Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2124/17.6T8VCT.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: SIMULAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA DA MASSA INSOLVENTE
PROVA INDICIÁRIA
PRESUNÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A massa insolvente, através do administrador de insolvência, tem legitimidade, ao abrigo do disposto no art. 286º do CC, para pedir em juízo a declaração de nulidade, por simulação, de um contrato de partilha de bens que havia sido celebrado entre o devedor insolvente e a ré.

II- A procedência da acção de simulação depende da alegação e prova de factos subjectivos que, por se processarem a nível interno ou psíquico e se revelarem em poucas manifestações externas, são de difícil percepção.

III- A sua prova há-de resultar de factos instrumentais ou indiciários, avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Massa Insolvente de A. P. deduziu ação declarativa contra A. P. e M. L. pedindo que se declare a nulidade, por simulação, da partilha a que se refere a escritura de 23/12/2011, junta como documento n.º 10, e que se declare a restituição ao património comum de ambos os réus – por forma a poderem ser apreendidos para a massa e, assi, reverter em benefício desta – de todos os bens identificados na escritura de partilha.

Alegou que a partilha do património comum do casal se destinou a enganar os credores e a furtar o património a eventuais penhoras que viessem a ser promovidas por aqueles, não tendo os réus querido partilhar qualquer património, nem tendo o réu recebido as tornas que declarou ter recebido e continuando ambos a viver em comum, apesar da declarada separação de pessoas e bens.

Os réus contestaram por impugnação.

Dispensada a audiência prévia, foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou procedente a ação, declarando a nulidade, por simulação, do negócio de partilha descrito nos factos provados, titulado pela escritura de fls. 57 verso a 63 dos autos e determinando o cancelamento dos registos de aquisição feitos com base nessa partilha.

Os réus interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes

Conclusões:

