propostas, o Tribunal Judicial de Vila Real suscitou, oficiosamente, a questão da eventual nulidade da citação da executada, dando prazo para as partes se pronunciarem, dando logo sem efeito a diligência de abertura de propostas em carta fechada agendada.
28 - A A. pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer nulidade.
29 - Por despacho de 19 de novembro de 2012, o Tribunal declarou a nulidade da citação da executada, determinando a repetição de tal ato, com fundamento no facto de, ter sido realizada a “citação por afixação”, modalidade de citação que exige que previamente o agente de execução apure que o citando reside ou trabalha efetivamente no local, o que não sucedeu no caso.
30 - A citação pessoal da executada, mediante contacto pessoal, veio a ser realizada pela 1ª R., em 6 de dezembro de 2012.
31 - Seguidamente, o Tribunal proferiu despacho a designar o dia 29 de abril de 2013, pelas 14 horas, para abertura de propostas em carta fechada.
32 - Em 26 de março de 2013, a 1ª R. solicitou à A., no âmbito do supra referido processo de execução, o pagamento de provisão, no valor de € 286,90, que a A. pagou, referente a despesas de expediente e com anúncios/edital, com a “nova” diligência de abertura de propostas em carta fechada.
33 - A venda do imóvel penhorado não se realizou, por não ter sido apresentada qualquer proposta em carta fechada.
34 - Os autos prosseguiram então para a realização da venda por negociação particular.
35 - Foi então apresentada uma proposta de aquisição do prédio urbano penhorado, mediante carta registada, datada de 17 de maio de 2013, na qual P. J. ofereceu a quantia de € 90.000,00 (noventa mil euros) e que chegaria a ser admitida pela 1ª R. em 16-09-2013.
36 - Em 30 de Agosto de 2013, a 1ª R. notificou a A. da proposta supra referida.
37 - Porém, a sociedade executada fora declarada insolvente em 22 de julho de 2013, em consequência do que, a instância executiva foi suspensa.
38 - A A. instaurou então ação declarativa de verificação ulterior de créditos, por apenso ao processo de insolvência, no sentido de ali obter a verificação do seu crédito, tendo despendido € 408,00, de taxa de justiça, para o efeito.
39 - No âmbito do processo de insolvência n º 1801/12.2TBVRL, a A. logrou receber a quantia de € 53.072,76, em resultado dos rateios parcial e final.

Factos não provados:

1 - A A. não reclamou créditos no processo de execução fiscal, por desconhecer a sua existência ou por não estar em tempo para o fazer.
2 - A A. podia ter recebido a quantia que lhe estava em dívida, se tivesse reclamado o seu crédito no processo de execução fiscal.

Entendem as apelantes que foram julgados incorretamente os pontos 2 dos factos não provados – que deveria ser dado como provado – assim como os pontos 13 a 15, 17, 25, 27, 31 e 37 da matéria da facto provada, os quais, não refletem cabalmente, do seu ponto de vista, a realidade demonstrada nos autos executivos 1654/09.8TBVRL e processo 1801/12.2 TBVRL, que são causa direta da presente ação. Consideram, ainda, que deveriam ser dados como provados outros factos acerca dos quais o Tribunal nem sequer se pronunciou, pese embora tenham sido alegados.
Considera a apelada que as recorrentes não cumprem os ónus que para si decorrem do disposto no artigo 640.º do CPC, uma vez que se limitam a alegar, de forma geral, que deveriam ser dados como provados todos os factos alegados na contestação da ré, não tendo especificado, de forma clara e concisa, que factos é que deviam constar da matéria de facto dada como provada, nem indicam os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Ainda transcrevem as declarações de parte da ré sem explicar em que medida essa prova em questão devia ter dado origem a outra decisão por parte do Tribunal a quo.

