Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
293/12.0TBVCT-A.G1
Relator: JOSÉ ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INIBIÇÃO DO FALIDO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: “1 - Na ponderação do período de inibição a fixar nos termos do disposto no n.º 2 alínea c) do art. 189 do C.I.R.E., deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afectada com a qualificação culposa da insolvência.
2 - A declaração de inibição para o exercício do comércio não tem critérios definidos na lei, mas o juiz deverá ter em conta a gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência”.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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A credora C…, S.A., fazendo uso da faculdade que a lei lhe atribui no artigo 188º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, veio alegar por escrito, imputando factos a Juan … e D…, concluindo pela qualificação da presente insolvência como culposa e devendo ser afectados com a dita qualificação os administradores (um de direito, outro de facto) identificados.
O administrador de insolvência veio apresentar parecer no qual concluiu pelo carácter fortuito da insolvência.
O Ministério Público veio apresentar o seu parecer, ao abrigo do disposto no artigo 188º, nº 4, daquele diploma, tendo subscrito, tabelarmente, o parecer do Sr. Administrador.
Uma vez que um interessado alegou factos tendentes a qualificar a insolvência como culposa, ordenou-se o prosseguimento dos autos, apesar de o administrador de insolvência e o Ministério Público considerarem que inexistem factos para qualificar a insolvência como culposa (cfr. despacho de fls. 75 a 81).
Nos termos do disposto no artigo 188º, nº 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os visados opuseram-se, impugnando a factualidade alegada nesses pareceres, dando-lhes distinta interpretação e alegando factos que, em seu entendimento, impedem que a insolvência seja declarada como culposa, ou, sendo-a, não os afecta enquanto administradores da mesma.
Procedeu-se à elaboração do despacho saneador e à selecção dos factos assentes e dos factos controvertidos.
A selecção da matéria de facto foi objecto de reclamações que foram deferidas parcialmente.
Foi determinada a realização de prova pericial.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.
Seguidamente foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 186º e 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas:
a) Qualifico a insolvência da sociedade Casa … Lda., como culposa;
b) Considero Juan …, afectado pela dita qualificação e, consequentemente, declaro-o inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de cinco anos;
c) Determino a perda dos créditos subordinados titulados pelo supra referido administrador; e
d) Absolvo D… da dita qualificação.
Custas pelo requerido.
Cumpra-se o disposto no artigo 189º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
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Desta decisão foi interposto recurso pelo Juan …, que terminou formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. É interposto o presente recurso da sentença que qualificou a insolvência como dolosa, considerando Juan Feliu Boguña afectado pela dita qualificação.
2. O recorrente não se conforma com a decisão da matéria de facto, crendo que os factos provados identificados pelas alíneas d), e), f), g), o), q), r), s), t), v), w) e x), foram incorrectamente julgados.
3. Antes de mais, saliente-se que a decisão recorrida está ferida de nulidade, nulidade essa que atinge o facto provado descrito na al. v) e que deverá ser alterado.
4. Tal facto provado radica do quesito n.º 9 segundo o qual: “O remanescente do valor dos preços recebidos pela Insolvente foi transferido para a ‘P… SL’ sem quaisquer documentos de suporte?”
5. A resposta a este quesito assentou na prova pericial produzida, constante no relatório pericial de fls. … e seguintes, datado de 04 de Abril de 2014.
6. Em momento algum da resposta, o Sr. Perito dá conta da ausência de documentos de suporte ou justificativos.
7. Fundamentos pelos quais o trecho do facto provado – “sem quaisquer documentos de suporte ou justificativo” – deverá ser excluído da decisão da matéria de facto, na falta de prova idónea. Precisamente porque somente pela prova pericial – como resulta da motivação – seria possível aquilatar.
8. Mas a prova pericial, mais do que não mencionar que não há documento de suporte ou justificativo, em sede de esclarecimentos foi clara e peremptória, indicando ao Tribunal a causa do referido pagamento. É o que resulta do último § do relatório datado de 19 de Maio de 2014, constante dos autos a fls. ….
9. Além daquela exclusão, deve ser aditado à parte final do facto provado v) o seguinte: “por um pedido, junto da Câmara Municipal de ---, de informação prévia para o local do empreendimento, quando ela sim e na qualidade de adquirente, iniciou as negociações com a vendedora (ou com os seus representantes) do local onde veio a ser implantado o projecto “Casa …” em Vila do Conde”.
10. Pois esta prova não só resulta como se impõe, mercê o crédito e valia probatória que o Tribunal conferiu ao relatório pericial.
11. Assim, o facto provado descrito sob a al. v) deve ser alterado para os seguintes termos: “após a alienação das fracções em Fevereiro de 2011, a insolvente transferiu para a P… SL, a quantia de € 132.268,78 por um pedido, junto da Câmara Municipal de …, de informação prévia para o local do empreendimento, quando ela sim e na qualidade de adquirente, iniciou as negociações com a vendedora (ou com os seus representantes) do local onde veio a ser implantado o projecto “Casa …” em Vila do Conde”.
12. Com efeito, o pagamento efectuado tem justificação e radica num negócio celebrado com o próprio empreendimento, não se tratando de um acto de disposição mas sim de um pagamento a um fornecedor, o qual não retirou qualquer proveito mas apenas obteve o pagamento que lhe era devido pelo serviço que realmente prestou.
13. Ainda quanto ao facto provado na al. v), note-se que este entra em confronto com o facto provado na al. y), pois que são identificadas facturas que, segundo a al. v), não existiam (“não havia documentos de suporte ou justificativos”), pelo que, face à notória oposição entre factos, se invoca a nulidade da sentença.
14. Relativamente às alíneas d), e), f) e g), encontram-se incorrectamente julgadas, porque se reportam a empresas estrangeiras e a prova foi feita de acordo com várias certidões mercantil do “Registrador Mercantil de Barcelona y Su Provincia”. E compulsados os autos, constata-se que tais documentos não se encontram redigidos em Língua Portuguesa, não podendo ser admitidos sem se encontrarem acompanhados pela respectiva tradução.
15. Além de que, não estão reconhecidos por agente diplomático ou consular português, com a respectiva assinatura e aposição de selo branco.
16. A preterição desta formalidade retira a autenticidade ao documento.
17. Pelo que a decisão viola o disposto no artigo 440.º do Código de Processo Civil.
18. Na falta desse documento e qualquer outro aceno de prova idónea, sempre será de considerar que os factos supra indicados não se poderão considerar provados porque estes factos foram dados como provados, exclusivamente, com base nos documentos referidos.
19. Devendo, consequentemente, ser retirados dos factos dados como provados os descritos nas als. d), e), f) e g).
20. Quanto às als. o), q), r), s), t) e x) dos factos provados, salienta-se que se reportam ao período de tempo decorrido entre 02/10/2006 e 15/12/2006, quando o processo de insolvência se iniciou em 26/01/2012.
21. Ora, para efeitos de qualificação da insolvência, somente releva a actuação nos três anos anteriores ao início do processo — cfr. artigo 186.º n.º 1 do CIRE .
22. Assim, tais factos são totalmente irrelevantes, pois distanciam-se no tempo, devendo, como tal, ser retirados do elenco dos factos provados.
23. Denote-se que, além da inutilidade dos factos dados como provados, o Tribunal parece ter ignorado o parecer do Ministério Público e do Administrador de Insolvência pela qualificação fortuita, preterindo o disposto no artigo 186.º n.º 1 do CIRE.
24. Ainda sob a análise detalhada dos factos dado como provados, atente-se que os factos constantes das al.s w) e x) têm como referência os anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, não estando em causa, portanto, o período referente aos três anos anteriores à data de início do processo de insolvência, sendo, assim, tais factos, irrelevantes, pois não pode o tribunal considerar os comportamentos adoptados nessa época para efeitos de qualificação da insolvência.
25. Apenas poderá atender aos resultados líquidos negativos referentes a 2009, que corresponderam a € 107.003 (cento sete mil e três euros), tal como resulta do relatório escrito elaborado pelo Sr. Perito e dos esclarecimentos verbais registados na acta de discussão e julgamento datada de 24/10/2014.
26. A este respeito, note-se que do relatório e do depoimento se pode retirar a conclusão que os resultados líquidos negativos foram ampliados, artificialmente, por uma técnica de organização contabilística inadequada, que o Sr. Perito repudia.
27. E se um Perito atesta que os resultados líquidos negativos integrados nos factos provados estão errados por causa de um critério da contabilidade inadequado, cremos que tal elemento não pode ser relegado.
28. Os resultados transitados constantes dos factos provados não traduzem a realidade, são reflexo de um erro, lapso, ou técnica de contabilidade inadequada. Perante isto, o Tribunal a quo não os poderia acolher na sua fundamentação.
29. A aplicação da técnica de contabilidade correcta, na prática, implicaria um resultado líquido (negativo) de € 57.003 (cinquenta sete mil e três euros) ou € 67.003 (sessenta sete mil e três euros), ao invés de € 107.003 (cento e sete mil euros e três cêntimos).
30. Os resultados da perícia reflectem uma realidade adulterada por critérios de contabilidades inadequados, que tem duas importantes implicações: uma, é a de que essa contabilidade tecnicamente imperfeita tem a consequência prática de ampliar exagerada os resultados negativos transitados. Outra, é a de que, se a análise contabilística não é fiel na tradução da realidade económico-financeira da empresa, a credibilidade da prova será reduzida.
31. Falhou uma técnica de contabilidade e isso levou a considerar como passivo o que deveria figurar nas existências.
32. E se a contabilidade entendeu por bem fulminar o passivo em dois exercícios com todos os custos de investimento como se este fosse despesa do exercício, ao invés de o considerar como investimento e repartir esse “custo” por todos os anos de actividade e abater na proporção das vendas, é impossível não existirem resultados negativos.
33. Em termos práticos, a contabilidade da insolvente cometeu a gralha de confundir investimento com despesa do exercício!!
34. O que está em causa não é uma alteração dos proveitos da empresa mas sim os resultados transitados. E perante este quadro, atentos os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito, o Tribunal não deverá acolher no leque dos factos provados os resultados transitados. É precisamente este aspecto da contabilidade que está errado.
35. Se atentarmos na totalidade da prova pericial e se o Tribunal confere mérito ao relatório, tem de acolher também os seus esclarecimentos (prestados em audiência) que, como vimos, demonstram que a insolvente foi alvo de um trabalho de contabilidade tecnicamente incorrecto, sendo certo que foi o próprio Perito a salientar que esse vício da contabilidade contende e limita claramente o seu próprio relatório pericial.
36. Um outro ponto que importa focar prende-se com o facto provado em y), que constata que a insolvente realizou despesas num total de € 1.609.209,61 (um milhão seiscentos nove mil duzentos nove euros e sessenta um cêntimos).
37. E na al. p) dos factos provados, o Tribunal deu como provado que a insolvente recebeu um total de € 1.630.000 (um milhão seiscentos trinta mil euros), a título de pagamentos dos sinais e preços das fracções transmitidas a terceiros.
38. Isto ocorre num quadro em que apenas foram vendidas duas fracções num total de mais de quarenta.
39. Ora, se perante a venda de duas fracções a insolvente fez face às despesas que tinha suportado e ainda tinha mais cerca de quarenta fracções para vender, não faz sentido falar-se em insolvência dolosa. O negócio tinha bastante viabilidade e era altamente lucrativo.
40. A este respeito, verificou-se que o Tribunal recorrido qualificou a insolvência como culposa, ao abrigo do disposto no artigo 186 n.º 2 al. d) do CIRE, considerando que houve disposição de bens do devedor em proveito próprio ou para terceiros, fundamentando estas conclusões nos factos provados descritos nas alíneas s), t) e v).
41. Ora, atente-se nas datas dos pagamentos vertidos nesses factos. Não ficou provado que tenham ocorrido no ano de 2011, 2010 ou 2009 (após o dia 26 de Janeiro), pelo que não poderia o Tribunal ter dado por verificados quaisquer comportamentos dolosos imputáveis à administração da insolvente. Os pagamentos ocorreram num período de tempo que excede (parcialmente) os três anos anteriores ao início do processo.
42. Somente os actos ou omissões que se iniciem a partir de 26/01/2009 é que são relevantes para efeitos de qualificação da insolvência.
43. Ao decidir nos termos em que decidiu, o Tribunal ficcionou a data dos factos, situando-os “algures” a partir de 26/01/2009, quando na realidade podem muito bem reportar-se a 2007 ou 2008 (tamanha é a amplitude dos factos provados e a falta de critério em toda a decisão).
44. Logo, o Tribunal firmou um facto desconhecido (presunção de culpa) a partir de outro parcialmente desconhecido (data das transferências), incorrendo em manifesta violação do disposto nos artigos 186º n.º 2 al. d) do CIRE e 349º do Código Civil, pelo que é forçoso concluir que a alínea s) deve ser retirada dos factos provados.
45. Ainda no tocante à qualificação da insolvência como culposa por força do disposto no artigo 186 n.º 2 al. g) CIRE, verifica-se que, em momento algum, nos factos provados, encontramos a menção “conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência”.
46. Aliás, o normal desenvolvimento do projecto (a comercialização das restantes 40 fracções) nunca determinaria a situação de insolvência.
47. E dificilmente se vislumbra um qualquer aproveitamento da pessoa física que age em abuso de posição e poderes que exerce perante terceiros, ao abrigo de uma pretensa relação de representação, tal como dispõe o preceito.
48. O aproveitamento exige uma actividade encoberta. E como resulta dos factos provados, não há qualquer menção nesse sentido.
49. Confira-se que o recorrente é um empresário com mais de 70 anos que, somente agora, viu uma empresa em que interviesse (no meio das cerca de vinte que gere) não ter sucesso e resvalar para um problema de insolvência, o que bem atesta o seu carácter e seriedade.
50. Realce-se que todo o acervo patrimonial da insolvente encontrava-se em seu nome (exclusivamente). Em momento algum foi alinhada a possibilidade de o visado pela insolvência estar a servir-se dos meios de produção da empresa em proveito próprio. É uma imputação que apenas surgiu na sentença recorrida.
51. Por tal facto, a sentença reveste a natureza de uma verdadeira decisão-surpresa, comummente aceite como sendo ilegal.
52. Com efeito, e em suma, como resulta do anteriormente explanado, a lista de pagamentos efectuados pela insolvente atesta claramente que todos têm por base facturas e documentos de suporte, sendo que todos os pagamentos ali indicados têm uma relação directa e incontornável com a construção do imóvel.
53. Não há nem nunca foi alegada qualquer actuação encoberta, o que significa que persiste a nulidade por violação do princípio do pedido.
54. Do mesmo modo, também a listagem dos pagamentos efectuados pela insolvente demonstram claramente a relação entre a descrição dos pagamentos efectuadas e a natureza do negócio.
55. Veja-se: foram feitos pagamentos a título de IMI pela aquisição do imóvel onde foi lançada a construção do empreendimento.
56. O mesmo se verificando em relação às taxas de licença de construção, inerentes à construção.
57. Os pagamentos à fiscalização e autoria dos projectos, referentes à execução dos trabalhos de construção da Casa de Santa Fé.
58. Os juros referentes aos empréstimos alusivos à compra do imóvel, destinando à construção do empreendimento.
59. Os honorários referentes aos advogados, suportados por causa das acções judiciais que foram movidas.
60. Os juros pagos à instituição credora, no âmbito do contrato de mútuo celebrado.
61. O IVA devido em facturas intracomunitárias.
62. As certificações energéticas.
63. Enfim, todos os pagamentos têm uma relação clara e comprometida com o objecto social da empresa: o empreendimento imobiliário Casa de Santa Fé.
64. Em momento algum, nos factos provados, se faz alusão à actividade encoberta, pelo que estamos, assim, diante uma situação em que não há lugar à aplicação do disposto no artigo 186.º n.º 2 e), devendo a decisão recorrida ser revogada.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores, se dignem revogar a sentença recorrida, substituindo-a por douto acórdão que:
(i) altere a decisão da matéria de facto provada nos termos supra descritos, ou seja, revogue a decisão da matéria de facto, dando como não provadas as als. d), e), f), g), o), q), r), s), t), v) w) e x);
(ii) subsidiariamente, deverá o facto provado constante da al. v) ser alterado nos termos supra mencionados;
(iii) cumulativamente, deverá a decisão de qualificação dolosa ser revogada e substituída por outra que qualifique a insolvência como meramente fortuita;

Contra-alegou o M.P.º terminando do seguinte modo:

CONCLUSÕES

1. A insolvente Casa … tinha como seu administrador e responsável o recorrente.

2. Por actuação e omissão deste, a referida empresa, foi deliberadamente conduzida para uma insolvência evitável e que não se deve qualificar como fortuita.

3. A actuação essencial para esse efeito traduziu-se na contínua descapitalização da insolvente, em favor de outras sociedades, mormente a P… da qual o mesmo administrador também era sócio e administrador.

4. Tal ocorreu nos últimos três anos previamente à instauração dos presentes autos, mas tem raiz em actos anteriores, praticamente desde o início do funcionamento da insolvente e que são insidicáveis em termos de causa e efeito dos produzidos no referido período, pelo que têm que ser considerados no seu conjunto sob pena de se perder a lógica naturalística dos acontecimentos, mormente os que determinaram a contínua e permanente situação financeira de resultados líquidos negativos.

Assim, não deve a decisão de primeira instância ser revogada porque também não se verificou qualquer erro de julgamento de matéria de facto ou de direito.

Porém, Vªs Exªs, como sempre, aliás, farão JUSTIÇA,

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações – artigo 635 do Código de Processo Civil.
Das conclusões formuladas pela apelante resulta que as questões a dirimir consiste em:
1. - Nulidade da sentença.
2. - Impugnação da matéria de facto.
3. - Saber se deve ser revogada a decisão de qualificação da insolvência, bem como a decisão de afectação da pessoa Requerido/Apelante, absolvendo-se o mesmo.
***

Vejamos

Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:

1. Factos provados:

a) Por sentença proferida em 10 de Fevereiro de 2012, foi declarada a insolvência da sociedade por quotas, Casa … Lda., nos termos constantes dos autos principais e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido;

b) O valor global dos créditos verificados ascende a € 9.768.080,77;

c) A Insolvente é uma sociedade por quotas cujo objecto é a promoção, construção, compre e venda de imóveis, venda de bens imóveis comprados para esse fim, arrendamento activo não financeiro, estudo, desenvolvimento e gestão de projectos urbanísticos e imobiliários, com um capital de € 300.000,00 e cuja respectiva quota social é detida pela sociedade ‘A… SL, com sede em Barcelona, conforme se retira da certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos autos do apenso de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

d) De acordo com a certidão mercantil do ‘Registrador Mercantil de Barcelona y Su Província’, junta aos autos de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a A…, SL é uma sociedade de direito espanhol detida por três sociedades, em partes iguais, a saber:
 P…;
 D…, SL; e
 Pa… SL;
e) De acordo com a certidão mercantil do ‘Registrador Mercantil de Barcelona y Su Província’, junta aos autos de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, relativa à aprovação das contas anuais de 2009 da sociedade A… SL, Juan … é o administrador único da referida sociedade;
f) A D,,, é uma sociedade de direito espanhol constituída em 18 de Dezembro de 1986, sendo os seus sócios fundadores, Josep …, Francisco-… e Isabel …, conforme se retira da certidão mercantil do ‘Registrador Mercantil de Barcelona y Su Provincia’, junta aos autos de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
g) A … SL é uma sociedade de direito espanhol constituída em 16 de Setembro de 1977, sendo, até 16 de Dezembro de 2011, seu administrador único Juan …, e, a partir desta data, membro do conselho de administração com o cargo de presidente, conforme se retira da certidão mercantil junta aos autos de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) A sociedade C…, S.A. reclamou créditos no valor de € 2.949.039,50;
i) A sociedade C… Unipessoal, Lda. era uma sociedade constituída em 19 de Junho de 2009, cujo objecto era o apoio à gestão e administração de empresas e patrimónios, consultoria de negócios, comercial e financeira, formação profissional, administração e gestão de bens próprios ou alheios, móveis ou imóveis, podendo para o efeito adquirir, alienar ou arrendar quaisquer prédios rústicos ou urbanos, ou parte deles, procedendo à revenda dos adquiridos, a prestação de serviços relacionados com a gestão e administração de imóveis, condomínios e espaços comerciais, conforme se retira da certidão permanente junta aos autos de fls. 52 a 53 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
j) De acordo com a referida certidão era sócia única da mencionada sociedade Karina , casada com D…
k) A gerência da mencionada sociedade cabia ao referido D….;
l) A dissolução e o encerramento da liquidação da referida sociedade foram registados em 25 de Setembro de 2012, sob a inscrição 3 e mediante a apresentação 21/20120925, conforme se retira da certidão permanente disponível para consulta nos serviços informáticos do Ministério da Justiça;
m) A sociedade C… reclamou créditos sobre a Insolvente no valor de € 500.000,00;
n) A actividade da insolvente, da sua constituição à declaração da insolvência, circunscreveu-se à construção, promoção e comercialização de um único empreendimento imobiliário, identificado como ‘Casa …, sito em Vila do Conde;
o) Para a compra do terreno onde foi construído o empreendimento imobiliário, a Insolvente obteve da sua única sócia, A…, em 2 de Outubro de 2006, a quantia de € 3.000.000,00, e, em 15 de Dezembro de 2006, a insolvente obteve da sociedade de direito espanhol ‘C…S.A.’, um empréstimo no valor de € 3.100.000,00, montante esse que se destinou a liquidar o empréstimo contraído junto daquela A…;
p) A Insolvente recebeu um total de € 1.630.000,00, a título de pagamento dos sinais dos contratos-promessa celebrados com terceiros e do preço das fracções transmitidas a terceiros;
q) O preço da compra e venda do terreno onde foi construído o empreendimento imobiliário foi pago através de dois cheques: (i) um no valor de € 2.160.000,00, emitido em nome de Maria …; (ii) outro no valor de € 240.000,00 emitido em nome da sociedade espanhola ‘P… SL’;
r) Em 2 de Outubro de 2006, a Insolvente entregou à ‘P,,, SL’ a quantia de € 495.867,80;
s) Entre 2007 e 2011 foi transferida para a sociedade P… SL a quantia de € 481.353,51 e desta para a Insolvente a quantia de € 219.353,51, resultando destes movimentos um saldo a favor da Insolvente de € 262.000,00 nos anos de 2006 a 2011;
t) Sem quaisquer documentos de suporte e justificativos;
u) Em 2011 quando foram celebradas as escrituras públicas de compra e venda entre Insolvente e os terceiros adquirentes, em contrapartida dos distrates das respectivas fracções alienadas, a credora C… recebeu € 100.000,00 e a credora Ca,,, € 150.960,50;
v) Após a alienação das fracções, em Fevereiro de 2011, a Insolvente transferiu para a ‘P… SL’, sem quaisquer documentos de suporte ou justificativos, a quantia de € 132.268,78;
w) A Insolvente teve os seguintes resultados líquidos negativos:
 2006: € 51.455,87;
 2007: € 8.051.33;
 2008; € 15.390,28;
 2009: € 107.002,50;
x) E encontrava-se em falência técnica desde 31.12.2010;
y) A Insolvente despendeu por causa do empreendimento:
 € 144.000,00 no Imposto Municipal sobre Transmissões;
 € 226.612,92 em taxas de licença de construção;
 € 234.968,91 no contrato de prestação de serviços celebrado com o Arquitecto E…;
 € 75.543,63 no contrato de prestação de serviços celebrado com a sociedade P… Arquitectura, Lda.;
 € 48.107,86 em juros pelos empréstimos obtidos da sociedade A,,, SL (de 12.07.2007 e de 27.11.2007, pelos valores, respectivamente, de € 85.000,00 e € 227.000,00);
 € 97.907,21 em honorários, adiantamento de fundos e outros custos com processos judiciais;
 € 25.079,61 referente ao serviço de vigilância dos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2010;
 € 105.049,95 referente ao IVA à taxa de 21% das facturas intracomunitárias nºs. 317/06, de € 495.867,80, e 320/06, de € 4.370,05, no total de € 500.237,85, emitidas pela P… SL para a Casa …, Lda.;
 € 590.024,30 em juros pagos à sociedade espanhola Ca… S.A., nos anos de 2007 a 2011;
 € 5.245,21 em juros pagos à sociedade espanhola D… nos anos de 2008 a 2010;
 € 37.479,60 em assistência comercial e apoio técnico ao empreendimento de acordo com duas facturas emitidas pela sociedade Casual …, Lda.;
 € 24.190,41 pagos à sociedade Inspectus …, Lda..
2. Factos não provados
Quesitos 10º, 11º, 15º a 21º.


***
Vejamos então.

1. A nulidade da sentença
Sustenta o apelante que a decisão recorrida está ferida de nulidade, nulidade essa que atinge o facto provado descrito na al. v) e que deverá ser alterado.

Tal facto provado radica do quesito n.º 9 segundo o qual: “O remanescente do valor dos preços recebidos pela Insolvente foi transferido para a ‘P… SL’ sem quaisquer documentos de suporte?”

A resposta a este quesito assentou na prova pericial produzida, constante no relatório pericial de fls. … e seguintes, datado de 04 de Abril de 2014.

Em momento algum da resposta, o Sr. Perito dá conta da ausência de documentos de suporte ou justificativos.

Fundamentos pelos quais o trecho do facto provado – “sem quaisquer documentos de suporte ou justificativo” – deverá ser excluído da decisão da matéria de facto, na falta de prova idónea. Precisamente porque somente pela prova pericial – como resulta da motivação – seria possível aquilatar.

Ainda quanto ao facto provado na al. v), sustenta que este entra em confronto com o facto provado na al. y), pois que são identificadas facturas que, segundo a al. v), não existiam (“não havia documentos de suporte ou justificativos”), pelo que, face à notória oposição entre factos, se invoca a nulidade da sentença.

Sustenta ainda que existe a nulidade por violação do princípio do pedido, porquanto, não há nem nunca foi alegada qualquer actuação encoberta, sendo certo que a lista de pagamentos efectuados pela insolvente atesta claramente que todos têm por base facturas e documentos de suporte, sendo que todos os pagamentos ali indicados têm uma relação directa e incontornável com a construção do imóvel.

Ora, as nulidades da sentença devem ser encaradas à semelhança das nulidades insanáveis do petitório (artº 186 C.P.Civ.) – são nulidades de tal forma graves que tornam imprestável, imperceptível a peça a que se reportam.

Não se vislumbra qualquer nulidade na decisão, que explicou detalhadamente todos os seus fundamentos de facto e de direito, sendo coerente com tais fundamentos.

Também não ocorre a alegada contradição entre factos provados pois se trata de matérias diferentes (uma coisa é a transferência para a Proneg S.A (alínea v) e outra coisa são os pagamentos efectuados de acordo com as facturas existentes (alínea y))

Na verdade, na fundamentação da decisão de facto o senhor juiz a quo explicou detalhadamente porque chegou às conclusões que depois exarou na sentença.

Pode discordar-se dos ditos fundamentos, é certo, mas tal é matéria atinente á impugnação da matéria de facto e de que se tratará a seguir bem como ao mérito da decisão e do presente recurso.

Improcedem, assim, as nulidades arguidas, improcedendo o recurso neste ponto.


*


2. A impugnação da matéria de facto
O apelante pede que este tribunal altere a decisão da matéria de facto provada nos termos supra descritos nas conclusões, ou seja, “revogue a decisão da matéria de facto, dando como não provadas as als. d), e), f), g), o), q), r), s), t), v) w) e x), e, subsidiariamente, deverá o facto provado constante da al. v) ser alterado nos termos supra mencionados.
Concretamente quanto às alíneas d), e), f) e g), sustenta que se encontram incorrectamente julgadas, porque se reportam a empresas estrangeiras e a prova foi feita de acordo com várias certidões mercantil do “Registrador Mercantil de Barcelona y Su Provincia”. E compulsados os autos, constata-se que tais documentos não se encontram redigidos em Língua Portuguesa, não podendo ser admitidos sem se encontrarem acompanhados pela respectiva tradução. Além de que, não estão reconhecidos por agente diplomático ou consular português, com a respectiva assinatura e aposição de selo branco. Sustenta que a preterição desta formalidade retira a autenticidade ao documento, pelo que a decisão viola o disposto no artigo 440.º do Código de Processo Civil.
Na falta desse documento e qualquer outro aceno de prova idónea, sempre será de considerar que os factos supra indicados não se poderão considerar provados porque estes factos foram dados como provados, exclusivamente, com base nos documentos referidos. Devendo, consequentemente, ser retirados dos factos dados como provados os descritos nas als. d), e), f) e g).
Quanto às als. o), q), r), s), t) e x) dos factos provados, salienta que se reportam ao período de tempo decorrido entre 02/10/2006 e 15/12/2006, quando o processo de insolvência se iniciou em 26/01/2012. Para efeitos de qualificação da insolvência, somente releva a actuação nos três anos anteriores ao início do processo — cfr. artigo 186.º n.º 1 do CIRE .Assim, tais factos são totalmente irrelevantes, pois distanciam-se no tempo, devendo, como tal, ser retirados do elenco dos factos provados, ocorrendo assim inutilidade dos factos dados como provados.
Vejamos então.

Preliminarmente sempre diremos que, nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Para além disso, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 662 “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;´

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

No entanto, a parte que pretender impugnar a matéria de facto tem que cumprir determinados ónus, sob pena da rejeição do recurso.

Tais ónus do recorrente consistem em, de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 640 do CPC (cfr, na jurisprudência, embora no domínio do Código revogado, mas inteiramente aplicável ao código actual, os acórdãos do S.T.J. de 7/07/2009 e do TRP de 20/10/2009, entre outros, ambos acessíveis em www.dgsi.pt):

- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (que deverá referir na motivação do recurso e nas conclusões), mencionando o sentido em que, no seu entender, o tribunal deveria ter decidido relativamente a cada um dos concretos pontos de facto impugnado (ver o actual art. 640 n.º 1 al. a) e c) do C. P. Civil);

- fundamentar as razões da discordância, referindo os concretos meios probatórios em que fundamenta a impugnação ( actual art. 640 n.º 1 al. b) do C. P. Civil);

- quando se baseie em depoimentos testemunhais que tenham sido gravados, indicar os depoimentos em que se funda, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se fundamenta, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respectiva transcrição (indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta, diz Abrantes Geraldes na sua obra Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Dec.Lei n.º 303/07 de 24 de Agosto, pág. 136, Almedina, Fevereiro de 2008).

A impugnação da matéria de facto não gera a realização de um novo julgamento integral em segunda instância (cfr., a título de exemplo, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª edição revista e ampliada, p. 263 e 264), constituindo antes um meio de sindicar a decisão da primeira instância quanto à decisão da matéria de facto, relativa a determinados pontos concretos, pelo que não envolve a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida (sem prejuízo de o tribunal, se assim o entender, proceder à audição de todos os depoimentos), incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que ao recorrente compete identificar, indicando em complemento os concretos meios probatórios que, em seu entender, justificam uma diversa decisão.

Cremos que o Apelante cumpre com os ónus que lhe são impostos pelas normas acabadas de citar, pelo que nada impede que conheçamos do recurso nessa parte.

Passámos em revista todos os elementos de prova juntos ao processo e, para melhor esclarecimento, procedemos à audição da gravação dos depoimentos prestados

Assim.

a) Quanto aos factos das alíneas d), e), f) e g),:
Sustenta a apelante que os mesmos se encontram incorrectamente julgadas, porque se reportam a empresas estrangeiras e a prova foi feita de acordo com várias certidões mercantil do “Registrador Mercantil de Barcelona y Su Provincia”, e que, compulsados os autos, constata-se que tais documentos não se encontram redigidos em Língua Portuguesa, não podendo ser admitidos sem se encontrarem acompanhados pela respectiva tradução. Além de que, não estão reconhecidos por agente diplomático ou consular português, com a respectiva assinatura e aposição de selo branco. Sustenta que a preterição desta formalidade retira a autenticidade ao documento, pelo que a decisão viola o disposto no artigo 440.º do Código de Processo Civil. Na falta desse documento e qualquer outro aceno de prova idónea, sempre será de considerar que os factos supra indicados não se poderão considerar provados porque estes factos foram dados como provados, exclusivamente, com base nos documentos referidos. Devendo, consequentemente, ser retirados dos factos dados como provados os descritos nas als. d), e), f) e g).

A questão suscitada é a da junção aos autos de documentos em língua estrangeira.

Nos termos do disposto no artigo 133 do C. P. Civ. “nos actos judiciais usar-se-à a língua portuguesa”. “Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte” (art. 134 do C.P.Civil.

Ora, a primeira conclusão a tirar é a de que as normas referidas não impõem a tradução dos documentos em língua estrangeira existentes no processo, se tal tradução for acessível a todos os intervenientes no processo (Lopes do Rego, Comentários ao Código, artº140º- na redacção anterior, inteiramente aplicável ao código actual – art. 134 - cuja redacção é a mesma); de facto, a norma aplica-se aos “actos” – os documentos valem pela respectiva genuinidade, ou seja, pela respectiva apresentação em língua estrangeira, se for o caso, e se alguma das partes omite a tradução de um documento de fácil acessibilidade e inteligibilidade pelos termos usados, bem como de reduzida extensão, pode o juiz simplesmente dispensar a tradução.

Por outro lado, apesar de o R. (ora apelante) já ter anteriormente suscitado a questão dos documentos em língua estrangeira (cfr. 254 e 254) nada tendo sido dito pelo senhor juiz a tal propósito, o mesmo não foi consequente nessa arguição, pelo que, nada tendo sido dito até agora sobre a questão dos documentos em língua estrangeira trata-se de questão nova de que este tribunal não deve conhecer.

De qualquer modo, como bem se diz no recente Acórdão da Relação do Porto de 16/06/2014, Proc. n.º 722/11.0TVPRT.P1, Relator Carlos Gil, disponível na Internet em www.itij.pt, “A tradução dos documentos escritos em língua estrangeira não é obrigatória, apenas se impondo, quando necessária, não o sendo quando se trata de uma língua com grandes semelhanças com a portuguesa, como é o caso da língua espanhola e em geral acessível ao comum dos falantes da língua portuguesa”.

Assim, tratando-se, no caso, de documentos em língua espanhola (fls. 17, 19 a 26, 33 a 39 e 162 a 164, de fácil leitura e compreensão, atento o que fica dito, improcede a respectiva impugnação.

b) Quanto ao facto da alínea v)
Sustenta o apelante que tal facto provado radica do quesito n.º 9 segundo o qual: “O remanescente do valor dos preços recebidos pela Insolvente foi transferido para a ‘P,,, SL’ sem quaisquer documentos de suporte?”

A resposta a este quesito assentou na prova pericial produzida, constante no relatório pericial de fls. … e seguintes, datado de 04 de Abril de 2014.

Em momento algum da resposta, o Sr. Perito dá conta da ausência de documentos de suporte ou justificativos.

Fundamentos pelos quais o trecho do facto provado – “sem quaisquer documentos de suporte ou justificativo” – deverá ser excluído da decisão da matéria de facto, na falta de prova idónea. Precisamente porque somente pela prova pericial – como resulta da motivação – seria possível aquilatar.

Vejamos então.

O quesito formulado foi “O remanescente do valor dos preços recebidos pela Insolvente foi transferido para a ‘P… SL’ sem quaisquer documentos de suporte?” (fls. 189).

Esse quesito mereceu a resposta de Provado, conforme se verifica de fls. 517, com alterações, constituindo a alínea v) com a seguinte redacção “v) Após a alienação das fracções, em Fevereiro de 2011, a Insolvente transferiu para a ‘P… SL’, sem quaisquer documentos de suporte ou justificativos, a quantia de € 132.268,78”;

Na motivação da fundamentação da matéria de facto o senhor juiz disse que (itálico de nossa autoria): “Fundou o Tribunal a sua convicção no relatório pericial junto aos autos de fls. 289 a 302, bem como nos documentos que acompanham o mesmo, também juntos aos autos de fls. 303 a 489, nos esclarecimentos subsequentes prestados nos autos pelo Sr. Perito constantes de fls. 495 a 496 e naqueles que foram prestados oralmente em sede audiência de discussão e julgamento.

Fundou ainda o Tribunal a sua convicção no depoimento das testemunhas Eduardo …, Liliana … e Carlos ….
Fundou ainda o Tribunal a sua convicção nos esclarecimentos prestados pelo Sr. administrador da insolvência em sede de audiência de discussão e julgamento.
(…)
A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada fundou-se, essencialmente, no teor do relatório pericial e nos esclarecimentos subsequentes, prestados por escrito e oralmente em sede de audiência de discussão e julgamento. As respostas que foram dadas pelo Sr. perito às questões colocadas não foram contrariadas por qualquer um outro meio de prova. A sindicância pericial obedeceu aos critérios e procedimentos contabilísticos que decorrem do Plano Oficial de Contabilidade e da legislação fiscal em vigor. Assim, a resposta aos quesitos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 12º, 13º, 14º mereceram a resposta de provado em face do teor daquele relatório e dos esclarecimentos subsequentes”.
O relatório pericial consta de fls. 289 a fls. 302, com os esclarecimentos prestados a fls. 495 e 496, e ainda os esclarecimentos verbais prestados na audiência de julgamento de 24/10/2014, depoimento esse com quase 1 hora de duração, tantas as questões formuladas.
Ora, do relatório pericial de 4 de Abril de 2014, a resposta ao referido quesito 9.º foi a seguinte (fls. 294 e 295):
“Quesito 9º.
O remanescente do valor dos preços recebidos pela insolvente foi transferido para a Proneg 2000 SL sem quaisquer documentos de suporte?
O produto líquido das vendas das fracções R e Q, de acordo com a resposta dada ao quesito 3.º foi de 374.000 € e 170.000 € respectivamente. Tais quantias foram depositadas nos dias 09 e 10 de Fevereiro de 2011 na conta da insolvente do banco BBVA.
Destes depósitos no total de 544.000 € (374.000€ + 170.000€), 425.000 € foram transferidos para a conta da sociedade no Banco espanhol “La Caixa” em 15-02-2011, tendo a conta do BBVA um saldo próximo dos 118.000 €; (segue-se uma tabela com os pagamentos/transferências e saldos da conta do Banco BBVA)
Destes saldos constam como pagos/transferidos as quantias referidas na tabela aí constante.
Destes movimentos e das contas bancárias da insolvente, após a alienação das fracçoes em Fevereiro de 2011, só foram transferidos para a sociedade espanhola P… SL a quantia de 132.268,78€ conforme quadros anteriores.
Os movimentos de baixo valor, não foram tidos em conta, nos movimentos das duas contas bancárias, por não serem expressivos em termos de valor, pelo que o saldo final não coincide com o saldo do extrato bancário. (doc. 42 a 48)”.
No esclarecimento constante de fls. 496, prestado em 19 de Maio de 2014, á pergunta “Se perante os elementos constantes dos autos poderá o sr. Perito excluir com certeza a existência de serviços prestados pela P… SL, junto da Câmara Municipal de Vila do Conde”, a resposta foi “O perito não encontrou na contabilidade nenhum documento que indiciasse que a sociedade Pronerg SL tivesse actuado junto da Câmara Municipal de Vila do Conde de forma a aumentar a capacidade de construção do empreendimento em causa.
(…)
O que eventualmente poderá ter acontecido, e que qualquer investidor imobiliário de bom s enso faz, é pedir aos serviços camarários em questão, e por questões de segurança. Uma informação prévia da capacidade de construção do local que se pretende adquirir ou do local onde se pretende construir.
Assim a Proneg SL deve ter pedido, junto da Câmara Municipal de Vila do Conde, uma informação prévia para o local do empreendimento, quando ela sim e na qualidade de adquirente, iniciou as negociações com a vendedora (ou com os seus representantes) do local onde veio a ser implantado o projecto “Casa …” em Vila do Conde.”
Por outro lado nos seus esclarecimentos já acima referidos (sobretudo a partir do minuto 6, o perito Inácio … esclareceu que, logo de início os investidores se pagaram do seu investimento.
A Aquisição do terreno foi de 2.400.000,00 em que 2.160.000,00 foram para pagar à vendedora do terreno e a P… recebeu 240.000,00 alegadamente de sinal que terá dado á vendedora como sinal, pois foi quem inicialmente avançou com o negócio.
Depois retirou 600.000,00€ que, como não pôde retirar na totalidade, existe uma factura de estudos de mercado em Vila do Conde (fls. 378) de 495.867,80, pelo que só pôde retirar esse valor.
Retirou assim cerca de 495.000,00 € através de factura comunitária. Como o IVA teve de ser liquidado em Portugal, e que a Casa … suportou, perfaz os 600.000,00, e que conta de uma factura de 3.000.000,00 que está junta aos autos
Disse ainda o perito que há cerca de 200.000,00€ para os quais não encontrou justificativo.
Acrescentou que havia retiradas de dinheiro para a P… S.A., sempre que havia liquidez na Casa … .
Acrescentou que a Casa de Santa Fé, depois de diversos pagamentos, nomeadamente, Juros de financiamento da Ca…, IMT. Arquitectos e estudos com projectos, acabou por ficar sem liquidez para pagar aos empreiteiros que construíram o empreendimento.
Tal deriva de os investidores terem assegurado logo de início a sua rentabilidade, retirando o investimento que fizeram, do modo acima descrito, e também resultou da crise imobiliária, pois construíram 50 fracções e só venderam 6.
Acrescentou que normalmente o investimento é realizado e só depois de pagos todos os custos haveria retirada de lucros, mas neste caso não foi assim.
Depois, com a crise do imobiliário acabou por ficar sem liquidez para pagar aos construtores.
Assim, atenta a impugnação da matéria de facto feita pelo apelante, vistos os documentos existentes nos autos, e de acordo com os esclarecimentos prestados pelo senhor perito em audiência de julgamento, altera-se as respostas dadas e, consequentemente os factos provados do seguinte modo:
Facto da alínea r)

r) Em 2 de Outubro de 2006, a Insolvente entregou à ‘P… SL’ a quantia de € 495.867,80, a título de honorários por estudos de mercado em Vila do Conde, conforme documentos de fls. 378 e 379.”

Factos das alíneas s) e t)

Altera-se a resposta aos factos s) que passa a ser:

s) Entre 2007 e 2011 foi transferida para a sociedade P… SL a quantia de € 481.353,51 e desta para a Insolvente a quantia de € 219.353,51, resultando destes movimentos um saldo a favor da Insolvente de € 262.000,00 nos anos de 2006 a 2011, resultante de vários movimentos financeiros (empréstimos) de e para a P…, conforme conta-corrente entre as duas empresas.

E t) que passa a ser:

t) Sem quaisquer documentos de suporte e justificativos, a não ser a conta-corrente n.º 2781210001;
Quanto ao facto da alínea u) a mesma mantém-se inalterada “u) Em 2011 quando foram celebradas as escrituras públicas de compra e venda entre Insolvente e os terceiros adquirentes, em contrapartida dos distrates das respectivas fracções alienadas, a credora C… recebeu € 100.000,00 e a credora Ca… € 150.960,50”, pois tal resposta resulta de fls. 292 e 293 e dos documentos aí mencionados;
Quanto ao facto da alínea v) a mesma mantém-se inalterada: “v) Após a alienação das fracções, em Fevereiro de 2011, a Insolvente transferiu para a ‘P… SL’, sem quaisquer documentos de suporte ou justificativos, a quantia de € 132.268,78” pois tal resulta de fls. 294 e 295 e documentos aí mencionados, bem como dos esclarecimentos do senhor perito prestados em audiência de julgamento;
As repostas dos factos w), x) e y) mantém-se inalteradas, pois, as mesmas resultam da perícia contabilística e dos esclarecimentos prestados pelo senhor perito, e, embora na sua inquirição o senhor perito tenha aceite que tais valores resultem também de errada inscrição de valores pelo técnico contabilista da empresa, os valores seriam corrigidos em virtude de não se ter feito reflectir no exercício no valor das vendas parte do valor do investimento inicial, as respostas dada no relatório mantém-se inalterados.

c) Quanto às als. o), q), r), s), t) e x)
Quanto às als. o), q), r), s), t) e x) dos factos provados, salienta o apelante que os mesmos se reportam ao período de tempo decorrido entre 02/10/2006 e 15/12/2006, quando o processo de insolvência se iniciou em 26/01/2012.

Mas tal será eventualmente considerado na terceira parte deste acórdão quanto se tratar de saber se deve ser revogada a decisão de qualificação da insolvência, bem como a decisão de afectação da pessoa Requerido/Apelante, absolvendo-se o mesmo.


***

Posto isto, passam a ser os seguintes os factos que este tribunal da Relação, no uso dos seus poderes, dá como provados:

a) Por sentença proferida em 10 de Fevereiro de 2012, foi declarada a insolvência da sociedade por quotas, Casa … Lda., nos termos constantes dos autos principais e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido;
b) O valor global dos créditos verificados ascende a € 9.768.080,77;
c) A Insolvente é uma sociedade por quotas cujo objecto é a promoção, construção, compre e venda de imóveis, venda de bens imóveis comprados para esse fim, arrendamento activo não financeiro, estudo, desenvolvimento e gestão de projectos urbanísticos e imobiliários, com um capital de € 300.000,00 e cuja respectiva quota social é detida pela sociedade ‘A… SL, com sede em Barcelona, conforme se retira da certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos autos do apenso de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) De acordo com a certidão mercantil do ‘Registrador Mercantil de Barcelona y Su Província’, junta aos autos de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a A…, SL é uma sociedade de direito espanhol detida por três sociedades, em partes iguais, a saber:
 Proneg 2000 SL;
 Dentri Agencia Seguros, SL; e
 Patrijomo SL;
e) De acordo com a certidão mercantil do ‘Registrador Mercantil de Barcelona y Su Província’, junta aos autos de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, relativa à aprovação das contas anuais de 2009 da sociedade A… SL, Juan …é o administrador único da referida sociedade;
f) A D…i é uma sociedade de direito espanhol constituída em 18 de Dezembro de 1986, sendo os seus sócios fundadores, Josep …, Francisco-Javier … e Isabel …, conforme se retira da certidão mercantil do ‘Registrador Mercantil de Barcelona y Su Provincia’, junta aos autos de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
g) A P… SL é uma sociedade de direito espanhol constituída em 16 de Setembro de 1977, sendo, até 16 de Dezembro de 2011, seu administrador único Juan …, e, a partir desta data, membro do conselho de administração com o cargo de presidente, conforme se retira da certidão mercantil junta aos autos de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) A sociedade Ca… S.A. reclamou créditos no valor de € 2.949.039,50;
i) A sociedade C…, Lda. era uma sociedade constituída em 19 de Junho de 2009, cujo objecto era o apoio à gestão e administração de empresas e patrimónios, consultoria de negócios, comercial e financeira, formação profissional, administração e gestão de bens próprios ou alheios, móveis ou imóveis, podendo para o efeito adquirir, alienar ou arrendar quaisquer prédios rústicos ou urbanos, ou parte deles, procedendo à revenda dos adquiridos, a prestação de serviços relacionados com a gestão e administração de imóveis, condomínios e espaços comerciais, conforme se retira da certidão permanente junta aos autos de fls. 52 a 53 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
j) De acordo com a referida certidão era sócia única da mencionada sociedade Karina … casada com D…;
k) A gerência da mencionada sociedade cabia ao referido D…;
l) A dissolução e o encerramento da liquidação da referida sociedade foram registados em 25 de Setembro de 2012, sob a inscrição 3 e mediante a apresentação 21/20120925, conforme se retira da certidão permanente disponível para consulta nos serviços informáticos do Ministério da Justiça;
m) A sociedade Ca… reclamou créditos sobre a Insolvente no valor de € 500.000,00;
n) A actividade da insolvente, da sua constituição à declaração da insolvência, circunscreveu-se à construção, promoção e comercialização de um único empreendimento imobiliário, identificado como ‘Casa …, sito em Vila do Conde;
o) Para a compra do terreno onde foi construído o empreendimento imobiliário, a Insolvente obteve da sua única sócia, A… SL, em 2 de Outubro de 2006, a quantia de € 3.000.000,00, e, em 15 de Dezembro de 2006, a insolvente obteve da sociedade de direito espanhol ‘C…S.A.’, um empréstimo no valor de € 3.100.000,00, montante esse que se destinou a liquidar o empréstimo contraído junto daquela A… SL;
p) A Insolvente recebeu um total de € 1.630.000,00, a título de pagamento dos sinais dos contratos-promessa celebrados com terceiros e do preço das fracções transmitidas a terceiros;
q) O preço da compra e venda do terreno onde foi construído o empreendimento imobiliário foi pago através de dois cheques: (i) um no valor de € 2.160.000,00, emitido em nome de Maria …; (ii) outro no valor de € 240.000,00 emitido em nome da sociedade espanhola ‘P… SL’;
r) Em 2 de Outubro de 2006, a Insolvente entregou à ‘P… SL’ a quantia de € 495.867,80, a título de honorários por estudos de mercado em Vila do Conde, conforme documentos de fls. 378 e 379.”
s) Entre 2007 e 2011 foi transferida para a sociedade P… SL a quantia de € 481.353,51 e desta para a Insolvente a quantia de € 219.353,51, resultando destes movimentos um saldo a favor da Insolvente de € 262.000,00 nos anos de 2006 a 2011, resultante de vários movimentos financeiros (empréstimos) de e para a P…, conforme conta-corrente entre as duas empresas.
t) Sem quaisquer documentos de suporte e justificativos, a não ser a conta-corrente n.º 2781210001;
u) Em 2011 quando foram celebradas as escrituras públicas de compra e venda entre Insolvente e os terceiros adquirentes, em contrapartida dos distrates das respectivas fracções alienadas, a credora C… recebeu € 100.000,00 e a credora Ca… € 150.960,50.

v) Após a alienação das fracções, em Fevereiro de 2011, a Insolvente transferiu para a ‘P… SL’, sem quaisquer documentos de suporte ou justificativos, a quantia de € 132.268,78.

w) A Insolvente teve os seguintes resultados líquidos negativos:

 2006: € 51.455,87;
 2007: € 8.051.33;
 2008; € 15.390,28;
 2009: € 107.002,50;
x) E encontrava-se em falência técnica desde 31.12.2010;
y) A Insolvente despendeu por causa do empreendimento:
 € 144.000,00 no Imposto Municipal sobre Transmissões;
 € 226.612,92 em taxas de licença de construção;
 € 234.968,91 no contrato de prestação de serviços celebrado com o Arquitecto …;
 € 75.543,63 no contrato de prestação de serviços celebrado com a sociedade P… – Arquitectura, Lda.;
 € 48.107,86 em juros pelos empréstimos obtidos da sociedade A… SL (de 12.07.2007 e de 27.11.2007, pelos valores, respectivamente, de € 85.000,00 e € 227.000,00);
 € 97.907,21 em honorários, adiantamento de fundos e outros custos com processos judiciais;
 € 25.079,61 referente ao serviço de vigilância dos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2010;
 € 105.049,95 referente ao IVA à taxa de 21% das facturas intracomunitárias nºs. 317/06, de € 495.867,80, e 320/06, de € 4.370,05, no total de € 500.237,85, emitidas pela P… SL para a Casa …, Lda.;
 € 590.024,30 em juros pagos à sociedade espanhola C…S.A., nos anos de 2007 a 2011;
 € 5.245,21 em juros pagos à sociedade espanhola D…, nos anos de 2008 a 2010;
 € 37.479,60 em assistência comercial e apoio técnico ao empreendimento de acordo com duas facturas emitidas pela sociedade Casual …, Lda.;
 € 24.190,41 pagos à sociedade Inspectus …Lda..

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3. A questão da decisão de qualificação da insolvência, bem como a decisão de afectação da pessoa Requerido/Apelante.
Sustenta o apelante que deverá a decisão de qualificação dolosa ser revogada e substituída por outra que qualifique a insolvência como meramente fortuita.
Para fundamentar tal pedido sustenta que tudo ocorre num quadro em que apenas foram vendidas duas fracções num total de mais de quarenta. Ora, se perante a venda de duas fracções a insolvente fez face às despesas que tinha suportado e ainda tinha mais cerca de quarenta fracções para vender, não faz sentido falar-se em insolvência dolosa. O negócio tinha bastante viabilidade e era altamente lucrativo.
Sustenta que o Tribunal recorrido qualificou a insolvência como culposa, ao abrigo do disposto no artigo 186 n.º 2 al. d) do CIRE, considerando que houve disposição de bens do devedor em proveito próprio ou para terceiros, fundamentando estas conclusões nos factos provados descritos nas alíneas s), t) e v). Ora, atentando nas datas dos pagamentos vertidos nesses factos, não ficou provado que tenham ocorrido no ano de 2011, 2010 ou 2009 (após o dia 26 de Janeiro), pelo que não poderia o Tribunal ter dado por verificados quaisquer comportamentos dolosos imputáveis à administração da insolvente. Os pagamentos ocorreram num período de tempo que excede (parcialmente) os três anos anteriores ao início do processo. Somente os actos ou omissões que se iniciem a partir de 26/01/2009 é que são relevantes para efeitos de qualificação da insolvência.
Ao decidir nos termos em que decidiu, o Tribunal ficcionou a data dos factos, situando-os “algures” a partir de 26/01/2009, quando na realidade podem muito bem reportar-se a 2007 ou 2008 (tamanha é a amplitude dos factos provados e a falta de critério em toda a decisão). Logo, o Tribunal firmou um facto desconhecido (presunção de culpa) a partir de outro parcialmente desconhecido (data das transferências), incorrendo em manifesta violação do disposto nos artigos 186º n.º 2 al. d) do CIRE e 349º do Código Civil.
Sustenta que no tocante à qualificação da insolvência como culposa por força do disposto no artigo 186 n.º 2 al. g) CIRE, o normal desenvolvimento do projecto (a comercialização das restantes 40 fracções) nunca determinaria a situação de insolvência.
Sustenta que todos os pagamentos têm uma relação clara e comprometida com o objecto social da empresa: o empreendimento imobiliário Casa ….
Vejamos se assim é.
Nos termos do disposto no art. 186 n.º 1 do C.I.R.E. “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
Por seu turno, no n.º 2 a) diz-se que “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”.
Há, porém, certos comportamentos ilícitos dos administradores das pessoas colectivas que o legislador tipificou como insolvência culposa, prescindindo do juízo sobre a culpa, os quais vêm taxativamente enumeradas no nº. 2.
Trata-se de comportamentos que afectam negativamente, e de forma muito significativa, o património do devedor, e eles próprios apontam, de modo inequívoco, para a intenção de obstaculizar o ressarcimento dos credores, presumindo-se, por isso, juris et de jure, que a insolvência é culposa.
Como bem se diz no recente Acórdão deste Tribunal de 1/10/2013 (Processo n.º 2127/12.7TBGMR-D.G1, Relatora Maria da Purificação Carvalho, “O preenchimento de qualquer das situações ou factos-índice previstos no n.º 2 deste artigo, determina a qualificação da insolvência como culposa., pois que da ocorrência do(s) mesmo(s) estipula a lei uma presunção inilidível, jure et jure, de culpa. O que dimana do adverbio «sempre». Por isso que seja mais correcto afirmar-se em nosso entender, que nas situações a que se faz referência no art.º 186º, nº2, do CIRE, mais do que uma presunção legal, se verifica o que Batista Machado define – “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, págs. 108 e 109 – como “ficções legais”, pois que, o que o legislador extrai a partir do facto base, não é um outro facto, mas antes uma conclusão jurídica, numa remissão implícita para a situação definida no nº 1 do art.º 186º do CIRE. E por isso que, à semelhança das presunções juris et de jure não admita prova em contrário, sendo que dispensa a alegação – e consequentemente a prova - de qualquer outro facto, ficcionando desde logo, a partir da situação dada, a verificação da situação de insolvência dolosa.
.Assim, verificada qualquer uma das situações tipificadas nas als. do nº 2 do art.º 186º do CIRE, deve o julgador, sem mais exigências, qualificar a insolvência como culposa. Já que pode defender-se que estes factos indicam mais do que simples presunções inilidíveis são situações típicas de insolvência culposa. Pois que enquanto naquelas o legislador apenas faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos a ilação de que um outro facto -fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível - ocorreu, nestas desde logo se estabelece uma valoração normativa da conduta que esses factos integram. Assim, provada qualquer uma das situações enunciadas nas alíneas do nº2, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento – cf. Acórdão do Tribunal Constitucional de 26.11. 2008, DR, 2ª Série, n.º 9, de 14.01.2009.
De todo o modo, sejam presunções ou factos-índice, o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de conduta culposa e da sua adequação para a insolvência.
Significa tal que, a simples ocorrência de alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do Nº 2 do sobredito art. 186º conduz inexoravelmente à atribuição de carácter culposo à insolvência, ou seja, à qualificação de insolvência como culposa – neste sentido, entre muitos outros, Carvalho Fernandes/João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Júris, vol. II, págs.14, nota 5, e 15, nota 8; Teles de Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, Almedina, 2009, págs. 270/271; Carvalho Fernandes, in A qualificação da insolvência e a administração da massa insolvente pelo devedor, pág. 94, da revista Themis, edição especial, 2005”; ”, vol.II, Quid Iuris Editora, 2005, pág. 14; entre muitos outros, acórdãos do STJ, de 6.10.2011, no processo 46/07.8TBSVC-D.L1.S1, da Relação de Coimbra de 7.12.2012, no processo 2273/10.1TBLRA-B.C1, em www.dgsi.pt.) e desta Relação Ac 21711.0 TBVCT-A.C1 de 29.05.2012;299/10.4TBPTL-A.G1 de 24.07.2012 e 9041/07.6 TBBRG-ArG1 .L1.S1 de 06.03.2012 todos disponíveis in www.dgsi.pt. E o legislador fê-lo porque a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Fê-lo para facilitar essa qualificação mas concretizou-o a partir de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência. Ali, a lei não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência da causalidade entre a actuação e a criação ou o agravamento do estado de insolvência”.
Como bem se diz no Ac. deste Tribunal da Relação de 12/07/2011 (proc. 503/10.9TBPTL-H.G1, Relatora Conceição Bucho – 1.ª Adjunta deste Colectivo): “O n.º2, estabelece um conjunto de factos que, se verificados, conduzem, à qualificação da insolvência como culposa; e o n.º 3 consigna uma presunção de culpa grave dos administradores do devedor que não seja uma pessoa singular.
Embora sem unanimidade mas de forma largamente maioritária, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a interpretar a presunção de existência de culpa grave a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, como uma presunção “juris tantum”, (ilidível), de culpa grave dos administradores, o que pressupõe e presume a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência; neste mesmo sentido, cfr., Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, volume II, pág. 14 e Menezes Leitão, in “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado”, pág. 175; Ac. Rel. Coimbra de 28.10.08 e de 24.03.09; da Rel. Lisboa de 22.01.08, da Rel. Porto de 22.05.07, 18.06.07, de 13.09.07, 5.02.09 e de 25.05.09 e desta Rel. de 20/09/07, em www.dgsi.pt.
Num caso (o do n.º 2), a verificação dos factos aí, taxativamente, previstos implica necessariamente a qualificação da insolvência como culposa; no outro (o do n.º 3), faz, tão só, presumir a culpa grave dos administradores, os quais podem ilidi-la, fazendo a prova em contrário, cfr. art.º 350.º n.º 2 do Código Civil. No entanto, ainda que provada a culpa grave (nos casos do n.º 3 do art.º 186.º), tal não tem como consequência directa e necessária a qualificação da insolvência como culposa, pois, para que tal possa suceder, é ainda necessário que se demonstre a existência de um nexo de causalidade entre a conduta incumpridora dos administradores e a situação de insolvência do devedor, neste sentido, Acs desta Relação de 14.06.2006, in CJ, Ano XXXI, Tomo III, pág. 288, da Rel. Porto de 20.10.2007, in CJ, Ano XXXII, Tomo IV, pág. 189 e da Rel. Coimbra de 24.03.2009, in www.dgsi.pt.)”.
Os factos em que o n.º 2 do artigo 186º funda as presunções nele estabelecidas, são comportamentos dos administradores do insolvente que não seja pessoa singular, o que é o caso.
Estão em causa actuações, que por vários meios afectam o património do devedor. Aqui se podem incluir a danificação, ocultação ou destruição de bens.
Ora, é com base nos factos que foram dados como provados por este tribunal, e não nos da sentença recorrida, e cuja alteração, como acima vimos, procedeu parcialmente, que teremos de averiguar se a insolvência teria que ser, como foi, declarada como culposa.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 186 do CIRE, só podem ser considerados os factos ocorridos nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Tendo este tido início em 26/01/2012, tal significa que, no caso concreto, apenas relevam os comportamentos (por acção ou omissão) que tenham decorrido entre 26/01/2012 (data de início do processo) e 26/01/2009 (data de início do período de três anos).
Ora, como acima se viu, foi dado como provado por este tribunal, com base nos documentos e em tudo o que já acima se disse, que:
- Entre 2007 e 2011 foi transferida para a sociedade P… SL a quantia de € 481.353,51 e desta para a Insolvente a quantia de € 219.353,51, resultando destes movimentos um saldo a favor da Insolvente de € 262.000,00 nos anos de 2006 a 2011, resultante de vários movimentos financeiros (empréstimos) de e para a P…, conforme conta-corrente entre as duas empresas. Sem quaisquer documentos de suporte e justificativos, a não ser a conta-corrente n.º 2781210001 (alíneas s) e t) dos factos provados).
- Além disso, após a alienação das fracções, em Fevereiro de 2011, a Insolvente transferiu para a ‘P… SL’, sem quaisquer documentos de suporte ou justificativos, a quantia de € 132.268,78 (alínea v).

Tanto basta para preencher a alínea d), do nº 2, do artigo 186º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Com efeito, o constante das alíneas s), t) e v), acabadas de reproduzir, é suficiente para se poder concluir pelo preenchimento da alínea em questão. As transferências de dinheiro, designadamente, as transferências de dinheiro entre a insolvente e a referida P… (ambas com a mesma administração), sem justificação contabilística ou real, atenta a data em que ocorreram e o montante envolvido, como acima explicado, vieram agravar o estado de incapacidade financeira da insolvente que culminou, em 31.12.2010, na sua falência técnica mas cujas causas foram sendo criadas nos anos anteriores com sucessivos resultados líquidos negativos – cfr. alínea w).

Ora, em presença destes factos, e perante a presunção constante da norma referida, incumbia ao visado provar que assim não era, o que não fez.

Já não estamos de acordo com a afirmação proferida pelo senhor juiz a quo na sentença apelada de que “Em segundo lugar, esta situação deficitária, mantida até 2012, e de que beneficiou uma sociedade terceira através das referidas transferências de dinheiro – compare-se o teor das alíneas s), t) e v) com a factualidade constante da alínea w), todas do ponto II.1. -, vem também preencher a alíneas e) e g), do artigo 186º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Repare-se que o saldo a favor da insolvente em resultado da movimentação de fluxos financeiros entre esta e a referida P… é superior ao resultado líquido acumulado de 2006 a 2009. Estes mesmos factos, uma vez que estamos perante uma substancial e grave irregularidade contabilística, preenche, igualmente e por fim, a alínea h), do artigo 186º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” (itálico de nossa autoria).

A nosso ver, e em resultado da análise dos documentos constantes dos autos (nomeadamente o mapa de fls. 458), e em resultado da perícia contabilística a que se procedeu e constante dos autos de fls. 289 a 302, e esclarecimentos de fls. 495 e 496) conjugado com os esclarecimentos do senhor perito e com o depoimento de António …, administrador judicial da insolvente, o que se passou foi que a empresa espanhola P… SL, decidiu investir em Portugal. Para tal adquiriu o terreno onde depois desenvolveu o projecto Casa…, Lda. Pagou à vendedora 240.000,00 de sinal e princípio de pagamento com a celebração do contrato-promessa de compra e venda.

Depois, constituiu a Casa …, Lda, detida pela sociedade ‘Amaltea 2006 SL, com sede em Barcelona.

Esta A…, SL é uma sociedade de direito espanhol detida por três sociedades, em partes iguais, a saber: - P… SL; - D…, SL; e – P…SL;

Para a compra definitiva do terreno onde foi construído o empreendimento imobiliário, a Insolvente obteve da sua única sócia, A… SL, em 2 de Outubro de 2006, a quantia de € 3.000.000,00, e, em 15 de Dezembro de 2006, a insolvente obteve da sociedade de direito espanhol ‘C…, S.A.’, um empréstimo no valor de € 3.100.000,00, montante esse que se destinou a liquidar o empréstimo contraído junto daquela A… SL; A Insolvente recebeu um total de € 1.630.000,00, a título de pagamento dos sinais dos contratos-promessa celebrados com terceiros e do preço das fracções transmitidas a terceiros; O preço da compra e venda do terreno onde foi construído o empreendimento imobiliário foi pago através de dois cheques: (i) um no valor de € 2.160.000,00, emitido em nome de Maria …; (ii) outro no valor de € 240.000,00 emitido em nome da sociedade espanhola ‘P… SL’ e que se destinou a reembolsá-la do que tinha adiantado a título de sinal.

A perspectiva era de a P… SL obter desse negócio um retorno de 600.000,00€ conforme expressamente previsto no documento de fls. 458, o que o snr. Perito confirmou.

Esse retorno do lucro do negócio estava previsto ser obtido logo no início.

Assim, como a P… não pôde retirar na totalidade esses 600.000,00€, para o justificar existe uma factura de estudos de mercado em Vila do Conde (fls. 378) de 495.867,80, pelo que só pôde retirar esse valor, através de factura comunitária. Como o IVA teve de ser liquidado em Portugal, foi a Casa de … que o suportou.

Depois, sempre que havia liquidez na Casa …, havia retiradas de dinheiro para a P… S.L., como acima consta nos factos dados como provados.

Assim, e com esse método, os investidores espanhóis asseguraram logo de início a sua rentabilidade, retirando o investimento que fizeram, do modo acima descrito.

Como entretanto aconteceu a crise imobiliária, e face ao preço de venda das fracções, das 50 que construíram, só conseguiram vender 6 (seis).

Assim, a Casa …, depois de diversos pagamentos, nomeadamente, Juros de financiamento da C…, IMT. Arquitectos e estudos com projectos, acabou por ficar sem liquidez para pagar aos empreiteiros que construíram o empreendimento.
Como entretanto, ao que foi dito na audiência de julgamento, a empreiteira retirou as chaves e impediu as vendas, aliada á crise, deixaram de existir produto das vendas.
Como disse António …, “A Casa … tinha viabilidade pois era um produto apetecível. Se todas as fracções fossem vendidas ao preço inicial, e previsto, haveria sucesso e retorno para todos. Como houve a crise imobiliária, tal não aconteceu”.
Na verdade, vector comum aos depoimentos de perito e de administrador judicial é o de que a crise do mercado precipitou a insolvência da Casa …
Ou seja, a crise imobiliária, juntamente com os factores referidos, conduziu a que a Casa … deixasse de ter liquidez para pagar aos credores, nomeadamente aos empreiteiros que construíram o empreendimento.
Restou um edifício construído e pronto, com cerca de 50 fracções prediais…, com apenas 6 fracções vendidas, mas que está a ser comercializado em leilão judicial pelo administrador judicial, conforme este referiu no seu depoimento, havendo muitos interessados nessas fracções.
No entanto, atento o que acima ficou dito, existindo as transferências de montantes acima especificados para a P… SL, ou seja, entre 2007 e 2011 foi transferida para a sociedade P… SL a quantia de € 481.353,51 e desta para a Insolvente a quantia de € 219.353,51, resultando destes movimentos um saldo a favor da Insolvente de € 262.000,00 nos anos de 2006 a 2011, resultante de vários movimentos financeiros (empréstimos) de e para a P…, conforme conta-corrente entre as duas empresas. Sem quaisquer documentos de suporte e justificativos, a não ser a conta-corrente n.º 2781210001, e além disso, após a alienação das fracções, em Fevereiro de 2011, a Insolvente transferiu para a ‘P… SL’, sem quaisquer documentos de suporte ou justificativos, a quantia de € 132.268,78, atento o disposto no art. 186 n.º 2 d) do C.I.R.E., a insolvência terá de ser considerada culposa.
Na verdade, “A insolvência culposa implica sempre uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos sues administradores. Essa actuação deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra” (Luís A. carvalho Fernandes, João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, 2013, pág. 718).
Foi o que aconteceu com as transferências referidas que agravaram a situação de falência em que se encontrava a Casa ….Lda, pelo que, embora com fundamentos diferentes da sentença recorrida, se decide manter a insolvência como culposa.

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Resta a conduta do Juan … e a sua afectação.
Dos factos provados resulta que Juan … é o administrador único da A… SL, e, é também, até 16 de Dezembro de 2011, administrador único e, a partir desta data, membro do conselho de administração com o cargo de presidente da P… SL.
Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 189 do C.I.R.E., na sentença que qualifique a insolvência como culposa o juiz deve:
a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, …, afectadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o seu grau de culpa.
b) …
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa”
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos
Ora, como bem se diz na sentença recorrida, “Quanto à sanção prevista na alínea c), a determinação do concreto período sancionatório far-se-á caso a caso, devendo o juiz atender aos vários contornos do caso, designadamente, se os factos foram cometidos com dolo ou com culpa grave, a gravidade dos factos em si, a postura do afectado ao longo do processo de insolvência, o valor total dos créditos reclamados e os prejuízos efectivos para os credores derivados de créditos não satisfeitos pela massa, etc..”
A duração da inibição é estabelecida pelo juiz considerado o caso concreto – gravidade da conduta e nexo de causalidade com a causa da situação de insolvência (Luís M. Martins, processo de Insolvência, 2013, pág. 418).
No Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 5/02/2013, Proc. n.º 380/09.2TBAVR-B.C1), Relatora Maria José Guerra, defende-se que “na ponderação do período de inibição a fixar nos termos de tal normativo legal deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afectada com a qualificação culposa da insolvência”.
Também Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 3.ª edição, pág. 131 (citada por Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 2013, pág. 531) defende que “a declaração de inibição para o exercício do comércio não tem critérios previstos na lei, tendo a doutrina entendido que o juiz deverá ter em conta a gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência”.
O senhor juiz a quo decidiu declarar Juan … inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de cinco anos, dizendo expressamente “Ponderou-se a circunstância de os créditos reclamados terem atingido o montante de € 9.768.080,77”.
No entanto, atento tudo quanto acima dito sobre as causas da insolvência, decide-se reduzir esse período de inibição para um período de três (3) anos.
Na verdade, considera-se excessivo, visto tudo quanto foi dado como provado e as circunstâncias do caso acima referidas, o período de 5 anos que foi fixado na sentença.
Sendo assim, procede parcialmente o recurso.

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SUMÁRIO:
“1 - Na ponderação do período de inibição a fixar nos termos do disposto no n.º 2 alínea c) do art. 189 do C.I.R.E., deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afectada com a qualificação culposa da insolvência.
2 - A declaração de inibição para o exercício do comércio não tem critérios definidos na lei, mas o juiz deverá ter em conta a gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência”.
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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, em consequência, decidem:

a) Manter a Qualificação da insolvência da sociedade Casa …Lda., como culposa;

b) Considerar Juan …, afectado pela dita qualificação e, consequentemente, declará-lo inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 3 (três) anos;

c) Determinar a perda dos créditos subordinados titulados pelo supra referido administrador; e

d) No mais manter a sentença recorrida, nomeadamente a absolvição de D… da dita qualificação.

Custas pelo apelante na proporção do decaimento.

Guimarães, 25 de Junho de 2015.

José Estelita Mendonça

Conceição Bucho

Maria Luísa Ramos