Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
771/10.6TBVCT-D.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
PRESSUPOSTOS
MEDIDA DOS ALIMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- A obrigação alimentar dos pais para com os filhos maiores mantém-se, ininterruptamente, tal como no período da menoridade dos filhos, até que estes completem 25 anos de idade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

2- Os alimentos, como resulta de uma paternidade responsável, não se resumem ao que é indispensável à subsistência biológica dos filhos. Abarcam tudo o que é necessário ao sustento, habitação e vestuário dos mesmos, mas compreendem também a sua instrução e educação.

3- Nunca, porém, os filhos podem aspirar a um padrão de vida suportado pelos pais que estes não lhes possam proporcionar. Tal como o contrário: os filhos não são obrigados a passar por privações de qualquer ordem que os respetivos progenitores possam suprir.

4- Assim, provando-se que um filho, embora já maior, tem de suportar um acréscimo de despesas resultantes da sua formação profissional, o respetivo pai deve contribuir, na medida das suas possibilidades, para o pagamento dessas despesas.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 771/10.6TBVCT-D.G1
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Sumário

1- A obrigação alimentar dos pais para com os filhos maiores mantém-se, ininterruptamente, tal como no período da menoridade dos filhos, até que estes completem 25 anos de idade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
2- Os alimentos, como resulta de uma paternidade responsável, não se resumem ao que é indispensável à subsistência biológica dos filhos. Abarcam tudo o que é necessário ao sustento, habitação e vestuário dos mesmos, mas compreendem também a sua instrução e educação.
3- Nunca, porém, os filhos podem aspirar a um padrão de vida suportado pelos pais que estes não lhes possam proporcionar. Tal como o contrário: os filhos não são obrigados a passar por privações de qualquer ordem que os respetivos progenitores possam suprir.
4- Assim, provando-se que um filho, embora já maior, tem de suportar um acréscimo de despesas resultantes da sua formação profissional, o respetivo pai deve contribuir, na medida das suas possibilidades, para o pagamento dessas despesas.
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

1- Ana, requereu a alteração de alimentos já fixados, contra o seu pai, José, alegando, em breve resumo, que, não obstante ser maior (nasceu no dia 03/06/1998) e o seu pai estar obrigado a pagar-lhe, a título de alimentos, 200,00€ mensais, certo é que o mesmo deixou de o fazer e ela não tem quaisquer outros rendimentos, nem a sua mãe, com quem vive.
Resolveu, entretanto, completar a sua formação com um curso de esteticista que termina em 11/04/2018 e custa 4.800,00€, que está a pagar em prestações.
Para o efeito, teve de arranjar habitação em Braga, despendendo, ao todo, em água, luz e internet, 190,00€ mensais. Em alimentação gasta, também mensalmente, 400,00; em vestuário, calçado e higiene 30,00€; e, em telemóvel e viagens, gasta, 40,00€.
Por sua vez, o R. aufere 3.000,00€ mensais, é saudável e não tem ninguém a seu cargo.

Pede, assim, que o R. seja condenado a pagar-lhe:

a) Todas as despesas específicas que ocorrerem com o seu curso profissional, nomeadamente o montante de 4.800,00€;
b) A prestação mensal global de 550,00€, referente às des­pesas mensais correntes, nomeadamente com habitação, água, luz, gás, internet, alimentação, vestuário, higiene e viagens, a contar de Junho de 2016, ou, subsidiariamente, a contar do mês de outubro de 2016, mês em que iniciou o referido curso, até se comprovar que tem rendimentos próprios para se auto sustentar, alterando-se assim a pres­tação anteriormente fixada.
c) Todas as despesas que ocorram com a manutenção da sua saúde, devidamente comprovadas.
2- Frustrada a conciliação das partes em conferência realizada para o efeito, o R. contestou, alegando, resumidamente o seguinte:

É verdade que deixou de pagar a pensão de alimentos em Junho de 2016 porque a A., ao atingir a maioridade, deixou de estudar e só em 15 de Setembro é que deci­diu retomar a sua formação.
A A. não tinha necessidade de ir para Braga, uma vez que há es­colas em Viana do Castelo que ministram o mesmo curso.
Não tem capacidade para atender às pretensões da A., uma vez que aufere apenas 600,00€ mensais e está temporariamente deslocado a trabalhar, em França. Quando assim acontece, aufere ajudas de custo e tem ainda direito ao reembolso do valor das despesas de alojamento, comida e transporte.
No entanto, vive com companheira há sete anos e suporta 260,00€ de renda mensal, 100,00€ de água, luz e gás e ainda 40,00€ em medicamentos.
Por sua vez, a companheira está doente, desempregada e sem subsídio de desemprego.
Tem, assim, a sua capacidade financeira esgotada.
Ocupando o curso apenas a manhã ou a tarde, A. poderá encontrar um trabalho remunerado.

Daí que termine pedindo a sua absolvição dos pedidos formulados.

3- Terminados os articulados, foi realizada a audiência final e, depois de recolhida, oficiosamente, informação sobre os cursos de esteticista que se iniciaram no ano letivo de 2016/2017, na área do Município de Viana do Castelo, foi proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos da A.
4- Inconformada, reagiu esta última, interpondo recurso que termina com as seguintes conclusões:

- Compaginada toda a prova produzida, e os princípios orientadores do conhecimento geral, do senso comum e da experiência colectiva, salvo o devido respeito, devia, como deve, ser dado como provado nos autos, que o recorrido trabalha há vários anos em França de forma contínua e estável, na construção civil, onde aufere em média uma importância nunca inferior a 3.000,00€ mensais.
- A Ana, ora recorrente passou a ter gastos pessoais superiores aos verificados em decisões anteriores. Sendo que, em alimentação, habitação, viagens, internet, telemóvel, luz, água, gás e vestuário, gasta mais de 550,00€ mensais.
- Só em alimentação gasta à luz daqueles princípios, nunca menos de 350,00€ mensais, mais 190,00€ em habitação, acrescendo aqui, luz, água, telemóvel, internet, vestuário e viagens, o que deve ser dado como provado.
- Mais deve ser dado como provado que a mãe da Ana ganha no máximo nunca mais de 350,00€ mensais.
- Mais deve ser dado como provado que a Ana só sobrevive com empréstimos e ajuda de familiares e amigos.
- Mais deve ser dado como assente e provado que o pai aceitou pagar 55,00€ mensais para as despesas do curso, acima dos 200,00€ já fixados, conforme sua alegação de folhas 56.
- Ao não incluir estes factos dados como provados, na sua douta decisão, sobre a matéria de facto, o Meritíssimo Juiz a quo não apreciou toda a prova produzida nos autos, nomeadamente testemunhal, cujos depoimentos se indicaram, nem seguiu, como devia, os princípios orientadores, da experiência comum, conhecimento colectivo e senso comum.
- Para além da matéria dada como provada na douta decisão, devem ser ainda dados como provados os factos supra descritos, sendo estes os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, por erro de análise crítica da prova em toda a sua plenitude, erro de interpretação e aplicação.
- Tudo isto para além da matéria que já consta dos autos.
10ª- Ao não incluir tais factos, tal qual acima descritos na matéria dada como provada, o Meritíssimo Juiz, por erro de aplicação e interpretação, e análise, violou o disposto nos artigos 341º, 342º, 343º, 344º, 349º, 352º, 353º, 354º, 355º, 356º, 357º, 358º, 361º e 392º a 396º todos do Código Civil e demais legislação aplicável, bem como 410º, 411º, 412º, 413º, 414º, 607º, 608º, 609º e 640º do Código de Processo Civil, e demais legislação aplicável.
11ª- E, no que concerne à questão de fundo, independentemente dos factos supra descritos, que se pretende ver dados como provados, deve concluir-se que, o processo tem elementos suficientes para que esta acção fosse julgada pelo menos parcialmente procedente.
12ª- Atendendo a que o referido curso ascende a 4.800,00€ e que a recorrente gasta uma quantia nunca inferior a 550,00€ relativas a habitação, água, luz, gás, internet, alimentação, vestuário, higiene, telefone e viagens, verifica-se que tem o direito de peticionar a ampliação das obrigações do pai, sendo que a mãe não tem meios para tal.
13ª- Considerando o salário de 3.000,00€, ou mesmo só aquele que foi documentado, existem condições materiais objectivas para se proceder ao aumento dessa pensão à custa dos rendimentos do pai.
14ª- Pois que, a Ana, pode exercer este direito, já que, legitimamente pretende completar a orientação da sua vida escolar e profissional, optando por um curso, aliás modesto de formação profissional.
15ª- Neste caso, de esteticista, melhor identificado nos autos.
16ª- Que teve que frequentar em Braga, porque, em Viana não funcionava.
17ª- Tal curso, para o pai não tem custos avultados, o qual pode e deve custear, bem como tudo quanto a ele está inerente.
18ª- Como a Ana não tem meios financeiros, continua legitimamente dependente dos pais.
19ª- Realização pessoal e profissional que os pais devem suportar, mesmo com sacrifícios acrescidos.
20ª- Só assim atingirão a obrigação de dar crescimento à filha como pessoa e como futura profissional.
21ª- A fim de, a própria vir a atingir autonomia financeira e económica.
22ª- Esta obrigação e esforço impende só sobre o pai, dado que, a mãe não tem meios para colaborar.
23ª- A obrigação dos progenitores mantem-se quanto a alimentos, saúde, ensino, habitação, vestuário e tudo o mais que for necessário, neste caso para mais, e sobre o pai.
24ª- Além de ter que estudar em Braga, é lá que come, dorme, e para lá viaja semanalmente.
25ª- Aliás, conforme resulta da douta sentença, a vida da Ana, alterou-se para mais, quanto aos custos.
26ª- A situação financeira do pai é mais florescente do que se inculca na douta sentença.
27ª- Está em causa um sacrifício a reclamar do pai, por pouco tempo, em favor do futuro da filha.
28ª- A pretensão da Ana, do aumento da mensalidade para 550,00€ é legítima e encontra fundamento na lei e nos factos.
29ª- À custa dos rendimentos e sacrifícios do pai, dado que a mãe mal ganha para comer.
30ª- O vencimento do pai é superior ao por ele alegado. E mesmo que não fosse.
31ª- Impõe-se aqui um esforço adicional ao pai que é por pouco tempo.
32ª- Tudo ponderado, segundo os princípios da justiça e da equidade, essa pretensão deverá ser alterada para pelo menos 450,00€ mensais.
33ª- Para tanto basta atentar só nos gastos de alimentação, habitação, viagens e comunicações.
34ª- Que ultrapassam os 500,00€.
35ª- De igual modo é justo e razoável que o pai lhe pague esse curso, ou parte dele.
36ª- Aliás já aceitou pagar 55,00€ mensais para esse efeito.
37ª- Deverão permanecer as despesas de saúde.
38ª- Todas estas obrigações do pai e direitos reclamados pela filha, encontram eco na lei.
39ª- Em resumo deverá a pensão de alimentos já fixada ser aumentada para pelo menos 450,00€ mensais, à custa do pai, devendo este pagar a totalidade do curso, ou pelo menos metade, bem como as despesas de saúde.
40ª- Ao decidir em contrário, julgando a acção improcedente, o Meritíssimo Juiz à quo, por erro de interpretação e aplicação, violou o disposto nos artigos 130º do C.Civil da Lei 122/2015; 1905º; 2003º; 2004º; 2005º; 2006º; 2009º; 2010º; 2012º, todos do Código Civil, e demais legislação aplicável”.

Termina, assim, pedindo que se revogue a sentença recorrida, substituindo-a por outra decisão “que julgue esta acção pelo menos parcialmente procedente, procedendo-se à alteração para mais, da prestação alimentar, à obrigação de pagar o curso e às despesas de saúde, nos termos supra expendidos…”.
5- Não consta que tivesse havido resposta.
6- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito do recurso:

1- Definição do seu objecto

O objeto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil).

Assim, observando este critério no caso presente, o objeto do recurso em apreço reconduz-se essencialmente às seguintes questões:
a) Em primeiro lugar, saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, pretendida pela Apelante;
b) E, depois, determinar se lhe são devidas pelo Apelado as prestações pela mesma reclamadas.
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2- Fundamentação

A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1. Ana nasceu em 3 de Junho de 1998.
2. Ana é filha de José e de Maria.
3. Após convolação, em 30 de Junho de 2010, foi decretado o divórcio entre José e Maria.
4. Quanto a Ana foi acordado e homologado o seguinte:

1- O pai contribuirá com uma pensão de alimentos para a menor na quantia de 200,00€, a pagar entre os dias 01 e 08 de cada mês, por transferência ...
2- A menor residirá habitualmente com a mãe e uma vez que o pai se encontra emigrado em França, caberá à mãe em exclusivo o exercício das responsabilida­des parentais.
5. Em Junho de 2010, José encontrava-se em trabalho em França, por contrato temporário.
6. Em Junho de 2011, Maria iniciou processo de alteração (ap. A) contra José, con­cluindo pela condenação deste a pagar-lhe 300,00€, a título de alimentos para Ana.
7. Em 2011, José exercia habitualmente a atividade de pedreiro, em França, por contrato a termo.
8. Em 11 de Janeiro de 2011 foi homologado acordo apresentado por Maria e José, dele constando que este “continuará a contribuir com a quantia já fixada de €200,00 a título de pensão de alimentos” e ainda o seguinte:

As despesas de saúde passarão a ser pagas por ambos os pais, em partes iguais, mediante a apresentação da respectiva factura ou recibo.
3° (...) sendo as quantias...liquidadas com a prestação de alimentos que se vencer no mês imediatamente seguinte ao da entrega”.
9. Em Fevereiro de 2015, Maria iniciou processo de incumprimento contra José, reclamando da omissão do pagamento da metade deste nas despesas de Ana. Aquele continuava a ir trabalhar habitualmente para França.
10. A partir de Junho de 2016, o R.do deixou de pagar a prestação de alimentos e despesas de Ana.
11. Ana vive com Maria. Esta trabalha em limpezas.
12. Ana não tem rendimentos.
13. Ana recebeu dinheiro emprestado pelo irmão.
14. Maria recebe ajuda de sua mãe. Maria dá de comer e de vestir a Ana.
15. Ana matriculou-se no curso de esteticista T6, com início em 25 de Outubro de 2016 e termo previsto em 11 de Abril de 2018.
16. O curso tem formação presencial e visa a certificação da qualificação profissional de esteticista/cosmetologista.
17. O curso decorre em Braga.
18. O preço do curso é de 4.800.00€, estando Ana a pagá-lo em prestações.
19. Ana vive no concelho de Viana do Castelo com a mãe. Ana arranjou quarto para habitação em Braga, tendo com este gasto 190,00€ em Janeiro de 2017, correspondendo 150,00€ a renda e 40,00€ a despesas (água, luz, gás e net.
20. Ana tem gastos com pequenos-almoços, almoços, lanches e jantares em Braga.
21. Ana tem gastos com vestuário, calçado e produtos de higiene.
22. Ana tem perna mais curta que a outra.
23. O calçado normal está sujeito a maior gasto.
24. Ana tem problemas de visão e usa óculos.
25. Ana tem despesas com telemóvel e com viagens entre de e para Braga.
26. José trabalha habitualmente em França na construção civil.
27. X Ldª, em Viana do Castelo, oferece o curso de esteticista/cosmetologista.
28. E em horário laboral ou pós-laboral.
29. X Ldª não chegou a iniciar o curso 2016/2017, por escassez de inscri­ções.
30. José encontra-se a trabalhar como pedreiro em França para W Tra­balhos Temporários, Ldª.
31. Relativamente a Fevereiro de 2017, José recebeu 600,00€ de vencimento base. José recebe os subsídios de férias e de Natal em duodécimos.
32. E ainda 1.308,96€ de ajudas de custo internacional (18 dias vezes 72,72€) corres­pondendo o total a receber desse mês, a 1.800,01€.
33. O valor das ajudas de custo é variável, em função dos dias em que está deslo­cado em França.
34. Para trabalhar em França José tem despesas de alojamento, de alimentação e de transporte.
35. Não estando José deslocado em França, o seu vencimento é de 600,00€.
36. José paga de renda do apartamento em Darque , 260,00€ por mês.
37. José tem despesas com a eletricidade, água e gás. De eletricidade gastou 57,76€, relativamente ao período de 14/6 a 10/8/2016. De fornecimento de água do mês de Setembro de 2016, gastou 21,1l€.
38. José tem gastos em medicamentos.
39. O curso frequentado por Ana é ministrado de manhã ou à tarde.
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B- Na mesma sentença, não se julgaram provados os factos seguintes:

1- Ao montante de 200,00€ acresceriam outras despesas extraordinárias e justificadas, além das relativas a saúde.
2- Maria é desempregada e doente do foro psiquiátrico e das mãos e não tem condições físicas nem mentais para trabalhar.
3- Maria não tem quaisquer rendimentos.
4- Maria não pode sustentar nem pagar despesas de Ana.
5- Ana só sobrevive com empréstimos e ajudas de familiares e amigos.
6- Maria só com a ajuda de terceiros consegue dar de comer e de vestir a Ana.
7- Maria sofre de impossibilidade económica e de falta de trabalho.
8- O transporte público entre Viana e Braga é inadequado.
9- Ana gaste mensalmente 400,00€ com a alimentação e 30,00€ com vestuá­rio, calçado e produtos de higiene.
10- Ana não tem dinheiro para calçado ortopédico.
11- Ana gaste mensalmente 40,00€ em telemóvel e viagens de fim-de-semana.
12- José ganha em média um salário mensal nunca inferior a 3.000,00€.
13- José não tem ninguém a seu cargo e é saudável.
14- Ana tem uma despesa mensal média nunca inferior a 660,00€, além dos gastos com o curso.
15- Sua mãe em nada pode comparticipar para tais despesas.
16- A igual ou maior qualidade, igual programa e igual preço do curso em Viana; a realização do curso em várias escolas de viana no ano 2016/2017.
17- A quantidade do pouco que sobra do vencimento após as despesas e as viagens de que o R.do abdica.
18- O R. gaste 100,00€ mensais em abastecimentos domésticos, água, ele­tricidade e gás e 40,00€, em medicamentos.
19- A efetiva disponibilização do curso em Viana do Castelo no ano letivo 2016/17.
20- José viva há sete anos com Joaquina e esta esteja doente, desem­pregada e sem subsídio de desemprego.
21- José entregue, efetivamente, a título de pensão de alimentos, 200,00€.
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C- Da pretendida modificação da matéria de facto

Defende a A. que deve ser julgado como provado “que o recorrido trabalha há vários anos em França de forma contínua e estável, na construção civil, onde aufere em média uma importância nunca inferior a 3.000,00€ mensais.
A Ana, ora recorrente passou a ter gastos pessoais superiores aos verificados em decisões anteriores. Sendo que, em alimentação, habitação, viagens, internet, telemóvel, luz, água, gás e vestuário, gasta mais de 550,00€ mensais.
Só em alimentação gasta à luz daqueles princípios, nunca menos de 350,00€ mensais, mais 190,00€ em habitação, acrescendo aqui, luz, água, telemóvel, internet, vestuário e viagens, o que deve ser dado como provado.
Mais deve ser dado como provado que a mãe da Ana ganha no máximo nunca mais de 350,00€ mensais.
Mais deve ser dado como provado que a Ana só sobrevive com empréstimos e ajuda de familiares e amigos.
Mais deve ser dado como assente e provado que o pai aceitou pagar 55,00€ mensais para as despesas do curso, acima dos 200,00€ já fixados, conforme sua alegação de folhas 56”.

Esta pretensão, todavia, não pode ser acolhida.
Desde logo, por razões processuais.
Como é sabido, e resulta da lei, a parte que pretenda impugnar a matéria de facto deve fazê-lo nos termos legalmente estipulados. E, assim, essa parte tem o ónus de:

a) Indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) Indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnada.
E, no caso previsto na alínea b), quando as provas tenham sido gravadas, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda a sua discordância, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Sucede que, no caso presente, a A. não cumpriu alguns destes ónus.

Assim, embora tivesse referido qual a factualidade que pretende ver julgada provada, já não concretizou qual, da que foi julgada pela instância recorrida, se mostra incorretamente avaliada. Concretização que, no caso presente, tinha de ser feita por referência aos diversos pontos da matéria de facto julgada provada e não provada por essa instância. Repare-se que a lei não diz apenas que o impugnante da matéria de facto tem o ónus de alegar qual a matéria de facto que, do seu ponto de vista, está incorretamente julgada. Tem o ónus acrescido de mencionar quais os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artigo 640.º, n.º 1, al.a) do Código de Processo Civil). E, a nosso ver, a A. não cumpriu este ónus.

Mas, também não especificou, “com exatidão, quais as passagens da gravação em que funda o seu recurso” [n.º 2, al. a)]. Referiu apenas a localização fonográfica de cinco depoimentos, no seu todo.
Ora, a lei, como vimos, é mais exigente. Impõe que, em relação a cada ponto de facto impugnado, se concretizem quais as passagens das gravações que conduzem a um resultado probatório diverso.
Daí que, não tendo a A. atuado deste modo, já a sua pretensão de ver modificada a matéria de facto devesse ser rejeitada.
Mas, para que não se pense que este é apenas um escudo formal, tivemos o cuidado de escutar toda a prova presencial produzida. E, perante ela, ao contrário do que a A. alega, não há qualquer fundamento para concluir que a instância recorrida errou no julgamento da matéria de facto.
Efetivamente, nenhuma das pessoas ouvidas em julgamento ousou atestar, por conhecimento direto, que o R. aufira os 3.000,00€ mensais, que a A. refere. Nem ela própria. Todos se limitaram a meras estimativas e, ainda assim, a rondar o palpite, por comparação com aquilo que ouvem dizer em relação ao rendimento de outros emigrantes. Aliás, é curiosa a resposta da A. quanto interrogada a esse respeito. Disse ela que 3.000,00€ talvez não ganhe, mas, mais de 2.000,00€, o seu pai deve ganhar, até por comparação com um seu tio.
Ora, esta não é forma de estabelecer qualquer certeza. Até porque se ignora se ambos desempenham funções semelhantes.
Aliás, esta observação é comum à que deve ser feita sobre as despesas da própria A., Nenhuma testemunha, com efeito, conseguiu precisar, com rigor, o volume dessas despesas, para além das que já se julgaram provadas, E, mais nenhum meio de prova as precisa também com esse rigor. Até porque, algumas delas, são despesas variáveis.

Assim, por qualquer das razões apontadas, nenhuma modificação se introduzirá na matéria de facto.
Nem mesmo para dizer que o R. “aceitou pagar 55,00€ mensais para as despesas do curso, acima dos 200,00€ já fixados”. Isto, porque se trata de uma atitude processual e não de um facto integrador da causa de pedir.
Rejeitada, assim, a pretendida modificação da matéria de facto, passemos à questão seguinte; ou seja,

D- Saber se a A. tem direito às prestações que reclama

Essas prestações, já o vimos, reconduzem-se ao pagamento pelo R. de 4.800,00€, correspondentes ao custo do curso de esteticista que a A. frequenta; 500,00€ mensais, ou, no mínimo, 450,00€, a título de prestação de alimentos; e “todas as despesas que ocorram com a manutenção da sua saúde, devidamente comprovadas”.
Estas prestações, baseia-as a A. no seu direito a alimentos sobre o R.
E, efetivamente, não obstante já ter atingido a maioridade, tem esse direito.

É que a obrigação alimentar não cessa com a maioridade. Pelo contrário: se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação alimentar decorrente do vínculo da filiação (1), “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete” - artigo 1880.º, do Código Civil.
O artigo 1905.º do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro, veio esclarecer o alcance deste preceito. E estipulou: “ Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
Trata-se, como é maioritariamente entendido, de uma norma interpretativa que veio fixar o sentido do preceituado no artigo 1880.º do Código Civil (2).
E esse sentido é, no essencial, que a obrigação alimentar dos pais para com os filhos maiores se mantém ininterruptamente, tal como no período da menoridade dos filhos, até que estes completem 25 anos de idade, “salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
Sabida a controvérsia anterior sobre a questão de saber se a pensão de alimentos fixada de pais para filhos se extinguia, ou não, com a maioridade destes (3), este é um passo importante. A partir da entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, deixou de haver qualquer margem para defender que o direito a alimentos decorrente dos laços da filiação se extingue, por caducidade, com a maioridade.
Pelo contrário, mantém-se nos termos sobreditos, devendo, ao invés do que antes sucedia, ser o devedor de alimentos a alegar e provar que o processo de educação ou formação profissional do seu filho/credor foi concluído, livremente interrompido ou ainda que é irrazoável a prestação que lhe está a ser exigida.

Ora, não tendo sido feita essa prova no caso presente e tendo, antes pelo contrário, sido demonstrado que a A. prosseguiu com a sua formação, é-lhe devida a prestação alimentar.
Resta saber em que medida.
Neste âmbito, a primeira ideia a ter presente é que os alimentos de pais para filhos não se resumem ao que é indispensável à subsistência biológica destes últimos. Abarcam, antes, tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentado – artigo 2003º, nºs 1 e 2, do Código Civil. Todos estes bens são essenciais para um desenvolvimento harmonioso dos filhos.
Todavia, nunca os filhos podem aspirar a um padrão de vida suportado pelos pais que estes não lhes possam proporcionar. Tal como o contrário: os filhos não são obrigados a passar por privações de qualquer ordem que os respectivos progenitores possam suprir. O artigo 2004º do Código Civil é claro a este propósito:

“1- Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2- Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua própria subsistência”.
Trata-se, portanto, de um equilíbrio necessário e, ao mesmo tempo, dinâmico, que deve ser permanentemente conferido. Aquilo que numa dada circunstância de vida é adequado, pode vir a revelar-se iníquo no futuro. Isto porque o direito a alimentos é influenciado por uma multiplicidade de variáveis atinentes ao próprio titular desse direito e aos obrigados a essa prestação, que tem sempre como referência o momento actual e nunca o passado. Daí que a lei preveja a possibilidade de, mesmo em termos formais, ser feita essa adequação.
Foi com esse objetivo, aliás, que a A. veio a juízo.
Dizendo-se incapaz de continuar a prosseguir a sua formação e de o pai ter condições para a assegurar, a A. pretende, no fundo, que ele seja compelido a fazê-lo.
Não cremos, contudo, que possa ser obrigado nos termos pedidos pela A.. Mas também não achamos que deva manter-se tudo inalterado, como se decidiu na sentença recorrida.
Efetivamente, da parte da A. provou-se que houve um acréscimo de despesas. A A. deixou de habitar com a mãe e foi viver para Braga, onde tira o curso de esteticista. Esta deslocação, mesmo à luz das regras da experiência comum, traz um acréscimo de despesas permanentes. Seja com deslocações, seja mesmo com a própria estadia. Por outro lado, o próprio curso, ao que se apurou, custa 4.800,00€.

É, assim, em face desta nova realidade, que nos devemos interrogar sobre se o R. não deve também contribuir para a suportar financeiramente.

Ora, do nosso ponto de vista, como já adiantámos, entendemos que sim. A ida da A. para Braga, com efeito, não se provou corresponder a qualquer opção racionalmente injustificável. Em Viana do Castelo havia uma entidade que ministrava este curso, mas, no ano de 2016/2017, não se iniciou por falta de inscrições. Por outro lado, mais nenhuma opção válida e concreta foi sequer sugerida pelo R.. Daí que a A. tivesse direito a procurar uma alternativa dentro da área de estudo em que pretende realizar-se. E, ainda que com algum sacrifício, o R. pode ajudá-la.
Provou-se, na verdade, que o R., já há vários anos, ou seja, desde junho de 2010, está a trabalhar em França, como pedreiro. Mantém casa em Portugal, pela qual paga mensalmente 260,00€ de renda, mas, habitualmente, repetimos, o R. trabalha em França. Mantém, para isso, um contrato com uma empresa de trabalho temporário, que lhe paga mensalmente, no mínimo, 600,00€. Mas, não só. Por regra, sempre que trabalha, o R. recebe por cada dia 72,72€. O que o levou, por exemplo, no mês de fevereiro de 2017, a auferir 1.308,96€ só de ajudas de custo.
Além disso, também o sabemos pelos factos provados, o R. recebe igualmente subsídio de férias e de Natal. A tal ponto que o seu vencimento no referido mês (que é o mais pequeno do calendário) chegou ao montante global de 1.800,01€.
Ora, com este rendimento mensal, o R. pode contribuir com mais de 200,00€ mensais para o sustento e formação da A. Mesmo sabendo que à sua estadia em França são inerentes as normais despesas de sobrevivência digna e que, além da renda de casa em Portugal, também acrescem outros custos para a manutenção dessa mesma casa pronta a habitar, verdade é que, não se tendo apurado outras despesas extraordinárias, ainda há alguma margem para, quanto mais não seja a título extraordinário, apoiar a A. na sua formação. Até porque a mãe da A. trabalha apenas em limpezas, sem se ter apurado quanto aufere por esses serviços, sendo certo que a A., para se manter, já teve de pedir dinheiro emprestado ao irmão.

Assim, considerando todas as variáveis apuradas, crê-se ajustado que o R. faça um esforço temporário para que a A. complete a sua formação. E, deste modo, durante todo o período em que durar o curso de formação que a mesma está a frequentar, o R. fica obrigado a pagar-lhe mais 50,00€ mensais, bem como a suportar metade do custo desse curso, em tantas prestações quantos os meses da sua duração. Ou dito por outras palavras: no período correspondente ao curso de esteticista que a A. está a frequentar, o R. fica obrigado a pagar-lhe 250,00€ mensais, acrescidos de uma outra prestação mensal correspondente ao resultado da divisão de 2.400,00€ por tantos os meses quantos aqueles que perdurar o referido curso (4).
Já quanto às despesas de saúde, nada há a acrescentar ao já decidido anteriormente. O R. comprometeu-se a contribuir com metade dessas despesas no último acordo judicialmente homologado (em 11/01/2011) e, portanto, nesse ponto, enquanto não se comprovarem os pressupostos já assinalados para a cessação da prestação alimentar, aquele contributo é de manter.
Daí que, nesta parte, improceda a pretensão da A.
Em resumo, pois, procede essa pretensão na medida já referenciada e improcede, no mais, assim se decidindo o presente recurso.
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III- DECISÃO

Pelas razões expostas:

a) Concede-se parcial provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e condena-se o R. a pagar à A., durante todo o período do curso de esteticista que a mesma está a frequentar, a quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) mensais, acrescida de uma outra prestação mensal correspondente ao resultado da divisão de 2.400,00€ por tantos meses quantos aqueles em que perdurar o referido curso.
b) Quanto ao mais, nega-se provimento ao presente recurso e absolve-se o R. do restante pedido.
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- As custas da ação e deste recurso, em razão do decidido, serão suportadas pela A. e pelo R., na proporção do decaimento de cada um – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Fernando Fernandes Freitas



1. Obrigação prevista no artigo 36.º, n.º 5, da CRP e nos artigos 1878.º, n.º1 e 1879.º, do Código Civil.
2. Neste sentido, Ac. RP de 16/6/2016, processo n.º 422/03.5TMMTS-E.P1, Ac. RLx de 14/06/2016, Processo n.º 6954/16.8T8LSB.L1-7, Ac. RC de 15/11/2016, Processo n.º 962/14.0TBLRA.C1, consultáveis em www.dgsi.pt.
3. Cfr. sobre essa controvérsia a resenha efetuada no Ac. RLx de 14/06/2016, já citado.
4. Como se apurou, estava previsto prolongar-se de 25/10/2016 a 11/04/2018, mas, no decurso da audiência de julgamento, foi aventada a hipótese deste calendário não ter sido efetivamente cumprido.