Vejamos.
Não há dúvida que, apesar das suas extensas e compactas alegações de recurso, os apelantes não indicam os concretos meios de prova que consideram que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, incumprindo, assim, o ónus que lhes impõe o artigo 640.º, n.º 1, b) do CPC.
Este processo, contudo, tem uma especificidade para a qual logo alertou o Sr. Juiz na motivação da decisão de facto: a prova é quase exclusivamente documental e resulta da consulta aos dois processos aqui em causa, o executivo e o de insolvência.
Ora, sendo-nos permitida tal consulta, tal como foi efetuada em 1.ª instância, os factos que daí decorrem estão plenamente provados, devendo o juiz tomá-los em consideração, tal como resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC.
E considerando a consulta que se faz dos autos, não há dúvida que a matéria que foi consignada como provada encontra aí sustentação.
Contudo, pensamos que se poderia ter ido mais longe na fixação da matéria de facto, com evidentes consequências na decisão jurídica.
Vejamos.
A alteração pretendida nos pontos 13 e 14 dos factos provados é admissível, uma vez que tal consta dos autos, mas já a alteração pretendida no ponto 15, é uma mera conclusão que não tem cabimento na matéria de facto.
Resulta do processo de execução que foi realizada a penhora do estabelecimento comercial, mas que o mesmo já se encontrava penhorado anteriormente pelas Finanças e que, no processo que corria termos nas Finanças, foi tentada a venda do mesmo, por diferentes formas e ocasiões, tendo finalmente sido alcançada em 24/06/2010, com o pagamento da dívida fiscal e a existência de um remanescente. Acontece que a aqui autora e ali exequente, não foi reclamar o seu crédito na execução fiscal, o que podia e devia ter feito, uma vez que ali existia um remanescente no valor de € 37.401,46, que era considerável para o abatimento do seu crédito. Aliás, logo que foi notificado da penhora, em 08/04/2010, com conhecimento da penhora anterior a favor da Fazenda Nacional e com a identificação do número do processo fiscal, deveria ter agido de imediato, reclamando o seu crédito nesse processo, pois é essa a forma de conseguir obter pagamento pelo remanescente e não o simples requerimento no processo de execução que, como veio a acontecer, teria que ser indeferido – cfr. despacho aí proferido: “Não tem cabimento legal a pretensão aqui formulada pela exequente. Com efeito, apenas por via da reclamação de créditos que deveria ter deduzido no processo executivo fiscal respetivo onde foi efetuada a venda do imóvel também penhorado nestes autos poderia ter direito ao remanescente do produto da venda de acordo com a sentença de graduação de créditos – vd. art.º 239º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Ora, o que resulta da informação prestada pelas Finanças é que a exequente não deduziu reclamação de créditos no processo em questão. Assim sendo, indefere-se a pretensão formulada pela exequente no requerimento ora em apreço. Custas do incidente pela mesma, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC – art.º 7º n.º 3 do RCP”. Podia, além do mais, a exequente ter pedido a penhora daquele remanescente, o que também não fez.

Assim, os pontos 13 e 14 dos factos provados passarão a ter a seguinte redação:

“13 – A autora não reclamou os seus créditos naquele processo de execução fiscal, apesar de ter sido notificada da existência do mesmo e haver uma quantia remanescente no valor de € 37.401,46.
14 – O mandatário da exequente requereu, no processo de execução n.º 1654/09.8TBVRL, de julho de 2010 a janeiro de 2011, que a diferença do produto da venda do imóvel revertesse para o processo de execução n.º 1654/09.8TBVRL, o que veio a ser indeferido, por despacho judicial de maio de 2011, que não foi objeto de recurso”
A redação do ponto 15 dos factos provados é uma mera consequência da atuação da autora/exequente, que não logrou obter qualquer ressarcimento do seu crédito através da primeira penhora realizada no processo de execução n.º 1654/09.8TBVRL, porque já existia uma penhora anterior levada a cabo pela Fazenda Nacional e a exequente não foi ao processo de execução fiscal – como podia e devia ter ido – reclamar o seu crédito. A AE cumpriu todas as formalidades/notificações a que estava obrigada e a exequente só não viu parte do seu crédito ser pago pelo remanescente do produto da venda efetuada na execução fiscal, porque a ignorou e não foi aí reclamá-lo.

