Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1985/20.6T8BRG.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
TRABABALHADOR À PROCURA DE PRIMEIRO EMPREGO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A discordância sobre a brevidade da argumentação jurídica quanto à aplicação de uma determinada legislação que o tribunal a quo não subscreve, não é causa de nulidade da sentença. Se a parte discorda deve servir-se do recurso sobre a matéria de direito.
II - A autora era uma “trabalhadora à procura de primeiro emprego” por nunca ter sido antes contratada sem prazo, mas tinha seis meses de experiência de trabalho anterior na mesma actividade (caixeira-ajudante) prestada a uma empresa terceira.
III - Donde, de acordo com o juízo de inconstitucionalidade que, com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional firmou sobre o artigo 112º, 1, b), iii, CT, o período experimental legal é apenas de 90 dias, em paridade com a generalidade dos trabalhadores indiferenciados, com o objectivo de conhecimento mútuo. Não se justificando a ampliação do período experimental por mais 90 dias (total de 180) por inexistir a razão que lhe subjaz, a saber a inexperiência profissional numa dada actividade (Ac. TC 318/2021, de 18-05, DR 126/2021, Série I de 2021-07-01).
IV- A denúncia do contrato fora do período experimental equivale a despedimento irregular, com as leais consequências.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

S. D. intentou acção de processo comum contra X (PORTUGAL) - CONFECÇÕES, SA.

PEDE: que seja declarada a ilicitude do despedimento a que a ré procedeu; que esta seja condenada a pagar a quantia de €1.152,00 (mínimo de 3 vencimentos), a título de indemnização pelo despedimento ilícito; que a ré seja condenada a pagar as retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sendo as retribuições vencidas até à propositura da acção no valor de € 768,00; que a ré seja condenada a pagar a quantia de € 450,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; que a ré seja condenada a pagar juros de mora desde o vencimento até integral pagamento.

CAUSA DE PEDIR: em 7-11-2019, celebrou com a ré um contrato a termo indeterminado, em regime parcial, com a menção de que se tratava de “trabalhador à procura de primeiro emprego”; a ré denunciou o contrato com efeitos em 25.02.2020, alegando que o mesmo ainda se encontrava no período experimental; a autora já havia celebrado outro contrato de trabalho a termo de 2 meses com a ré; acresce que igualmente a autora já havia trabalhado com contrato a termo de 6 meses com inicio em 3-02-2018, para a empresa Y (PORTUGAL) - CONFECÇÕES, S.A que pertence ao grupo W e que a ré, portanto, não desconhecia; assim sendo a autora nunca poderia ser considerada uma “trabalhadora à procura de primeiro emprego”; logo o período experimental seria apenas o geral de 60 dias previsto no CCT aplicável (8º, 2, al. a) (1)), ou no máximo de 90 dias previsto no art. 112º, 1, al. b), iii), CT, e a denúncia do contrato pela ré, tendo sido feita para além de qualquer destes prazo, equivale a despedimento. Sofreu danos morais.
CONTESTAÇÃO – Trabalhador à procura de primeiro emprego é aquele que nunca prestou actividade ao abrigo de contrato de trabalho sem termo e com idade até aos 30 anos (4º, 1, a) DL n.º 72/2017, de 21-06, 4º, 2, a), Portaria nº 112-A/2019, de 12-04), conforme entendimento dominante. Pelo que o período experimental é de 180 dias, previsto no artigo 112º,1, alínea b), subalínea iii) do Código do Trabalho (2). Quando muito seria aplicável o prazo de 120 dias previsto n nº 4, do art. 112º, CT, pelo que sempre a denúncia ocorreu em prazo (no 105 dia). O CCT (3) não é aplicável porque apenas prevê o período experimental para “a generalidade dos trabalhadores” e não o caso específico do trabalhador “à procura de primeiro emprego”.
Seguiu-se a prolação de despacho saneador, procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO):
“Pelo exposto, decido julgar a presente acção integralmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados.
Custas a cargo da autora sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido.”

FOI INTERPOSTO RECURSO PELA AUTORA-CONCLUSÕES:

I – …II – Porquanto não foi feita uma ponderação de toda a prova que foi produzida nos autos, quanto à apreciação da subsunção dos factos ao direito aplicável, principalmente no que se prende com o período experimental aplicável ao contrato de trabalho celebrado por tempo indeterminado, que foi celebrado entre as partes, posição que condiciona diretamente a questão da licitude da denúncia do contrato de trabalho a que a Recorrida procedeu.
III – Bem como existe falta na fundamentação por parte do Tribunal a quo aquando da exclusão do CCT aplicável e aplicação da lei geral e, consequentemente, do vicio de deficiência da decisão proferida, o que apenas permite concluir ser devida uma decisão em sentido diverso, assim, serem considerados procedentes os pedidos da aqui Recorrente.

DA SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO E SUA REAPRECIAÇÃO

Da integração da A. no conceito de “trabalhadora à procura de primeiro emprego”.
IV – Não poderemos concordar com a posição do Tribunal a quo, quanto ao conceito de trabalhador à procura de primeiro emprego, sendo de adotar a posição que se considera a mais adequada e defendida também por Menezes Cordeiro, assim, “(…) trabalhador à procura de primeiro emprego é aquele que nunca tenha celebrado um contrato com ou sem termo.”, sufragada por Susana Sousa Machado (4) e pela jurisprudência, assim, Ac. TRL, datados de 02.03.2005, 06.04.2004, 19.10.2005 e de 02.06.2004.
V – ….
VI – Com a alteração legislativa operada pela Lei n.º93/2019, os trabalhadores à procura de primeiro emprego e os desempregados de longa duração – situações que anteriormente configuravam causa de admissibilidade de contratação a termo,- independentemente de estar em causa a satisfação de necessidade temporária do empregador – passam agora a integrar o elenco de situações que justificam um período experimental alargado de 180 dias (ao invés do regime geral de 90 dias).
VII – …..VIII – …
IX – Há a necessidade, quando a Recorrente, já teve empregos anterior, inclusive na mesma área, no desempenho de funções absolutamente semelhantes, parte delas com a mesma entidade patronal, de ser aplicado, nesses casos, um período tão prolongado de experiência? Comprimindo o direito à segurança no emprego e dando vantagem à liberdade de iniciativa económica dos empregadores?
X – O que se verifica, com a aplicação de um período experimental mais alargado à Recorrida, assim 6 meses, é a sujeição a um novo teste, com a mesma entidade patronal, testando qualidades e uma adaptação de uma forma mais alargada no tempo quando tais elementos já foi testados mais que uma vez, noutros contextos de trabalho e, até, durante a vigência de normativos anteriores que levavam, também esses, a uma precariedade laboral, assim, com a justificação da contratação a termo para os trabalhadores à procura de primeiro emprego.
XI – Considerando a Recorrente como trabalhadora à procura de primeiro emprego, é fomentar a sua desproteção laboral absoluta, sem saber o dia de amanhã, em termos profissionais, sem qualquer fundamento, sem qualquer justificação, a não ser um absoluto aproveitamento pelo empregador das dúvidas interpretativas e das lacunas da lei, para perpetuar a fragilidade dos contratos, utilizando o período experimental de 180 dias, como uma forma “encapotada” de um contrato a termo por 6 meses.
XII – Beneficiando a entidade empregadora, Recorrida, para, por não ter de assumir compromissos laborais com a Recorrente, pois que, atendendo à sua dimensão e ao número de trabalhadores, a prática comum é a entrada e saída frequente de trabalhadores, o que, no caso da Recorrente foi feito da forma mais rápida e barata para a Recorrida, culminando numa situação em que a precariedade foi levada ao extremo.
XIII – Uma vez que, a A., anteriormente, celebrou contrato a termo certo, com a sociedade comercial Y (Portugal) – Confecções, SA., a qual pertence ao mesmo grupo, o conhecido Grupo W, com a duração de 6 (Seis) meses, nos termos do art.140º, n.º4, alínea b) do Código de Trabalho, assim, na redação anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º93/2019, de 4 de setembro, porque celebrado em 3 de fevereiro de 2018, sendo a motivação a contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego.
XIV – Tendo sido, posteriormente, contratada pela Recorrida a termo, alegadamente para substituição de trabalhadores que estavam em gozo de férias, tempo esse que, nos termos do art.112º, n.º4 do CT, foi contabilizado para efeitos de período experimental do contrato celebrado após o término deste, celebrado por tempo indeterminado, já na vigência da versão atualmente em vigor, o qual foi celebrado, novamente, com a premissa de ser trabalhadora à procura de primeiro emprego.
XV – Ora, não tendo o legislador definido o conceito de trabalhador à procura de primeiro emprego, não podemos deixar que tal conceito seja entendido na versão que mais afeta os trabalhadores, principalmente aqueles que, como a A. foram apanhados pela alteração de regime e que, no anterior foram prejudicados pela precariedade das contratações a termo e, pelo presente, pelo uso do período experimental de 6 (Seis) meses, meio ano!!!, como um contrato a termo encapotado.
XVI – Tanto é que, somando os dois contratos celebrados com a Ré, a hipoteticamente se aceitar o período experimental de 180 dias, a A. foi despedida poucos dias antes de completar o período experimental.
XVII – O alargamento do período experimental para 180 dias nos contratos sem termo acontece, quando deixa de ser possível recrutar a prazo os trabalhadores no primeiro emprego ou vindos de mais de um ano no desemprego. Mas contrato a prazo e período experimental são situações distintas e uma coisa "não deve ser moeda de troca" da outra.
XVIII – Pelo que só se poderá entender que o legislador quis que este período de 180 (Cento e Oitenta Dias) fosse anulado nos casos em que o trabalhador tinha já realizado estágio profissional, trabalho temporário ou outro contrato a prazo com o mesmo empregadoro …..
XIX – Caso contrário, o legislador, sabendo dos problemas doutrinais e jurisprudenciais que o tema levantou, teria dito expressamente que só não era trabalhador à procura de primeiro emprego quem já tivesse sido contratado por tempo indeterminado.
XX – Da ponderação entre o bem jurídico afetado pela restrição (o direito à segurança no emprego e à garantia da proibição do despedimento sem justa causa – artigo 53.º da Constituição) e a autonomia privada das partes e o direito de iniciativa privada (n.º1 do artigo 26.º e n.º1 do artigo 61.º, ambos da CRP) não resulta que o alargamento do período experimental para os trabalhadores que já tenham tido contratações anterior, onde se incluem também as contratações a termo certo, seja uma medida exigível.
SEM PRESCINDIR,SEMPRE SE DIRÁ,
Do afastamento do art.112º, n.º1, alínea b), iii) do CT pelo CCT aplicável. Da falta de fundamentação.
XXI – Não obstante a consideração da Recorrente como trabalhadora à procura de primeiro emprego, o que não se aceita, no caso sempre seria de aplicar o previsto no Contrato Coletivo de Trabalho entre a Associação Comercial ... – Comércio, Turismo e Serviços e outras e o C. – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços ... (5), assim a cláusula 8º, n.º2, alínea a).
XXII – Decisão essa que, em todo o caso, peca por não fundamentada, por não permitir à Recorrente reconstruir o percurso interpretativo que o Tribunal a quo seguiu para decidir pela não aplicação do CCT, contrariando o consagrado no art.205º, n.º1, da CRP, que prevê que “[a]s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.” e artigo 607.º, n.º 4 e 5, do CPC, facto gerador de nulidade da sentença por falta de fundamentação, o que desde já se argui.
XXIII – No referido artigo, podemos ler: “2 – O período experimental corresponde ao período inicial de execução do contrato e, nos contratos por tempo indeterminado, tem a seguinte duração: a)60 dias para a generalidade dos trabalhadores “ (negrito e sublinhado nossos).
XXIV – Ora, no referido CCT também se encontra previsto tempos de período experimental diferentes para outras categorias, nomeadamente de maior complexidade, mas não se entendeu necessário, e bem, aumentar o período experimental nos casos de trabalhadores à procura de primeiro emprego.
XXV – Não se podendo dizer que um trabalhador que estaria abrangido pelo CCT, por as funções exercidas se enquadrarem no mesmo, teria de ver o seu período experimental aumentado para o triplo, apenas por se trabalhador à procura de primeiro emprego, quando mesmo se enquadra, quanto ao CCT, na generalidade dos trabalhadores, por, nesse regime, não ter outra categoria onde se enquadrar.
XXVI – Ademais, nos termos do n.º1 do art.3º do CT, sob a epígrafe “Relações entre fontes de regulação”, os IRCT's podem afastar as normas legais do contrato de trabalho quer no sentido mais favorável, quer no sentido menos favorável, bastando que das respetivas normas legais não resulte o contrário.
XXVII – Assim, tendo o CCT aplicável uma norma referente ao período experimental, deve esta ser aplicável à Recorrente, uma vez que à mesma é aplicável o CCT, enquadrando-se, para efeitos de período experimental, no conceito da “generalidade dos trabalhadores” e, assim, ser-lhe aplicável o período experimental de 60 (Sessenta) dias.
XXVIII – …..XXIX – ….
a) Da não conformidade do atual art.112º, n.º1, alínea b), iii) com a Constituição. Da violação do Princípio da Segurança no Emprego. Da violação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
XXX – No entanto, mesmo se se entendesse ser a A., aqui Recorrente, trabalhadora à procura de primeiro emprego e não se considerasse a aplicação do previsto no CCT acima referido, sempre não se poderia aceitar a aplicação da norma prevista no art.112º, n.º1, alínea b), iii) do CT, na versão dada pela Lei n.º93/2019, na interpretação de que se consideram trabalhadores à procura de primeiro emprego os que nunca celebraram nenhum contrato por tempo indeterminado, por tal interpretação ser contrária à Constituição.
XXXI – ….
XXXII – Pelo que, sendo esta uma norma destinada a um grupo de trabalhadores potencialmente mais expostos a situações injustificadas de precariedade de emprego e que aumenta a precariedade da sua situação laboral, não poderá deixar de significar um ataque ao bem jurídico protegido pelo art.53º da CRP.
XXXIII – Entendendo que a decisão aqui recorrida viola direitos fundamentais da Recorrente, nomeadamente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado na Constituição da República Portuguesa, uma vez que, o artigo 112.º, n.º1, alínea b), iii) do CT, viola o princípio do respeito pela dignidade humana, como corolário do princípio do Estado de Direito Democrático ínsito no artigo 2.º da Constituição, e dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
XXXIV – …XXXV – Motivo pelo qual, entende a Recorrente que deve considerar-se inconstitucional, por violação do princípio constitucional do respeito pela dignidade humana, corolário do princípio do estado de direito democrático, enunciado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, com afloramentos nos números dois e três do artigo 26.º daquela Lei Fundamental, a interpretação e aplicação da norma contida no art.112º, n.º1, alínea b), iii) do CT, no sentido do alargamento do período experimental para 180 dias no caso de trabalhadores à procura de primeiro emprego.
XXXVI – … TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, QUE V.ª (S) EX.ª (S) DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA SENTENÇA RECORRIDA….

CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ: defende a improcedência da apelação.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – propugna pela procedência do recurso e revogação da decisão recorrida.
O recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo as questões de natureza oficiosa (6)): nulidade da sentença; aditamento de matéria de facto; período experimental do contrato de trabalho; (i)licitude da cessação do contrato por parte da ré.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A - FACTOS

Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos:
1. No dia 7 de Novembro de 2019 a ré admitiu a autora ao seu serviço por contrato de trabalho por tempo indeterminado para exercer as funções de caixeira ajudante, em regime de tempo parcial, mediante a retribuição mensal de € 384,00;
2.Neste contrato foi estabelecido o período experimental de cento e oitenta dias porque que a autora era uma trabalhadora à procura do primeiro emprego;
3.Na celebração do contrato a autora declarou que nunca havia prestado atividade com contrato de trabalho por tempo indeterminado;
4.Nos dias 25 de Novembro de 2019, 2 de Dezembro de 2019 e 6 de Janeiro de 2020 a autora e a ré acordaram em aditamentos a este contrato de trabalho em que alteraram o período normal de trabalho, a sua distribuição e a retribuição;
5.A partir do dia 6 de Janeiro de 2020 a autora passou a auferir a retribuição mensal de € 397,00;
6.A autora teve as seguintes contratações anteriores ao contrato de trabalho que celebrou com a ré:
a.No dia 3 de Fevereiro de 2018 celebrou com a sociedade comercial Y (Portugal) - Confecções, Sa. Um contrato de trabalho a termo certo, para exercer as funções de caixeira-ajudante, com a duração de seis meses (doc. 20 da p.i), nos termos do art. 140º nº4 al. b) do Cód. do Trabalho, com a redacção anterior às alterações que foram introduzidas pela Lei nº93/2019 de 4 de Setembro- alterado conforme infra;
b.No dia 5 de Setembro de 2019 celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo, com a duração de dois meses, para a substituição de trabalhadores que estavam em gozo de férias.
7.A autora sentiu desgosto pela cessação do contrato de trabalho que celebrou com a ré.
8. A ré procedeu à denúncia do contrato de trabalho com efeitos a 25 de Fevereiro de 2020 sustentando que estava no período experimental- aditado conforme infra.

B - Nulidade apontada à sentença

A recorrente aponta o vício de nulidade de sentença por falta de fundamentação quando se desaplica o prazo de 60 dias de período experimental previsto no CCT invocado pela autora.
Supõe-se que se queira invocar a hipótese de falta de fundamentação da matéria de direito (a recorrente não menciona a norma concreta da nulidade), embora a situação, teoricamente e numa certa perspectiva, também possa caber numa falta de pronúncia.
Refere o artigo 615º, nº1, CPC, que é nula a sentença quando “(…)b) - não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ou d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar….;”
A alínea b) reporta-se a vício de falta de motivação que pode atingir a sentença, exigindo-se que da mesma conste, não só a factualidade que suporta a decisão, mas também a interpretação e aplicação do direito - 607º/3/2, CPC. Diga-se, preliminarmente, que a nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas ocorrerá quando o tribunal omita totalmente a fundamentação de facto e/ou de direito em que ancorou a decisão de mérito proferida nessa sentença (7).
A alínea d) reporta-se a omissão de pronúncia sobre “questões”. É pacífico que estas referem-se, não aos argumentos das partes, mas sim aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções (8). Não há assim que confundir o significado de “questões” com os motivos e a argumentação jurídica invocada pelas partes para alicerçarem a sua pretensão (9).
O tribunal não está, assim, obrigado a analisar todos os argumentos, razões ou raciocínios das partes. Muito menos, a lei estabelece a medida da atenção que deve ser conferida ao tratamento jurídico da questão.
O que se exige é que a decisão tenha o elemento principal, não seja arbitrária, demonstre quais são as suas premissas, quais as razões dadas ao caso para ser aquela a decisão e não outra, sob pena de constituir uma “peça sem base” (10).

No caso, após longa dissertação sobre o que se considerava ser “trabalhador à procura de primeiro emprego”, consta na sentença:

“Atendendo a estas contratações anteriores, a autora era uma trabalhadora à procura do primeiro emprego porque nunca tinha sido contratada por tempo indeterminado.
Assim, o período experimental era de cento e oitenta dias, nos termos do art. 112º nº1 al. b) do Cód. do Trabalho.
Este período experimental não é afastado pelo Contrato Colectivo de Trabalho entre a Associação Comercial ... - Comércio, Turismo e Serviços e outras e o C. - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços ...12. A Cláusula 8ª nº2 al. a) deste contrato colectivo estabelece um período experimental de sessenta dias para a generalidade dos trabalhadores. Todavia, não existe qualquer regulamentação relativamente aos trabalhadores à procura do primeiro emprego, pelo que quanto a estes trabalhadores não é afastado o regime geral previsto na legislação laboral.”
Assim se vê que na sentença se afasta a aplicação da “lei” (sentido amplo) pretendida pela autora e se refere o porquê desse entendimento.
Se o tratamento dado à questão não satisfaz a autora em termos de extensão e de qualidade de argumentação, essa é outra questão que respeita ao recurso sobre a matéria de direito e não a nulidades de sentença.

C - Matéria de facto

Em conformidade com o art. 663º, 2, 607º, 3, CPC, havendo acordo das partes e estando documentado nos autos os contratos de trabalho celebrados pela autora (aceites pela ré), por ter relevância para a decisão da causa, determina-se o seguinte aditamento à matéria de facto do seguinte:
8. A ré procedeu à denúncia do contrato de trabalho com efeitos a 25 de Fevereiro de 2020 sustentando que estava no período experimental”.
Altera-se o ponto 6.a, na parte a negrito (para aditar as funções no contrato a termo com o empregador terceiro Y):
6.a) a.No dia 3 de Fevereiro de 2018 celebrou com a sociedade comercial Y (Portugal) - Confecções, Sa. um contrato de trabalho a termo certo, para exercer as funções de caixeira-ajudante, com a duração de seis meses (doc. 20 da p.i), nos termos do art. 140º nº4 al. b) do Cód. do Trabalho, com a redacção anterior às alterações que foram introduzidas pela Lei nº93/2019 de 4 de Setembro”

D- O período experimental

Importa saber se a ré denunciou o contrato dentro do “período experimental legal” de 180 dias. Ou se o período experimental era inferior (90 dias/outro), caso em que a desvinculação por parte da ré é ilícita e equivale a despedimento com as legais consequências.
Na sentença recorrida considerou-se que a desvinculação da ré foi lícita, porque ocorrida antes do termo do período experimental de 180 dias. Seria aplicável este período inicial maior em virtude de ter sido celebrado um contrato indeterminado por “trabalhador à procura de primeiro emprego”, expressão que no entender da primeira instância equivale a trabalhador até aos trinta anos que nunca tenha estado antes vinculado por contrato de trabalho sem prazo, sendo irrelevantes as anteriores contratações a termo, conforme artigo 112º, 1, iii), CT, na redação aplicável da Lei 93/2019, de 04/09.
Afastou-se também, como supra referido, a aplicação da CCT entre a Associação Comercial ... - Comércio, Turismo e Serviços e outras e o C. - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços ... CCT, porquanto “…. A Cláusula 8ª nº2 al. a) deste contrato colectivo estabelece um período experimental de sessenta dias para a generalidade dos trabalhadores. Todavia, não existe qualquer regulamentação relativamente aos trabalhadores à procura do primeiro emprego, pelo que quanto a estes trabalhadores não é afastado o regime geral previsto na legislação laboral.”
Porém, tendo sido requerida a fiscalização sucessiva da constitucionalidade da norma aplicada pelo tribunal a quo (art. 112º, 1, a), iii), CT), foi já proferido pelo tribunal constitucional acórdão com força obrigatória geral (11) e efeitos retroactivos (”A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado - 282º CRP, 1, e 66º da Lei 28/82 (LTC), de 15-11).

Referimo-nos ao Ac. TC 318/2021, de 18-05 (12), em que se decidiu:

“a) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 112.º, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, na parte que se refere aos trabalhadores que “estejam à procura do primeiro emprego”, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro(s) empregador(es);
b) não declarar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 112.º, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do Código do Trabalho, na redação do Diploma referido na antecedente alínea, na parte remanescente;…”
A norma em causa (112º, 1, b), iii, CT) estabelece para os trabalhadores à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração um período experimental que se situa no dobro (180 dias) do prazo estipulado para a generalidade dos trabalhadores indiferenciados (90 dias). Foi isto o que motivou a sua submissão ao juízo de constitucionalidade junto do competente órgão jurisdicional.

Refere o preceito em causa- artigo 112º CT (Duração do período experimental):
1 - No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b) 180 dias para trabalhadores que:
i) Exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação;
ii) Desempenhem funções de confiança;
iii) Estejam à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração;
c) 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior.
2 - No contrato de trabalho a termo, o período experimental tem a seguinte duração: a) 30 dias em caso de contrato com duração igual ou superior a seis meses; b) 15 dias em caso de contrato a termo certo com duração inferior a seis meses ou de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite.
3 - No contrato em comissão de serviço, a existência de período experimental depende de estipulação expressa no acordo, não podendo exceder 180 dias.
4 - O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma atividade, de contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto, ou ainda de estágio profissional para a mesma atividade, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele, desde que em qualquer dos casos sejam celebrados pelo mesmo empregador.
5 - A duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo escrito entre partes…..”

O CT não oferece uma noção de “trabalhador à procura de primeiro emprego”. Da fundamentação do acórdão do TC resulta que se subscreveu o entendimento que vinha sendo dominante nos tribunais, por ter a seu favor a vantagem da estabilização e ser de pressupor que as alterações legislativas tiveram por base essa consolidação. Ou seja, é o trabalhador que nunca esteve vinculado por contrato de trabalho sem termo (também subscrito na primeira instância). Porém, este não é sequer o aspecto fundamental do caso, mas sim o sentido da declaração de inconstitucionalidade.
O Tribunal Constitucional fez a análise de inconstitucionalidade jogando com os princípios constitucionais da segurança no emprego (53º da CRP), da proporcionalidade (18º, 2, da CRP) e da igualdade (13º da CRP).
A norma em causa passou no teste de constitucionalidade quanto aos dos primeiros princípios constitucionais, mas não resistiu ao último.

A segurança no emprego (53º CRP) e a proporcionalidade (18º, 2, CRP):
Considerou o TC que a segurança e estabilidade no emprego englobam não só a proibição de despedimentos sem justa causa, mas também a não privação arbitrária do emprego e, de modo geral, todas as situações injustificadas de precariedade de emprego. Da norma constitucional resultará, pois, a regra do emprego estável, a excecionalidade da contratação a termo e a necessidade de razoabilidade na estipulação do período experimental. Afirmando-se mesmo “a existência de vasos comunicantes entre a proteção em matéria de despedimento e a contratação a termo” (13). Portanto, não suscitou dúvida ao TC que a norma que estende o período inicial, em que o empregador pode livremente cessar o contrato, afeta substancialmente o direito à segurança no emprego.
Sublinhou-se, porém, que tal direito tem por contraponto o direito à livre iniciativa económica privada (61º CRP), que engloba quer a liberdade de iniciativa económica, quer a liberdade de organização dos meios necessários para levar a cabo essa atividade económica.
O direito internacional, em particular o provindo da União Europeia (nota pé pág. 12), tem sublinhado que a entrada no mercado de trabalho ou transição para um novo posto não deverá ser sinónimo de insegurança prolongada, que os períodos experimentais devem ter uma duração razoável, que por regra não devem exceder os seis meses, salvo casos excecionais mormente os ligados à natureza do trabalho (vg cargos de direcção) ou ao interesse do trabalhador.
Pelo que, importando a ampliação do período experimental uma compressão dos direitos fundamentais (estabilidade de emprego), terá aquela de respeitar os limites do principio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade (18º CRP) exige uma relação de equilíbrio entre o objectivo e os meios empregues pelo poder público para o atingir, os quais interferem com outros interesses alheios constitucionalmente relevantes. Subdivide-se em três exigências: “adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”.
A ampliação do período experimental visou promover a contratação sem termo daqueles que procuram o primeiro emprego e dos desempregados de longa duração, influenciando o mercado de trabalho. Seria um incentivo à contratação sem termo.
Tendo em conta este objectivo, concluiu o TC: não existir conhecimento para se considerar a medida inadequada; não se prefiguram outras medidas alternativas menos restritivas que, em conjunto com outras, com a mesma intensidade, o alcancem; a medida não se mostra desequilibrada ou desproporcionada, face à contrapartida de potencial aumento de estabilização das relações laborais com recurso a contratação sem termo.

O principio da igualdade (13º CRP), sua violação e porquê:

Fez-se um refresh no acórdão recordando-se que sempre se entendeu que principio não proíbe que a lei estabeleça distinções. Veda-se somente o arbítrio. Proíbe-se as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem qualquer justificação razoável. Proíbe-se que se tratem de modo desigual situações essencialmente iguais e, também, que se tratem por igual situações essencialmente desiguais.
No caso, a comparação a estabelecer é entre as categorias de trabalhadores que “procuram o primeiro emprego e desempregados de longa duração” e a generalidade dos trabalhadores indiferenciados ou não especializados. Há que determinar se o diferente tratamento entre o primeiro e o segundo grupo encontra uma justificação bastante quanto à duração do período experimental.
Sublinhou-se no acórdão que a lei já valoriza, entre outras situações, a anterior contratação a termo de “trabalhadores à procura de primeiro emprego” desde que esta tenha sido com o mesmo empregador e na mesma actividade, determinando que esse tempo seja “descontado” no período experimental do posterior contrato indeterminado– 112º, 4, CT.
Aqui chegados, o TC recordou o propósito inicial do alargamento do período experimental de 90 para 180 dias, que foi o de meramente promover a contratação por tempo indeterminado através da eliminação do recurso indevido ao contrato de trabalho a termo.
Afirmou-se que, sob o prazo único de 180 dias, o novo regime esconde dois períodos distintos: (i) um de 90 dias que já existia e subsiste para a generalidade dos trabalhadores; (ii) outro de 90 dias, acrescentado pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro.
Considerando-se que o primeiro serve “para as partes se conhecerem e formarem um juízo sobre as condições para uma relação contratual por tempo indeterminado” (sic, ac. TC), o que é aliás a função tradicional do período experimental enquanto período de prova ou de «experiência», destinando-se a uma avaliação bilateral dos sujeitos do contrato.
E considerando-se que o segundo prazo “…destina-se a garantir um mínimo de experiência profissional genérica do trabalhador” que só se justifica caso o “trabalhador à procura de primeiro emprego” (14) nunca tenha tido qualquer experiência de trabalho naquela actividade, ainda que para outro empregador.

Assim se afirmando:
“Pois bem, os 90 dias acrescidos do novo regime só encontram justificação relativamente aos trabalhadores que não tenham (que não demonstrem terem) já cumprido um contrato de trabalho a termo para a mesma atividade por 90 dias (ou, por maioria de razão, vários contratos ou um contrato por tempo superior a 90 dias), ainda que com empregador diferente, porque ao fazerem-no – ao estar demonstrado que o fizeram – adquiriram precisamente aquela experiência profissional que justifica, para quem não adquiriu essa experiência, o alargamento do período experimental.
Não se encontra, pois, para estes trabalhadores, uma justificação objetiva, substancialmente convincente, para o tratamento igual ao dos trabalhadores sem aquela experiência.
Vale isto, pois, pela existência de violação do princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio, ao sujeitar esses trabalhadores ao mesmo período experimental alargado que se aplica aos trabalhadores sem qualquer experiência relativamente à atividade concretamente em causa, porque quanto aos 90 dias adicionais o tertium comparationis relevante já não é o conhecimento mútuo das partes no contexto de uma relação laboral, como nos primeiros 90 dias, mas a existência de um mínimo de experiência profissional respeitante a uma dada atividade. Desse ponto de vista, o tratamento igual das duas classes de sujeitos ou grupos sociais – trabalhadores inexperientes, por um lado, e trabalhadores com experiência, por outro – acaba por nos aparecer como arbitrária.”- negrito nosso.
Assim, se concluindo pela declaração de inconstitucionalidade do disposto no artigo 112º, 1, al.b), subalínea iii), do CT, na parte que se refere aos trabalhadores que “estejam à procura do primeiro emprego”, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro empregado e para actividade similar.

O caso dos autos:

A situação da autora cabe no conceito de “trabalhadora à procura de primeiro emprego” por nunca ter sido antes contratada sem prazo, a qual, contudo, tinha seis meses de experiência de trabalho anterior na mesma actividade (caixeira-ajudante) prestado a empresa terceira Y (Portugal) - Confecções, Sa. (15) – ponto provado 6.a.
Donde, em conformidade com o sentido da inconstitucionalidade da norma (112º, 1, b), iii, CT), o período experimental é apenas de 90 dias, em paridade com a generalidade dos trabalhadores indiferenciados, apenas com o objectivo de conhecimento mútuo. Ficando anulado o segundo período de 90 dias porque inexistir a razão que subjaz à ampliação do período experimental, a saber a inexperiência profissional em dada actividade.
Finalmente, considera-se prejudicada a questão da aplicação (ou não) do prazo geral previsto na CCT invocada pela autora, dado que esta consagra um prazo ainda menor (60 dias) para o período experimental.

E - O despedimento autor

Assim sendo, a denúncia do contrato foi feita para além do período experimental, pelo que, não sendo livre e recusando-se a ré a manter a autora como trabalhadora, equivale a despedimento irregular, com as legais consequências – 381º, c), 390º, 391º CT.
Está a ré obrigada a pagar a indemnização mínima de 3 meses de retribuição base como solicitado e as retribuições intercalares que deixou de auferir, deduzido o subsidio de desemprego caso a autora o tenha auferido.
A autora reclama também indemnização por danos não patrimoniais.
A lei laboral consagra o direito à indemnização por danos não patrimoniais em caso de despedimento ilícito. A sua regulamentação encontra-se no regime geral da responsabilidade civil por factos ilícitos. Do mesmo resulta que o dever de indemnizar depende da concorrência dos requisitos de ilicitude do facto lesivo, da culpa do lesante, do dano e o nexo de causalidade entre este e o facto lesivo – art.s 389º, 1 al. a), CT e 483º e segs. do Cód. Civil.
Em caso de danos não patrimoniais, exige-se, acrescidamente, que estes, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º do Cód. Civil.
No domínio laboral tem sido sublinhado pela doutrina e jurisprudência que o dano moral deve revestir um grau acrescido de lesão, dado que, por um lado, qualquer despedimento acarreta, por natureza, danos inerentes à perda do vinculo laboral e, por outro lado, a lei prevê já uma indemnização por ilicitude do despedimento a fixar entre 15 a 45 dias, com um mínimo de três meses de retribuição. Haverá, ainda, que atentar em especial no grau de culpa do lesante e na eventual contribuição para o evento por parte do trabalhador - Acórdão do STJ de 21-03-2018, in www.dgsi.pt.
No caso dos autos não resultaram provados danos que atinjam a gravidade requerida, tratando-se do dano normal inerente ao facto de se ficar desempregada.
Assim, não há lugar a indemnização por dano não patrimonial.

III – DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em revogar a decisão recorrida e dar provimento ao recurso nos seguintes termos:

a) declara-se a ilicitude do despedimento da autora;
b) condena-se a ré a pagar à autora €1.152,00 a título de indemnização e, ainda, as retribuições devidas desde trinta dias antes da propositura da acção e até ao transito em julgado desta decisão, deduzido o subsídio de desemprego eventualmente atribuído nesse período à trabalhadora e a ser entregue pela ré à segurança social (390º, 2, b), c), CT, tudo acrescidos dos juros de mora à taxa legal a contar do vencimento de cada prestação e até pagamento, no mais se indeferindo o peticionado.
Custas a cargo da recorrida.
Notifique.
23-09-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Contrato Coletivo de Trabalho entre a Associação Comercial de Braga – Comércio, Turismo e Serviços e outras e o CESMINHO – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços do Minho e Outro, publicado no BTE – Boletim de Trabalho e Emprego n.º19, 1.ª Série de 22 de maio de 1998,com sucessivas alterações.
2. Na redação dada pela Lei nº 93/2019, de 04 de Setembro.
3. O art. 8º Prevê o seguinte: O período experimental corresponde ao período inicial da execução do contrato e nos contratos por tempo indeterminado tem a seguinte duração: 60 dias para a generalidade dos trabalhadores, ou se a empresa tiver 20 ou menos trabalhadores, 90 dias”.
4. In Contrato de Trabalho a Termo, Coimbra Editora, pág. 185.
5. Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º19, 1ªSérie, de 22 de maio de 1998 e com última publicação consolidada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º8 – 1.ªSérie, de 29 de fevereiro de 2020, com Portaria de Extensão n.º88/2020, de 6 de abril.
6. Artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
7. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p. 435-6.
8. Por exemplo, vd STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.
9. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, ob. cit., p 437.
10. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, 1984, p. 139-141 e ss.
11. Artigo 281ºCRP (Fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade), nº 1, a)”O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral: a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;…”
12. Publicado no Diário da República nº 126/2021, Série I de 2021-07-01.
13. No Direito Internacional: Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (30º); Diretiva 1999/70/CE do Conselho de 28 de junho de 1999 (5º); Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019 (Considerandos nºs 27 e 28 e art. 8º); Convenção n.º 158 da OIT (2º,3, 4º), aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 55/94 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 67/94.
14. Que, recordamos, na acepção mais consensual nos tribunais, pode abranger desde trabalhadores sem nenhuma experiencia de trabalho a trabalhadores que tenham tido experiências laborais com contratos a termo.
15. Deixamos de parte a experiência de trabalho de dois meses com a própria ré, já que, descontado este tempo, resultaria num período experimental de 120 dias, tendo a ré denunciado o contrato antes deste termo- 112º, 4, CT.