Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1103/10.9TBGMR.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: EXECUÇÃO
ACTOS PROCESSUAIS DO AGENTE DE EXECUÇÃO
NOTIFICAÇÃO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Os actos processuais de notificação efectuados pelo Agente de Execução, em sede de acção executiva, constituem documentos autênticos com a força probatória plena inerente a essa sua natureza.

II- Assim, só se o Recorrente tivesse arguido a falsidade da prova documental (dos actos processuais de notificação documentados no processo), pelo incidente processual próprio (art. 451º do CPC), é que a força probatória do documento podia ser posta em causa, e só nesse caso é que a sua eficácia como meio de prova passaria então a depender da livre apreciação do julgador.

III- Nessa medida, só nessa situação – em que a aludida força probatória plena tivesse sido validamente posta em causa – é que o Tribunal Recorrido teria que se confrontar com os demais elementos probatórios que fossem indicados pelo executado para pôr em causa a fidedignidade dos referidos actos processuais (por ex. a prova pericial requerida).

IV- Além disso, importa atender que, em regra, na decisão das reclamações de actos ou impugnações de decisões do Agente de Execução, bem como de outras questões suscitadas nos termos da al. d) do nº 1 do art. 723º do CPC, não existe produção de prova, decidindo o juiz com base nos mesmos índices probatórios que foram usados pelo Agente de Execução e que se encontram disponíveis do processo.

V- Com efeito, tal produção de prova só deverá ocorrer, a título excepcional, quando o Tribunal duvide da credibilidade de alguma informação ou declaração prestada no processo ou da fidedignidade de algum documento junto ou ainda do sentido de uns e outros”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO
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Artur e Maria vieram arguir a NULIDADE DA VENDA realizada por Escritura Pública.
Para tanto, alegaram, em síntese, o seguinte:

- a venda promovida por negociação particular encontra-se ferida de Nulidade, uma vez que a mesma se realizou:
- sem observância das formalidades essenciais que a Lei prescreve;
- e à total revelia dos Executados e do Mandatário que os representa.
Concluem que a venda fica sem efeito, “se for anulado o acto de venda, nos termos do artigo 195º”. – artigo 839º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil, sendo que, nos termos do citado artigo, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva tem como consequência a nulidade, quando, para além do mais, influiu directamente na decisão da venda, ao coarctar os Executados de exercer os seus direitos previstos no Código de Processo Civil, designadamente o direito de remição”.
*
Respondeu o Agente de execução, defendendo que foram cumpridos todos os pressupostos legais para a venda por negociação particular do imóvel objecto de venda nos presentes autos.
O imóvel em causa entrou em fase de venda desde 14-10-2015, tendo-se frustrado a venda mediante proposta em carta fechada, procedeu-se à venda por negociação particular, sendo encarregado de venda o agente de execução;
Os executados Artur e Maria constituíram mandatário juntando aos autos a respectiva procuração em 09/01/2017. Em consequência, todas as notificações foram realizadas via telemática ao respectivo mandatário, nomeadamente as referentes às formalidades legais para a venda por negociação particular, conforme consta nos respectivos autos.
No dia 10/01/2017, foram os executados Artur e Maria notificados, na pessoa do seu mandatário, via telemática, de uma proposta no valor de 60.000,00€ (conforme doc. 1).
No dia 16/01/2017, foi o mandatário dos executados Artur e Maria notificado (doc. 2) de que a proponente retirou a proposta apresentada no valor de 60.000,00€ uma vez que tendo conseguido visitar o interior do imóvel, constatou que o mesmo se encontrava bastante degradado e não valia o valor da proposta apresentada.
Nesta visita, o executado tentou persuadir a proponente a adquirir o imóvel por via extrajudicial, face ao manifesto interesse em apresentar uma nova proposta.
Em 17/01/2017 foram notificados via telemática o mandatário dos executados Artur e Maria (doc. 3) de uma nova proposta, no valor de 55.000,00€, sendo superior a 85% do valor base de venda;
Decorrido o prazo de dez dias e as partes não se tendo pronunciando da proposta apresentada foi, em 30/01/2017, o proponente notificado para o depósito de preço (doc. 4);
Depositado o preço e cumpridas as obrigações fiscais, o título foi assinado em 10/02/2017.
Posteriormente, o fiel depositário foi notificado, com cópia do título de transmissão, para a entrega das chaves do imóvel, a fim dos adquirentes tomarem posse do mesmo.
Consultando a aplicação informática de gestão de processos dos agentes de execução, GPESE/SISAAE, consideram-se realizadas as notificações mencionadas.
Concluiu a sua resposta defendendo que foram cumpridos todos os formalismos para a venda por negociação particular.
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Na sequência, foi proferida pelo Tribunal Recorrido a seguinte decisão:

“Considerando os elementos constantes do histórico do processo, afigura-se-me desnecessária e dilatória a realização da perícia requerida pelos executados, pelo que se indefere a sua realização.
***
(…)
Assim, face ao que fica exposto, julga-se improcedente a arguida nulidade e, em consequência, determina-se a entrega do imóvel ao adquirente do mesmo.”
*
É justamente desta decisão que o Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“Conclusões

1. No dia 23 de Fevereiro de 2017, o Recorrente formulou um Requerimento que depositou nos autos, nos termos do qual pugnava pela NULIDADE DE TODOS OS ACTOS PROMOVIDOS PELO SENHOR AGENTE DE EXECUÇÃO TENDENTES À CONCRETIZAÇÃO DA VENDA DE UM IMÓVEL EM QUE O MESMO ERA O ENCARREGADO DA VENDA, DEVENDO ESSA MESMA VENDA SER DECLARADA NULA E DADA SEM EFEITO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS;
2. Sustentou essa invocada nulidade no facto do senhor Agente de Execução (AE) ter realizado a venda por negociação particular ao arrepio de todos os formalismos legais, porquanto sem observância das formalidades essenciais que a Lei prescreve, à total revelia dos Executados e do Mandatário que os representa;
3. O advogado subscritor foi constituído mandatário dos Executados no dia 9 de Janeiro de 2017;
4. Após esse requerimento, nem o Advogado Subscritor nem os Executados que representa foram notificados de qualquer acto processual promovido nos autos pelo Senhor Agente de Execução;
5. Tudo conforme se constata dos print do sistema CITIUS do Advogado subscritor que se juntaram aos autos e nos quais poderá o tribunal aquilatar todas as notificações recebidas, lidas e/ou não lidas, recepcionadas pelo Mandatário naquelas datas;
6. Por outro lado, também, nenhum dos Executados representados pelo Advogado foram notificados daquelas propostas, a fim de, querendo, se pronunciarem;
7. Apurou-se igualmente através da análise do histórico dos actos processuais do CITIUS que, a 30 de Janeiro de 2017, o Sr. Agente de Execução notificou o proponente José, a fim de depositar o preço constante da sua proposta, ou seja, o valor de € 55.200,00 (cinquenta e cinco mil e duzentos euros);
8. O que fez sem comunicar tal acto a nenhum dos restantes sujeitos processuais;
9. E sem que, ainda que o Advogado Subscritor tivesse sido notificado para se pronunciar sobre tal proposta - o que não se concede pelo facto de tal notificação nunca ter existido – tivesse transcorrido o prazo de dez dias para que o mesmo se pudesse pronunciar;
10. O que por si só é revelador do modus procedendi e da estranha ligeireza com que os presentes autos foram tramitados;
11. Acresce ainda que, havendo duas propostas de aquisição do imóvel, sendo uma primeira pelo preço de € 60.000,00 e uma segunda pelo preço de € 55.200,00, o Sr. Agente de Execução procedeu à venda da fracção ao segundo proponente, pelo menor preço proposto;
12. Propostas que essas apresentadas por duas pessoas distintas mas que são marido e mulher, casados no regime da comunhão de adquiridos;
13. Pese embora na escritura pública outorgada se tenha apresentado a proponente que oferecera € 60.000,00 pela fracção, em representação do proponente seu marido, a fracção viria a ser vendida, como é do conhecimento dos autos, pelo preço de € 55.200,00;
14. A venda em questão, para além de ser nula pelo facto de não terem sido observadas as formalidades legais para o efeito, foi perpetrada com elevado fito doloso;
15. De todo o modo, a venda fica sem efeito “se for anulado o acto de venda, nos termos do artigo 195º”. – artigo 839º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil;
16. Sendo que, nos termos do artigo 195º, n.º 1 do mesmo Código a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva tem como consequência a nulidade;
17. Sendo certo que, essa omissão, influiu directamente na decisão da venda, nomeadamente, ao coarctar os Executados de exercer os seus direitos previstos no Código de Processo Civil, designadamente, o direito de remição;
18. O Advogado Signatário do Executado juntou como prova do alegado um print de todas as notificações recebidas via CITIUS no período referido, sendo que nesse mesmo documento não aparece qualquer notificação supostamente enviada pelo Sr. Agente de Execução;
19. Mas para aquilatar todas as dúvidas do referido, à cautela, foi requerida a realização de Perícia técnica ao sistema CITIUS do Advogado subscritor e do Agente de Execução, a ser realizada por engenheiro informático a ser indicado pelo Tribunal, com o objecto indicado nesse requerimento, que consistia na resposta às seguintes questões: 1ª) O Senhor Agente de Execução notificou via telemática o Mandatário dos Executados de qualquer dos seus actos processuais realizados no processo? 2ª) O Mandatário Subscritor recebeu no seu sistema CITIUS alguma das referidas notificações?
20. O Mmo. Juiz nunca se pronunciou sobre este Requerimento até à decisão final;
21. No dia 05 de Junho de 2017, o Advogado Subscritor pugnou pela manutenção do alegado, nomeadamente, pela produção da prova pericial requerida, caso o Tribunal não acreditasse – como não acreditou - no alegado pelo Advogado subscritor;
22. Foi invocado mais uma vez e apenas como expressão significativa no modus operandi do Senhor AE, que este explicasse a razão pela qual teve uma proposta do € 60.000,00, formulada por Isabel, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com José, que aceitou que fosse retirada, para no dia seguinte (17.01.2017) aceitar uma proposta formulada pelo marido da anteriormente Proponente, o referido José, agora pelo valor de € 55.200,00;
23. Tendo a Escritura Publica sido formalizada no dia 10.02.2017, onde consta como parte outorgante a Primeira Outorgante, Isabel, em representação do seu marido José e o preço € 55.200,00;
24. Foi requerido em consequência do exposto a notificação do Senhor AE para juntar aos autos, no prazo que lhe for concedido, TODAS AS PROPOSTAS QUE RECEBEU RELATIVAMENTE À VENDA QUE PROMOVEU E AS RESPOSTAS QUE LHE DEU, TODAS AS COMUNICAÇÕES TROCADAS ENTRE SI E OS REFERIDOS ISABEL E JOSÉ QUE O LEVOU A OUTORGAR A VENDA À PRIMEIRA (DEPOIS DESTA RETIRAR A PROPOSTA DE € 60.000,00) EM REPRESENTAÇÃO DO SEU MARIDO, AGORA PELO VALOR DE € 55.200,00 e EXPLICAR NOS AUTOS AS RAZÕES PELAS QUAIS ACEITOU QUE A PROPOSTA DE € 60.000,00 FOSSE DADA COMO SEM EFEITO E, NO DIA SEGUINTE ACEITASSE UMA PROPOSTA FORMULADA PELO MARIDO DA ENTÃO PROPONENTE DESISTENTE, SEM QUAISQUER RESERVAS, MAS AGORA PELO VALOR DE € 55.200,00;
25. Questões que o Tribunal nunca deu qualquer resposta;
26. Perante todas as questões a decidir, mais uma vez foi reiterado tudo o que havia sido alegado em Tribunal justificativo da invocada Nulidade da Venda, para o efeito e mais uma vez, solicitada a produção de prova ao Tribunal a quo;
27. Perante esta factualidade, o Mmo. Juiz deu o Douto Despacho que é objecto do presente recurso, dando como provado que o Advogado dos Executados foi notificado de todos os actos que o Senhor agente de Execução disse ter praticado, tudo não obstante o Subscritor de todos os Requerimentos e das presentes alegações não os ter recebido, juntar prova cabal dessa não recepção com print integral do seu sistema CITIUS e ter inclusivamente requerido a realização de prova pericial que o Tribunal considerou desnecessária e dilatória;
28. Decisão que fere todos os princípios basilares do processo civil em busca da verdade material, mesmo da idoneidade profissional e pessoal do Advogado signatário, e do que deveria ser a conduta imparcial do Mmo. Juiz do Tribunal a quo;
29. Assim, e salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo não tinha meios de facto ou de direito para decidir como decidiu e principalmente, ter decidido da forma como o fez prescindindo da prova pericial que foi requerida e que, no nosso modesto entendimento, era primordial para a decisão a proferir;
30. O Tribunal recorrido persistiu em não admitir a produção nos autos de meios de prova relevantes para a decisão neles a proferir, preparando-se para essa decisão como se eles não existissem e isto apesar de saber quer da sua existência, quer da sua relevância probatória;
31. Ao indeferir pelo seu despacho ora sob recurso a produção de prova pericial e ao não ter em conta a prova documental junta aos autos, o tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez uma errada aplicação e, como tal, violou o previsto nos artºs 6º, 7º e 411º do CPC, devendo, como tal, ser revogada a sua decisão e substituída por outra que declare e Nulidade da venda ou, caso insista pela inverdade do alegado pelo Advogado mandatário dos Executados, ordene a produção de prova pericial nos termos em que foi requerida;
32. Assim, a Douta Sentença não fez uma concreta apreciação das provas, não as analisou correctamente e, sobretudo, não faz o juízo crítico e entendível sobre as mesmas que pudesse levar à decisão tomada, assentando, em parte, numa série de equívocos levado a cabo pelo Senhor Agente de Execução que não foram – nem são passíveis de ser – explicados.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EX.AS MUITO DOUTAMENTE SUFREGARÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO E PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO QUE EMERGIU DO DOUTO DESPACHO EM CRISE E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE A NULIDADE DA VENDA REALIZADA NOS AUTOS COM TODAS AAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS OU, SEM PRESCINDIR, ORDENE A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL REQUERIDA, IDENTIFICADA NO REQUERIMENTO DEPOSITADO NOS AUTOS NO DIA 23 DE FEVEREIRO DE 2017...”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca as seguintes questões:

-saber se a venda promovida por negociação particular encontra-se ferida de Nulidade, uma vez que a mesma se realizou:

1- sem observância das formalidades essenciais que a Lei prescreve;
2- e à total revelia dos Executados e do Mandatário que os representa.
Conclui que, tal decorre do facto de a venda dever ficar sem efeito “se for anulado o acto de venda, nos termos do artigo 195º” – artigo 839º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil”

Alega, em concreto, que:

a. Após a junção aos autos de requerimento (9.1.2017), onde os executados constituíram Mandatário, nem o Advogado Subscritor, nem os Executados que representa foram notificados de qualquer acto processual promovido nos autos pelo Senhor Agente de Execução;
b. O Sr. Agente de Execução não comunicou ao executado (nem ao seu Mandatário), que iria proceder à notificação do proponente JOSÉ, a fim de depositar o preço constante da sua proposta, ou seja, o valor de € 55.200,00 (cinquenta e cinco mil e duzentos euros);
c. E sem que, ainda que o Advogado Subscritor tivesse sido notificado para se pronunciar sobre tal proposta - o que não se concede pelo facto de tal notificação nunca ter existido – tivesse transcorrido o prazo de dez dias para que o mesmo se pudesse pronunciar;
d. A venda foi efectuada de uma forma dolosa pelo S. Agente de Execução porque procedeu à venda da fracção ao segundo proponente, pelo menor preço proposto, propostas que essas apresentadas por duas pessoas distintas mas que são marido e mulher, casados no regime da comunhão de adquiridos;
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e. Ao indeferir pelo seu despacho ora sob recurso a produção de prova pericial e ao não ter em conta a prova documental junta aos autos, o tribunal a quo fez uma errada aplicação e, como tal, violou o previsto nos arts. 6º, 7º e 411º do CPC.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“Factos provados, com relevância para a decisão do incidente:

1.- No dia 10/01/2017, foram os executados Artur e Maria notificados, na pessoa do seu mandatário, via telemática, de uma proposta no valor de 60.000,00€.
2.- No dia 16/01/2017, foi o mandatário dos executados Artur e Maria notificado de que a proponente retirou a proposta apresentada no valor de 60.000,00€ uma vez que tendo conseguido visitar o interior do imóvel, constatou que o mesmo se encontrava bastante degradado e não valia o valor da proposta apresentada.
3.- Em 17/01/2017 notificou-se o mandatário dos executados Artur e Maria de uma nova proposta, no valor de 55.000,00€, sendo superior a 85% do valor base de venda.
4.- Decorrido o prazo de dez dias e as partes não se tendo pronunciando da proposta apresentada foi, em 30/01/2017, o proponente notificado para o depósito de preço.
5.- Depositado o preço e cumpridas as obrigações fiscais, o título foi assinado em 10/02/2017.
6.- Até à presente data, ninguém veio exercer o direito de remissão nos termos previstos nos artigos 842.º e 843.º do C.P.C..
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Factos não provados com relevância para a decisão do incidente:

Não se provaram os demais factos alegados pelas partes ou pelo AE que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes.
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Convicção do tribunal:
Os factos provados resultaram da análise do histórico do processo.
***
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.

Comecemos por nos pronunciar sobre a alegação do Recorrente que contende com os factos dados como provados pelo Tribunal Recorrido (relativos às notificações efectuadas nos autos).
Ora, compulsado o recurso apresentado, pode-se facilmente constatar que, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, o Recorrente não cumpre, manifestamente, os requisitos legais que o Legislador impõe nesta sede.

Senão vejamos.
Nesta sede da Impugnação da matéria de facto, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :

a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes (1), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.

Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»
Destarte, importa referir que, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.
De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.
Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (2), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»
Tem sido esse o entendimento constante da Jurisprudência do STJ, conforme decorre das seguintes considerações efectuadas no seu recente Acórdão de 27.10.2016 (3):

“Estabelece o art. 639º, nº 1, do CPC: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.”
As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objecto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Este Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
Vejam-se, entre outros, os seguintes arestos deste Supremo Tribunal:
*
Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Ana Luísa Geraldes):

I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
*
Ac. STJ de 11.02.2016, proc. 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Mário Belo Morgado):

I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação.
(…)
*
Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida):
(…)
II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
(…)
*
Ac. STJ de 4.03.2015, proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas):

I- As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.
II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado n fundamentação das alegações.
III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
*
Ac. STJ de 26.11.2015, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1 (Leones Dantas):

(…)
III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
*
Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima):
(…)
II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.
IV- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e que se pretende ver modificados.
*
Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes):

“I. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
Debruçando-se sobre os requisitos das conclusões na perspectiva do cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, refere Abrantes Geraldes:

“A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
*
Aqui chegados, importa, pois, verificar se o Recorrente, na (tentativa de) Impugnar a matéria de facto, cumpriu estes ónus que sobre si recaía, nomeadamente, quanto à indicação concreta dos pontos da decisão da matéria de facto que entenderia que foram erradamente julgados pelo Tribunal Recorrido (impondo o Legislador, como se referiu, que tal indicação tivesse sido concretizada nas Conclusões apresentadas).
Ora, compulsada a peça processual apresentada é patente que o Recorrente não cumpriu os aludidos ónus processuais, desde logo, porque não indicou os concretos pontos da matéria de facto provada e não provada (constantes da fundamentação da decisão recorrida) que consideraria constituir um erro de julgamento.

Senão vejamos.
Compulsada a peça processual do Recorrente, constata-se, de uma forma evidente, que não consta de qualquer um dos seus pontos (seja das alegações, seja das conclusões apresentadas) qualquer referência aos pontos da matéria de facto que pretenderia Impugnar.

Na verdade, teria o Recorrente que indicar, em concreto (e nas Conclusões), se:

- um qualquer dos pontos da matéria de facto provada estaria incorrectamente julgado e, na sequência, referir a decisão alternativa que propugnava.
-um qualquer dos pontos da matéria de facto considerada como não provada estaria incorrectamente julgada e, na sequência, referir a decisão alternativa que defendia.
Ora, é patente que não cumpre estes ónus processuais de Impugnação que inequivocamente sobre si recaíam.
Nessa medida, tem que se entender que o Recorrente, ao não cumprir esse ónus, acabou por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
Este não cumprimento deste ónus torna, assim, impossível a pronúncia do Tribunal sobre essa factualidade, pois que a consequência desse não cumprimento (imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC) é a rejeição da Impugnação na parte correspondente.

Pelo exposto, sem necessidade de mais alongadas considerações, pode-se, de uma forma linear, concluir que o Recorrente, ao não impugnar os concretos pontos da matéria de facto, não cumpriu os ónus da impugnação da matéria de facto que se lhe impunham, pelo que deve a decisão sobre a matéria de facto proferida manter-se inalterada (e rejeitada a impugnação genérica da matéria de facto que pretendeu deduzir).
*
Aqui chegados, importa dizer que, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto provada, ficam prejudicadas todas as questões que decorriam das alegações efectuadas pelo Recorrente, e que contendiam com a alegada omissão da sua notificação (quanto aos actos processuais nela mencionados).
Nessa medida, ficam prejudicadas todas as questões que o Recorrente levantava que contendiam com as alegadas nulidades, nomeadamente, as que diziam respeito à alegada omissão da efectivação das notificações.
Na verdade, conforme resulta da matéria de facto provada (que o Recorrente não logrou impugnar com o presente recurso), está assente que:

1.- No dia 10/01/2017, foram os executados Artur e Maria notificados, na pessoa do seu mandatário, via telemática, de uma proposta no valor de 60.000,00€.
2.- No dia 16/01/2017, foi o mandatário dos executados Artur e Maria notificado de que a proponente retirou a proposta apresentada no valor de 60.000,00€ uma vez que tendo conseguido visitar o interior do imóvel, constatou que o mesmo se encontrava bastante degradado e não valia o valor da proposta apresentada.
3.- Em 17/01/2017 notificou-se o mandatário dos executados Artur e Maria de uma nova proposta, no valor de 55.000,00€, sendo superior a 85% do valor base de venda.

Improcede esta argumentação, desde logo, por esta via.

No entanto, importa atender que, além destas considerações, a pretensão do Recorrente também nunca poderia obter acolhimento, mesmo que tivesse impugnado, de uma forma processualmente válida, a matéria de facto.
Na verdade, sempre se teria que dizer que o Recorrente, mesmo em sede de Impugnação dos actos processuais (judiciais) praticados (4), não teve em consideração que as notificações efectuadas constituem Documentos Autênticos com a força probatória plena inerente a essa sua natureza.
Com efeito, julga-se que é incontroverso que os actos processuais de notificação em causa (os documentos em que tais actos estão plasmados) devem ser considerados documentos autênticos (arts. 362º, 363º e 369º e ss. do CC).
Ora, no respeitante à força probatória dos documentos autênticos, dispõe o artigo 371º, nº 1, do CC, que "os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (5), assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora …”.
Acrescenta, no entanto, o art. 372º do CPC que “… a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade (nº 1) ”.
Ora, no caso concreto, o Recorrente não chega a impugnar cada concreto acto processual (notificação), limitando-se a arguir genericamente que não foi notificado.
Não deduziu sequer, quanto a qualquer um dos actos processuais efectuados, o correspondente incidente de falsidade especialmente previsto no art. 451º do CPC (falsidade de acto judicial).
Tal conduta processual do Recorrente não coloca, pois, em causa a aludida força probatória plena dos actos processuais de notificação praticados pelo Sr. Agente de execução (6) e que se mostram comprovados pelos termos do próprio processo (“histórico do processo”, como refere o Tribunal Recorrido, quando justifica a sua convicção).
Na verdade, só se o Recorrente tivesse arguido a falsidade da prova documental (dos actos processuais de notificação documentados no processo), pelo incidente processual próprio, é que a força probatória do documento podia ser posta em causa, e só nesse caso é que a sua eficácia como meio de prova passaria então a depender da livre apreciação do julgador.
Nessa medida, só nessa situação- em que a aludida força probatória plena tivesse sido validamente posta em causa- é que, naturalmente, o Tribunal Recorrido teria que se confrontar com os demais elementos probatórios que fossem indicados (por ex., a prova pericial requerida pelo Recorrente).
Nesta conformidade, também, por esta via a pretensão do Recorrente soçobraria com este fundamento.

E se assim é, também fica evidente que o meio de prova apresentado (prova pericial), nas circunstâncias em que foi requerido, era absolutamente impertinente para pôr em causa a força probatória plena dos actos de notificação efectuados pelo Sr. Agente de execução.
Como é sabido, o direito à prova é um dos corolários do direito à tutela jurisdicional efectiva, de consagração constitucional: art. 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Dado que o juiz julga “secundum allegata et probata”, sobre as partes recai o ónus de demonstrar a realidade dos factos que alegaram: art. 341º e 342º do CC.
Isto sem prejuízo do dever de cooperação entre as partes, e entre estas e os magistrados, incumbindo ao juiz remover qualquer obstáculo de índole probatória que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório: art. 7º do CPC.

Por outro lado, dispõe o artigo 4º do Código de Processo Civil, na parte que nos interessa que, o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no uso dos meios de defesa; trata-se de uma emanação do princípio do contraditório, que encontra a sua consagração no artigo anterior, no que concerne à possibilidade de utilização dos meios de prova, no sentido de assegurar o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.
Neste sentido, a lei processual coloca ao dispor dos intervenientes um naipe de meios de prova de que cada um deles pode lançar mão, dentro dos limites estabelecidos e, entre os quais, se encontra a prova pericial (artigos 467º e ss. do CPC), que foi o meio de prova que o aqui Recorrente/executado requereu.
Ora, perante esse requerimento, incumbia obviamente ao Tribunal Recorrido pronunciar-se sobre a admissibilidade e pertinência do requerimento probatório apresentado, designadamente, em nome do princípio da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis (art. 130º CPC), bem como do dever de gestão processual (art. 6º CPC).
No entanto, o Tribunal, nessa pronúncia, deve ter sempre presente a ideia de que, na admissão dos meios de prova, não pode rejeitar um qualquer dos meios indicados pelas partes, com base na convicção pré-formada da sua relevância/eficácia para prova de determinado facto em concreto.
Por outro lado, importa ter em atenção que, tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados, ou, quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
E nessa medida, impõe-se a conclusão de que a admissibilidade dos meios de prova depende do objecto do processo (ou do incidente que se pretende decidir).
Aqui chegados, importa referir que o Tribunal indeferiu a prova pericial com fundamento na sua impertinência para a discussão da causa (e por se tratar de uma diligência “dilatória”).
Ora, julga-se que o Tribunal, conforme decorre das considerações anteriores, decidiu bem.
Na verdade, tendo em conta os factos em discussão, surge, como uma evidência, que o objecto da prova pericial indicado pelo Recorrente não podia ter pertinência para a discussão daquela matéria de facto.

Com efeito, entende-se que uma diligência de prova deve ser considerada impertinente se não for idónea para provar o facto que com ele se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outro meio de prova ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa (7).
Ora, o Requerimento do Executado/Recorrente, no que concerne à prova pericial, encaixa justamente nestas situações.
Na verdade, na ausência da impugnação, processualmente adequada, da força probatória plena dos actos processuais praticados (Documentos autênticos), a realização de prova pericial é absolutamente impertinente para a factualidade que aqui se mostrava em discussão.

Com efeito, é patente que o meio de prova indicado no requerimento apresentado, não é idóneo para provar o facto que com ele se pretendia provar, já que tem por objecto factos que se encontravam plenamente provados. Nessa medida, carece, também, de qualquer relevância para a decisão da presente causa.
Finalmente, importa atender aqui a um aspecto específico do âmbito de intervenção do Juiz na decisão que tem de proferir sobre as reclamações ou impugnações que as partes deduzam contra qualquer acto processual praticado pelo Agente de Execução.
Na verdade, nestas situações “o Juiz controla a posteriori a actividade do agente de execução… (pelo que…) “ em regra, na decisão das reclamações de actos ou impugnações de decisões do agente de execução, bem como de outras questões suscitadas nos termos da al. d) do nº1 do art. 723º do nCPC, não existe produção de prova, decidindo o juiz com base nos mesmos índices probatórios que foram usados pelo agente de execução e que se encontram disponíveis do processo. E não há renovação ou produção de nova prova, dado que de acordo com a regra do reexame, a produção da prova, via de regra, se torna desnecessária. A razão é a de que o juiz reaprecia os actos e decisões do agente de execução com base na prova já existente no processo…”. Só assim não será “quando duvide da credibilidade de alguma informação ou declaração prestada no processo ou da fidedignidade de algum documento junto ou ainda do sentido de uns e outros” (8).
Nesta medida, também por esta via se pode constatar que, na ausência de qualquer dúvida (que não foi colocada de uma forma processualmente válida pelo Recorrente/executado), o Tribunal Recorrido, tendo considerado que os elementos probatórios constantes do processo (a prova documental junta aos autos demonstrativa das notificações efectuadas), merecia integral credibilidade (como resulta da prática judiciária e das regras da experiência), concluiu bem que não só tal prova era fidedigna, como, além disso, não carecia de qualquer meio de prova complementar (nomeadamente, a prova pericial requerida).
Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongada considerações, julga-se que bem andou o Tribunal Recorrido em indeferir a realização de prova pericial.
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Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo Recorrente, se deve manter a apreciação de mérito proferida pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de Primeira Instância no que concerne às questões que, no seu conhecimento, dependiam da afirmação dessa omissão de notificação.
Na verdade, pode-se aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na decisão que proferiu, nomeadamente, quando aí se concluiu que:

“…Determina o artigo 839.º, do C.P.C., que além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito: a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada; b) Se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 3 do artigo 921.º (art. 851º, nº 4); c) Se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201.º (art. 195º); d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. 2 - Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer acção de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituir-se-ão ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra. 3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço.
No caso em apreço, os executados foram devidamente notificados de todas as vicissitudes relacionadas com a venda do imóvel penhorado nos autos, nomeadamente, da proposta de compra que acabou por ser aceite, e nada reclamaram no prazo legal.
De facto, estabelece o artigo 195.º, n.º 1, do C.P.C. que a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame da decisão da causa.
Acontece que, no caso em apreço, é nosso entendimento, que não existe qualquer irregularidade que prejudique a venda do imóvel.- cfr. artigos 833.º, 835.º e 838.º, do C.P.C..
Acresce que, “o titular do direito de remição – que não detém o estatuto processual de parte na execução – não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar executado e, nessa qualidade, notificado nos termos gerais, lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do direito não impondo a lei de processo que seja notificada a data e local em que se irá realizar certa venda extrajudicial, cujos elementos essenciais já se mostram definidos e foram levados ao oportuno conhecimento dos interessados”.- cfr. neste sentido douto Ac. STJ, processo n.º 321B1997.S1, 7ª SECÇÃO, Relator: LOPES DO REGO, disponível in www.dgsi.pt.

Assim, face ao que fica exposto, julga-se improcedente a arguida nulidade e, em consequência, determina-se a entrega do imóvel ao adquirente do mesmo. “
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Nesta conformidade, porque se concorda com esta parte da fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter integralmente a decisão proferida nos seus exactos termos.
Improcede, também, nesta parte, o Recurso interposto.
*
Entremos, finalmente, na apreciação das demais alegadas nulidades de que padeceria a venda.
Contendem elas com a alegação de que a venda foi efectuada de uma forma dolosa pelo S. Agente de Execução, porque procedeu à venda da fracção ao segundo proponente, pelo menor preço proposto, propostas que essas apresentadas por duas pessoas distintas mas que são marido e mulher, casados no regime da comunhão de adquiridos.

Cumpre apreciar este fundamento.

Ora, salvo o devido respeito, o Recorrente parece não ter em consideração a factualidade dada como provada (que não Impugna de uma forma processualmente validade).
Na verdade, ficou provado que:

2.- No dia 16/01/2017, foi o mandatário dos executados Artur e Maria notificado de que a proponente retirou a proposta apresentada no valor de 60.000,00€ uma vez que tendo conseguido visitar o interior do imóvel, constatou que o mesmo se encontrava bastante degradado e não valia o valor da proposta apresentada.
3.- Em 17/01/2017 notificou-se o mandatário dos executados Artur e Maria de uma nova proposta, no valor de 55.000,00€, sendo superior a 85% do valor base de venda.
4.- Decorrido o prazo de dez dias e as partes não se tendo pronunciando da proposta apresentada foi, em 30/01/2017, o proponente notificado para o depósito de preço.
5.- Depositado o preço e cumpridas as obrigações fiscais, o título foi assinado em 10/02/2017.
6.- Até à presente data, ninguém veio exercer o direito de remissão (remição) nos termos previstos nos artigos 842.º e 843.º do C.P.C.”.
Ora, em face desta factualidade considerada provada, não há dúvidas que o Tribunal Recorrido cumpriu os trâmites processuais que o legislador impôs para a realização da venda.
Com efeito, conforme resulta dos autos, após a venda por meio de propostas em carta fechada não ter obtido proponentes, foi ordenada a venda por negociação particular por força do disposto no art. 822º, nº 2 do CPC- fls. 160.
Nessa sequência, o Sr. Agente de execução comunicou às partes (e respectivos Mandatários) que tinha sido apresentada uma “proposta de aquisição do imóvel objecto da venda por negociação particular nos presentes autos, no valor de 60.000 € (sessenta mil euros), sendo os mesmos notificados “para, querendo, se pronunciar no prazo de dez dias, com a cominação de que nada dizendo se entende aceite a proposta” - fls. 171 a 174.
No entanto, em nova notificação enviada aos Exmos. Mandatários foram as partes informadas que “a proposta de aquisição no valor de 60.000 € (sessenta mil euros) da qual foi notificado em 10.1.2017, foi retirada pela proponente conforme email em anexo, pelo que se dá a mesma sem efeito”- fls. 175 e 176.
De seguida, foi comunicada nova proposta no valor de 55.200 € (cinquenta e cinco mil e duzentos euros) - fls. 177 a 179 (17.1.2007) - cuja apresentação consta de fls. 184.
Decorrido o prazo concedido, notificou então o Sr. Agente de execução, o último (e único) proponente para proceder ao depósito do preço constante da proposta- fls. 180 (30.1.2017).
Nesta sequência, foi celebrada, com data de 10.2.2017, a escritura de compra e venda que consta de fls. 185 e ss.
Aqui chegados, fácil será de concluir que não se constata existir nesta sequência de actos de venda qualquer irregularidade ou nulidade que possa viciar a venda efectivada na modalidade de negociação particular (art. 833º do CPC).
Nenhuma das regras processuais previstas nos arts. 811º e ss. (disposições gerais), nos arts. 816º e ss. (venda por meio de propostas em carta fechada) e 832º e ss. (venda por negociação particular), nomeadamente, as invocadas pelo Recorrente, foram, assim, violadas ou incumpridas.

Por outro lado, a lei não impõe, na venda por negociação particular, que o primeiro proponente mantenha a sua proposta, podendo desistir dela, sem consequências, desde que o faça antes da sua aceitação e de uma forma justificada- o que já não sucede na venda por propostas em carta fechada (v. art. 820º, nº 4 do CPC).
Também não se vislumbra que constitua qualquer vício, a apresentação da nova proposta pelo novo proponente, ainda que o mesmo seja marido da anterior proponente (sendo que esta, aliás, intervém no titulo de transmissão como sua Procuradora).
Finalmente, tendo sido cumpridas todas estas formalidades, não se vislumbra que, de alguma forma, o exercício de eventuais direitos de remição (arts. 842º e ss. do CPC) tenha sido indevidamente obstaculizado.
De referir, tal como defendeu o Tribunal Recorrido, que “do art. 912º do CPC (actual, art. 842º do CPC) não resulta que as pessoas que sejam titulares do direito de remição devam ser notificadas para o exercer” (9).
Improcede, pois, também este fundamento de Recurso.
*
Pelo exposto, e em face do soçobrar de toda a argumentação do Recorrente, só nos resta concluir pela total improcedência do Recurso.
*
III-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

- julgar totalmente improcedente a presente apelação, e, em consequência, decide-se manter integralmente a decisão recorrida.
*
Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
*
Guimarães, 1 de Março de 2018

Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Moreira Dias

1. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
2. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
3. In Dgsi.pt (relator: Ribeiro Cardoso).
4. Na verdade, face aos fundamentos invocados, nestes casos, do que se trata sempre, e “em última análise (é da…) falsidade dum documento produzido no processo ou a ele junto…”- Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. II, pág. 278.
5. Lebre de Freitas, in “CC anotado”(coord. Ana Prata), Vol I, pág. 452 esclarece o seguinte: “Provém o documento autêntico de uma autoridade pública ou de um oficial público provido de fé pública, isto é, a quem por lei sejam concedidos poderes de atestação. O conceito de oficial público não requer necessariamente a qualidade de funcionário público: esta verifica-se nos conservadores do registo (civil, predial, comercial, automóveis, navios ou aeronaves), ou nos funcionários judiciais, mas já não nos notários, agentes de execução ou administradores de insolvência…”.
6. “O agente de execução tem, em regra, o poder de direcção da instância executiva, competindo-lhe realizar oficiosamente os respectivos actos processuais de autoria pública. Essas competências são exercidas em representação do Estado, como auxiliar de justiça que é…”- Rui Pinto, no estudo “A reclamação de actos e decisões do agente de execução” (integrado no livro “Novos estudos de processo civil”), pág. 133. Assim, os Agentes de execução, neste âmbito, são “um órgão processual, auxiliar da justiça- à semelhança do Administrador da Insolvência- ao qual incumbe a direcção e gestão do processo”(…) “… as funções de direcção e gestão de processo de execução limitam-se aos aspectos que não configuram matéria jurisdicional, como seja praticar actos de execução e realizar diligências materiais executivas (entre outros, citação, notificações, publicações, consultas às bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos)…” – J. H. Delgado de Carvalho, in “Jurisdição e caso estabilizado”, pág. 19. No mesmo sentido, Marco Gonçalves, in “Lições de processo civil executivo”, pág. 32 e Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, págs. 116 e ss.
7. v., neste sentido, o ac. da RG de 20 de Outubro de 2011(relator: Carlos Guerra), in dgsi.pt;
8. J. H. Delgado de Carvalho, in “Jurisdição e caso estabilizado”, pág. 182 e 183.
9. v. Ac. da RP de 15.12.2010 (relator: Rodrigues Pires), in dgsi.pt. Amâncio Ferreira, in “Curso de processo de execução”, pág. 392.