Também o ponto 17 deve ser aditado conforme pretendido pelas apelantes, pois é o que resulta do processo em causa:
“17 – O mandatário da autora foi notificado da referida certidão (certidão de citação da executada) e não reclamou”.
Nada há a alterar ao ponto 25 dos factos provados, uma vez que a data da notificação do mandatário da autora está correta – 14 de abril de 2012 – e a alteração pretendida ao ponto n.º 27 é irrelevante, uma vez que o que importa considerar é que o tribunal deu sem efeito a diligência de abertura de propostas em carta fechada já agendada, em virtude de ter suscitado oficiosamente a questão da nulidade da citação da executada, o que fez por despacho de 28/06/2012 (e não 02/07/2012).
O ponto 29 dos factos provados mantem-se com a redação constante da sentença, sendo apenas aditado: “não tendo a autora reclamado deste despacho”
Também o ponto 31 deve conter a data precisa em que foi proferido o despacho, em vez de “seguidamente”, até porque 19 de fevereiro não é propriamente logo a seguir a 6 de dezembro e os vários factos provados se reportam às datas constantes dos processos aqui em causa. Assim, passará a ter a seguinte redação:
“31 – Em 19 de fevereiro de 2013, o Tribunal proferiu despacho a designar o dia 29 de abril de 2013, pelas 14 horas, para abertura de propostas em carta fechada”
Também o ponto 37 dos factos provados deve conter a transcrição do que aconteceu no processo de execução, face ao grande lapso de tempo decorrido entre a declaração de insolvência e a suspensão do processo executivo em virtude daquela (não se encontrando nos autos qualquer comunicação do administrador da insolvência à AE), passando, assim, a ter a seguinte redação:
“37 – A sociedade executada fora declarada insolvente em 22 de julho de 2013, mas só em 10/01/2014 a AE teve conhecimento da mesma e informou o tribunal nessa data, tendo sido suspensa a instância executiva.

Já quanto ao facto não provado número 2, resulta do que ficou dito acima que a autora, se tivesse reclamado o seu crédito na execução fiscal, poderia ter recebido a quantia que ali foi considerada remanescente (depois de paga a dívida fiscal), pelo que deve tal facto ser eliminado dos factos não provados.

Ora bem, tudo isto é o que resulta da prova documental a que vimos fazendo referência, designadamente, e sobretudo, o processo de execução n.º 1654/09.8TBVRL, onde todos estes factos ocorreram e de onde não será despiciendo, ainda, acrescentar mais os seguintes:

- após a primeira citação que viria a considerar-se nula, continuaram a efetuar-se notificações nos termos do 119 do CRP, após as respetivas penhoras, e na sequência dessas notificações foram feitas reclamações de crédito de outros credores como sendo da Segurança Social e do MP e que careceram de despacho do juiz;
- o prazo para apresentação das propostas de venda por negociação particular só terminava a 16/09/2013;
- a AE comunicou a existência de uma proposta à autora, em agosto de 2013;
- mas só a partir de 16/09/2013 teria que comunicar as propostas para as partes remirem ou poderem pedir a adjudicação a seu favor:
- em 12.09.2013, foi levantado o incidente da W sobre o prédio objeto de venda, na qual a mesma pedia a suspensão da venda, incidente este a que a AE, pediu a intervenção da juiz, por não ter poderes para o decidir, tendo, apesar disso, concluido a diligência de venda por negociação particular, e apenas aguardado decisão da senhora juiz quanto a este incidente, sobre o qual recaiu decisão em 22.11.2013 para depois proceder à marcação da escritura, decisão esta que era passível de recurso e cujo prazo só terminaria em 10.01.2014;
- E que é nesta data 10.01.2014 que a AE toma conhecimento da insolvência da executada naqueles autos 1654/09.8TBVRL e dá conhecimento ao Tribunal e às partes, encontrando-se até hoje o processo suspenso sem que a AE tenha recebido qualquer decisão sobre o desfecho da insolvência 1801/12.2TBVRL, nem de qualquer decisão que tenha sido proferida para não se adjudicar o bem ao proponente comprador.
Diga-se, ainda, conforme e bem refere a apelante que, mesmo que a venda tivesse sido efetuada, esta era sempre passível de resolução pelo administrador da insolvência atento o disposto nos artº 120 e 121 do CIRE. O que equivale por dizer que a exequente, aqui recorrida por via desta penhora e venda nunca conseguiria obter o pagamento do seu crédito.

