Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
492/12.5TJVNF-B.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
MÚTUO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – O vencimento, nos termos do artigo 781º do Código Civil, das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido não implica a obrigação de suportar os juros remuneratórios nelas incorporados, como foi entendido no Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, de 25.03.2009.
II – A entrega do veículo no âmbito de um contrato de crédito ao consumo regulado pelo DL nº 359/91, de 21.09, pode ser qualificada como datio pro solvendo (art. 840, nº 1, do Código Civil).
III – Para que essa entrega possa ter relevância no âmbito da oposição à execução, o executado tem de alegar o acervo factual correspondente, nomeadamente, que o veículo entregue foi vendido e qual o preço dessa venda, pois que só assim o tribunal poderá, em função do valor do preço, reduzir a quantia exequenda.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Maria …veio, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que lhe move Banco …, S.A., deduzir oposição à execução alegando, em síntese, ter já pago à exequente cerca de € 9.000,00 por conta da quantia exequenda.
A exequente contestou, negando que a opoente ou o co-executado Rui …lhe tenham pago aquele valor, referindo que entre Março de 2008 e Janeiro de 2011 os executados pagaram a quantia de € 6.328,95 e que, já no decurso da execução foi transferido para a exequente, entre Outubro e Dezembro de 2012, resultante da penhora efectuada no vencimento do executado, o valor de € 299,51, pelo que a quantia total efectivamente recebida pela exequente é de € 6.682,46.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, fixaram-se os factos provados e não provados, nos termos do despacho de fls. 73-75, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição deduzida e determinou o prosseguimento da execução.
Inconformada com o assim decidido, apelou a executada/opoente, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:
«1. Na douta sentença proferida nos presentes autos o tribunal julgou a oposição à execução improcedente e, consequentemente manteve-se a execução.
2. O Senhor Juiz “a quo”, considerou que por conta da quantia exequenda os executados, não pagaram o que quer que seja á exequente.
3. Não teve em consideração o Senhor Juiz “a quo” que o recorrente em conjunto com a esposa, entregaram o veículo automóvel á exequente. E que tal veiculo ainda se encontra em posse da exequente.
4. Veiculo esse que tem um valor comercial e que não foi considerado para cálculo do montante exequendo.
5. Acresce que no montante exequendo, estão incluídos juros sobre tal montante.
6. E o cálculo desse montante não teve o correspondente abatimento do montante exequendo e em consequência foram calculados juros em montante elevado, mais elevado para além do que é devido.
7. Temos que ao exequente, está a enriquecer á custa dos executados.
8. E não tem nenhuma causa justificativa para enriquecer á custa do recorrente.
9. A douta sentença, violou além de outras disposições, o disposto no art. 473 n. 1 e 2 do Código Civil.»
A exequente contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
«a) O Banco …, S.A. resolveu o contrato de crédito 80002993…a 03.01.2012, em virtude do incumprimento verificado por parte dos Recorrentes.
b) Entre Março de 2008 e Janeiro de 2011, os Recorrentes pagaram ao Contra-Alegante a quantia de € 6.382,95.
c) Foi instaurada a respectiva acção executiva a 9 de Fevereiro de 2012 no valor de € 11.582,02, tendo sido abatido devidamente, nesta data, todos os valores pagos até à data mencionada.
d) No decurso dessa acção executiva, após várias insistências junto dos Recorrente foi apreendida a viatura objecto de financiamento marca Opel, matrícula …-AI-08, em Junho de 2012.
e) E somente foi transferido para o Contra-Alegante a quantia de € 299,51, fruto da penhora de vencimento do Recorrente Rui ….
f) Contudo, este recusou-se a assinar qualquer tipo de documentação necessária para venda extra-judicial da predita viatura.
g) O que, a acontecer na prática, resultaria na venda da mesma de uma forma mais célere, abatendo-se o produto resultante da sua venda, desde logo, ao valor em dívida.
h) Como tal não aconteceu, o Contra-Alegante teve que lançar mão de outra via para prosseguir com a venda da viatura em apreço: a venda judicial.
i) Mas, em 17.12.2012, o Contra-Alegante foi notificado para contestar.
j) Ficando assim, indubitavelmente, suspensas todas as diligências de penhora.
k) Pelo que a viatura ainda não foi vendida por pura não colaboração dos aqui Recorrentes.
l) E mais, o valor da viatura não é considerada para cálculo do valor da quantia exequenda, uma vez que este cálculo alcança-se pela soma do valor do capital em dívida, juros vencidos, imposto de selo, selagem da livrança e juros calculados à taxa legal de 4% desde a data do vencimento da livrança até à data da instauração da acção executiva.
m) Assim, é totalmente injusto os Recorrentes alegarem que o Contra-Alegante está a enriquecer à custa daqueles.
n) Uma vez que se reitera que a viatura objecto de financiamento só não foi entretanto vendida atenta a posição assumida pelos Recorrentes.
o) Já que seria de todo e completo interesse do Banco …, S.A. ter podido proceder à venda extrajudicial da viatura em causa com a maior celeridade possível.
p) De molde a acautelar e evitar a desvalorização e perecimento por estar o veículo parado.»
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão que demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal da Relação, é a de saber se a quantia exequenda foi liquidada em valor superior ao montante da dívida dos executados, o que pressupõe a análise da seguinte problemática:
- consideração indevida de juros;
- desconsideração do valor do veículo.

II – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. O exequente é uma instituição financeira;
2. No âmbito da sua actividade, a pedido do opoente e da co-executada[1], celebrou com eles o contrato de crédito n.º 8002993…, em 21-02-2008.
3. Do dito contrato consta expressamente que o exequente concedeu ao opoente um crédito de € 12.426,83.
4. Financiamento que se destinou à aquisição de uma viatura Marca Opel, modelo Corsa C, com a matrícula …-AI-08.
5. Tal financiamento haveria de ser pago em 96 prestações mensais e sucessivas de € 182,37 cada.
6. Pelo que o valor total das prestações acordadas, perfazia o total de € 17.507,52.
7. Tal contrato foi assinado pelo opoente Rui … e pela co-executada Maria …, aceitando estes as condições nele inscritas.
8. Durante a vigência do contrato celebrado, foi recebido pelo exequente (até 26-01-2011) o pagamento das 35 primeiras prestações num total de € 6.382,95.
9. Desde essa data o opoente e a co-executada deixaram de pagar as prestações contratualmente acordadas.
10. O Banco …, S.A. decidiu resolver o contrato de crédito a 03-01-2012.
11. Informando também o opoente que iria proceder ao preenchimento da livrança/caução.
12. Entre Março de 2008 e Janeiro de 2011, os executados pagaram ao exequente € 6.382,95.
13. Já no decorrer da acção executiva instaurada, foi penhorado o vencimento do opoente.
14. Tendo o Senhor Agente de execução transferido para o exequente, entre Outubro e Dezembro de 2012, o montante de € 299,51.
15. A quantia efectivamente recebida pelo Banco … é de € 6.682,46

O DIREITO
Consideração indevida de juros
In casu, foi dada à execução uma livrança.
As livranças são títulos de crédito, à ordem, que enunciam uma promessa de pagamento.
Nos termos da Lei Uniforme das Letras e Livranças (art. 75º), para valerem como tais devem conter a palavra livrança inserta no texto do título, a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada, a época do pagamento, a indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada e a assinatura de quem passa a letra (subscritor, que também se costuma designar por sacador, passador ou emitente).
A livrança junta aos autos contém todos estes elementos, nem isso sequer é questionado no recurso.
Segundo a recorrente o que está em causa é o facto do Mm.º Juiz a quo não ter tido em consideração os pagamentos efectuados pelos executados, bem como o facto de terem procedido à entrega do veículo automóvel à exequente, o qual tem um valor comercial, o que não foi considerado para cálculo da quantia exequenda, a que acresce o facto de nessa quantia estarem incluídos juros, os quais não foram abatidos àquela quantia, pelo que a exequente “está a enriquecer à custa dos executados”.
Vejamos.
É sabido que do teor do art.º 10º da LULL, aplicável às livranças ex vi arts. 75º e 77º, resulta a admissibilidade da livrança em branco, ou seja, da livrança assinada sem que os seus restantes elementos (ou alguns deles) se encontrem nela inscritos; manifestando a assinatura a intenção do respectivo signatário, de se obrigar cambiariamente, para a perfeição da obrigação cambiária basta que a livrança se mostre preenchida até ao momento do acto de pagamento voluntário. A livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior sendo a sua aquisição/entrega acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado “acordo ou pacto de preenchimento”. Esse acordo pode ser expresso – quando as partes estipularam certos termos em concreto – ou tácito – por se encontrar implícito nas cláusulas do negócio subjacente à emissão do título[2].
O título deverá ser preenchido de harmonia com tais estipulações ou cláusulas negociais, sob pena de esse preenchimento vir a ser considerado “abusivo”, abuso esse que é invocável entre os outorgantes do dito acordo e deve ser demonstrado por quem dele (do abuso) se quer prevalecer, in casu a executada/opoente (art. 342º, nº 2, do Código Civil).
Provou-se que a dívida exequenda tem a sua origem num contrato de crédito ao consumo celebrado entre a exequente e os executados, pelo qual a exequente lhes concedeu um crédito € 12.426,83, destinado à aquisição de um veículo automóvel.
Um dos efeitos essenciais do contrato em causa é a obrigação de o mutuário restituir o valor emprestado acrescido dos respectivos juros, no prazo acordado, como resulta dos arts. 1142° e 1145º do Código Civil, 395° do Código Comercial e ainda das respectivas cláusulas.
In casu o montante financiado deveria ser reembolsado em 96 prestações mensais e sucessivas, no valor, cada uma, de cerca de € 182,37, à taxa de juro anual e nominal de 8,7% (cfr. doc. de fls. 15 a 17).
Sucede, porém, os executados efectuaram o pagamento das 35 primeiras prestações (até 26.01.2011), num total de € 6.382,95, mas a partir daquela data deixaram de pagar as prestações contratualmente acordadas, pelo que a exequente resolveu o contrato, o que comunicou à opoente através da carta datada de 03.01.2012, informando-a que caso o pagamento não fosse efectuado até 10.01.2012, iria proceder ao preenchimento da livrança em branco assinada pela opoente e pelo co-executado.
Nessa mesma carta foram assim discriminados os valores em dívida: capital - € 8.890.43; juros vencidos - € 2,494,81; imposto de selo - € 99,79; e selagem de livrança - € 57.71, o que perfaz um total de € 11.542,74, quantia que foi aposta na livrança dada à execução.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«(…). Na verdade, verificou-se uma situação de incumprimento contratual por parte dos executados, que só pagaram 35 prestações acordadas, num total de € 6.382,95. O valor da prestação nos contratos de mútuo como os que estão na base da subscrição da livrança em apreço incluem não apenas o capital, mas também juros remuneratórios. Os juros remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência».
Ora, na sentença não foi tido em consideração o Acórdão do STJ nº 7/2009[3], de 25.03.2009, que uniformizou a jurisprudência no sentido de que «no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781.º do CC não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados».
Os pontos ou premissas nucleares que, no dizer do próprio Acórdão, suportaram o entendimento sufragado, foram assim sintetizados no Acórdão da Relação de Coimbra de 24.11.2009[4]:
«1 – A obrigação de capital constitui nos contratos de mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando-se o seu cumprimento por partes, em momentos temporais diferentes, mas sem deixar de ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções;
2 – Diversamente, os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital;
3 – A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital;
4 – Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no art.º 781.º do C. Civil;
5 – Não pode assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem;
6 – O mutuante, caso opte pela percepção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e como tal, abster-se de fazer uso da faculdade prevista no art.º 781º do Código Civil, por directa referência à lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato;
7 – Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada;
8 – O art.º 781º do Código Civil e, logo, a cláusula que para ele remeta ou o reproduza, tem apenas que ver com o capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações;
9 – A razão de ser do mencionado preceito legal prende-se com a perda de confiança que se produz no mutuante/credor quanto ao cumprimento futuro da restituição do capital, face ao incumprimento da obrigação de pagamento das respectivas prestações;
10 – As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no art.º 781º do C. Civil».
Ora, a sentença recorrida não aduz qualquer argumento que não tenha sido analisado e afastado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de uniformização mencionado. Aliás, a sentença, como se viu, não faz sequer referência ao mesmo.
Assiste, assim, razão à recorrente quando diz, ainda que de forma algo imprecisa e genérica, que na quantia exequenda “foram calculados juros em montante elevado, mais elevado para além do que é devido”, pois o vencimento, nos termos do artº 781º do Código Civil, das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido não implica a obrigação de suportar os juros remuneratórios nelas incorporados, sendo apenas devidos, nos termos legais (arts. 804º e seguintes do Cód. Civil), desde o momento da constituição em mora, os pertinentes juros moratórios.
Nesta parte não se acompanha a sentença recorrida e reconhece-se razão à recorrente.
Sucede, porém, que na aludida carta de resolução do contrato, a exequente não quantifica o montante exacto das prestações de capital por pagar – nem dos autos resultam elementos que permitam fazer essa quantificação -, pelo que deverá a quantia exequenda ser reduzida em conformidade com a quantificação que a exequente venha a efectuar após a baixa do processo à 1ª instância.
Já quanto a não ter sido considerado o valor comercial do veículo no cálculo da quantia exequenda, estamos perante uma questão nova, pois analisando o teor da oposição verifica-se que nada foi aí alegado quanto à entrega do veículo à exequente e, como tal, essa questão não foi sequer enunciada como um dos temas da prova e, consequentemente, não foi considerada na sentença.
Como decorre dos arts. 627º, nº 1 e 639º, nº 1, do CPC, e é jurisprudência pacífica, os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas.
Eles são meios para obter a reforma das decisões dos tribunais inferiores, e não vias jurisdicionais para alcançar decisões novas. Daí que o tribunal de recurso não deva conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha de cuidar[5].
Sendo essa a situação vertente, não há que conhecer desta questão, ora suscitada pela opoente/apelante.
Acresce que, mesmo a considerar-se não se tratar de uma questão nova, ainda assim o recurso, neste segmento, nunca poderia proceder.
Na verdade, a entrega do veículo teria de ser qualificada como datio pro solvendo.
Nos termos do art. 840º, nº 1, do Código Civil, se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito e na medida respectiva.
Como assinalam Pires de Lima e Antunes Varela[6], «a datio pro solvendo tem como característica a circunstância de não se pretender extinguir imediatamente a obrigação. A obrigação subsiste e só se vem a extinguir com a satisfação do direito do credor e na medida em que for satisfeito. Por isso se afirma que a dação em função do cumprimento “é, no fundo, um mandato conferido pelo devedor ao credor para liquidar a coisa ou direito dado pro solvendo” (Vaz Serra, Dação em função do cumprimento e dação em cumprimento, nº 1; Bol., nº 39)».
Assim, para que se considerasse em parte saldada a dívida exequenda, teria a recorrente que ter alegado e provado o acervo factual correspondente por, com isso, estar onerada (art. 342.º nº 1 do CC), nomeadamente, que o veículo foi vendido e o respectivo preço, pois só provados esses factos é que o tribunal poderia reduzir a quantia exequenda em função do valor da venda[7].
Ora, fazendo fé no que diz a exequente nas contra-alegações, o veículo terá sido apreendido no âmbito da execução, não tendo sido efectuada a sua venda, pois com o recebimento da oposição e porque não houve lugar a citação prévia, foi declarada suspensa a execução, nos termos do art. 818º, nº 2, do CPC revogado.
Improcede, nesta parte, o recurso.

Sumário:
I – O vencimento, nos termos do artigo 781º do Código Civil, das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido não implica a obrigação de suportar os juros remuneratórios nelas incorporados, como foi entendido no Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, de 25.03.2009.
II – A entrega do veículo no âmbito de um contrato de crédito ao consumo regulado pelo DL nº 359/91, de 21.09, pode ser qualificada como datio pro solvendo (art. 840, nº 1, do Código Civil).
III – Para que essa entrega possa ter relevância no âmbito da oposição à execução, o executado tem de alegar o acervo factual correspondente, nomeadamente, que o veículo entregue foi vendido e qual o preço dessa venda, pois que só assim o tribunal poderá, em função do valor do preço, reduzir a quantia exequenda.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, determinar que após a baixa do processo à 1ª instância a exequente proceda à liquidação da quantia exequenda, calculando o valor das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido sem os juros remuneratórios nelas incorporados, seguindo-se os demais termos da execução.
Custas da apelação a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção de metade, sem prejuízo, quanto à primeira, do apoio judiciário concedido.
*
Guimarães, 25 de Junho de 2015
Manuel Bargado
Heitor Gonçalves
Manso Rainho
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[1] Existe aqui manifesto lapso, que se repete nos números seguintes, pois quem deduziu oposição à execução foi a executada Maria Salomé e não o executado Rui Paulo.
[2] Cfr., inter alia, Ac. do STJ de 30.09.2010 (Alberto Sobrinho), proc. 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Publicado no D.R. nº 86, Série I, de 05.05.2009, também acessível em www.dgsi.pt, proc. 08A1992, relatado pelo Cons. Cardoso de Albuquerque.
[4] Proc. 3181/07.9TJLSB.C1, relatado pelo então Desembargador Artur Dias, in www.dgsi.pt.
[5] Cfr., por todos, o Ac. do STJ de 31.03.2009 (Santos Bernardino), proc. 08B3886, in www.dgsi.pt.
[6] Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição revista e ampliada, Coimbra Editora, 1986, p. 127.
[7] Cfr. Ac. RP de 04.11.2013 (Manuel Domingos Fernandes), proc. 750/12.9TBVFR-A.P1, in www.dgsi.pt.