1º O presente recurso tem por objeto a reapreciação da sentença proferida pelo Tribunal a quo e que urge ser revogada na sua totalidade;
2º A nulidade da partilha por simulação absoluta só pode ser decretada caso, a montante, a separação que esteve na sua base também seja inválida: mantendo-se, no caso dos autos, incólume a separação de bens celebrada entre os Recorrentes, vedado estava ao Tribunal a quo decretar a simulação da partilha, afigurando-se de impossível coexistência prática na mesma esfera jurídica os efeitos da separação e da comunhão de bens, constituindo a partilha uma consequência legal da separação de bens…
3º Está vedado à Massa Insolvente requerer a simulação de um negócio de partilha celebrado pelo Insolvente passados dois anos após a data do início do processo de insolvência, posto o único mecanismo específico que lhe é atribuído para efetivar um direito como este, é o instituto da resolução em benefício da massa;
4º A Massa Insolvente é, assim, parte ilegítima nos autos, exceção esta que é de conhecimento oficioso;
5º Intervindo a Massa Insolvente, em ações como a dos autos, em representação do Insolvente, nunca poderia esta ter demandado o próprio insolvente, por se afigurar adjetivamente impossível coexistir ambas as partes, que têm a mesma identidade, nos mesmos autos, e em lados diametralmente opostos: o que sempre determinaria a improcedência da ação. Por outro lado,
6º O julgamento da matéria de facto vertido na decisão recorrida, na parte em que dá como provada a versão trazida a estes autos pela Autora, é, data vénia, chocante, pois reflete uma realidade que não resultou de qualquer prova produzida nestes autos e que é, aliás, contrária àquela e às próprias regras da experiência comum: a impugnação da matéria de facto é, pois, extensa, mas sinalagmaticamente não mais extensa do que o erro de julgamento em que o Tribunal a quo laborou, consistindo o caso dos autos um manifesto exemplo onde o duplo grau de jurisdição deve ser efetivamente garantido.
7º A redação dos pontos 1.12, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24 e 1.25 que o Tribunal a quo julgou provados reproduz literalmente o que consta do alegado pela Autora na sua petição e que foi objeto de impugnação especificada pelos Réus, o que se deveu, com o devido respeito, que é muito, a um julgamento apressado dos elementos factuais constantes dos autos, não espelhando, assim e de forma resoluta, o que resultou da prova produzida nos autos;
8º O ponto 1.12 da matéria de facto provada deve ser dado como não provado por inexistir nos autos quaisquer assentos de nascimento para além do relativo ao próprio Réu, assim como qualquer prova relacionada com o giro da atividade das empresas em torno da sociedade “A. M. & FILHOS, SA”.
9º O ponto 1.17 da matéria de facto provada deve ser dado como não provado, não só porque a matéria que ele consta se revela contraditória com a redação dos pontos 1.38 e 1.44, como também porque o mesmo mais não é do que uma tentativa, embora enviesada e com recurso a termos inadequados, de tirar um juízo conclusivo dos mesmos.
10º Em relação ao ponto 1.19 da matéria de facto dada como provada, a ponderação dos elementos documentais nos autos (fls 56 v e 57), conjugada com o teor do requerimento junto aos autos pela respetiva instituição de crédito em 08.05.2018, determina que a redação daquele ponto passe a ter o seguinte teor: O Banco ..., SA. reclamou créditos sobre o réu insolvente no valor de 1.538,753,69 € relativos a avales do réu insolvente em várias operações bancárias tituladas pela sociedade “A. M. e Filhos, S.A., dos quais 848.736,15 € respeitam a créditos sob condição provenientes de garantias que ainda não foram accionadas e o restante respeita a aval em livrança subscrita por A. M. & Filhos, SA, com vencimento em Maio de 2013.
11º Deve ser alterada a redação do ponto 1.20 da matéria de facto provada, passando a ter o seguinte teor: O Banco ..., SA, reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de 3.955.402,64 €, relativos a aval em livranças da sociedade “A. M. & FILHOS, SA” e cessão de créditos do Banco ..., por ser esta a única realidade, em relação ao alegado naquele ponto, que decorre da prova produzida nos autos, a fls 56 v. e 57 e o que ex adverso decorre de fls 219;
12º A redação do ponto 1.21 dos factos provados deve ser reduzida ao seguinte teor, por ser apenas o que resulta da prova produzida nos autos a fls 56 v. e 57: ... Securitisation Europe Limited, por cessão do Banco ..., SA, reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de 774.940,51 €;
13º Deve ser alterada a redação do ponto 1.22 da matéria de facto provada, passando a ter o seguinte teor: A Caixa ..., SA reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de 1.831.526,14 €, dos quais 1.496.476,20 € têm natureza suspensiva, relativos a avales em várias operações bancárias tituladas por “A. M. & FILHOS, SA, por ser esta a única realidade, em relação ao alegado naquele ponto, que decorre da prova produzida nos autos, a fls 56 v. e 57 e de 189 v. e seguintes;
14º O ponto 1.23 da matéria de facto dos autos deve ser dado como não provado com base no depoimento da testemunha C. J. (00:06:30 às 00:12:16) ; subsidiariamente e por referência ao que consta de fls 56 v e 57, 233, 253 e 255 v, deve a redação daquele ponto ser reduzida ao seguinte teor: C. J. e M. P. reclamaram créditos sobre o réu insolvente, no valor de 205.522,20 €.
15º Deve ser alterada a redação do ponto 1.24 da matéria de facto provada, passando a ter o seguinte teor: X, SA, por cessão de Banco ...-Banco ..., SA, reclamou créditos do réu insolvente no valor de 605.821,31 €, por ser esta a única realidade, em relação ao alegado naquele ponto, que decorre da prova produzida nos autos, a fls 56 v. e 57;
16º Deve ser alterada a redação do ponto 1.25 da matéria de facto provada, passando a ter o seguinte teor: “P., SA, reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de 228.158,03 €, relativos a aval em empréstimo concedido a “A. M. & FILHOS, SA”, por ser esta a única realidade, em relação ao alegado naquele ponto, que decorre da prova produzida nos autos, a fls 56 v. e 57;
17º O ponto 1.18 da matéria de facto provada deve ser eliminado do elenco factual, posto a sua redação ser uma súmula da matéria constante dos pontos 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24 e 1.25, com agravante de que contém matéria conclusiva e inexacta;
18º O ponto 1.26 da matéria provada deve ser tido por não provado e os pontos 2.3 e 2.4 da matéria dada como não provada devem ser tidos como provados, com base na ponderação dos seguintes elementos de prova: depoimento de parte do Réu A. P. (00:12:31 às 00:15:41), (00:01:43 às 00:04:20) e (00:21:39 às 00:24:33), nos depoimentos das testemunhas Maria (00:00:42 às 00:02:38) e (00:23:11 às 00:24:17), R. M. (00:00:29 às 00:02:52) e (00:34:38 às 00:36:18) e da única testemunha apresentada pela Autora, cuja valoração, neste particular, o Tribunal a quo fez tábua rasa; a não prova deste facto decorre ainda, de forma ostensiva, dos documentos juntos a fls 57 v, 263 v a 265 v, 266 e 267 e 269 a 272.
19º A redação do ponto 1.27 da matéria provada deve ser limitada ao seguinte teor “os réus, em 23.12.2011, outorgaram escritura de partilha, no cartório da notária A. C., em Viana do Castelo, na qual declararam proceder à partilha dos bens (vinte) que pertenciam ao património comum do casal - doc. 10, fls. 57 vº e ss.”, na medida em que o mais que consta daquele ponto 1.27 mais não é do que matéria conclusiva e indiciadora de uma conexão temporal contrária à realidade das coisas.
20º Deve ser dado como não provado o que consta do ponto 1.31 alínia i) da matéria provada, com base nos elementos documentos constantes dos autos a fls 248 a 250 e ainda na reapreciação dos elementos de cálculo que estiveram na base da perícia realizada a fls 235 a 244;
21º A prova do ponto 1.33 pelo Tribunal a quo resultou de um ostensivo erro de julgamento, requerendo-se, assim, que o mesmo seja eliminado ou, subsidiariamente, tido por não provado, quer porque o que dele consta mais não é do que um juízo conclusivo pela confrontação da matéria de facto que resulta dos pontos 1.28, 1.29, 1.30, 1.31 e 1.32, 1.46 e 1.47, quer porque aquele próprio juízo conclusivo é absolutamente contrário ao que decorre da análise daqueles mesmos pontos;
22º A matéria que respeita à simulação propriamente dita, nomeadamente com o acordo simulatório, está diretamente plasmada nos pontos 1.34, 1.36 e 1.37 e foi dada como provada, tal como se lê na sentença recorrida, com base em presunções judiciais;
23º Agindo a Autora em representação do próprio insolvente, ie, do alegado simulador, vedado lhe está (de acordo com o art. 394º nº 1 e 2 e 351º do CC) socorrer-se de presunções judiciais para a prova da matéria respeitante ao acordo simulatório contrário às disposições que decorrem de documento, in casu, da escritura de partilha, o que desde logo determina a eliminação imediata daqueles pontos 1.34, 1.36 e 13.7 do elenco da matéria provada. Sem prescindir,
24º Rege o art. 349º do CC que “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
25º Acontece que o Tribunal a quo firmou o facto desconhecido (a vontade diversa da declarada, a inexistência do pagamento de tornas e próprio acordo simulatório) em meras presunções (e não em factos conhecidos) absolutamente contrárias ao que decorre da própria prova produzida nos autos, o que determina a não prova daqueles pontos 1.34, 1.36 e 1.37.
26º Na verdade, todo o raciocínio levado a cabo pelo Tribunal a quo a respeito de uma simulada movimentação de dinheiros dentro do âmago familiar, está envolto em manifestos e ostensivos lapsos na análise dos elementos documentais dos autos a fls 175, 176, 177, 178, 179, 284, 286 e 298, assim como em apressadas e erradas conclusões que não resultam sequer de qualquer elemento de prova dos autos.
27º É sobre a Autora que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que pretende fazer valer nesta lide, sendo que não só a Autora não logrou provar a matéria que alegou, como os Réus, ao invés, lograram provar a versão que apresentaram na lide;
28º Significa isto que a não prova daqueles pontos 1.34, 1.36 e 1.37 resulta manifesta pela análise transversal da prova produzida nestes autos e carreada pelos próprios Réus, que sempre assumiram sempre uma postura ativa e de colaboração com a descoberta da verdade;
29º A não prova daqueles pontos resulta, assim, dos elementos documentais de fls 175 v a 180, 261 a 263, 274, 284 a 286, 198 a 299, dos depoimentos de parte do Réu (00:18:49 às 00:21:15) e da Ré mulher (00:18:53 às 00:23:19), dos depoimentos das testemunhas Maria (00:14:37 às 00:17:13), R. M. (00:17:33 às 00:18:48), sendo certo que o ponto 1.37 também está envolto em inúmeros conceitos de direito;
30º Foram tidos em consideração na sentença recorrida factos que nem sequer constam do elenco factual (provado ou não provado) dos autos, tais como “e a final para a A. (Massa Insolvente) pouco mais ficou no seu património com valor relevante que um apartamento”, sendo o processo totalmente omisso em relação ao que existe no património do Réu.
31º Os juízos presuntivos do Tribunal a quo são tanto mais surpreendentes se atentarmos que, desde o início do processo, os Réus sempre explicaram a movimentação do dinheiro, sendo consentânea com toda a prova produzida (quer documental, quer testemunhal, quer por depoimentos de parte) a referência ao empréstimo dos filhos e à razão porque estes o fizeram;
32º A suspeição levantada pelo Tribunal a quo a respeito do empréstimo dos filhos à mãe é, com o devido respeito, contrária à realidade das coisas e da experiência comum, não sendo expectável que numa situação dessas se recorra à ajuda de desconhecidos ou terceiros, em detrimento dos entes mais chegados.
33º Aliás, se existisse simulação, então o mais lógico seria terem vendido os bens, ainda que simuladamente também, a terceiros de boa-fé para acautelarem, e em definitivo, a validade da partilha!
34º Querer presumir-se que foi a declaração da insolvência da sociedade A. M. & Filhos que determinou a celebração da partilha para fugir aos credores desta, por responsabilidades pessoais assumidas pelo Réu, e que esta determinação resultou de um acordo entre ambos os Réus, é tão infundado, como fundado se afigura que resulta da prova produzida dos autos: i) que a Ré mulher desconhecia em totum as alegadas responsabilidades pessoais do Réu; ii) Que a única evidência em relação ao vencimento dos créditos é posterior à própria declaração de insolvência; iii) Que inexiste qualquer referência aos bens que compõe a Massa Insolvente, sendo certo que se desconhecem que bens é que compõe o património do Réu em 2016, na data da declaração da sua insolvência; iv) Que o Réu, mesmo após a partilha, tinha várias participações sociais em várias empresas que estavam de boa saúde financeira.
35º A prova de um acordo simulatório em relação à partilha, sempre envolveria, a montante, a prova de um acordo simulatório em relação à separação propriamente dita e nesse particular ficou abundantemente provado nos autos, mesmo do depoimento da própria testemunha do Autor, que o que determinou a separação dos Réus foi o caso extra-conjugal do Réu. Por fim e ex abundandi,
36º Deve ser dado como provado o ponto 2.2 da matéria de facto não provada, de acordo com os elementos documentais de fls 175 v a 180, 261 a 263, 274, 284 a 286, 198 a 299, dos depoimentos de parte do Réu (00:18:49 às 00:21:15) e da Ré mulher (00:18:53 às 00:23:19), dos depoimentos das testemunhas Maria (00:14:37 às 00:17:13) e R. M. (00:17:33 às 00:18:48).
37º Deve ser dado como provado o ponto 2.5 da matéria de facto não provada, com base no depoimento da testemunha R. M. (00:00:29 às 00:02:52);
38º O Tribunal a quo não fundamentou a não prova do facto constante no ponto 2.6 da matéria de facto não provada, o que configura uma nulidade nos termos do disposto no art. 615º do CC;
39º Deve o ponto 2.6 da matéria de facto não provada ser considerado provado à luz dos elementos documentais dos autos a fls 134 e 135 e ainda dos depoimentos das testemunhas Maria (00:08:18 às 00:09:52) e do depoimento de R. M. (00:17:33 às 00:18:48).
40º Decidindo, como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 349º, 351º, 394º do CC, o art. 2º da Lei 22/2013, os arts. 81º, 84º do CIRE e os arts. 607º do CPC.

Termos em que deve a sentença proferida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a ação totalmente improcedente.