Vejamos, então, se com esta matéria de facto era possível concluir pela responsabilidade da ré, tal com se fez na sentença recorrida.
Na sentença recorrida considerou-se estarem verificados os pressupostos legais de que depende a responsabilização da 1.ª ré, ao abrigo do instituto da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos.
Aí se considerou que, não obstante a declaração de insolvência ter sido a causa direta ou imediata da frustração da cobrança do direito de crédito da exequente sobre a executada, tal causa só ocorreu porque foi possibilitada ou especialmente favorecida pela conduta ilícita da 1.ª ré e o atraso que tal acarretou para o processo e consequências daí decorrentes.
E a conduta ilícita da 1.ª ré ter-se-ia consubstanciado em dois factos voluntários praticados pela 1.ª ré, quais sejam, a citação da executada ocorrida em 23/09/2010 (e que viria a ser anulada por decisão transitada em julgado, por ter sido incorretamente realizada como “citação com hora certa”) e a comunicação à autora de uma proposta de aquisição do prédio penhorado, passados mais de 3 meses após a sua apresentação.
Quanto ao segundo dos actos, não assiste qualquer razão à autora, uma vez que, se é certo que a AE só comunicou à autora a existência de uma proposta de aquisição do prédio penhorado, passados mais de 3 meses após a sua apresentação – foi apresentada em maio e só no final de agosto foi comunicada – também é certo que o prazo para apresentação das propostas de venda por negociação particular só terminava a 16/09/2013, pelo que só a partir desta data teria que comunicar as propostas para as partes remirem ou poderem pedir a adjudicação a seu favor.
Mais, ainda, em 12.09.2013, foi levantado o incidente da W sobre o prédio objeto de venda, na qual a mesma pedia a suspensão da venda, incidente este a que a AE, pediu a intervenção da juiz, por não ter poderes para o decidir, tendo, apesar disso, concluído a diligência de venda por negociação particular, e apenas aguardado decisão da senhora juiz quanto a este incidente, sobre o qual recaiu decisão em 22.11.2013 para depois proceder à marcação da escritura, decisão esta que era passível de recurso e cujo prazo só terminaria em 10.01.2014. Ora, é precisamente nessa data que a AE toma conhecimento da insolvência da executada naqueles autos 1654/09.8TBVRL e dá conhecimento ao Tribunal e às partes, encontrando-se até hoje o processo suspenso.
Quando a executada foi declarada insolvente (em 22 de julho de 2013) encontrava-se ainda em curso o prazo para apresentação de propostas de venda por negociação particular, pelo que nenhuma culpa pode ser assacada à AE, quanto a este, denominado “atraso” na comunicação da existência de uma proposta de compra do prédio.
Veja-se, aliás, que este processo de execução nunca esteve parado por culpa da AE. Ao contrário do processo citado na sentença recorrida – Acórdão da Relação do Porto, de 11/05/2020, processo n.º 1421/12.1T2AVR.P1, in www.dgsi.pt – que esteve parado por inúmeras vezes por falta de impulso da AE (duas vezes por mais de 8 meses cada, uma vez por mais de 5 meses), o processo de execução de que nos ocupamos nunca esteve parado por culpa da AE.
E é aqui que entroncamos no primeiro dos atos ilícitos praticados pela AE.
Não há dúvida que a AE procedeu à citação da executada, em 23/09/2010, conforme vem referido no ponto 16 dos factos provados – “Em certidão de citação por afixação, que a 1ª R. elaborou e juntou ao processo de execução n º 1654/09.8TBVRL, consignou ter deixado aviso com indicação para citação da executada com dia e hora certa, tendo ficado consignado que a diligência seria realizada pelas 12.00 horas, do dia 23-09-2010, data em que, na morada indicada foi efetuada a citação, mediante afixação; informando que, no local se verificava não haver sinais de qualquer atividade no escritório da executada (tudo encerrado), mas havendo sinais de que a correspondência era levantada da caixa do correio” – e que tal ato veio a ser considerado nulo, por despacho de 19/11/2012, após a referida nulidade ter sido oficiosamente suscitada pelo Tribunal e a autora se ter pronunciado no sentido da inexistência de qualquer nulidade e de não ter recorrido, posteriormente, do despacho em causa, tendo a citação da executada vindo a ser realizada, logo de seguida, em 6 de dezembro de 2012, com os subsequentes atos de tentativa de venda do imóvel penhorado a que já fizemos referência e que decorreram todos dentro dos prazos legalmente estabelecidos para o efeito.
A questão que se coloca, portanto, é a de saber se a imputação à AE de um ato ilícito, porque executado em violação dos pressupostos legais de que dependia – citação com hora certa sem que se verificassem os requisitos da mesma – se encontra numa relação de causalidade adequada com os danos sofridos pela autora, designadamente a frustração da cobrança do seu crédito.
Já vimos que a causa direta de tais danos foi a declaração de insolvência da executada.
E, ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, entendemos que a atuação da AE não a pode fazer incorrer em responsabilidade civil extracontratual.
Diz-se na sentença que, caso a citação não viesse a ser anulada, o prédio teria sido vendido em 04/07/2012, o que não pode aceitar-se, uma vez que essa data foi a fixada para a abertura de propostas em carta fechada. Ora, como se viu, depois, não foi apresentada nenhuma proposta quando, mais tarde se fixou nova data para o efeito. Nada nos pode fazer concluir que, na primeira data, o prédio teria sido vendido (tanto mais que, como se viu, a W se veio arrogar direitos sobre o mesmo, o que obrigou a conhecer da questão suscitada através do correspondente despacho e com o correspondente atraso na adjudicação do imóvel).
Por outro lado, conforme decorre dos factos aditados, o processo nunca esteve parado após as primeiras penhoras e citação. A AE cumpriu sempre todas as suas obrigações e de forma tempestiva, até àquele dia de junho de 2012 em que o tribunal resolveu suscitar oficiosamente a nulidade da citação e, mesmo aí, logo que tal incidente foi decidido, a AE procedeu imediatamente à citação da executada e prosseguiu com todas as diligências relativas à venda do imóvel.
Pode dizer-se que o prédio poderia ter sido vendido antes de 22 de julho de 2013 – data da insolvência – caso não tivesse a primeira citação sido anulada. Contudo, se verificarmos o tempo decorrido entre a 2.ª citação – 6/12/2012 – e a data em que o imóvel iria ser adjudicado ao seu comprador – após 10/01/2014 (data em que foi resolvida a questão incidental levantada pela W) – depressa se poderá concluir que o imóvel dificilmente teria sido vendido antes da declaração de insolvência da executada. Veja-se, como já atrás salientámos, que não existia nenhuma proposta para aquisição do imóvel aquando da primeira data para abertura das propostas e que, posteriormente, o processo seguiu sempre os seus trâmites normais, com pequenos atrasos nunca imputados à AE.
Ora, independentemente de todas estas datas, o que se verifica é que, aquando da primeira citação, ninguém veio pôr em causa a regularidade da mesma, designadamente a autora que, aliás se pronunciou, posteriormente, no sentido da inexistência de qualquer nulidade, aceitando como boa a citação efetuada pela AE.
Como se aceita na sentença recorrida, outras ações/omissões foram causais dos danos da autora, porque concorreram para atrasos processuais e para as consequências deles decorrentes – não cobrança do crédito da autora – para além de que a causa direta do dano foi a declaração de insolvência da executada.
E, se é certo que a lesão e o consequente dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, a verdade é que um deles tem que ser causa adequada do efeito por ele desencadeado – artigo 563.º do Código Civil.
Seguimos a lição de Vaz Serra citado por Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, pág. 578: “Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado (…) parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária”
Tal foi o que sucedeu nos autos.
O resultado danoso foi (para além da causa direta, que nada tem a ver com a execução), causado por um conjunto de ações/omissões de vários intervenientes processuais que, no seu conjunto conduziram a execução ao resultado conhecido. A AE pode ter sido uma peça dessa engrenagem, mas atuou sempre de forma a conduzir a execução ao seu fim último de obtenção do pagamento ao exequente, diligentemente, sem atrasos que lhe pudessem ser imputados e apenas lhe sendo imputada a citação da executada de forma que veio a ser julgada nula, muito depois de ter sido efetuada, sem que os demais agentes processuais, entre os quais os advogados e os juízes, tivessem tido essa perceção em momento anterior, ou até, como no caso do mandatário da autora, considerando que a citação estava bem efetuada.
Na perspetiva que vimos defendendo, não é razoável impor à AE responsabilidade pelo resultado que veio a acontecer, não sendo a sua conduta adequada ao resultado, porque não foi apta, por si só e “de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas a produzir tal resultado, que só se produziu em virtude de uma circunstância extraordinária”, circunstância essa que foi a declaração de insolvência da executada, não podendo também esquecer-se o facto de a exequente se ter desinteressado da reclamação de créditos na execução fiscal, onde poderia ter ido buscar o remanescente da venda do primeiro imóvel penhorado, ou pedido a sua penhora, o que não fez, tendo apenas produzido incidentes anómalos de requerimentos ao processo executivo que, não só o atrasaram, como conduziram, até, à sua condenação em custas.
Não deve, ainda, esquecer-se que, sobre a venda do imóvel penhorado na execução, incidiam reclamações de créditos da Segurança Social e do MP, no valor aproximado de € 23.423,36 (sem juros) que, obviamente viriam a ser pagos com preferência, acabando por dar origem ao valor que a autora veio a receber na liquidação da insolvência.
Do que fica dito, resulta, portanto, a procedência da apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida e a absolvição das rés, devendo ainda acrescentar-se que não se vislumbra má fé por parte da autora, que se limitou a desenvolver a sua tese, que acaba por não ter vencimento nos termos supra descritos.

Uma última palavra para as considerações finais feitas na sentença quanto à denominada “perda de chance”.

Analisado o caso, como foi analisado, pela perspetiva da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, a derivação para a “perda de chance” opera um corte com o princípio da causalidade adequada, que não está previsto no nosso Código Civil. Seria necessário atestar que existiam, de facto, chances ou possibilidades de alcançar o resultado pretendido, “que essas se apresentam com um grau suficientemente razoável de seriedade e consistência e que a conduta ilícita destruiu, irreversivelmente, as possibilidades do resultado pretendido vir a ser alcançado” – Bruna de Sousa, A teoria da perda de chance na responsabilidade civil médica, in Observatório Almedina https://observatorio.almedina.net/index.php/2022/06/02/a-teoria-da-perda-de-chance-na-responsabilidade-civil-medica/
Em Portugal, em face do direito positivo, como se faz notar no acórdão desta Relação de 16/09/2021, processo n.º 7278/19.4T8GMR.G1, in www.dgsi.pt, alguma doutrina não a aceita como dano autónomo por entender que contraria o princípio da certeza do dano e da causalidade adequada. Neste sentido vide Júlio Vieira Gomes, Sobre o dano da perda de chance, in Direito e Justiça, Vol. XIX, 2005, tomo II, p. 9-47 e Paulo Mota Pinto, in Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra Editora, 2008, p. 1103-1106, nota 3103.
Já outros aceitam tal ressarcibilidade, como é o caso de Carneiro da Frada, in Direito Civil, Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, 2010.
E tem havido por parte do STJ uma crescente, ainda que cuidadosa, aceitação daquela doutrina.
No Ac. de 29/05/2012 (João Camilo) lê-se: “A doutrina da perda de chance não tem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige a certeza dos danos indemnizáveis e a existência de nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante. Apenas quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance perdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respetivos danos.” (sublinhado nosso)
No mesmo sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 15/11/2018 (Rosa Tching), 19/12/2018 (Fonseca Ramos); de 10/09/2019 (Graça Amaral) – citações retiradas daquele acórdão de 16/09/2021.
Em qualquer caso, para que se possa falar em indemnização por perda de chance é necessário que o lesado mostre que detinha na sua esfera jurídica a oportunidade de (com grande probabilidade, pois tudo gira ao redor de factos eivados de um certo grau de aleatoriedade, de incerteza) alcançar certo efeito que lhe seria vantajoso, mas que acaba por não ser alcançado devido a facto do autor da lesão.
“A «perda de chance» ou «perda de oportunidade», enquanto dano atual e autónomo, traduz-se na frustração irremediável, por acto ou omissão de terceiro, da obtenção de uma vantagem ou do evitamento de um prejuízo, desde que a obtenção dessa vantagem ou o evitamento desse prejuízo se apresente como altamente razoável ou provável de ter sido alcançado não fosse a aludida ação ou omissão de terceiro. – Acórdão da Relação de Guimarães, de 19/05/2016, processo n.º 301/13.8TBBGC.G1, in www.dgsi.pt.
Como já vimos, tal não aconteceu nos autos, pese embora o ato de citação levado a cabo pela AE fosse declarado nulo, com a necessidade da sua repetição, os atrasos a que o processo esteve sujeito, resultaram, também, da atuação conjugada da exequente, dos terceiros intervenientes (incidente suscitado pela W e reclamações de créditos de terceiros) e do próprio tribunal, e a não cobrança atempada do crédito da autora passou, também, e sobretudo pela sua atuação ao não reclamar o seu crédito na execução fiscal, ou ao não pedir a penhora do remanescente, antes insistindo em incidentes que acabaram por redundar na sua condenação em custas.
O simples erro da AE, na primeira citação – que a própria autora não considerou como erro, pois entendeu que a citação estava corretamente efetuada – não foi de molde a produzir o evento danoso, por si só, e numa relação de causalidade adequada, se atentarmos em todas as outras circunstâncias que, como acontece muitas vezes, dominaram o processo executivo, acabando por a frustração irremediável da obtenção da vantagem que a autora procurava, ter sido o resultado não da omissão da AE, mas de um conjunto de atos de todos os intervenientes, onde ressalta a própria atuação da autora/exequente.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se as rés dos pedidos.
Custas pela apeladas.
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Guimarães, 27 de outubro de 2022

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira