Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
14/18.4IDVCT.G1
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
PERDA DE VANTAGENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – As vantagens decorrentes da prática de um crime podem assumir diversas tipologias, como sejam o aumento do ativo, a diminuição de passivo, o uso de coisas ou direitos, a poupança de gastos.
II - Em grande parte dos crimes fiscais a vantagem patrimonial não consiste em obter proventos em dinheiro, mas na poupança do imposto devido.
III - Não é excessiva a imposição de uma pena de 2 anos de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação a um arguido, condenado pela sétima vez, quando cinco das anteriores condenações o foram por crimes de idêntica natureza (fiscal).
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes desembargadores da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães;

I.
No processo comum com intervenção de tribunal coletivo que, com o nº 14/18.4IDVCT, corre termos pelo juízo central criminal de Viana do Castelo foi decidido, além do mais (transcrição):

- absolver os arguidos “X - TÊXTEIS UNIPESSOAL M. C. e A. L. da prática de sete crimes de falsificação ou contrafacção de documento e de sete crimes de burla qualificada, pelos quais vinham acusados;
- condenar a arguida “X - TÊXTEIS UNIPESSOAL LDA.”, pela prática de sete crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103.º, n.º 1, b), RGIT, em três penas de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), e em quatro penas de 120 (cento e vinte) dias de multa, à mesma taxa diária;
- em cúmulo jurídico, condenar a arguida “X - TÊXTEIS UNIPESSOAL LDA.”, na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa de € 2.000,00 (dois mil euros);
- condenar a arguida M. C., pela prática de sete crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103.º, n.º 1, b), RGIT, em três penas de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 3,00 (três euros), e em quatro penas de 60 (sessenta) dias de multa, à mesma taxa diária;
- em cúmulo jurídico, condenar a arguida M. C. na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, o que perfaz a multa de € 600,00 (seiscentos euros);
- condenar o arguido A. L., pela prática de sete crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103.º, n.º 1, b), RGIT, em três penas de 10 (dez) meses de prisão e em quatro penas de 6 (seis) meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, condenar o arguido A. L. na pena única de 2 (dois) anos de prisão, a executar em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância;
- mais condenar os arguidos nas custas, com 4 UC de taxa de justiça;
-condenar solidariamente os arguidos “X - TÊXTEIS UNIPESSOAL LDA.”, M. C. e A. L. a pagar ao Estado a quantia de € 200.563,94 (duzentos mil quinhentos e sessenta e três euros e noventa e quatro cêntimos).
(...)
*
Inconformados com a decisão recorreram os arguidos para este Tribunal, concluindo o seu recurso nos seguintes termos (transcrição):

I. Os arguidos não se conformam com a douta decisão e dela recorrem, de facto e de direito.
II. Os recorrente discordam da forma como a prova produzida nos presentes autos foi avaliada pelo Tribunal a quo, razão pela qual vão pugnar, perante este Tribunal da Relação, que se digne proceder à reapreciação da prova produzida, nela se incluindo a escassa prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento.
III. Em concreto, discordam os recorrentes que, perante a prova produzida neste processo, sobretudo pela análise dos documentos nele existentes e na articulação com os depoimentos prestados, se pudessem ter como factos provados, os constantes dos pontos 8.; 9.; 11., 13.; 14.; 16.; 17. e 19.; da decisão sob recurso.
IV. Basicamente, são estes os pontos com os quais os recorrentes se não conformam:
a) Que não existam na contabilidade da 1.ª arguida, facturas de fornecedores que permitam suportar ou comprovar o IVA, declarado nas declarações periódicas de IVA, entregues da Autoridade Tributária.
b) Que o valor do IVA em falta, nos sete trimestres em causa, corresponde aos valores indicados na tabela do ponto 11 da acusação.
c) Que os arguidos não entregaram o IVA ao Estado dentro do prozo legal, nem nos noventa dias seguintes ao termo do prazo.
d) Que a 1.º arguida (firma) originou um crédito tributário a título de IVA não entregue nos cofres do Estado, no valor total de 200.563,94€.
e) Que os arguidos agiram com o intuito de obterem proveitos económicos à custa da defraudação da Autoridade Aduaneira Tributária, não procedendo à entrega dessas quantias recebidas pela 1.ª arguida a título de IVA.
f) Que tenham forjado as declarações periódicas de IVA.
V. E aqui surge a respeitosa discordância, facilitada na sua explanação, pelo laborioso trabalho de fundamentação que permite detectar os pontos que geram controvérsia, devendo ser alterada a matéria de facto dada como provada e confirmado o erro a subsumir no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP (Erro notório na apreciação da prova).

Erro notório na apreciação da prova
VI. A decisão que se ousa respeitosamente censurar, dá como provado que os arguidos não entregaram o IVA ao Estado dentro do prozo legal, nem nos noventa dias seguintes ao termo do prazo. Por outro lado,
VII. Entendeu tal acórdão que a 1.º arguida (X) originou um crédito tributário a título de IVA, não entregue nos cofres do Estado, no valor total de 200.563,94€, e que os arguidos agiram com o intuito de obterem proveitos económicos à custa da defraudação da AT, não procedendo à entrega dessas quantias recebidas pela 1.ª arguida a título de IVA. Todavia,
VIII. Tais pressupostos, salvo o devido respeito, que é sempre muito, a decisão concluiu, mas concluiu em erro notório (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP).
IX. O acórdão estribou-se nas conclusões do relatório do senhor Inspector Tributário, relatório este sempre contestado pela 1.ª arguida (cfr. fls. de apensos) na medida em que a apreciação vertida no relatório foi determinada com base em presunções (os chamados métodos indirectos) quantificadas através da análise do IRC de clientes da 1.ª arguida.
X. No cálculo do IVA apenas uma variável foi considerada, para obtenção do volume de vendas da 1.ª arguida: o valor pago à 1.ª arguida, pelos seus clientes, espelhado na contabilidade do cliente (IRC). A partir desse valor, apurou-se o IVA que terá sido pago pelo cliente e recebido pela 1.ª arguida e que, no entender do senhor IT, deveria ter sido entregue à AT. Por fim, a esse valor de IVA retira-se o que foi efectivamente entregue pela 1.ª arguida e considera-se o valor dessa diferença, como o valor que está em falta e que deveria ter sido entregue à AT.
XI. O senhor PT considerou necessário introduzir correcções que se afastavam do teor das declarações periódicas de IVA da 1.ª arguida, por ter obtido, mediante o que caracterizou como “circulação dos clientes” indícios de que as mesmas não reflectem a totalidade dos rendimentos obtidos nesses períodos!
XII. Assim, não só afastou ilegalmente o direito à dedução dos quantitativos de IVA pagos pela 1.ª arguida a fornecedores e prestadores de serviços (que constavam das declarações inicialmente enviadas) como ignorou, de forma ostensiva, todos os documentos representativos de despesas indispensáveis à realização da actividade da 1.ª arguida, acabando por escrever no relatório da IT “o que importa é a tributação dos rendimentos efectivamente percebidos”(!).
XIII. O certo é não se encontra qualquer justificação válida, para a AT preterir a aplicação do princípio da neutralidade fiscal, essencial no sistema do IVA!
XIV. À 1.ª arguida não foi dada qualquer oportunidade para demonstrar que regularizou os registos contabilísticos em falta, conforme o declarou o contabilista certificado, R. C., ouvido às 15:04h do dia 23/09/21 (cfr. Acta de 23/09/21; ficheiro sonoro 20210923150458_1589164_2871826.wma):
“Tudo o que era declarado era com base em elementos de suporte” (...) “o fiscal veio ao meu escritório e viu o que quis... os balancetes tinham documentos de suporte, pode ter acontecido um ou outro estar em falta; mas na fiscalização foram entregues os documentos que pediu. O que estava em falta foi entregue.... mas a rectificação já não foi acolhida pela AT.”
XV. A sociedade “X” (1.ª arguida) assumia como custos relevantes da sua actividade, o custo das aquisições que fazia junto da sociedade comercial produtora “Y Unipessoal, L.da”.
XVI. O que não se pode aceitar, é que a AT tenha rejeitado, de forma global e indiscriminada, as facturas emitidas por essa sua única fornecedora, referentes aos períodos em análise, limitando os resultados da sua intervenção à ponderação dos proveitos, alegadamente realizados, afastando os custos, reais e efectivos que teriam existido (facto notório, para efeitos jurídicos, que nunca poderia ser desmerecido).
XVII. A AT, ao impedir a 1.ª arguida do direito à dedução do IVA por si suportado nessas aquisições, viola claramente o princípio da legalidade e do princípio da neutralidade fiscal.
XVIII. O depoimento do senhor IT, F. F., prestado no dia 23/09/2021, entre as 11,18h e as 11.57h (cfr. acta de julgamento de 23/09/21 e ficheiro sonoro 20210923111813_1589164_2871826.wma) refere: “Foram ao técnico contabilista; a contabilidade estava com ele. Houve notificações devolvidas e a contabilidade (...) o IVA foram pelo cliente, que terá pago x, e o IVA foi retirado, foi determinado. (...) Recebeu IVA mas não foram aceites as deduções porque as facturas de pagamentos à “Y” não foram consideradas”.
XIX. Tal raciocínio não está correcto. Não chega a apurar como e o que vendia a 1.ª arguida. Não são considerados os custos de quem produz (seria como considerar que a mercadoria comercializada nascesse de geração espontânea) isto é, não tem em conta os custos de produção, concretamente e por exemplo, a matéria prima, a mão de obra, a água, a luz, os transportes, etc.
XX. Para o senhor IT “ ... o lucro terá sido presumido em 84%.”. E nesta fantasia – bem distante da realidade comercial têxtil, como explicaram outros depoentes (v.g., M. J., R. C., que atribuem um lucro entre 3 e 5%; nunca mais) – se desenvolveu toda a apreciação inspectiva (e aí, o “pecado original”).
XXI. Para que a 1.ª arguida pudesse vender – visto não ter funcionários, nem máquinas, nem viaturas de transportes – teria de pagar as encomendas que adquiria; e pagar, igualmente, o respectivo IVA que acabaria (e bem) por deduzir na entrega que teria de fazer junto da A T.
XXII. Só que o senhor PT não equacionou essa variável e, arrepiando caminho, através dos “método indirectos” (cuja aplicação, in casu, fere o mais elementar bom senso) calculou um valor de IVA irreal.
XXIII. Aquando da comissão de revisão, os peritos (da AT e da arguida) não chegaram a acordo. E não chegaram porque a AT colocou em causa as características e a oportunidade dos documentos então apresentados, capazes de demonstrar a versão da 1.ª arguida, ou seja, de ter pago as mercadorias que vendeu aos seus clientes. De ter pago igualmente o correspondente IVA que veio deduzir.
XXIV. As 25 facturas que constam nos autos a fls., não foram reconhecidas, nem aceites, pela AT, pese embora a mercadoria facturada fosse idêntica à facturada ao cliente. Só que a AT não quis verificar e preferiu antes imputar incongruências (formais) para desconsiderar tais documentos. Mas se assim fosse, de onde viria a mercadoria vendida pela 1.ª arguida? Como poderia ela vender se não produzia? Se não tinha funcionários nem máquinas de produção?
XXV. Mas se tal metodologia parece ser tolerável em sede de AT, em matéria penal e de processo penal, tal não pode ser aceite; não é o arguido que tem de provar a sua inocência.... (cfr. CRP)
XXVI. Mas outro motivo reforça a posição dos arguidos: a resposta/correcção da 1.ª arguida em procurar regularizar o que estava em falta. Só que a IT recusou-se a reapreciar a contabilidade (corrigida) preferindo convencer que as facturas eram falsas e os cheques falseados!.... E nesse pressuposto seguiu o Tribunal ao julgá-las segundo a qualificação que a AT, de forma precipitada e preconceituosamente, lhes atribuiu.
XXVII. Tendo apenas um fornecedor (a firma Y) facilmente se poderia apreciar o que era produzido e o custo dessa produção – bem longe do lucro irreal e quase caricato, indicado no depoimento do senhor IT: 84%.
XXVIII. A AT não poderia ter atribuído à 1.ª arguida um lucro que bem sabia não ter. Esta falha é tão flagrante como manifesta. Trata-se de um erro notório que, salvo o devido respeito, põe em causa o acerto da decisão, quando conclui serem os arguidos autores de crime de fraude fiscal, sem nunca ter sido verdadeiramente determinado o valor exacto da alegada fraude (ou, no mínimo aproximado, tendo em conta a variável nunca conjugada, do custo de produção da mercadoria).
XXIX. O valor do IVA que vem apontado o acórdão (200.563,94€) e que, solidariamente, todos os arguidos foram condenados a pagar ao Estado, foi determinado em erro, em desrespeito absoluto pelas regras mínimas da experiência comum e da lei penal. Ele será, indiscutivelmente, menor (ou nenhum mesmo) do que o evidenciado no acórdão.
XXX. O acórdão, ao admitir como certo o relatório da AT, acaba por decidir em erro. E é em virtude desse erro (apura-se a venda e os lucros, sem deduzir custos de produção) que os arguidos são condenados – o que não pode aceitar-se em sede de direito penal. Salvo o devido respeito, que é sempre muito, a decisão concluiu, mas concluiu em erro notório (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP).
XXXI. O valor que serviu de mote condenatório continua a desconhecer-se. Foi apenas e, como à saciedade se demonstrou, conseguido de forma pouco rigorosa, parcial e ao arrepio de princípios legais – para além de nem da experiência comum se socorrer.
XXXII. Por estes motivos, não se aceitam como provados os factos constantes dos pontos 8.; 9.; 11., 13.; 14.; 16.; 17.º e 19. da matéria dada como provada.

Matéria de Direito
XXXIII. Não obstante a alteração da matéria de facto requerida, mesmo que, por hipótese académica, a mesma permanecesse intocável, também em matéria de direito a arguida se não conforma com a concreta pena que lhe foi aplicada nem com a condenação em pagar ao Estado o valor proposto pelo MP.
XXXIV. Refere o texto do acórdão (cfr. 19) “Pese embora não se tenha provado a apropriação desta quantia por parte dos arguidos, não deixa de ser uma vantagem....”; ou seja, não se provou, mas condena-se na mesma ao pagamento(!), uma vez que se furtaram a pagar através da prática de crimes fiscais.
XXXV. No caso concreto e salvo melhor opinião, não poderia ter procedido tal pretensão do Ministério Público. Desde logo, não ficou demonstrado que os arguidos se tivesse apoderado da quantia de 200.563,94€ .
XXXVI. Os arguidos consideram as penas excessivas. Sobretudo ao arguido A. L., a pena atribuída não poderá manter-se. A haver condenação, que se coloca apenas por mera hipótese académica, alterada teria de ser a medida da mesma, para o mínimo legal. E sempre suspensa na sua execução, tornando-se desnecessária a pena efectiva de prisão, ainda que executada no regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância.
XXXVII. Apesar de aparentemente mais benévola, esta execução torna-se, na prática, uma agravante, na exacta medida em que o impede de trabalhar (situação que ele recuperou: trabalho) e contribuir assim para o sustento familiar (no mínimo da subsistência) evitando que outros o passem a alimentar e cuidar, como se de inútil se tratasse. Deveria, por isso, ser a pena suspensa na sua execução, sem a limitação da permanência na sua habitação.
XXXVIII. Violadas foram os seguintes normativos:
§ Art. 410.º, n. 2, al. c) do CPP;
§ Art. 71.º, 72.º, 77.º, 111.º, 130.º e 375.º, do CP;
§ Art. 32.º, n. 8 e 34.º, da CRP

PEDIDO

TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER ANULADA A DECISÃO E ABSOLVIDOS OS ARGUIDOS, EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS QUALIFICATIVOS DO CRIME;
SER ANULADA A DECISÃO E O JULGAMENTO, POR SE VERIFICAR O ERRO SUBSUMIDO NO ART. 410.º, N.º 2, AL. C), DO CPP. SE ASSIM SE NÃO ENTENDESSE,
SER ALTERADA A MATÉRIA DE FACTO NOS TERMOS ELENCADOS, SER ALTERADA A DECISÃO NOS TERMOS E PELOS MOTIVOS QUE FORAM PAULATINAMENTE APRESENTADOS AO LONGO DA MOTIVAÇÃO E CONCLUSÕES, PROCEDENDO AS QUESTÕES DE DIREITO SUSCITADAS E, A FINAL, SEREM OS ARGUIDOS ABSOLVIDOS DO CRIME DE QUE VÊM ACUSADOS. OU AINDA,
. SER DIMINUÍDA A PENAL APLICADA PARA O MÍNIMO LEGAL, E A DO ARGUIDO A. L. SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO (SEM SER LIMITADA AO DOMICÍLIO) E
. ABSOLVIDOS TODOS OS ARGUIDOS DE QUALQUER PAGAMENTO AO ESTADO.
*
Ao recurso respondeu o Ministério Público em primeira instância tendo pugnado pela improcedência do recurso.
*
Recebido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal o Ministério Público não emitiu parecer, uma vez que havia sido requerida audiência, a qual teve lugar em 09/05/2022.
*
Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que são as conclusões do recurso que delimitam a apreciação a fazer por este tribunal e que, analisando-as, se impõe apreciar:

- se os pontos 8, 9, 11, 13, 14, 16, 17 e 19 da matéria de facto provada foram mal julgados;
- se existe erro notório na apreciação da prova (na apreciação do cálculo de IVA , na apreciação do relatório da IT, no recurso a métodos indiretos, na desconsideração das 25 faturas da empresa Y e na desconsideração dos custos de produção da mercadoria vendida e consequentes margens de lucro);
- se não há lugar ao decretamento da perda de vantagens;
- se a pena fixada ao arguido A. L. deveria sê-lo no mínimo e suspensa na sua execução.
*
É a seguinte a matéria de facto apurada em primeira instância e respetiva fundamentação de facto e de direito (transcrição sem notas de rodapé):

FACTOS PROVADOS

1. A arguida “X - Têxteis Unipessoal Lda.” é uma sociedade por quotas, com o NIF ……..., com sede na Rua …, Edifício …, Bloco .., Ponte de Lima, tendo como objecto social o “fabrico, comércio e exportação de malhas e de artigos de vestuário, importação de matérias primas no âmbito desta actividade”, estando enquadrada, para efeitos de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), no regime normal com periodicidade trimestral e, em sede de IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), no regime geral de tributação.
2. Entre o 3.º trimestre de 2014 e o 4.º trimestre de 2016, a arguida M. C. era gerente da primeira arguida (nomeada em 14 de Março de 2001) – de que foi a única sócia até 9 de Dezembro de 2014 –, exercendo a gerência de direito e de facto, e o arguido A. L. exercia também a gerência de facto da primeira arguida.
3. No período referido em 2., aos arguidos M. C. e A. L. cabiam os actos de gestão e de regularização tributária da 1.ª arguida, sendo eles que lidavam com os clientes desta, orientavam os serviços prestados a terceiros e geriam os negócios da 1.ª arguida, tendo acesso à respectiva documentação contabilística.
4. No período aludido em 2., a 1.ª arguida não teve qualquer trabalhador a seu cargo inscrito na Segurança Social para fornecer o tipo e volume dos serviços facturados por aquela.
5. Nesse período, a 1.ª arguida exerceu a actividade aludida em 1., e os demais arguidos, agindo por conta e no interesse daquela, submeteram as declarações periódicas de IVA junto da Autoridade Tributária nas seguintes datas:


3.º trimestre de 201431.12.2014
4.º trimestre de 201416.02.2015
1.º trimestre de 201515.05.2015
3.º trimestre de 201516.11.2015
4.º trimestre de 201515.02.2016
2.º trimestre de 201616.08.2016
4.º trimestre de 201615.02.2017


6. Nas declarações referidas em 5., constavam os seguintes valores:


PeríodosBase tributávelIVA a favor da empresaIVA a favor do Estado
3.º trim. 2014€ 81.911,63€ 19.753,07€ 18.839,69
4.º trim. 2014Nenhuma€ 2.884,43Nenhum
1.º trim. 2015€ 7.373,30Nenhum€ 1.695,86
3.º trim. 2015€ 23.246,38Nenhum€ 5.346,67
4.º trim. 2015€ 149.149,05€ 29.178,78€ 34.404,28
2.º trim. 2016€ 54.406,80€ 7.376,17€ 12.513,17
4.º trim. 2016€ 62.918,65€ 15.118,55€ 14.471,29


7. A 1.ª arguida deu início à sua actividade a 7 de Julho de 2014.
8. Não existem, na contabilidade da 1.ª arguida, facturas de fornecedores que permitam suportar ou comprovar o IVA declarado em 5. como sendo a favor da empresa.
9. Não tendo os arguidos apresentado as declarações anuais de informação contabilística e fiscal – IES/DA – relativas a 2014 e 2015, que integram os anexos O (relativo a clientes) e P (a fornecedores), a AT logrou, através do anexo P dos clientes da 1.ª arguida, apurar que esta recebeu os seguintes valores de IVA, nos períodos em causa:


PeríodosIVA recebido
3.º trim. 2014€ 29.960,11
4.º trim. 2014€ 30.303,13
1.º trim. 2015€ 30,470,00
3.º trim. 2015€ 25.371,69
4.º trim. 2015€ 34.304,28
2.º trim. 2016€ 29.406,76
4.º trim. 2016€ 33.608,33


10. Nos mesmos trimestres, são as seguintes as diferenças entre o IVA efectivamente recebido pela 1.ª arguida (referido em 9.) e o que por esta foi declarado como a favor do Estado (na terceira coluna da tabela de 6.):


PeríodosDiferenças
3.º trim. 2014€ 11.120,42
4.º trim. 2014€ 30.303,13
1.º trim. 2015€ 28.774,14
3.º trim. 2015€ 20.025,02
4.º trim. 2015Nenhuma
2.º trim. 2016€ 16.893,19
4.º trim. 2016€ 19.137,04


11. O valor global do IVA em falta, nestes trimestres, corresponde à soma destas diferenças com os montantes de IVA indevidamente deduzidos pela 1.ª arguida, constantes na terceira coluna da tabela de 6., a saber:


PeríodosIVA ocultado ao EstadoIVA indevidamente deduzidoTotal IVA em falta
3.º trim. 2014€ 11.120,42€ 19.753,07€ 30.873,49
4.º trim. 2014€ 30.303,13€ 2.884,43€ 33.187,56
1.º trim. 2015€ 28.774,14Nenhum€ 28.774,14
3.º trim. 2015€ 20.025,02Nenhum€ 20.025,02
4.º trim. 2015Nenhum€ 29.178,78€ 29.178,78
2.º trim. 2016€ 16.893,19€ 7.376,17€ 24.269,36
4.º trim. 2016€ 19.137,04€ 15.118,55€ 34.255,59
Totais 126.252,94 74.311,00 200.563,94

12. As declarações periódicas aludidas em 5. não foram acompanhadas de qualquer meio de pagamento.

13. Os arguidos não entregaram o sobredito IVA ao Estado dentro do prazo legal, nem nos noventa dias seguintes ao termo desse prazo.
14. A 1.ª arguida originou um crédito tributário a título de IVA não entregue nos Cofres do Estado, em dívida, no valor total de € 200.563,94, agindo os arguidos com o intuito de obterem proveitos económicos à custa da defraudação da Autoridade Tributária.
15. Cabia aos arguidos M. C. e A. L., aquela como representante legal e gerente, de facto e de direito, da 1.ª arguida, e este como gerente de facto da 1.ª arguida, a obrigatoriedade de proceder ao apuramento do IVA devido, que deveriam ter entregue na AT até ao dia 15 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitavam as operações passíveis de tributação, o que era do conhecimento dos arguidos.
16. Porém, os arguidos M. C. e A. L. tomaram a resolução de, em cada um dos sete trimestres referidos em 5., não proceder à entrega das quantias liquidadas e recebidas pela 1.ª arguida a título de IVA.
17. Em virtude da conduta dos arguidos M. C. e A. L., agindo por conta e no interesse da 1.ª arguida, em conjugação de esforços, e ao fazer crer aos serviços da AT que as declarações de IVA assentavam em documentos que titulavam verdadeiras prestações de serviços, induzindo-os em erro acerca da sua autenticidade, deixou de entrar nos cofres do Estado o montante total de € 200.563,94.
18. Os arguidos foram notificados para, no prazo de trinta dias, efectuar o pagamento da quantia atinente ao total do valor de IVA liquidado e não entregue ao Estado, não tendo efectuado tal pagamento.
19. Ao forjarem as declarações periódicas de IVA, nelas não fazendo constar parte do IVA que liquidaram aos seus clientes, e ali inscrevendo, de forma enganosa, IVA dedutível, os arguidos violaram a segurança e tráfico probatório que aquelas declarações deveriam documentar.
20. A 2.ª e o 3.º arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, por conta e no interesse da 1.ª arguida, causando uma diminuição das receitas do Estado.
21. Com a não entrega deliberada e tempestiva da quantia resultante da liquidação do IVA, que sabiam ser da sua responsabilidade, os arguidos M. C. e A. L. violaram o dever de colaboração e cooperação com a AT que lhes é imposto.
22. Sabiam os arguidos que a sua conduta era proibida e punida por lei.

23. As arguidas não têm antecedentes criminais.

24. À data dos factos, o arguido A. L. tinha sofrido as seguintes condenações:
a) em Março de 2006, em pena de multa (que pagou), por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social praticado em 1999;
b) em Dezembro de 2007, em pena de multa (que pagou), por crime de abuso de confiança fiscal praticado em Dezembro de 2004;
c) em Abril de 2008, em pena de multa (que pagou), por crime de desobediência praticado em Agosto de 2007;
d) em Outubro de 2011, em pena de 24 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos com sujeição a deveres, por crime de abuso de confiança fiscal praticado em Junho de 2008; a pena foi extinta por decurso do prazo da suspensão;
e) em Janeiro de 2012, em pena de multa (que pagou), por crime de abuso de confiança fiscal praticado em Fevereiro de 2009;
f) em Outubro de 2015, em pena de 12 meses de prisão, substituída por 360 dias de multa (que pagou), por crime de abuso de confiança fiscal praticado em Fevereiro de 2012.
25. A arguida M. C. descende de uma família de modestos recursos socioeconómicos (pai operário fabril e mãe empregada de limpezas, já falecida). Após completar o 4.º ano de escolaridade, a arguida começou a trabalhar na área têxtil, ramo onde se manteve: foi funcionária da “Y”, em ..., Barcelos, gerida pelo cônjuge e co-arguido, e após na sua própria empresa, a 1.ª arguida, que encerrou alguns anos depois, por dificuldades financeiras. A arguida casou há vinte anos com o co-arguido, à data viúvo e com três filhos menores. À data dos factos, a arguida geria a 1.ª arguida e residia em …, Esposende, num apartamento T3 arrendado, onde se mantém; com o casal, vivia um enteado da arguida, a companheira daquele e um filho destes, que saíram há cerca de um ano. Gastam € 350,00 com a renda e € 110,00 de água, luz e gás, sendo as despesas partilhadas com o enteado, face a dificuldades económicas do casal. Depois do encerramento da 1.ª arguida, em data que a arguida não conseguiu precisar, esta passou a trabalhar na confecção “W Unipessoal, Lda., em Viana do Castelo, como operária têxtil, tendo um salário base de € 665,00, acrescido de subsídio de alimentação de 4,77€/dia; o subsídio de desemprego do cônjuge foi recentemente suspenso por valores em dívida. Na morada, a arguida tem uma presença discreta, sendo os contactos com os demais de mera circunstância e cumprimento com os vizinhos. Em termos abstractos, a arguida reconhece a ilicitude dos factos dos autos, bem como eventuais consequências e danos. Envergonhada pela condição de arguida, mantém uma atitude muito reservada, partilhando a sua preocupação apenas com o irmão, o cônjuge e o enteado e manifestando ansiedade e receio pelo desfecho do processo.
26. O arguido descende de uma família numerosa e de poucos recursos económicos, cujos pais (agricultores), já faleceram. O arguido diz ter frequentado a escola sem incidentes e concluído o equivalente ao 12.º ano de escolaridade, mantendo simultaneamente, após os 11 anos, actividade laboral numa fábrica têxtil. Aos 20 anos emigrou para a Venezuela, onde residia um familiar que o apoiou; aí, trabalhou cerca de um ano em carpintaria, mas regressou a Portugal pela instabilidade política daquele país. O arguido estabeleceu-se por conta própria, com a confecção “Y”, em data que não foi capaz de precisar, sedeada em ..., Barcelos, onde também trabalhou a cônjuge e co-arguida no processo; a empresa encerrou a actividade, não precisando o arguido o ano em que isso ocorreu, referindo apenas que foi por dificuldades financeiras e ligadas à gestão. O arguido teve um primeiro casamento, com três filhos, tendo enviuvado há cerca de 30 anos; dez anos depois, casou com a co-arguida, então sua funcionária. Na altura dos factos, o arguido geria a “Y” e residia com a co-arguida, na morada referida em 25. (e com as receitas e despesas aí descritas). A última actividade laboral que diz ter desenvolvido, por conta de outrem, foi numa empresa de moldes, onde refere ter estado 2/3 anos, saindo por redução do volume de trabalho da empresa; ficou desempregado em Outubro de 2019. O arguido auferiu subsídio de desemprego de € 412,00 até lhe ter sido suspenso, ao que pensa por dívida à Segurança Social. Na morada, o arguido tem presença discreta e atitude reservada. Em termos abstractos, o arguido reconhece a ilicitude e as eventuais consequências/danos dos factos descritos na acusação; perante o processo, revela constrangimento e vergonha, assunto que apenas partilha com a família. Não se revê na acusação e revela disponibilidade para colaborar com o sistema de justiça.
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FACTOS NÃO PROVADOS

- Que a 2.ª arguida fosse sócia da 1.ª arguida após 9 de Dezembro de 2014;
- que o total da base tributável de IVA declarado pela 1.ª arguida entre 2014 e 2016 fosse de € 557.803,93;
- que o total do IVA dedutível declarado pela 1.ª arguida em 2015 tenha sido de € 34.679,31;
- que o total do IVA dedutível declarado pela 1.ª arguida em 2016 tenha sido de € 38.819,23;
- que o total de IVA liquidado declarado pela 1.ª arguida em 2015 tenha sido de € 49.510,84;
- que o total de IVA liquidado declarado pela 1.ª arguida em 2016 tenha sido de € 59.939,45;
- que, no 2.º trimestre de 2015, a 1.ª arguida tenha indevidamente deduzido na declaração de IVA € 5.500,53;
- que, no 1.º trimestre de 2016, a 1.ª arguida tenha indevidamente deduzido na declaração de IVA € 12.744,06;
- que, no 3.º trimestre de 2016, a 1.ª arguida tenha indevidamente deduzido na declaração de IVA € 3.580,45;
- que o total do IVA em falta, devido pela 1.ª arguida entre 2014 e 2016 seja de € 222.385,30;
- que os arguidos M. C. e A. L. se tenham apoderado da quantia referida em 17., dela dispondo em benefício individual e da 1.ª arguida.
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FUNDAMENTAÇÃO

A convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida, à luz das regras da experiência comum.

O teor de 1. decorre da certidão permanente de fls. 24/25 (também útil para 2., no que respeita à 2.ª arguida), da declaração de IRC de fls. 70 a 74 e das declarações de IVA de fls. 517 a 528.
Para a gerência de facto por parte do casal (2. e 3., e correspondentes obrigações de 15.), serviu o depoimento do contabilista R. C. (que o era também da “Y”, cuja certidão permanente consta de fls. 582/583, conforme fls. 546 e 548) – percebendo-se que as duas empresas se “confundiam” nas pessoas dos arguidos –, o depoimento de M. J. (controladora de qualidade da “Pimba”, que teve negócios com a 1.ª arguida, lidou de perto com a 2.ª arguida e exerceu o seu controlo nas instalações da “Y”), e as declarações dos próprios arguidos: a arguida “deixava tudo” quanto fosse “papéis” nas mãos do marido (co-arguido), porque só percebia de confecção e tratava das encomendas; o arguido admite ter entregue facturas da 1.ª arguida ao contabilista e que a ideia de lançar esta empresa “era para conseguir melhores condições comerciais para a Y”. Decorreu também com clareza, da conjugação das declarações dos arguidos, que as ideias de negócio eram do arguido e que a arguida mais não era do que a intermediária com os clientes, havendo uma clara dominação daquele em relação a criação de empresas e às obrigações que daí decorriam.
O teor de 4. resulta da informação de fls. 1003, aliás confirmada quer pelo aludido contabilista, quer pelos arguidos quer pelo inspector tributário F. F. que, no âmbito das suas funções, se deslocou à sede social da 1.ª arguida.
As declarações referidas em 5. e 6. estão a fls. 517, 519, 521, 523, 525, 527 e 528; como inexistem nos autos declarações periódicas de IVA relativas a três trimestres (2.º de 2015, 1.º e 3.º de 2016), não há qualquer outra prova que sustente os valores desses períodos que vinham referidos na acusação, ficando por demonstrar os montantes totais de IVA desses anos, os valores deduzidos pela 1.ª arguida e, consequentemente, o global do IVA em falta que era computado naquela peça (e sendo, por isso, irrelevantes as facturas de vendas da 1.ª arguida nesses três trimestres, de fls. 416 a 420, 430 a 435, 441 e 442). Note-se, a este respeito, que não fazem prova per si o relatório de inspecção tributária nem o relatório final da AT.
A informação da Segurança Social de fls. 67 serviu para 7.; o descrito em 8. (e também a primeira parte de 9., pela consulta dos elementos a que a AT tem acesso) resulta do depoimento esclarecedor e completo do aludido inspector F. F. (que diligenciou, sem sucesso, junto da 2.ª arguida e do contabilista referido pela obtenção desses documentos, chegando até a prorrogar por uma vez o prazo para a respectiva apresentação, e mencionando as várias cartas que dirigiu ao sujeito passivo e vieram devolvidas sem serem reclamadas), sendo de assinalar que, nesta parte, o depoimento de R. C. foi vago, impreciso e pouco fiável, tanto afirmando que tinha sido tudo entregue à inspecção como admitindo que podiam faltar facturas que ele próprio fazia constar do balancete…
Quanto ao IVA recebido (9.), resulta da conjugação da documentação (facturas, notas de transferência bancária, cópias de cheques e extractos bancários): para o 3.º trimestre de 2014, a fls. 391 a 397, 877/8, 152, 811/812, 1053, 151, 808, 810, 1052, 153, 817, 819, 1054, 154, 821, 822, 823, 1055, 155, 824, 825, 829 e 1056; para o 4.º trimestre de 2014, a fls. 398 a 404, 156, 832, 834, 1057, 158, 838, 839, 1059, 157, 835, 837, 1058, 159, 844, 846, 1060, 160, 842, 847/8, 1061, 161, 851, 853 e 1062; para o 1.º trimestre de 2015, a fls. 406 a 415, 162, 854, 855, 1063, 163, 858, 860, 1064, 147, 1048, 792, 164, 861, 862, 1065, 201, 605, 606, 165, 865, 867, 1066, 166, 868, 869, 1067, 168, 608 a 610, 1069, 148, 794, 1049, 167, 870, 872 e 1068; para o 3.º trimestre de 2015, a fls. 421 a 424, 880/1, 883/4, 886 a 888 e 890 a 892; para o 4.º trimestre de 2015, a fls. 425 a 428, 203, 894/5, 897 a 899, 901 a 903 e 905 a 907; para o 2.º trimestre de 2016, a fls. 436 a 440, 930 a 933, 935 a 937, 939 a 941, 204, 943/4 e 946 a 948; para o 4.º trimestre de 2016, a fls. 443 a 453, 956 a 958, 172, 960/1, 1073, 963/4, 173, 966/7, 1074, 174, 969/970, 1075, 175, 972/3, 1076, 176, 975/6, 1077, 177, 978/9, 1078, 178, 179, 982/3, 985, 1079 e 1080. Os depoimentos de representantes das empresas que subcontrataram serviços de confecção à 1.ª arguida (B. C., da “E.”, e V. A., da “P.” e da “C.”) apenas serviram para reforçar os respectivos pagamentos, já resultantes desses documentos (que, exactamente por serem meios de prova, foram expurgados da matéria provada ou não provada).
Os valores de 10. resultam de uma simples operação de subtracção (entre os de 9. e os da terceira coluna da tabela de 6.) e os de 11. de uma soma do resultado de 10. com os da aludida terceira coluna.
A falta de pagamento (12. e 13.) foi confirmada pelos já referidos contabilista e inspector tributário, além de ser um corolário lógico da falta de declaração conforme à realidade. O 18. resulta da informação de fls. 1121v.º.
A omissão/alteração das obrigações de declaração e pagamento, sabendo o casal arguido da sua existência face às suas responsabilidades, demonstra o teor de 16., 17. e 19. bem como a intenção de 14., carecendo, porém, os autos de demonstração da apropriação, pelos arguidos, das quantias de IVA em falta.
Para 23. e 24., serviram os certificados de registo criminal (refªs. 47345119, 47345121 e 47345122); os relatórios sociais (refªs. 3291182 e 3291183) e as informações de fls. 1249 e 1250 valeram para 25. e 26.
A defesa dos arguidos assentou sobretudo na alegada existência de facturas de prestação de serviços da “Y” à 1.ª arguida, pretendendo demonstrar que as declarações fiscais desta tinham suporte naquelas. Porém, as facturas em causa (para os períodos aqui relevantes e apenas de 2014 e 2015, de fls. 654 a 670 e 673 a 679) carecem de qualquer credibilidade, não podendo valer como comprovativos de custos: foi o que explicou em detalhe o inspector tributário P. M. (que as analisou como perito da AT na comissão de revisão da matéria tributável em sede de IRC – fls. 643 a 709 e refªs. 3273014, 3273017 e 3273021). Desde logo, não foram registadas, nessa altura, no portal “e-factura” (como é obrigação do respectivo emitente, sendo que o próprio contabilista confirmou que a “Y” já tinha, à data, sistema informático de inserção de facturas, e que naquele portal tinham de estar as emitidas pela “Y” à 1.ª arguida); só apareceram nessa comissão de revisão, em 2018, e não antes; algumas delas careciam de guias de transporte (as que tinham, não foram oportunamente comunicadas); a hora de descarga era sempre às 23.59, alegadamente nas instalações da 1.ª arguida (que não tinham capacidade de armazenamento, já que, como F. F. constatou no local, mais não era do que um apartamento, que apurou estar em nome de um filho do arguido, também sócio da “Y” – fls. 582v.º); acresce que os próprios arguidos admitem que a encomenda vinha dos clientes, era confeccionada na “Y” e daí voltava para os clientes (aliás, a 1.ª arguida nem tinha veículos próprios, conforme fls. 31, e os da 2.ª arguida são ligeiros ou motociclos – fls. 41 a 54 –, que não servem para transportar encomendas…); alguns artigos das facturas da “Y” tinham já sido entregues antes pela 1.ª arguida aos clientes (v.g., o 2.º artigo de fls. 654/factura de fls. 393, o primeiro artigo de fls. 656/factura de fls. 396, os dois primeiros de fls. 657/facturas de fls. 398 e 399, e o de fls. 664/factura de fls. 391, este com diferença de 5 meses entre os dois documentos), como se a 1.ª arguida pudesse vender peças antes da sua confecção!
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DIREITO

Vêm os arguidos acusados de três tipos de crime: fraude fiscal, falsificação ou contrafacção de documento e burla qualificada.
Os crimes fiscais estão previstos no Capítulo II do Título I da Parte III do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
No caso, o art. 103.º, n.º 1, prevê a fraude: “Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: (…) b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária.” O n.º 2 esclarece que não há punibilidade do agente “se a vantagem patrimonial ilegítima foi inferior a” € 15.000,00, acrescentando o n.º 3: “Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.
Em termos de tipo objectivo, como se constata da redacção da Lei, é suficiente, para a punibilidade do agente, “o atentado à verdade ou transparência corporizados nas diferentes modalidades de falsificação” prevista naquele n.º 1, consumando-se a infracção “mesmo que nenhum dano/enriquecimento indevido venha a ter lugar”1. Basta que a actuação dos arguidos seja apta a produzir uma lesão (no caso, na esfera patrimonial do Estado, através da diminuição da receita de imposto devido).
Ora, à 2.ª arguida, como gerente de direito e de facto da 1.ª arguida, e ao arguido, como seu gerente de facto, incumbiam os deveres de, desde logo, declarar à AT (e, mais tarde, pagar) o IVA que tinha recebido dos seus clientes e que a 1.ª arguida estava obrigada a entregar ao Estado. Porém, nos sete trimestres referidos em 5., não o fizeram de forma correspondente à realidade, ocultando o IVA recebido de clientes em seis delas e, em todas, deduzindo IVA a que, em sede de inspecção tributária, se veio a revelar não terem direito por falta de documentação de suporte.
A este respeito, vale a pena lembrar que não há qualquer obstáculo (da lei ordinária ou da Constituição) ao recurso à avaliação indirecta, desde que verificados os requisitos dos arts. 83.º, 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária (D.L. n.º 398/98, de 17 de Dezembro): a mesma pode ter lugar, nomeadamente, por “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” (alínea b) do art. 87.º, n.º 1), sendo que essa impossibilidade pode ter por causa a “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal” (alínea a) do art. 88.º, n.º 1), ou seja, em nova ocultação. Ora, ficou provado que, na contabilidade da 1.ª arguida, não existem facturas de fornecedores que permitam suportar ou comprovar o IVA declarado como sendo a favor da empresa (8.), pelo que a AT nada mais podia fazer senão desconsiderar os valores indicados nas declarações.
De outra forma, e porque está em causa uma actividade económica sujeita a tributação, estar-se-ia a “incentivar a prática de actos ilícitos, porque, por exemplo, o autor não tem contabilidade organizada, e se incentivar os prevaricadores no não cumprimento das normas legais e ainda serem exonerados dos impostos que seriam devidos”.
Já em sede de tipo subjectivo, basta a intenção – aqui demonstrada – de os agentes quererem beneficiar da não entrega ou pagamento da prestação tributária realmente devida; não é necessário, como se referiu supra, que tenha de facto havido, por causa da actuação dos arguidos, enriquecimento no seu património ou de outrem (o que, aliás, ficou por demonstrar).
Tendo essa actuação sido voluntária, por parte de ambos os arguidos pessoas singulares, e agindo por conta e no interesse da 1.ª arguida (art. 6.º RGIT), cometeram os arguidos M. C. e A. L. e, através deles, a sociedade arguida (art. 7.º, n.º 1, RGIT), os sete crimes de fraude fiscal que lhes vinham imputados, por tantos serem os trimestres em que as declarações de IVA não reflectiram a verdadeira situação da empresa e pelo valor em causa ser, em cada um deles, superior a € 15.000,00.
Vêm ainda os mesmos arguidos acusados da prática de igual número de crimes de falsificação ou contrafacção de documento e de burla qualificada, ambos previstos no Código Penal, apontando a acusação para a aplicação, respectivamente, dos arts. 256.º, n.º 1, c) e 217.º, n.º 1 (agravado pelo art. 218.º, n.º 1).

Quanto ao primeiro, prevê: “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (…) c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento (…), é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.” Já o segundo estabelece: “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Na vigência do RIJFNA (que antecedeu, para o que aqui interessa, o RGIT), o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão uniformizador de jurisprudência (n.º 3/2003), prescrevendo que “não se verifica concurso real entre o crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23.º daquele RJIFNA, e os crimes de falsificação e de burla, previstos no Código Penal, sempre que estejam em causa apenas interesses fiscais do Estado, mas somente concurso aparente de normas com prevalência das que prevêem o crime de natureza fiscal.
O RGIT, no art. 10.º, prevê: “Aos responsáveis pelas infracções previstas nesta lei são somente aplicáveis as sanções cominadas nas respectivas normas, desde que não tenham sido efectivamente cometidas infracções de outra natureza.” Esta norma serve para afirmar, no domínio tributário e fiscal, “o princípio de concurso legal, aparente ou impuro, em que o agente com a sua conduta preenche apenas formalmente vários tipos de infracções, mas em que, por via da interpretação, se conclui que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido ou absorvido por um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos não são aplicados, devendo recuar”; é o princípio da especialidade do RGIT sobre o Código Penal.
É certo, no caso, que os arguidos alteraram a verdade das declarações trimestrais de IVA (elemento típico da falsificação prevista no Código Penal), e também que, com isso, pretenderam induzir em erro a AT, assim a prejudicando (elemento típico da burla). Porém, esses elementos estão já reunidos na prática dos aludidos crimes de fraude fiscal: não há duas acções a punir separadamente, mas um concurso aparente de crimes.

Portanto, seguindo o princípio lex specialis derogat legi generali, devem apenas os arguidos ser condenados pelos crimes de fraude fiscal, impondo-se a sua absolvição pelos demais crimes de que vinham acusados.
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MEDIDA DA PENA

Nos termos do princípio geral do art. 12.º, n.º 1 e n.º 2, do RGIT, as penas principais aplicáveis aos crimes tributários são, para as pessoas singulares, de prisão ou multa e, para as pessoas colectivas, a pena de multa (esta, entre o mínimo de 10 e o máximo de 1920 dias).
Esclarece o n.º 3 que, para as pessoas colectivas, “os limites mínimo e máximo das penas de multa previstas nos diferentes tipos legais de crime são elevados para o dobro”. No caso, isso significa que a pena aplicável em cada um dos sete crimes à 1.ª arguida – em nome, por conta e em benefício da qual agiram os dois restantes arguidos – vai do mínimo de 20 dias ao máximo de 720 dias, por ser esse o dobro do fixado no art. 103.º, n.º 1.
Para os dois restantes arguidos, sendo os crimes puníveis, em alternativa, com pena de prisão e pena de multa, cabe chamar à colação o disposto no art. 70.º Cód. Penal, que estabelece dever ser dada preferência a uma pena não detentiva, desde que se mostre suficiente para realizar as finalidades da punição.
Tendo em conta que a arguida M. C. não tem antecedentes criminais, não se vislumbra qualquer motivo para, seguindo a recomendação legal, deixar de se lhe aplicar a pena de multa (lembre-se, entre 10 e 360 dias por cada um dos crimes).
Porém, deve analisar-se com detalhe a situação do arguido A. L. (24.): entre Março de 2006 e Outubro de 2015, sofreu seis condenações, cinco delas por crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social ou de abuso de confiança fiscal; destas cinco, três foram em pena de multa (entretanto pagas pelo arguido) mas duas foram já de prisão – na primeira, em Outubro de 2011, suspensa na sua execução por dois anos (duração igual à da pena) com sujeição a deveres e, a segunda, de 12 meses de prisão, foi alvo de substituição por 360 dias de multa, que o arguido pagou. Trata-se, portanto, de um arguido manifestamente relapso perante as suas obrigações de contribuinte, com historial por condenações nessas omissões de mais de 15 anos (!) e cuja última condenação, em Outubro de 2015, antecedeu imediatamente a prática dos derradeiros três crimes aqui em causa (do último trimestre de 2015 e dos dois de 2016).
Com tudo isto, já não se mostra possível concluir que a pena de multa é suficiente para satisfazer as necessidades de punição deste arguido: mesmo depois de ter pago multa por quatro vezes e de ter visto uma pena de prisão extinta pelo decurso do prazo, o arguido continua a agir como se nada tivesse acontecido, e como se não tivesse obrigações fiscais perante o Estado, desta vez em representação da empresa da qual era gerente de facto. Assim, é de afastar a aplicação de pena de multa no caso do arguido.
Recorrendo aos critérios do art. 71.º Cód. Penal, na fixação da moldura concreta da pena há a considerar contra os arguidos a intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo, a já considerável ilicitude, dados os valores envolvidos (alguns de mais do dobro do limite mínimo da punibilidade) e, no caso do arguido, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, tendo em conta os antecedentes criminais já referidos. A favor do casal arguido, regista-se a sua inserção familiar, também traduzida na ajuda prestada por um filho do arguido; quanto à arguida M. C., há que salientar a ausência de antecedentes criminais (comum à 1.ª arguida) e a inserção profissional.
Sopesando todos estes factores, e ainda as elevadas necessidades de prevenção geral numa época em que a sociedade, impressionada com os casos de pobreza e desemprego que pontuam os dias de tantas famílias, reage de forma muito negativa quando está em causa uma apropriação indevida do dinheiro de todos, julgam-se adequadas, para cada um dos arguidos, as seguintes penas:
- para a 1.ª arguida, quatro penas de 120 dias de multa (pelos trimestres em que o prejuízo para o Estado se situa na casa dos € 20.000,00) e três de 200 dias de multa (para os demais – os dois primeiros, de 2014, e o último de 2016 –, em que o prejuízo excede os € 30.000,00);
- para a arguida M. C., e pela mesma ordem de razões que se tiveram em conta para a 1.ª arguida, quatro penas de 60 dias de multa e três de 100 dias de multa;
- para o arguido A. L., seguindo também o mesmo critério, quatro penas de 6 meses de prisão e três penas de 10 meses de prisão.
Cabe agora, para todos os arguidos, proceder ao cúmulo jurídico das penas, face ao previsto no art. 77.º, n.º 1. Aqui, releva contra o casal arguido – e, reflexamente, contra a 1.ª arguida – a postura de ambos em julgamento, tentando sempre negar as evidências, e, para o arguido, os aludidos antecedentes criminais; a favor do casal, regista-se a inserção familiar e, para a arguida M. C., a sua vida profissional e a ausência de antecedentes criminais.

Assim, e nos termos do n.º 2 do mesmo artigo:

- para a 1.ª arguida, a pena há-de situar-se entre o mínimo de 200 dias (a mais elevada das penas) e o máximo de 1080 dias de multa (a soma material das sete);
- para a arguida M. C., os limites vão de 100 a 540 dias de multa;
- para o arguido A. L., a pena tem como limite mínimo 10 meses e máximo de 4 anos e 6 meses de prisão.

Tendo em conta o que ficou supra referido, mostram-se adequadas as seguintes penas:
- para a 1.ª arguida, 400 dias de multa;

- para a arguida M. C., 200 dias de multa;

- para o arguido A. L., 2 anos de prisão.

Esta pena, porque inferior a 5 anos, é susceptível de ser suspensa na sua execução, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do Código Penal, “se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, [se] concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Infelizmente para o arguido, não é isso que acontece: o juízo de prognose favorável subjacente à suspensão não se lhe pode aplicar porque o seu percurso criminal anterior (desde 2006!) foi sempre relativo ao incumprimento de obrigações fiscais ou perante a Segurança Social e, nem depois da aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução (que se extinguiu no ano anterior à prática dos primeiros factos destes autos), soube compreender que era altura de parar. Pelo contrário, continuou na mesma senda, sendo por isso altura de lhe dar um sinal claro de que não é este o caminho a trilhar.
Com tudo isto, é evidente que a ameaça da pena não serviria para o afastar da prática de novos ilícitos e que a censura do facto, traduzida numa condenação em pena cuja execução ficasse suspensa, lhe seria, mais uma vez, absolutamente indiferente.
Perante a duração da pena de prisão e a impossibilidade de aplicação do citado art. 50.º, estando assim em causa uma pena efectiva, há que lembrar o teor do art. 43.º, n.º 1, a), Código Penal: “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a pena de prisão efectiva não superior a dois anos”. O arguido está inserido familiarmente e tem uma estrutura que o apoia; portanto, e pese embora a sua atitude em julgamento, mostra-se ajustado e bastante para o arguido se consciencializar da gravidade da sua conduta e o afastar de novas práticas criminosas a execução da pena de prisão neste regime. O arguido permanece no seu meio familiar, embora privado da liberdade de que dispôs até agora. Como o arguido consentiu nesta possibilidade em sede de leitura de acórdão, será esta a pena a aplicar, acompanhada pela citada fiscalização.
Relativamente às penas de multa, cabe fixar a respectiva taxa diária que, nos termos do art. 15.º, n.º 1, RGIT, será entre € 1,00 e € 500,00 para as pessoas singulares (a arguida M. C.) e entre € 5,00 e € 5.000,00, para as pessoas colectivas (a 1.ª arguida). Começando por esta, uma vez que decorre da matéria provada (25.) que a empresa já não labora, é de aplicar o valor mínimo (€ 5,00); o mesmo não pode acontecer no caso da arguida M. C., que tem actividade laboral, embora auferindo sensivelmente o salário mínimo nacional, caso em que a taxa terá de situar-se também perto do mínimo legal, mas não fazendo perder o efeito punitivo da pena. Assim, para esta arguida mostra-se adequado fixar a taxa diária de € 3,00.
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PERDA DE VANTAGENS

Previa o art. 111.º, n.º 2, Código Penal, na redacção vigente à data da prática dos factos: “São (…) perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie”.

Nos termos do n.º 4, se tais coisas, direitos ou vantagens “não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor”.
O Ministério Público requereu o pagamento, pelos três arguidos, de € 200.563,94, correspondente à vantagem patrimonial por eles obtida.
No caso, decorre dos factos provados que o valor global do IVA em falta nos sete trimestres em causa foi de € 200.563,94, que deixaram de entrar nos cofres do Estado por causa da actuação dos arguidos em sede de crimes de fraude fiscal (11.). Pese embora não se tenha provado a apropriação desta quantia por parte dos arguidos, não deixa de constituir uma vantagem, porque foi um montante que, embora por eles devido, os mesmos se furtaram a pagar através da prática de crimes fiscais.
Assim, devem os três arguidos ser solidariamente condenados no pagamento ao Estado daquela quantia.
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Apreciação do recurso.

Os recorrentes discordam da fixação da matéria de facto pelo tribunal a quo em diversos pontos que indicam, defendendo o entendimento de que a apreciação feita pelo tribunal de 1ª instância enferma de erro notório na apreciação da prova.
Ora, antes de mais há que deixar clara uma distinção: uma coisa é o erro notório na apreciação da prova - vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPP - outra, é a prova ter sido erradamente apreciada. Apesar da semelhança das designações, não são realidades confundíveis.
O erro notório na apreciação da prova é o erro que é ostensivo, palmar, identificável por qualquer pessoa, porque de tal modo contrário à experiência da vida e à normalidade de acontecer, que não passa indiferente a quem lê a decisão, quer tenha, ou não, estado no julgamento, quer seja, ou não, jurista. É um vício do texto da decisão detetável sem necessidade de ir além dela, de convocar as provas produzidas.
Mas uma sentença pode não padecer de qualquer vício e a prova ter sido mal apreciada. Para se chegar a esta conclusão é necessário adentrar na prova produzida de forma a perceber porque é que a decisão teria de ser diferente, porque é que as provas produzidas impunham decisão diversa. Para isso há que observar o que dispõe o artigo 412º do CPP, por forma a que a impugnação da matéria de facto permita ao tribunal ad quem perceber a razão pela qual o recorrente entende que os factos deveriam ter sido julgados de modo diverso.
Estabelecida, como se impunha, a diferença entre conceitos, é já evidente que na discordância invocada pelos recorrentes não está em causa um erro notório, uma vez que a sentença é clara na exposição das razões pelas quais considera que os arguidos praticaram os crimes por que foram condenados e fá-lo de forma para todos compreensível e, portanto, também para os recorrentes.
Questão diferente é, então, a de saber se a prova produzida foi mal apreciada, cabendo aos recorrentes dizer quais as provas que impunham decisão diversa, designadamente, relativamente aos pontos que indicam, isto é, quais as provas que levariam a diferente cálculo dos montantes de IVA considerados em falta.
Os recorrentes fazem-no chamando a atenção para diversos itens que no seu entender impunham decisão diversa.
Acompanhando o raciocínio dos recorrentes, encontramos como fulcral ponto de discordância a valoração feita pelo tribunal a quo do relatório de inspetor tributário, que, no dizer dos recorrentes, reflete uma realidade comercial presumida, muito diferente da realidade fáctica ocorrida e que apresentava como "primeiro pecado original de cálculo” apenas uma variável considerada (o valor pago à primeira arguida pelos seus clientes), não contemplando as despesas indispensáveis à realização de atividade da arguida pessoa coletiva - vg. as aquisições junto da sociedade Y Unipessoal, Lda, sua "única fornecedora" nos períodos em referência na ação inspetiva.
Efetivamente, quer a inspeção tributária, quer o tribunal a quo, desconsideraram as faturas, em número de 25, que foram juntas pelos recorrentes, emitidas pela "única fornecedora" da primeira arguida, comportamento processual que os recorrentes entendem como determinante do erro da decisão.

Ocorre que a explicação para tal comportamento consta quer do relatório do IT, quer do acórdão recorrido. Efetivamente a inspeção tributária explicou as razões pelos quais entendeu não poder considerar as referidas faturas:

- as faturas nunca foram comunicadas para o sistema e-fatura, nos termos das obrigações instituídas pelo DL 198/2014 de 24.08;
- nem todas contêm referências às guias de transporte dos bens nelas referidos;
-os documentos de transporte mencionados em algumas faturas não foram objeto de comunicação conforme obrigações previstas no DL 147/2003 de 11.07, posteriormente alterado pelo DL 198/2014 de 24/8 e Lei 66-B/2012 (OE para 2013);
- a empresa emitente das faturas (Y) deixou de efetuar a comunicação a que se encontra obrigada nos termos do DL 198/2014 de 24.09 no mês em que emitiu a primeira fatura (julho de 2014);
- as faturas apresentam todas a mesma hora de descarga das mercadorias (23h59);
- muitas delas evidenciam tempos de transporte excessivamente demorados tendo em consideração a distância entre o local de carga (... - Barcelos) e o local de descarga (Ponte de Lima): tempos de transporte sempre superiores a 6h, chegando a exceder 10h num percurso de 50/60Km;
- na morada indicada como sendo da sede da X não existem instalações para o exercício da atividade não sendo vislumbrável também qualquer possibilidade de armazenamento de mercadorias;
- grande parte das faturas titulam a compra de serviços de confeções e embalagem de artigos cujas vendas foram efetuadas antes (por exemplo fatura de compra em dezembro de 2014 e de venda em julho de 2014).
A acrescer a tais irregularidades foi ainda tido em conta que o gerente de direito da sociedade Y era o arguido A. L., casado com a gerente de direito da sociedade arguida X, Lda, aquela também arguida.

Acresce ainda, por outro lado, que, no âmbito da inspeção a que foi sujeita, a sociedade Y:
- também não exibiu a contabilidade relativamente à atividade exercida nos anos de 2013 a 2015;
- não deu cumprimento às obrigações declarativas para efeitos de IVA a partir do período do imposto 2014/08 até 2015/12;
- não efetuou a comunicação por transmissão eletrónica de dados dos elementos das faturas emitidas nos termos do CIVA;
- não procedeu à entrega do IES/DA, nem dos mapas recapitutativos de clientes e fornecedores (anexos O e P) para 2014;
- os rendimentos faturados no ano de 2014, no valor de 302.400,12€ não são compatíveis com o valor dos gastos declarados nomeadamente dos "gastos com o pessoal" que ascenderam a 528.291,17€;
- não são conhecidos serviços prestados faturados no ano de 2015, no entanto são invocados "gastos com o pessoal" no valor de 379.911,46€;
- a sede da Y era uma sala devoluta;
- há faturas que indicam que a X vendia mercadoria antes de adquirida à Y;
- a partir de 04/07/2014 não eram conhecidas faturas emitidas pela sociedade;
- e não há qualquer prova de que tais faturas tenham sido pagas.

Expostas as razões pelas quais a IT entendeu não haver subjacente às faturas qualquer atividade económica, também o tribunal a quo assim entendeu ao afirmar:
A defesa dos arguidos assentou sobretudo na alegada existência de facturas de prestação de serviços da “Y” à 1.ª arguida, pretendendo demonstrar que as declarações fiscais desta tinham suporte naquelas. Porém, as facturas em causa (para os períodos aqui relevantes e apenas de 2014 e 2015, de fls. 654 a 670 e 673 a 679) carecem de qualquer credibilidade, não podendo valer como comprovativos de custos: foi o que explicou em detalhe o inspector tributário P. M. (que as analisou como perito da AT na comissão de revisão da matéria tributável em sede de IRC – fls. 643 a 709 e refªs. 3273014, 3273017 e 3273021). Desde logo, não foram registadas, nessa altura, no portal “e-factura” (como é obrigação do respectivo emitente, sendo que o próprio contabilista confirmou que a “Y” já tinha, à data, sistema informático de inserção de facturas, e que naquele portal tinham de estar as emitidas pela “Y” à 1.ª arguida); só apareceram nessa comissão de revisão, em 2018, e não antes; algumas delas careciam de guias de transporte (as que tinham, não foram oportunamente comunicadas); a hora de descarga era sempre às 23.59, alegadamente nas instalações da 1.ª arguida (que não tinham capacidade de armazenamento, já que, como F. F. constatou no local, mais não era do que um apartamento, que apurou estar em nome de um filho do arguido, também sócio da “Y” – fls. 582v.º); acresce que os próprios arguidos admitem que a encomenda vinha dos clientes, era confeccionada na “Y” e daí voltava para os clientes (aliás, a 1.ª arguida nem tinha veículos próprios, conforme fls. 31, e os da 2.ª arguida são ligeiros ou motociclos – fls. 41 a 54 –, que não servem para transportar encomendas…); alguns artigos das facturas da “Y” tinham já sido entregues antes pela 1.ª arguida aos clientes (v.g., o 2.º artigo de fls. 654/factura de fls. 393, o primeiro artigo de fls. 656/factura de fls. 396, os dois primeiros de fls. 657/facturas de fls. 398 e 399, e o de fls. 664/factura de fls. 391, este com diferença de 5 meses entre os dois documentos), como se a 1.ª arguida pudesse vender peças antes da sua confecção!
Ora o raciocínio exposto não merece censura, porque contrariamente ao afirmado pelos recorrentes, não foram só questões formais que estiveram na base da desconsideração das faturas em causa.
Por outro lado, não pode deixar de atentar-se no facto de o tribunal a quo só ter julgado provados factos que tinham prova documental a sustentá-los, explicando para cada ponto da matéria de facto qual a documentação tida em conta, o que é especialmente relevante quanto ao IVA recebido, na medida em que as conclusões a que chegou o tribunal de 1ª instância resultam de raciocínios aritméticos e não de quaisquer presunções ou uso de métodos indiretos com vista à determinação da matéria tributável.
Note-se que nestes autos não estão em causa quaisquer valores de IRC, mas apenas de IVA. E o cálculo do IVA foi efetuado tendo em conta os valores do IVA de cada fatura efetivamente recebidos pela X e documentados. Não se trata de usar abusivamente métodos indiretos contrariamente ao alegado pelos recorrentes. Trata-se apenas de fazer contas tendo em atenção a prova documental carreada para os autos e incontroversa, como são as provas de pagamento - notas de transferências bancárias, cópias de cheques e extratos bancários - emitidos pelas empresas que subcontrataram serviços de confeção à primeira arguida e cujos legais representantes depuseram em tribunal.
A prova assim apreciada não merece a censura que os recorrentes lhe dirigiram e permite perceber por que razão o tribunal a quo veio a considerar ser o total do IVA em falta de 200.563,94€. Não se tratou de uma apreciação da prova arbitrária, está objetivada, motivada, numa palavra, fundamentada. De facto, o valor do IVA foi determinado a partir de dados objetivos, que os recorrentes não contrariaram de forma aceitável, nem durante o processo - o processo permite constatar a total falta de colaboração com a AT, com as notificações a serem sistematicamente devolvidas sem serem reclamadas - nem no julgamento ao quererem dar da Y uma imagem sem correspondência com a realidade.
Disto mesmo se apercebeu o tribunal a quo e fez refletir tal convicção no acórdão de forma clara.
Ora, assim analisada a prova, é patente que não podia ter sido outra a decisão, uma vez que a prova documental é clara e dela não se retira a lisura de procedimento a nível fiscal que os arguidos reclamam.
E não se retira nem do comportamento da arguida, pessoa coletiva, nem da Y - Unipessoal, Lda, emitente das faturas, pelas razões atrás referidas e que permitiram a conclusão de que as faturas cuja validade os recorrentes reclamam foram forjadas para efeito de apresentação do pedido de revisão da matéria coletável.
Assim sendo, as objeções dos recorrentes à desconsideração de tais faturas com todas as consequências daí resultantes, não merecem acolhimento, porque não foram violadas pela sentença de 1ª instância quaisquer das normas legais, processuais, penais ou constitucionais invocadas.

No que respeita ao segmento da perda de vantagens defendem os recorrentes que, uma vez que não se provou que os arguidos se tivessem apoderado da quantia de 200.563,94€, não poderia ter sido decretada a perda de tal montante a favor do Estado.
Antes de mais impõe-se dizer que se é certo que não ficou provado que os arguidos se tenham apoderado em benefício próprio e da primeira arguida da referida quantia, tal facto não provado não permite a afirmação de que se provou que não se apoderaram. De facto, da afirmação feita a nível da matéria de facto não provada, não pode retirar-se a afirmação de que se provou que os arguidos não se apropriaram de tal montante.
O Ministério Público ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nº 1 alínea a) da Lei 60/98 de 27/08 e 111, nº 2, 3 e 4 do Código Penal requereu contra todos os arguidos a perda de vantagens no montante de 200.563,94€, pedindo a sua condenação no pagamento ao Estado de tal montante "correspondente à vantagem obtida mediante a prática de factos imputados”.
O Tribunal a quo julgou tal pedido procedente por decorrer "dos factos provados que o valor global do IVA em falta nos sete trimestres em causa foi de 200.563,94€ que deixaram de entrar nos cofres do Estado por causa da atuação dos arguidos em sede de crimes de fraude fiscal (11)”. E acrescenta "Pese embora não se tenha provado a apropriação desta quantia por parte dos arguidos, não deixa de constituir uma vantagem, porque foi um montante que, embora por eles devido, os mesmos se furtaram a pagar através da prática de crimes fiscais".
Com base neste último segmento constante do acórdão recorrido, os recorrentes discordam da decisão da perda de vantagens traduzida no dever de entrega ao Estado da quantia de 200.563,94€
Como se disse no processo 103/14.4TACBT.G1 in www.dgsi.pt: É incontroverso que o objetivo do legislador ao decretar a perda de vantagens decorrentes da prática de um crime, é dizer à comunidade e ao concreto indivíduo visado que “o crime não compensa. Não compensa porque acarreta uma punição e não compensa, porque são perdidas as vantagens com o crime adquiridas. Esta dupla afirmação exige, portanto, coerência. E exige coerência, porque é incoerente punir alguém pela prática de um crime e permitir lhe ficar com as vantagens adquiridas com a prática desse crime. E também é incoerente o Estado sofrer uma perda patrimonial e não procurar reconstituir a situação patrimonial que existia antes da prática do crime.
Também é hoje incontroverso que a lei não deixa que a perda de vantagens de um crime, fique à mercê de interpretações ou de juízos de oportunidade. A lei impõe hoje necessariamente a perda (art. 110 1 b) do CP), sem dar a possibilidade ao julgador de equacionar a sua aplicação ou não aplicação, perda esta que se não em espécie, terá de ser em valor”.

Isto mesmo se retira da lição do Professor Figueiredo Dias (in Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, 632), ao referir que o que está em causa na perda de vantagens é "primariamente um propósito da prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia - antiga, mas nem por isso menos prezável - de que "o ‘crime’ não compensa". Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual) como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração).
A perda de vantagens vem sendo entendida quanto à sua natureza jurídica como uma "providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança (cfr. F. D ob cit, 638 § 1014 e P. Pinto de Albuquerque, in Comentário do CP, 3ª ed, 460), entendimento que se estende à jurisprudência (Ac. RL de 18/06/2019 - processo 2706/16.3T9FNC.L1-5; RC de 08/11/2017 processo 326/16.1JACBR.G1; RP de 07/12/2016 processo 193/15.2IDPRT.P1) e ao Tribunal Constitucional quando refere no processo 336/2006 proferido no processo 901/05 – 2ª secção que "tratando-se de uma providência sancionatória penal não pode a sua conformação legislativa deixar de estar abrangida pela axiologia constitucional do princípio de legalidade penal, consagrado, no que concerne às peças e medidas de segurança no artigo 29º, nºs 3 e 4 da CRP".
À data dos factos imputados aos arguidos ainda não vigorava a redação resultante da Lei 30/2017 de 30.05, pelo que é à luz da redação das leis 48/95 de 15/3 e 32/2010 de 2.9 que temos que analisar a questão.

O artigo 111º do Código Penal vigente ao tempo, com a epígrafe "Perda de vantagens” tinha a seguinte redação:

1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3- O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.

Como referido no processo 357/15.9IDBRG.G1 desta Relação (Desembargador Cruz Bucho) não publicado: As vantagens do crime representam, pois, benefícios (directos ou indirectos) que o arguido retirou do crime, proventos de natureza patrimonial que resultaram do crime ou que através dele foram alcançados (cfr. neste sentido também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário, cit, pág. 316; e J. Conde Correia e Hélio Rigor Rodrigues, “Anotação ao Acórdão do TRG de 01-12-2014, processo 218/11.OGACBC.G1 (pedido de indemnização e confisco)", in Julgar online, n.° 8, pág. 15].
A tipologia de tais benefícios é a mais variada.
Como refere Figueiredo Dias Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 633, 81006), «Os “objectos em que a vantagem se traduz podem assumir tanto a forma de coisas como a de direitos e, inclusivamente a de benefícios de uso ou a de evitação de dispêndios».
Pinto de Albuquerque, (Comentário, cit., pág. 316) depois de assinalar que a perda de vantagens inclui todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime, acentua que “As vantagens incluem, designadamente, os objectos corpóreos ou incorpóreos, benefícios de uso e até a poupança de gastos”.
Também M. Miguez Garcia/J. M. Castelo Rio, Código Penal – Parte Geral e Especial, cit., pág. 466) incluem no conceito de vantagem a "evitação de dispêndios (ersparten Aufwendungen)”.
Como bem explicita Conde Correia (Da proibição do confisco à perda alargada, Lisboa, 2012, INCM, pág. 81): “O benefício pode consistir num aumento do activo, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisas ou direitos alheios ou na mera poupança ou supressão de despesas. Em causa tanto estão as coisas, os direitos, os benefícios decorrentes da fruição de um determinado objecto (v.g. a utilização gratuita de um veículo automóvel decorrente da prática do crime), ou os custos evitados (v.g. os decorrentes da não realização das obras necessárias ao cumprimento das disposições legais nos crimes ambientais), isto é tudo o que signifique um enriquecimento patrimonial do visado”.
Na generalidade dos crimes de fraude fiscal, com excepção dos casos em que está em causa a percepção de um reembolso indevido, a vantagem patrimonial não consiste num provento em dinheiro mas sim na poupança do imposto devido.
Como a jurisprudência e a doutrina italianas acentuam, de forma uniforme, nestes casos a vantagem consiste num“ risparmio di spesa dovute” (poupança de uma despesa devida)
Recorde-se, a propósito, a lição de Germano Marques da Silva (Direito Penal Tributário, Lisboa, 2009, Universidade Católica Editora, pág. 142) quando, depois de referir que “o n.°2 do artigo 111 oferece dificuldade quando aplicável aos crimes tributários, pelo menos a alguns, nomeadamente às fraudes e abusos de confiança fiscais e contra a segurança social”, assinala:
«Consideremos agora a fraude fiscal. Através da fraude o agente pode causar um prejuízo ao Estado, consistente no imposto evadido. Este é também a vantagem devida ao ofendido, o credor tributário. Deve ser perdida a favor do Estado, mas a título de imposto em dívida».

Os arguidos defendem que não se provou que se apropriaram do dinheiro. Mas mesmo não se tendo provado tal apropriação, o certo é que deixaram de entregar ao Estado o correspondente a 200.563,94€ que deviam ter entregue, o que se traduz na poupança da despesa correspondente ao pagamento do IVA em falta.
A vantagem corresponde, portanto, à poupança obtida e a restauração de ordem patrimonial impõe o pagamento ao Estado do respetivo valor (artigo 111º, nº 4 do CP).
Como refere Conde Correia in Apreensão ou arresto preventivo os proventos do crime - RPCC, 2015, 523 citado no acórdão RG atrás referido: "uma coisa equivale à outra, ficando, em ambos os casos, o arguido na situação patrimonial que tinha antes do crime, assim se demonstrando que ele não compensa".

No caso sub iudice a vantagem patrimonial traduziu-se, pelo menos, numa poupança de despesa que por não ser apropriável em espécie, deve ser substituída pela perda do pagamento do respetivo valor.
Uma vez que os arguidos não solicitaram no seu recurso qualquer outra análise, v.g. ao abrigo do nº 2 do artigo 112º do Código Penal, não pode este tribunal sequer equacioná-la.

Passemos, então, ao último segmento do recurso dos arguidos que diz respeito à dimensão das penas impostas.
Os arguidos consideram as penas impostas "excessivas". Embora nada concretizando relativamente à arguida pessoa singular, relativamente à pena imposta ao arguido A. L. defendem que a pena de prisão imposta deveria ser suspensa na sua execução.
A determinação da pena concreta é a operação que vai resumir o julgamento a que um arguido foi submetido. Por isso deve refletir o que, terminado o julgamento, o tribunal pretende dizer ao arguido e à sociedade.
A fixação da pena não é tarefa fácil, nem incontroversa. Vejamo-lo rapidamente.
No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, havia quem entendesse que na fixação da pena se deveria partir do ponto médio da moldura e, a partir daí, fazer incidir as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depusessem a favor do agente ou contra ele (A título de exemplo cfr. os acórdãos do STJ in BMJ 329ºpág 396; BMJ 334ºpág. 274; BMJ 342º pág. 233; BMJ-371º pág. 226).
Esta opção foi criticada pelo senhor Professor Figueiredo Dias v.g. in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, páginas 210 e 211 ao dizer “Torna-se por isso pouco menos que incompreensível como possa alguma vez ter ganho eco na jurisprudência a ideia de que, na determinação concreta da pena, o juiz deve partir do «meio da moldura penal aplicável» (?!) agravando ou atenuando depois a pena em função do jogo das circunstâncias. É evidente que nada disto pode ou deve fazer o juiz, antes sim determinar o quantum exato da pena em função da culpa e da prevenção e dos elementos para elas relevantes (…). Há, porém, agora indícios seguros de que esta jurisprudência errónea foi abandonada, tendo-se compreendido que não é previamente dado ao juiz, antes da consideração da culpa e da prevenção, qualquer «ponto», médio ou outro, da moldura penal, donde aquele deva «partir».

Aos poucos o STJ foi abandonando o critério de partir da média entre os limites mínimo e máximo da moldura penal abstrata, (cfr. BMJ, 362, 359 no Ac. de 16.12.1986: “Na determinação da medida concreta da pena, nada na lei autoriza a fixar o termo médio entre os máximos das penas em abstrato aplicáveis, como critério obrigatório de ponderação”; BMJ, 371, 255 no Ac. de 25.11.1987: “A individualização da pena há-de fazer-se, essencialmente, em função da culpa e da ilicitude, sem que para tanto, se deva arrancar de qualquer ponto fixo adentro da demarcação punitiva imposta por lei”; BMJ 384,552 no Ac. 22.02.1989: “ A determinação da pena concreta deve assentar fundamentalmente na ponderação da culpa do agente e na maior ou menor gravidade da ilicitude, pelo que não será correto partir-se de um ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias), para adaptar a cada arguido, a cada situação concreta, a cada crime, dentro da liberdade conferida ao juiz e de acordo com o equilíbrio, ponderação e prudência que sempre se exigem, a pena que a realidade concreta reclamava.

E foi, então, na concretização de princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (da necessidade, da proporcionalidade e da proibição de excesso) que ficou a constar no artigo 40º, nº 1 saído da redação do Código Penal de 1995 que "a aplicação das penas e das medida de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", fornecendo também o código critérios para personalização da pena, quer na vertente da escolha (ao estatuir no art. 70º do CP que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição), quer na vertente da medida, (ao fixar no artigo 71º, nº 1 que a determinação da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção), elencando depois no nº 2, exemplificativamente, as circunstâncias agravantes ou atenuantes que há que ponderar na avaliação da responsabilidade do agente.

O Senhor Professor Figueiredo Dias condensou in Direito Penal Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais - A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 81, a teoria penal assumida pelo legislador de 1995 do seguinte modo: (1)Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico;(4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.”

É a partir deste entendimento que há, então, que fazer a aproximação ao artigo 71º do Código Penal e aos diversos parâmetros nele contidos por forma a que, após a avaliação das circunstâncias relevantes a nível de prevenção geral, das circunstâncias pessoais do agente relevantes a nível da prevenção especial e das circunstâncias relevantes para apreciação do grau de culpa, se chegue à pena concreta.
Assim, com a aplicação de uma pena pretende-se, dizendo-o de modo simplista, por um lado, dissuadir da prática de crimes os cidadãos em geral e, em especial, o concreto arguido e, por outro lado, garantir aos cidadãos em geral que as normas penais são válidas e eficazes na defesa dos bens jurídicos e capazes de alcançar a socialização do concreto arguido. É, assim, evidente que em todo o processo de fixação da pena se exige a avaliação do comportamento daquele determinado individuo, daquela situação concreta - e sempre única - apesar de tantas vezes semelhante a outras que já passaram e que hão de passar pela apreciação do juiz. Portanto, a pena tem de refletir o juízo que "aquele concreto indivíduo e aquele concreto crime exigem" - (Cfr. Ac. RC de 19/09/2001 in CJ XXVI, IV, 50).
E se é certo que, - como afirma também o Professor F. Dias quando analisa a controlabilidade em via de recurso do procedimento de determinação da pena - é susceptível de revista a correção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, já quanto à determinação do quantum exato da pena ele só será alterável se “ tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Cfr. in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, §§254 e 255, 196 e 197).

Vejamos então a avaliação feita pelo tribunal a quo.
Para a arguida M. C. depois de justificar a opção pela pena de multa, por força essencialmente da inexistência de antecedentes criminais, o tribunal fixou 4 das penas em 60 dias de multa e três em 100 dias, tendo em conta essencialmente os montantes dos prejuízos sofridos pelo Estado com a atuação ilícita. Tendo em conta a moldura das penas - entre 10 e 360 dias por cada um dos crimes - a fixação das penas perto do limite mínimo da moldura penal não merece censura, configurando-se até como benevolente. A recorrente, aliás, não diz, em face dos factos a considerar, o que é que o tribunal a quo deixou de valorizar e por que razão as penas deveriam ainda ser inferiores, quer as penas parcelares, quer a resultante do cúmulo (200 dias - numa moldura que oscila entre 100 e 540 dias).
Não se vislumbrando qualquer errada apreciação com projeção na medida concreta terá esta de manter-se.
Insurge-se, por sua vez, o recorrente A. L. contra a pena imposta, uma vez que entende que deveria ser fixada no "mínimo legal" e ser suspensa na sua execução. Antes de mais impõe-se esclarecer que o " mínimo legal" a que se refere o recorrente teria de ser 10 meses de prisão, uma vez que se percebe do seu recurso que se refere à pena única imposta e não a cada uma das penas parcelares. Sendo a mais elevada das penas parcelares 10 meses de prisão é ela também o limite mínimo da moldura que oscila, para o recorrente A. L. entre 10 meses e 4 anos e 6 meses.
A pena concreta foi fixada em 2 anos e o tribunal entendeu não poder ser suspensa. E disse porquê, depois de transcrever o artigo 50º do CP ("se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, (se) concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizou de forma adequada e suficiente as finalidades da punição") justifica assim a não suspensão da pena: "Infelizmente para o arguido, não é isso que acontece: o juízo de prognose favorável subjacente à suspensão não se lhe pode aplicar porque o seu percurso criminal anterior (desde 2006) foi sempre relativo ao incumprimento de obrigações fiscais ou perante a segurança social e, nem depois da aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução (que se extinguiu no ano anterior à prática dos primeiros factos destes autos), soube compreender que era altura de parar. Pelo contrário continuou na mesma senda, sendo por isso altura de lhe dar um sinal claro de que não é este caminho a trilhar.
Com tudo isto, é evidente que a ameaça da pena não serviria para o afastar da prática de novos ilícitos e que a censura do facto, traduzida numa condenação em que cuja execução ficasse suspensa, lhe disse, mais uma vez, absolutamente indiferente".
Acabou, portanto, o tribunal por aplicar a pena de 2 anos de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal.
As considerações feitas pelo tribunal a quo não mereceram reparo. Efetivamente do CRC do arguido- ref. 47345119 - (que não está materializado nos autos, mas devia estar) retira-se que entre março de 2006 e outubro de 2015 foi condenado 6 vezes, 5 das quais por crimes de natureza fiscal. É assim evidente que o arguido não sentiu como advertências sérias as anteriores condenações, agindo com um sentimento de impunidade que o levou a continuar a praticar crimes de idêntica natureza.
A aplicação de uma qualquer pena tem sempre como finalidade primeira o afastamento do arguido da prática de novos crimes. Nenhuma pena, mesmo as privativas de liberdade, têm como fim último a própria privação de liberdade, porque a privação de liberdade é, ou deve ser, tão só o meio necessário para realização do fim pretendido com a imposição da pena (cfr Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, Parte Geral, II, verbo 479).
Isto é, a privação da liberdade não sendo um fim em si mesma, pode ser um dos meios possíveis e necessários para a realização do fim que a imposição da pena visa atingir, porque a imposição de uma pena tem de se revestir de eficácia, para não se tornar inútil.
É por isso que a aplicação de qualquer pena implica sempre a ponderação das particularidades de cada caso concreto para que acabe por ser escolhida a pena que melhor se ajuste à situação, isto é, a que melhor permite atingir as finalidades de punição que são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, nº 1 do CP).
Nos presentes autos o arguido já foi condenado em penas de multa, em pena de prisão suspensa e em pena de prisão substituída por multa.
Nenhuma delas o afastou da prática de novos crimes. Efetivamente fosse pelo sentimento de impunidade tantas vezes associado às penas de multa, fosse porque não conseguiu interiorizar de forma séria a advertência que as anteriores penas de prisão suspensa e substituída por multa deveriam ter constituído, o certo é que o arguido não alterou o seu comportamento, permitindo a conclusão de que a esperança depositada na mudança comportamental que, pelo menos, a suspensão projetava, foi infundada.
Como diz Faria Costa (in Direito Penal e Globalização - Reflexões nos locais e pouco globais, 33) "(…) O direito penal não se pode confundir com a narrativa de "Alice no País das Maravilhas" (…)Trata-se de uma narrativa que narra factos e narra a consequência desses mesmos factos que tem, por isso, consequências fortes no real verdadeiro. Dizer-se que quem praticar um crime (…) sofre uma pena (…) não é fantasia. É uma narração que determina, no futuro, para quem estiver sob a alçada daqueles factos, uma privação da sua liberdade. É uma narração que antecipa o futuro e molda esse mesmo futuro".
O recorrente A. L. sabia que se voltasse a delinquir a pena a aplicar seria mais severa que as anteriores. Ao praticar novos crimes de natureza fiscal, o arguido moldou o seu próprio futuro.
Se tivermos ainda em conta que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação permite manter os laços familiares sem o desenraizamento social que o cumprimento da pena em estabelecimento prisional comporta, não se vê como pode a pena imposta merecer censura.

III. DECISÃO.

Em face do exposto decidem os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães julgar improcedente o recurso interposto confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 Ucs.
Notifique.
Guimarães, 06 de junho de 2022

Maria Teresa Coimbra
António Teixeira
Fernando Chaves