Assim decidindo, Senhores Juízes Desembargadores, farão Vossas Excelências a devida JUSTIÇA

A autora contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a legitimidade da massa insolvente, com a impugnação da decisão de facto e suas consequências jurídicas, designadamente, ao nível da prova do acordo simulatório.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

1. Factos Provados

1.1. Os réus casaram entre si em -.-.1965, no regime da comunhão geral de bens - doc. 1.
1.2. Por decisão da Senhora Conservadora do Registo Civil de …, de 6.12.2011, transitada, foi decretada a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, entre os réus - cfr. doc. 1.
1.3. Por sentença de 10.08.2016, transitada em 31.08.2016, proferida no âmbito do processo nº. 2364/16.5T8VCT, da Comarca de Viana do Castelo, Instância Local, Secção Cível - J2, foi declarada a insolvência do réu e nomeado administrador da insolvência, M. F. - cfr. doc. 1 junto com a p.i..
1.4. O réu insolvente era accionista da sociedade “A. M. & FILHOS, SA”, nipc …, que teve sede em Viana do Castelo, à Rua …, nela tendo detido 161.234 acções ao portador, no valor nominal de 5,00 €, cada, num capital social de 5.000.000,00 € - doc. 2 junto com a p.i..
1.5. O réu fez parte do Conselho Geral da referida sociedade e ainda do Conselho de Administração, aqui até 7/9/2009.
1.6. O réu insolvente é sócio e gerente da sociedade “Y-TRABALHOS DE ENGENHARIA CIVIL, LDA.”, nipc …, com sede em Viana do Castelo, freguesia de …, à Rua da …, nela detendo uma quota do valor nominal de 15.000,00 €, num capital social de 45.000,00 € - doc. 3 junto com a p.i., fls. 19 e ss.
1.7. O réu insolvente é sócio e gerente da sociedade “B.-SOCIEDADE DE DRAGAGENS, LDA.”, nipc …, com sede em Viana do Castelo, freguesia de ..., à Rua da ..., detendo uma quota do valor nominal de 174.960,00 €, num capital social de 900.000,00 € - doc. 4, fls. 25 vº e ss
1.8. O réu insolvente é sócio da sociedade “SR., LDA.”, nipc …, com sede em Viana do Castelo, freguesia de ..., à Rua da ..., nela detendo uma quota do valor nominal de 121.500,00 €, num capital social de 405.000,00 € - doc. 5, fls. 31 vº e ss.
1.9. O réu insolvente foi sócio da sociedade “W-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.”, nipc …, com sede em Viana do Castelo, freguesia de ..., à Rua da ..., dissolvida em 18.12.2014 e que se encontra em liquidação, nela tendo detido uma quota do valor nominal de 21.000,00 €, num capital social de 105.000,00 € - doc. 6, fls. 38 e ss.
1.10. O réu insolvente foi accionista da sociedade “D.-SOCIEDADE DE DRAGAGENS, SA”, nipc …, com sede em Viana do Castelo, freguesia de ..., à Rua da ..., dissolvida e com a liquidação encerrada em 31.12.2013, tendo originado o cancelamento da matrícula, nela tendo detido 4.000 acções nominativas, no valor nominal de 50,00 €, cada, num capital social de 200.000,00 € - doc. 7.
1.11. O réu insolvente foi sócio da sociedade “FÁBRICA DE CERÂMICA V., LDA.”, nipc …, com sede no lugar de …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, declarada insolvente, estando o respectivo processo em liquidação, nela detendo uma quota do valor nominal de 115.600,00 €, num capital social de 800.000,00 € - doc. 8, fls. 48 vº e ss.
1.12. A maior parte destas sociedades tinham actividades ligadas à construção civil e obras públicas e, apesar da dimensão delas - sobretudo da referida em 1.4. -, eram empresas familiares, no sentido em que eram compostas por sócios ou accionistas com laços muito chegados de parentesco, sendo que algumas detêm, ou detinham, participações sociais noutras, mas todas girando em torno da “A. M. & FILHOS, SA”.
1.13. A sociedade “A. M. & FILHOS, SA” foi declarada insolvente em 31.10.2011, encontrando-se o respectivo processo na fase da liquidação dos bens que integram a massa insolvente.
1.14. A sociedade “W-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.”, foi dissolvida em 2014, com quotas arrestadas e penhoradas (cfr. doc. 6).
1.15. A sociedade “D.-SOCIEDADE DE DRAGAGENS, LDA”, dissolvida em 2013, que passou de sociedade anónima a sociedade por quotas, reduziu o capital por duas vezes (em 28/12/2011 e 21/5/2012) com finalidade registada e declarada “Cobertura de Prejuízos”, viu quotas arrestadas (cfr. doc. 7), tendo sido dissolvida e encerrada a sua liquidação e cancelada a sua matrícula em 31/12/2013.
1.16. A sociedade “FÁBRICA DE CERÂMICA V., LDA.”, foi declarada insolvente em 2012 (cfr. doc. 8).
1.17. As restantes sociedades “Y”, “B.”, “SR.”, referidas supra em 1.5., 1.6. e 1.7. apresentam-se com uma periclitante saúde financeira, com activos manifestamente inferiores aos passivos.
1.18. O réu insolvente havia, entretanto, assumido inúmeras responsabilidades pessoais, muitas delas relacionadas com a actividade da “A. M. & FILHOS, SA”, designadamente avalizando livranças, contraindo empréstimos, solicitando garantias bancárias, celebrando contratos de abertura de crédito para a “A. M. & FILHOS, SA”, tendo, por via disso, os diversos credores reclamado no processo de insolvência do co-réu mais de 9.000.000,00 € - doc. 9, fls. 56 vº e 57.
1.19. O Banco ..., SA. tem créditos sobre o réu insolvente no valor de 1.538,753,69 €, que reclamou, relativos a avales do réu insolvente em várias operações bancárias, com vencimentos em 1996, 1997, 2010 e 2011 e o aval em livrança subscrita por “A. M. & FILHOS, SA”, com vencimento em 2013.
1.20. O Banco ..., SA, tem créditos sobre o réu insolvente, no valor de 3.955.402,64 €, que reclamou, relativos a avales em livranças subscritas por “A. M. & FILHOS, SA” e “FÁBRICA DE CERÂMICA V., LDA.”, com vencimentos em 2011, 2013 e 2016.
1.21. ... Securitisation Europe Limited, por cessão do Banco ..., SA, tem créditos sobre o réu insolvente, no valor de 774.940,51 €, que reclamou, relativos a avales em livranças subscritas por “A. M. & FILHOS, SA” com vencimentos em 2016.
1.22. A Caixa ..., SA, tem créditos sobre o réu insolvente, no valor de 1.831.526,14 € €, que reclamou, relativos a avales em várias operações bancárias tituladas por “A. M. & FILHOS, SA”, com vencimentos entre 1999 e 2008.
1.23. C. J. e M. P. têm créditos sobre o réu insolvente, no valor de 205.522,20 €, que reclamaram, relativos a confissão de dívida, com vencimento em 2010.
1.24. X, SA, por cessão de Banco ...-Banco ..., SA, tem créditos sobre o réu insolvente, no valor de 605.821,31 €, que reclamou, relativos a aval em livrança subscrita por “A. M. & FILHOS, SA”, com vencimento em 2011.
1.25. P., SA, tem créditos sobre o réu insolvente, no valor de 228.158,03 €, que reclamou, relativos a aval em empréstimo concedido a “A. M. & FILHOS, SA”, com vencimento em 2012.
1.26. Os réus casaram há mais de 50 anos e, apesar da separação alegada em 1.2., mantêm entre si um bom relacionamento, apresentando o co-réu, mesmo após a separação de pessoas e bens, domicílio na mesma morada da co-ré.
1.27. Logo a seguir à declaração de insolvência da “A. M. & FILHOS, SA” (31.10.2011) e logo a seguir a ter sido decretada a respectiva separação de pessoas e bens (6.12.2011), os réus, em 23.12.2011, outorgaram escritura de partilha, no cartório da notária A. C., em Viana do Castelo, na qual declararam proceder à partilha dos bens (vinte) que pertenciam ao património comum do casal - doc. 10, fls. 57 vº e ss.
1.28. Declararam os réus na referida escritura que ao réu insolvente seriam adjudicadas:
- todas as participações sociais supra referidas em 1.4. a 1.10. (correspondentes às verbas 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da escritura de partilha), às quais atribuíram o valor de 1,00 € (um euro) cada;
- e as verbas 12, 14, 15, 16 e 20, como segue:
i) uma leira de cultivo, sita na freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, inscrita na matriz rústica sob o artigo ..., descrita na conservatória sob o nº. ..., a que atribuíram o valor de 2.000,00 € (verba 12);
ii) a fracção autónoma “H”, 3º. andar esquerdo, de um prédio urbano sito na Rua …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, descrito na conservatória sob o nº. …, a que atribuíram o valor de 100.000,00 € (verba 14);
iii) um terreno de cultivo, sito na freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, descrito na conservatória sob o nº. …, a que atribuíram o valor de 40.000,00 € (verba 15);
iv) um terreno de mato, sito na freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, descrito na conservatória sob o nº…., a que atribuíram o valor de 500,00 € (verba 16); e
v) o recheio da fracção identificada em ii), a que atribuíram o valor de 2.000,00 € (verba 20), tudo ascendendo ao valor, declarado, de 144.507,00 € - cfr. doc. 10.
1.29. O bem descrito na alínea ii) (fracção H) valia à data da partilha €80.000,00 e o descrito na alínea iii) €38.600,00.
1.30. Declararam ainda os réus, na referida escritura, que à ré seriam adjudicadas as seguintes verbas 8, 9, 10, 11, 13, 17, 18 e 19:
i) metade da fracção autónoma “S”, ap. 18, triplex, de um prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de Loulé, inscrita na matriz urbana sob o artigo …, descrito na conservatória sob o nº. .., a que atribuíram o valor de 100.000,00 € (verba 8);
ii) prédio misto, casa e leira de cultivo, sito no lugar de …, ou …, freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz urbana sob o artigo … e na matriz rústica sob o artigo …, descrito na conservatória sob o nº. …, a que atribuíram o valor de 175.000,00 € (verba 9);
iii) prédio urbano, sito no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, descrito na conservatória sob o nº. …, a que atribuíram o valor de 25.000,00 € (verba 10);
iv) prédio urbano, sito no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, descrito na conservatória sob o nº. …, a que atribuíram o valor de 30.000,00 € (verba 11);
v) prédio urbano, sito no Bairro …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, compreendido no prédio descrito na conservatória sob o nº. …, a fls. 176, do livro B-151, a que atribuíram o valor de 250.000,00 € (verba 13);
vi) um terreno de mato, sito no lugar de …, na freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, descrito na conservatória sob o nº…., a que atribuíram o valor de 20.000,00 € (verba 17);
vii) o recheio do prédio identificado em v), a que atribuíram o valor de 16.000,00 € (verba 18); e
viii) o recheio do prédio identificado em iii), a que atribuíram o valor de 6.500,00 € (verba 19), tudo ascendendo ao valor, declarado, de 637.500,00 € - cfr. doc. 10.
1.31. Os bens referidos nas alíneas i), ii), iii), iv) e v) do precedente ponto valiam à data da partilha o seguinte:
- o da al. i) €160.000,00 – fls. 235 a 244;
- o da al. ii), €162.800,00:
- o da al. iii) 19.200,00€,
- o da al. iv) €25,700,00
- o da al. V) €220.000,00.
1.32. Declarou também a ré, na referida escritura, ter entregue ao réu insolvente, a título de tornas, a quantia de 255.246,00 €, declarando este ter recebido aquela importância.
1.33. A diferença de valores entre os bens que os réus declararam caber respectivamente a um e a outro é muito superior aos 255.246,00 €, referidos no ponto anterior.
1.34. Nem o réu insolvente, nem a ré quiseram partilhar, ou partilharam, os bens identificados na escritura junta como doc. de fls. 57 vº e ss.
1.35. Na escritura de partilha o R. declarou constituir a sua residência permanente: Rua …, Viana do Castelo (correspondente à verba descrita supra em 1.28., al. ii).
1.36. Nem o réu insolvente quis receber, ou recebeu, nem a ré quis pagar, ou pagou, qualquer quantia a título de tornas, designadamente os 255.246,00 €.
1.37. Os réus concertaram-se nas respectivas declarações, exaradas no contrato de partilha, para enganar todos os seus credores, com elas querendo furtar o património deles - ou, ao menos, a meação do réu insolvente - à incidência de penhoras promovidas pelos mesmos credores, assim defraudando as legítimas expectativas destes no recebimento dos respectivos créditos.
1.38. Em 2011, encontravam-se, de acordo com o Mod.22 entregue na Autoridade Tributária, a seguinte e declarada situação:
- Y – Trabalhos de Engenharia Civil, L.ª:
Activo: 95.262,43 € Passivo: 39.081,95 €
Lucro tributável: 7.569,29 €
Cfr.doc. 1 junto com a contestação
- B. – Sociedade de Dragagens, L.ª
Activo: 361.647,90 € Passivo: 134.649,29 €
Lucro tributável: 421.170,89 €
Cfr.doc.2 junto com a contestação
- SR.S, L.ª
Activo: 802.933,26 € Passivo: 478.027,75 €
Lucro tributável: - 339.128,24 €
Cfr.doc.3 junto com a contestação
- W – Sociedade de Construções, L.ª
Activo: 255.115,66 € Passivo: 188.836,05 €
Lucro tributável: - 450,55 €
Cfr.doc.4 junto com a contestação.
- D. – Sociedade de Dragagens, L.ª
Activo: 6.513,79 € Passivo: 18,72 €
Lucro tributável: 608,73 €
Cfr.doc.5 junto com a contestação.
1.39. O co-Réu A. P., em 25.03.2011, tendo apenas uma quota no valor nominal de 76.000 €uros na Empresa SR.S, L.ª, adquiriu aos sócios G. P. e mulher uma nova quota no valor nominal de 45.000 €uros, para unificar a sua quota primitiva, como unificou, no montante de 121.500 €uros e ficar, dessa forma, como ficou, detentor de 30% do capital social daquela Empresa Cfr.doc.6 junto com a contestação.
1.40. Nesse mesmo negócio, com os mesmos sócios, o co-Ré A. P. igualmente lhes adquiriu na Empresa Y – Trabalhos de Engenharia Civil, L.ª, uma nova quota no valor nominal de 7.500 €uros, que também unificou com a quota social de 7.500 €uros que já possuía naquela sociedade, tornando-se, desse modo, detentor de 1/3 parte do capital social desta firma Cfr.doc.6 junto com a contestação.
1.41. O mesmo sucedendo com a Empresa Y – Trabalhos de Engenharia Civil, L.ª, objecto do competente registo na Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo, através das Apresentações n.º569 de 06.09.2001 e n.º570 de 06.09.2011 - Cfr.doc.12 junto com a contestação.
1.42. A sociedade da D. – Sociedade de Dragagens, L.ª foi dissolvida pelos sócios, por falta de rentabilidade.
1.43. O mesmo ocorrendo com a W – Sociedade de Construções, L.ª, que foi dissolvida igualmente por falta de rentabilidade.
1.44. Em 2015 e 2016, é a seguinte a situação declarada à AT das seguintes sociedade:
- Y – Trabalhos de Engenharia Civil, L.ª:
Ano de 2015
Activo: 294.204,77 € Passivo: 295.280,61 €
Lucro tributável: 34.874,20 €
Cfr.doc.13
Ano de 2016
Activo: 56.086,47 € Passivo: 31.258,90 €
Lucro tributável: -23.173,91 €
Cfr.doc.14 junto com a contestação
- B. – Sociedade de Dragagens, L.ª
Ano de 2015
Activo: 280.030,55 € Passivo: 119.513,91 €
Lucro tributável: -2.356,38 €
Cfr.doc.15 junto com a contestação
Ano de 2016
Activo: 271.546,68 € Passivo: 930,87 €
Lucro tributável: -10.321,39 €
Cfr.doc.16 junto com a contestação.
SR.S, L.ª
Ano de 2015
Activo: 612.335,68 € Passivo: 300.648,11 €
Lucro tributável: -2.151,92 €
Cfr.doc.17
Ano de 2016
Activo: 526.971,02 € Passivo: 212.715,43 €
Lucro tributável: -3.007,34 €
Cfr.doc.18 junto com a contestação
1.45. Relativamente ao ano fiscal de 2001, pelo Réu A. P. declarou os seguintes rendimentos, provenientes de salários de parte das supra indicadas empresas:
- 15.000,00 €uros da sociedade B., L.ª Doc.37
- 18.000,00 €uros da sociedade Y, L.ª Doc. 38
- 47.140,66€uros da pensão de reforma da SS.
1.46. Ocorreu troca de valores relativamente a dois prédios, aquando da outorga da escritura de partilha, embora o resultado da mesma seja igual, quer na quantificação do valor do património comum, quer na composição dos quinhões, já que ambos os prédios foram adjudicados à co-Ré M. L.: atribuiu-se o valor de 25.000 €uros ao prédio inscrito na matriz predial urbana de ... sob o art…., quando, este valor corresponde ao montante a atribuir-se ao prédio urbano inscrito na matriz daquela freguesia sob o art…..
1.47. Ao invés, atribuiu-se o valor de 175.000 €uros ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art…., quando, na verdade, este valor dizia respeito ao prédio urbano inscrito na matriz respectiva sob o art.276º.

2. Factos Não Provados

2.1. O valor das participações sociais dos Réus nas 6 sociedades - excluindo a empresa “A. M. & Filhos, SA”, entretanto declarada insolvente – ascendia ao montante global de 647.297,00€uros.
2.2. A Ré procedeu ao pagamento da quantia de 255.246,00 €uros, a título de tornas, ao Réu A. P., tendo o Réu A. P. recebido aquela importância que passou a integrar o seu património pessoal.
2.3. A razão da sua separação de pessoas e bens foi simplesmente por termo, sem divórcio, atento factores religiosos e familiares, a uma relação conjugal muito degradada e agastada, passando cada um deles a dispor de residências autónomas.
2.4. A razão pela qual ao co-Réu A. P. foi adjudicado um apartamento, na cidade de Viana do Castelo, para ele lá residir, de forma autónoma da co-Ré M. L..
2.5. O Réu tinha interesse em receber tornas da co-Ré M. L., por conta da sua meação, atento o facto de, em 2011, ainda perspectivar a aquisição de novas participações sociais, naquelas sociedades, ou noutras.
2.6. O Réu pagou pelo negócio de aquisição de participações sociais, em Março de 2011, o montante de 138.000 €uros.

A primeira questão colocada pelos apelantes prende-se com a ilegitimidade da recorrida.
Entendem que o administrador judicial só pode intentar ações de resolução em benefício da massa insolvente relativas a negócios realizados nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência e que, para além destes poderes, o administrador da insolvência representa o insolvente, substituindo-se a ele, pelo que nunca poderia estar nos dois lados da presente ação.
É a primeira vez, nos autos, que tal questão é suscitada. Contudo, tratando-se de exceção dilatória, o seu conhecimento é oficioso, por parte do tribunal – artigo 578.º do CPC.

Vejamos, então.

Salvo o devido respeito, os apelantes confundem os actos de resolução em benefício da massa insolvente, previstos nos artigos 120.º e seguintes do CIRE com os poderes do administrador da insolvência, que derivam diretamente da declaração de insolvência, passando os poderes de administração e disposição da massa insolvente para o administrador – artigo 81.º, n.º 1 do CIRE – e com a possibilidade de o administrador, por esse efeito, poder demandar a nulidade de acto simulado praticado pelo devedor insolvente
É exatamente ao abrigo desses poderes, e considerando os actos praticados pelo insolvente anteriormente à declaração de insolvência, que o administrador tem exclusiva legitimidade, em nome da massa, para propor e fazer seguir ações destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente – artigo 82.º, n.º 3, alínea b) do CIRE.
Aliás, a nulidade, além de poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal, pode ser invocada por qualquer interessado. É isso que se dispõe no art. 286º do CC e interessado para esse efeito será – como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., revista e actualizada, pág. 261. - o “…o titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica como prática, seja afectada pelo negócio”.

O artigo 605º do Código Civil, ao dispor que “os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor, quer estes sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que tenham interesse na declaração da nulidade, não sendo necessário que o acto produza ou agrave a insolvência do devedor”, veio apenas tornar expresso – esclarecendo algumas dúvidas que até então se suscitavam e de que nos dão conta Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, págs.589 e 590 - que os credores são titulares de um interesse relevante para efeitos de invocação da nulidade de actos praticados pelo devedor e que tal interesse não depende da anterioridade do crédito relativamente ao acto cuja nulidade se pretende invocar e não depende da circunstância de este acto ter produzido ou agravado a situação de insolvência do devedor.

Mas, se é verdade que os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor, nos termos da citada disposição legal, já não é verdade que tal faculdade lhes esteja reservada em exclusivo, já que, de acordo com o disposto no art. 286º do citado diploma, tal faculdade pertence a qualquer pessoa que demonstre ter interesse na declaração de nulidade.

Seguindo, aqui, de perto, o Acórdão da Relação de Coimbra de 16/06/2015, processo n.º 529/10.2TBRMR-S.C1 (Catarina Gonçalves), in www.dgsi.pt, podemos dizer que “a massa insolvente e, como tal, o administrador de insolvência, no âmbito das funções que lhe estão atribuídas, tem interesse na declaração de nulidade de um contrato de compra e venda celebrado pelo devedor insolvente (como é o caso do acto em causa nos autos), providenciando, dessa forma, pela restituição à massa insolvente dos bens que nela se deveriam encontrar por ser nulo o acto em que assentou a transferência da respectiva propriedade.

Importa notar, aliás, que a nulidade desse contrato – por alegada simulação – poderia ser invocada pelos próprios simuladores entre si, como determina o art. 242º, nº 1, do CC, e, portanto, ela poderia ser invocada, contra a aqui Ré, pela devedora insolvente. Ora, assumindo o administrador da insolvência a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (art. 81º, nº 4, do CIRE) e porque a declaração de nulidade de um negócio de compra e venda celebrado pelo insolvente tem evidente interesse para a insolvência – possibilitando a recuperação de bens que pertencem à massa insolvente – parece que, também por essa via, estaria assegurada a legitimidade do administrador da insolvência na invocação da nulidade desse negócio.

E nada encontramos no CIRE que seja susceptível de ser interpretado no sentido de estar vedado ao administrador da insolvência a propositura de acção com vista à declaração de tal nulidade e no sentido de lhe retirar a legitimidade que, por efeito da aplicação da regra geral consagrada no art. 286º do CC, lhe deverá ser reconhecida”.

Assim, estando a invocação da nulidade de actos praticados pelo devedor na disponibilidade de qualquer pessoa que demonstre ter interesse na respectiva declaração (cfr. art. 286º do CC), “a circunstância de o CIRE não o prever expressamente não tem idoneidade para concluir que o administrador da insolvência não tem legitimidade para invocar a nulidade dos actos, porquanto esta legitimidade encontra apoio no Código Civil por se dever considerar – como consideramos – que a massa insolvente, através do administrador da insolvência, é interessada para esse efeito”.

Ou seja, e em conclusão, ali se defende, e bem, que a legitimidade do administrador para invocar tal nulidade continua a encontrar apoio no art. 286º do CC, onde se estabelece o princípio ou regra geral em matéria de legitimidade para esse efeito e que, “não nos parece consentâneo com o pensamento do legislador e com a ordem jurídica em geral que, estando em causa um acto nulo, se limitasse profundamente a possibilidade de destruir os seus efeitos, por iniciativa da massa insolvente e do administrador da insolvência, aos casos em que é possível a resolução em benefício da massa insolvente.

Note-se que os actos resolúveis em benefício da massa insolvente são apenas os actos prejudiciais à massa que tenham sido praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (art. 120º do CIRE) e tal resolução tem que ser efectuada em prazo curto e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (art. 123º do CIRE). Ora, a entender-se que os actos nulos apenas poderiam ser atacados pelo administrador da insolvência por via desse instituto, tal significaria que os actos e negócios nulos praticados antes do período temporal ali definido ou aqueles que apenas viessem ao conhecimento do administrador depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência ficaram a salvo e não poderiam ser atacados em benefício da massa insolvente; a declaração de nulidade desses actos ficaria, assim, dependente da actuação dos credores ou de qualquer outro interessado e fora da disponibilidade do administrador da insolvência, situação que não se adequa à regra legalmente consagrada segundo a qual a nulidade, além de poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal, é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado.

Daí que improceda a invocada ilegitimidade da massa insolvente, através do administrador de insolvência, para instaurar ação com vista a obter a declaração de nulidade, por simulação, de contrato de partilha de bens entre o devedor insolvente e a ré.

A apelação prossegue com a impugnação da decisão de facto. Discordam os apelantes dos pontos 1.12, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24 e 1.25 dos factos provados.
Quanto ao ponto 1.12, entendem que não está provado que fossem empresas familiares por não existirem nos autos assentos de nascimento que provassem os laços de parentesco.
Ora, independentemente da pouca relevância que tais factos assumem na causa de pedir e no pedido da presente ação (trata-se, antes do mais, de factos instrumentais, que ajudam à formação da convicção do julgador), a verdade é que não são necessários assentos de nascimento (não é o objetivo principal destes autos a prova dos laços familiares), para provar aquilo que resulta dos documentos – certidões de matrícula das diversas sociedades – bem como da prova testemunhal, fundada no depoimento de três filhos dos réus.
Aliás, estranha-se que os apelantes ponham em causa este facto provado, invocando a ausência dos assentos de nascimento, quando poderiam dizer, expressamente, que as pessoas em causa não são seus familiares…se, de facto não fossem, uma vez que se trata de factos pessoais que não podem desconhecer.
Mais discordam os apelantes do ponto 1.17 dos factos provados, alegando existir contradição com o constante dos factos provados 1.38 e 1.44.
Não há dúvida que o facto 1.17 está muito perto de poder ser visto como um facto conclusivo. Contudo, ele mais não retrata do que os dados que ficam patentes nos pontos 1.38 e 1.44, ou seja, de que a saúde financeira destas sociedades era periclitante, a juntarem-se às que já haviam sido dissolvidas ou declaradas insolventes. A motivação da decisão é, aliás, bem explícita, quanto a esta questão e baseia-se na análise das declarações fiscais relativas a estas sociedades. Das mesmas resulta que a Y, em 2011, esgotou o capital na cobertura do prejuízo e, se em 2015, apresentou lucro tributável (€ 38.000,00), a verdade é que já não tinha pessoal, nem atividade e apresentou prejuízos fiscais acumulados de € ....000,00, passando em 2016 para um lucro tributável negativo, sem atividade e sem pessoal. Também a B. passou de um lucro tributável de € 421.000,00, em 2011 para prejuízos de € 262.000,00, em 2015, já sem volume de negócios, nem pessoal, tendo em 2016 um resultado negativo de € 10.321,39. Finalmente, a SR., já em 2011, apresentava um lucro tributável negativo de € 339.128,24, com acumulação de prejuízos sempre em crescendo, chegando a 2016 sem atividade.
Diga-se, aliás, que os próprios réus, na escritura de partilha, atribuíram a cada uma das participações sociais, nessas sociedades, o valor de € 1,00, apesar de, segundo disseram em audiência de julgamento, terem mandado avaliar todos os bens.

Quanto ao ponto número 1.19, a melhor redação relativa aos créditos do Banco ..., é a seguinte, uma vez que é a que resulta da lista de credores apresentada pelo administrador da insolvência:

“O Banco ..., SA reclamou créditos sobre o réu insolvente no valor de € 1.538.753,69, relativos a avales em várias operações bancárias tituladas pela sociedade “A. M. & Filhos, SA””
Também relativamente ao ponto n.º 1.20 dos factos provados, convém ser preciso na redação do mesmo, transpondo o que resulta da informação prestada pelo administrador da insolvência, conjugada com a informação do próprio Banco:
“O Banco ..., SA” reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 3.955.402,64, relativos a avales em livranças da sociedade “A. M. & Filhos, SA” e cessão de créditos do Banco ..., sendo que o valor de € 715.721,01 está vencido desde 2011”
O mesmo se passa com o ponto 1.21 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
“... Securitisation Europe Limited, por cessão do Banco ..., SA, reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 774.940,51”
E é de introduzir a mesma correção relativamente ao ponto 1.22 dos factos provados:
“A Caixa ..., SA reclamou créditos sobre o réu insolvente no valor de € 1.831.526,14, relativos a avales em várias operações bancárias tituladas pela sociedade “A. M. & Filhos, SA”, sendo que o valor de € 223.137,80, relativo a contrato de abertura de crédito, está vencido desde 2011”
Quanto ao ponto número 1.23, deve fazer-se igual correção, agora já não proveniente apenas do que consta na lista de credores, trazida pelo administrador da insolvência, mas tendo em conta o depoimento prestado em audiência pelo próprio credor:
“C. J. e mulher M. P. reclamaram créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 205.522,20, relativos a confissão de dívida vencida em 2010, estando tal crédito reduzido, em abril de 2018, ao valor de € 142.000,00”.

O ponto 1.24 dos factos provados, seguindo o mesmo raciocínio e com base na lista de créditos junta aos autos, passará a ter a seguinte redação:

“X, SA, por cessão de créditos do Banco ..., reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 605.821,31”.
O ponto 1.25 dos factos provados passará a ter a seguinte redação, com base na análise da mesma lista de credores e informação prestada pela credora, nos autos:
“P., SA reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 228.158,03, relativos a aval a empréstimo à sociedade “A. M. & Filhos, SA, com vencimento em 2012”.
Finalmente vem requerida a eliminação do ponto 1.18 dos factos provados, por se entender que o mesmo é conclusivo em relação a estes pontos 1.19 a 1.25.
Dir-se-á aqui o mesmo que se disse em relação ao ponto 1.17 dos factos provados, pois que, apesar de alguma tonalidade conclusiva que se pode retirar do mesmo, a sua redação ajuda a compreender melhor a “história” financeira do réu e a sua ligação com a sociedade “A. M. & Filhos, SA”, bem como, sem necessidade de fazer contas, expõe o facto de que foram reclamados créditos na sua insolvência, no valor de mais de € 9.000.000,00.
Não se vê, portanto, necessidade de eliminar este ponto.

O ponto seguinte da divergência dos apelantes quanto à decisão de facto, prende-se com a questão da separação entre os dois réus e do domicílio de ambos – pontos 1.26 dos factos provados e 2.3 e 2.4 dos factos não provados.
Os apelantes sustentam-se nos seus depoimentos de parte e nos depoimentos testemunhais de seus filhos, para além dos documentos de consumos de água e luz do apartamento para onde alegadamente o réu se teria mudado.
Ora, quanto a esta matéria, acompanhamos a decisão da 1.ª instância. Os depoimentos de parte, dos réus e de seus filhos que, não sendo partes, revelaram a parcialidade própria de quem quer conservar o seu património, não foram capazes de afastar a prova que resulta da nota de citação do réu no processo de insolvência, onde a Sra. Oficial de Justiça acrescenta, à mão, após a assinatura do réu, que “o domicílio do requerido é Rua … Viana do Castelo”, ou seja, a casa que sempre foi a de morada da família e onde reside a ré. Também nos autos, os réus foram ambos citados nessa morada, por oficial de justiça, considerando que as cartas para citação foram devolvidas por não terem sido reclamadas.
Quanto aos documentos de consumos de água e luz, sendo evidente que os consumos são muito maiores na casa da Rua …, a verdade é que, nada nos autos prova que os consumos do apartamento tenham sido realizados pelo réu (para além dos já referidos depoimentos dos filhos)
Daí que se concorde com o decidido, quanto a estes pontos, em 1.ª instância.
Nada a alterar, também, no que concerne ao ponto 1.27 dos factos provados, pois apenas aí se retratam situações factuais dos autos, ainda que, eventualmente, já repetidas noutros pontos da matéria de facto e a conclusão a que se referem os apelantes não resulta do mesmo.

A questão seguinte prende-se com o valor do imóvel sito em ... e partilhado pelos réus – ponto 1.31 i) dos factos provados.
O valor referido nos factos provados - € 160.000,00 – traduz um lapso de escrita que importa corrigir. Com efeito, fazendo-se aí referência à perícia realizada por perito do tribunal, terá que concluir-se que se queria dizer € 260.000,00 – cfr. fls 235 a 238 e 243 e 244 dos autos – e não € 160.000,00.
Pese embora a perícia seja uma prova a apreciar livremente pelo tribunal, não se vê porque deveria ser desconsiderada neste caso, pois o Sr. Perito explicou detalhadamente os critérios com base nos quais atribuiu o valor em causa, inclusivamente, dando resposta à reclamação apresentada pelos réus. Os números e raciocínios agora aduzidos pelos apelantes, valem o que valem, no confronto com o parecer técnico do perito do tribunal, não se vendo razão para discordar do mesmo. O preço pelo qual terá sido vendido imóvel semelhante, salvo o devido respeito, não é, só por si, capaz de pôr em causa aquela avaliação, desconhecendo-se, em concreto, as circunstâncias da venda.
Assim, apenas haverá que corrigir o valor no ponto 1.31 dos factos provados, alínea i), para € 260.000,00 (já se sabendo que apenas foi partilhado metade da fração autónoma)
Finalmente, concordamos com os apelantes, que o ponto 1.33 dos factos provados é meramente conclusivo, não tendo razão de ser a sua existência, uma vez que todos os valores – declarados e reais – constam dos factos provados. Daí que o mesmo seja eliminado.

A matéria seguinte prende-se com os factos diretamente conducentes à simulação – pontos 1.34, 1.36 e 1.37 dos factos provados.
Neste ponto, os apelantes insistem na ilegitimidade da apelada e na impossibilidade de coexistência do lado ativo e passivo do apelante, ora na sua veste de insolvente, ora na sua veste de outorgante do contrato de partilha, para concluírem que é inadmissível a prova por testemunhas, logo, também por presunções judiciais – artigos 394.º, n.ºs 1 e 2 e 351.º, ambos do Código Civil.
Já vimos que não têm razão, quando abordámos a questão da ilegitimidade.
Não há, aqui, qualquer coincidência de sujeitos, pelo que estas normas não são aplicáveis. A autora/apelada, é um terceiro relativamente a este negócio, como já demonstrámos. Ora, a simulação, desde que não invocada pelos próprios simuladores entre si, pode provar-se por qualquer meio de prova admissível em direito e, portanto, por prova testemunhal ou por meras presunções judiciais (art. 394.º, n.ºs 2 e 3, do CC), não estando submetida a prova vinculada, mas à regra geral da livre apreciação das provas pelo tribunal.
Quanto à prova dos factos conducentes à simulação, importa tecer algumas considerações prévias.
A procedência da acção de simulação depende da alegação e prova de factos subjectivos essenciais, que podem ser alegados e demonstrados directa ou indirectamente. Por se processarem a nível interno ou psíquico e se revelarem em parcas manifestações externas, eles são de difícil percepção. Logo, a sua prova é quase sempre feita através da de factos instrumentais ou indiciários, avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência. Apontando todos os factos indiciários apurados, em conjugação com as máximas da experiência e as presunções naturalmente extraíveis, no sentido de que o contrato foi efectivamente simulado, devem dar-se como provados os respectivos factos essenciais, ainda que de carácter subjectivo. A partir destes se fará, então, a subsunção jurídico-normativa – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 05/04/2018, processo n.º 340/16.7T8MNC.G1 (José Amaral), in www.dgsi.pt.
O tema está esclarecedoramente desenvolvido no Acórdão da Relação de Guimarães de 02/02/2017, processo n.º 6420/14.6T8VNF-A.G1 (Maria João Matos), in www.dgsi.pt, citando a obra de Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, p. 224 a 235:
“Sendo necessário, em matéria de simulação, apurar a intenção das partes ao outorgarem o negócio, não pode o Tribunal que a aprecie deixar de se valer das mais comuns presunções judiciais nesta matéria (arts. 349º e 351º, ambos do C.C.), condensadas pela uniforme prática jurisprudencial.
Com efeito, os «eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (v.g. a determinação da vontade real do declarante, uma certa intenção, o conhecimento de dadas circunstâncias) constituem factos cujo conhecimento pode ser atingido directamente pelos sentidos ou através das regras de experiência.
(…) A prova directa dessas intenções é rara (v.g. confissão) pelo que quase sempre terá que ser feita por meio de indícios/presunções».
Assim, (…) impõe-se a indagação de condutas humanas em que a motivação tem um papel essencial como elemento propulsor. O simulador actua de forma planeada com o intuito de se esquivar a um determinado efeito jurídico ou adverso aos seus propósitos. O motivo ou interesse que determinam a actuação do simulador constitui a causa simulandi, a qual corresponde assim ao interesse que leva as partes a celebrar um contrato simulado ou o motivo que as induz a dar aparência a um negócio jurídico que não existe ou a apresentá-lo de forma diversa da que genuinamente lhe corresponde».
Contudo, para «que se conclua pela existência da simulação não é obrigatório que se prove uma causa simulandi. A causa simulandi constitui um indício tipicamente axial no sentido de que a presença da mesma, só por si, não permite construir definitivamente a presunção mas constitui um catalisador heurístico que pode resultar da prova de outros indícios da síndrome simulatória. Ou seja, perante o apuramento de uma concreta causa simulandi, ficará facilitada a prova da simulação porquanto a causa simulandi operará como fio condutor na averiguação e interpretação dos demais factos sob julgamento».
Mas não poderá deixar de ser valorado o facto do simulador, demandado enquanto tal, não veicular «para o processo qualquer explicação justificativa do negócio», isto é, «o silêncio pode ser valorado como indício endoprocessual em seu desfavor porquanto não se outorgam negócios sem qualquer razão justificativa. Se o simulador apresenta uma causa justificativa inverosímil ou que não logra subsequentemente demonstrar, haverá que concluir que falta à verdade e que o que presidiu à sua actuação entronca numa causa simulandi.
Estabelecido, dir-se-á ainda que um «dos indícios mais operativos em sede de simulação é o indício affectio, gerado pelas relações familiares, de amizade, de dependência, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre o simulador e o seu co-autor e que vinculam este àquele por um motivo de tal índole. O simulador escolhe como parceiro negocial uma pessoa da sua confiança porque pretende preservar o negócio dissimulado (ou o objectivo final que preside à sua actuação) e subtraí-lo a qualquer risco que ponha em causa a sua subsistência».
No entanto, e no «intuito de reforçar a aparência de veracidade do negócio, é comum o simulador contratar primeiramente com um estranho para que, seguidamente, este contrate com o familiar ou amigo em quem o simulador deposita maior confiança, destinatário final do negócio (indício interpositio). Ao agir desta forma, o simulador pretende esquivar-se ao indício affectio. Pode também o simulador constituir uma sociedade para criar um cúmplice para a simulação. Se a constituição da sociedade for recente, o indício sairá reforçado».
Já a «incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos que o mesmo assume nos termos declarados no negócio simulado constituem o indício subfortuna».
Acresce, neste percurso indagativo, que um «preço irrisório ou abaixo dos valores de mercado constitui outro indício frequente da simulação (indício pretium vilis). Este indício abrange não só o preço em sentido estrito como a toda a contraprestação susceptível de valorar-se em dinheiro, v.g. permuta».
Reconhece-se, a propósito, que, e tal «como ocorre nos negócios genuínos, é comum nos negócios simulados, v.g. venda, as partes declararem perante o notário que já receberam o preço (indício pretium confessus). A diferença reside em que nos negócios simulados as partes dão por realizado o pagamento mas não dizem como, quando e/ou onde, sucumbindo qualquer explicação sobre as circunstâncias pretéritas integrativas do pagamento do preço.
Este indício é gerado por condicionalismos inerentes ao próprio negócio simulatório: a parte declara que já recebeu porque finge o pagamento de uma quantia que não dispõe e, deste modo, pretende obstar ao despoletamento do indício pretium vilis; a pressa ou sigilo do negócio simulatório; para evitar que se investiguem os movimentos bancários da data da escritura; para inviabilizar a investigação sobre o destino do dinheiro no património do accipiens; para sustentar a tese do preço compensado, etc».
Incumbe, porém, «aos simuladores provar o efectivo pagamento e não ao autor provar o facto negativo do não pagamento pelo simulador».
Prosseguindo, dir-se-á que «um dos indícios mais emblemáticos da simulação é o indício retentio possessionis (retenção da posse) que se traduz no facto de o simulador adquirente da coisa transmitida não exercitar sobre a coisa qualquer conduta possessória, sucumbindo por parte deste qualquer actividade reconduzível ao jus utendi, fruendi, disponendi e vindicandi. Assim, apesar da transmissão formal de bens, o vendedor continua na posse do imóvel ou aí a residir, ou seja, o contrato não é executado.
No que tange ao jus fruendi, a inexistência deste decorre, v.g. do vendedor continuar a receber as rendas, continuar a aproveitar os frutos, prosseguir o cultivo do terreno. Quanto à inexistência do ius utendi, a mesma pode demonstrar-se, v.g. pelo facto do vendedor fazer obras no imóvel ou suportar os custos das mesmas, pelo facto de o adquirente não ter sequer mudado o titular dos contratos de água ou electricidade.
(…)
Naturalmente que os simuladores tentarão infirmar o indício retentio possessionis designadamente com recurso a documentos registais, recibos de impostos e doutro tipo de encargos gerados pela coisa adquirida, Todavia, o que mais releva do ponto de vista semiótico não é a titularidade formal aposta em tal documento porquanto o fisco proprietário é quem precisamente figura como tal no título propriedade, mas sim quem efectivamente pagou tais encargos. Ou seja, mais do que atender a elementos documentais figurativos, haverá que averiguar se o pretenso adquirente exerce uma intervenção pessoal de domínio de facto sobre a coisa».
Por fim, ainda «dentro dos indícios que visam manter oculto o negócio simulado, encontramos o indício sigillum que se traduz na adopção das condutas que visam ocultar ou disfarçar a existência do negócio simulado. No fundo, trata-se de máxima de experiência. Qui male agit odiat lucem (Quem age mal, odeia a luz).
Este indício pode apresentar várias formas, nomeadamente: uma conduta silenciadora do simulador perante pessoas que, em virtude da sua relação afectiva ou jurídica com aquele, não poderiam ter ignorado o negócio se este prosseguisse fins lícitos, v.g. o filho só tem conhecimento que o pai vendeu um imóvel a outro filho aquando da morte do pai» (…). (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, p. 224 a 235)”

Ora, considerando tudo o que acaba de se expor em conjugação com os factos provados e, para além destes, os factos instrumentais que resultaram da prova e que estão explícitos na motivação da decisão, não podemos deixar de concordar com a decisão recorrida.
O tribunal recorrido faz uma análise exaustiva dos extratos bancários juntos aos autos a pedido da autora para concluir que não houve verdadeiramente qualquer pagamento de tornas por parte da ré ao réu, revelando tais extratos um “giro de dinheiro para criar a aparência do pagamento das tornas”, tornas essas, aliás, que o réu declarou ter recebido no acto da partilha e que, agora, vem dizer que recebeu parcelarmente, através de empréstimos feitos pelos filhos à mãe, sendo que, verdadeiramente, houve apenas movimentação de dinheiros para dar aparência de tal pagamento faseado – remetemos para o extenso despacho de motivação da decisão em que tais movimentos estão explicados com recurso à análise dos referidos extratos bancários.
Pretendem os apelantes “desmontar” as premissas do raciocínio desenvolvido pelo julgador, analisando os mesmos extratos e encontrando algumas pequenas divergências, sobretudo de datas e quanto ao destino do dinheiro saído das contas do réu. Socorrem-se, também, dos depoimentos de parte dos próprios e testemunhais dos filhos, com a falta de credibilidade que já lhes assinalámos supra.
Analisado todo o processo, todos os documentos, perícias e prova oferecida em julgamento, não podemos concordar com os apelantes. As questões genéricas e abstractas que os mesmos colocam para conduzir à dúvida na convicção formada, são tão pertinentes como as que a apelada coloca, nas suas contra-alegações, para sustentar aquela motivação. Valem o que valem…
Entendemos, assim, que ficaram provados aqueles pontos da matéria de facto provada que os apelantes põem em causa, e que não se provaram, por oposição, os pontos 2.2, 2.5 e 2.6 dos factos não provados (quanto a este último, apenas se provou o que consta dos factos provados 1.39 e 1.40).

Daí que tenhamos que concluir como na sentença recorrida:

“Compulsada a matéria provada e não provada, constata-se terem sido apurados os necessários factos conducentes ao preenchimento dos supra descritos requisitos da simulação relativamente ao acto jurídico impugnado, desde logo e a saber: a divergência de declarações, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros.

Perante os factos dados como provados resulta que:

- o co-réu A. P., declarado insolvente em 10/8/2016, assumiu responsabilidades, desde logo na qualidade de avalista de sociedades de que tinha sido administrador e/ou gerente, tendo sido reclamados créditos na sua insolvência no montante global superior a €9.000.000,00;
- o co-réu A. P. não podia deixar de saber que se havia constituído como garante (avalista) de responsabilidades bancárias, de montantes elevadíssimos, em que as devedoras principais eram sociedades, a maior delas a sociedade “A. M. & Filhos, SA”, sociedades de que fazia parte, e que em 2010 e 2011, em data anterior à partilha impugnada, revelavam sérias dificuldades económicas para solver as suas dívidas, provocando inclusivamente a insolvência da citada sociedade em 31/10/2011, sendo o último trimestre do ano de 2011 o relativo a esta insolvência, à separação dos réus e subsequente partilha;
- antes da data da separação de pessoas e bens (6/12/2011), e da partilha dos bens comuns (23/12/2011), venceram-se responsabilidades de montantes significativos, nomeadamente de €278.000,00, €68.000,00 (do Banco ...), €127.000,00 (CGD), €29.000,00 (C. J.), não podendo o co-réu deixar de saber que o seu passivo constituído, entre o já vencido à data da partilha e a vencer-se proximamente, ascendia a €4.000.000,00, repetindo-se que no processo de insolvência foram reclamados €9.000.000,00.
Por outro lado, apurou-se que os RR apesar da separação mantêm bom relacionamento, procederam à partilha por acordo e apesar do domicílio que declarou ter na escritura, o certo é que o Réu foi citado na morada da ré para o seu processo de insolvência.

Quanto ao valor dos bens adjudicados a cada um dos Réus na partilha e tornas a pagar/ receber:

- desde logo se apurou, não ter ocorrido um efectivo pagamento de tornas;
- o total dos bens adjudicados ao réu, segundo as avaliações, ascende a €123.000,00, declarando os réus na partilha que as participações na sociedades valiam apenas €1,00;
- não lograram os RR provar a alegada boa saúde económico-financeira das referidas sociedades; bem pelo contrário, o destino delas é revelador de que a maior parte delas tinha uma periclitante ou débil situação financeira:
- a sociedade “A. M. & Filhos, SA” havia sido declarada insolvente, encontrando-se o processo na fase de liquidação dos bens;
- a sociedade V. foi declarada insolvente em 11/4/2012 (quatro meses após a partilha);
- a sociedade “D.”, reduziu o capital por duas vezes (em 28/12/2011 e 21/5/2012) com finalidade registada e declarada “Cobertura de Prejuízos”, viu quotas arrestadas (cfr. doc. 7), tendo sido dissolvida e encerrada a sua liquidação e cancelada a sua matrícula em 31/12/2013.
- a sociedade “W” foi dissolvida em 18.12.2014 e que se encontra em liquidação.

Resultou provado que estas sociedades nada valiam e as suas participações sociais foram todas adjudicadas ao réu.
Tudo permitindo concluir inclusivamente que a partilha outorgada viola a regra imperativa constante do artigo 1730º Cód. Civil, violação essa a que corresponde a sanção da nulidade: para o réu o total dos bens adjudicados ascende a €123.000,00; e para a ré o total ascende a €743.000,00.
No final, e na sequência da partilha, a A. Massa Insolvente, deparando-se com créditos reclamados no montante de €9.000.000,00, pouco mais tem no seu património para satisfazer tal dívida do que um apartamento.
Conclui-se, deste modo, que as declarações negociais, constantes da escritura de partilha, divergem da vontade real das outorgantes, foi cominado entre os RR, com o intuito de enganar/prejudicar os credores, sendo, pois, simulado, logo nulo e de nenhum efeito - art.ºs 240.º, 286.º e 289.º CC”.

Analisados todos os factos, documentos, perícias, testemunhas, produzidos ao longo dos autos, fica-nos exatamente a mesma convicção, sempre tendo presente que a procedência da acção de simulação depende da alegação e prova de factos subjectivos que, por se processarem a nível interno ou psíquico e se revelarem em poucas manifestações externas, são de difícil percepção, resultando a sua prova de factos instrumentais ou indiciários, avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência.
Apontados todos os factos indiciários apurados, em conjugação com as máximas da experiência e as presunções naturalmente extraíveis, no sentido de que o contrato foi efectivamente simulado, devem dar-se como provados os respectivos factos essenciais, ainda que de carácter subjectivo.
Daí que a sentença tenha de ser confirmada, improcedendo a apelação (com a ressalva das pequenas alterações na matéria de facto, sem relevância na decisão final).

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
***
Guimarães, 17 de outubro de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes