Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
138/14.7GCVRL.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: USURPAÇÃO DIREITOS AUTOR E CONEXOS
OBTENÇÃO AUTORIZAÇÃO PRODUTOR DO FONOGRAMA
PAGAMENTO REMUNERAÇÃO EQUITATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Os direitos conexos estabelecem-se através de um ato complementar à obra intelectual, que se pode traduzir na sua radiodifusão, produção técnica e industrial ou na sua execução.

II - O produtor de fonograma ou videograma é a pessoa que fixou, pela primeira vez, os sons provenientes de uma obra intelectual.

III - A reprodução secundária de fonograma ou videograma editado comercialmente confere ao produtor o direito a uma "remuneração equitativa", não havendo necessidade da sua autorização ou licença para a realizar.

IV - O crime de usurpação de direitos de autor e direitos conexos depende da reprodução da obra intelectual, sem autorização do autor ou do produtor do fonograma.

V - Tratando-se de fonograma original, os direitos de autor e conexos foram pagos com a aquisição, pelo que a sua reprodução secundária não depende de qualquer autorização do produtor, dando-lhe tão-só e ao autor, o direito a uma "remuneração equitativa".

VI - Não sendo necessária licença ou autorização do produtor, a reprodução secundária de fonograma não coloca o agente como autor de um crime de usurpação de direitos conexos, aos de autor.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por despacho nestes autos de 9 de Fevereiro de 2 017, foi proferido despacho de não pronúncia quanto ao arguido R. M., sendo que a assistente “Empresa A” lhe imputava a prática de um crime de usurpação de direitos de autor e conexos, p. e p. pelos arts.º 195º/1 e 197º, por referência ao art.º 184º/2 C.D.A.D.C.
Com ele inconformado, dele recorreu a assistente “Empresa A”, sintetizando a final, as seguintes conclusões:

1. “O presente recurso foi interposto pela Assistente Empresa A – Associação Para a Gestão e Distribuição de Direitos, da douta decisão, proferida a 09.02.2017 (Refª. 30759102), que decidiu não pronunciar o arguido pela prática de um crime de usurpação, previsto e punido pelos artigos 195º.1, ex vi 184º.2 e 197º, todos do CDADC, mantendo o despacho de arquivamento.

2. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão do Mmo. a quo, não foi, na perspetiva da mesma, e com o devido respeito, a mais acertada.

3. Desde logo, porque a decisão do Mmo. Juiz a quo, contida na douta decisão recorrida, teve (na ótica da Assistente) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face dos factos indiciados.
4. Pois, se o Mmo. a quo. entende não existirem dúvidas que os factos que constam do auto de notícia se encontram suficientemente indiciados, contudo atende, com o devido respeito, de forma errónea à natureza do direito aqui em questão.
5. Efetivamente, confere o artigo 184º. 1 e 2 do CDADC, um direito exclusivo genérico, aos produtores, de autorização para a utilização das suas obras ou das prestações, por qualquer das formas de comunicação previstas no CDADC (nomeadamente execução pública) como forma de reconhecimento da titularidade de direitos sobre elas.
6. Ora, carecendo de autorização do produtor, designadamente, a difusão por qualquer meio dos fonogramas por si editados, a difusão ou execução pública sem tal autorização deverá ser considerada uma utilização não autorizada de tais fonogramas.
7. Pelo que, face ao disposto no artigo 184º.2 CDADC, particularmente quando conjugado com o disposto no artigo 195º do mesmo normativo legal, é vedado aos utilizadores difundir ou executar publicamente fonogramas/videogramas sem para tanto obterem a prévia autorização dos produtores, enquanto titulares de direitos conexos, ou dos seus representantes, designadamente da Assistente Empresa A.
8. Dependendo o direito de remuneração equitativa de produtores, artistas, intérpretes e executantes em virtude de tal execução pública, prevista no artigo 184º.3 do CDADC, da existência da supra referida autorização.
9. Não se mostrando, na época em que vivemos (tendo sido, pelo menos, desde 2004, ultrapassada pela evolução legislativa), sustentável a posição defendida pelo Prof. Doutor Oliveira Ascensão no que concerne à redação dada ao artigo 184º do CDADC (no sentido de que se um fonograma for editado comercialmente a sua utilização para a difusão pública não carecia de autorização do produtor, tendo este unicamente direito a uma remuneração sobre tal utilização).
10. Como aliás defende a doutrina nacional cada vez mais dominante, bem como, já tendo obtido acolhimento, expresso, na jurisprudência.
11. Pelo que, quer o direito de autor quer os direitos conexos assumem a veste de direitos absolutos e exclusivos, pois da sua natureza resulta imediatamente a faculdade de “impedir” ou de “autorizar/proibir” uma dada utilização por terceiros, a que corresponde a atribuição do chamado “exclusivo de exploração” ou “Jus Proibendi”.
12. São pois direitos dotados de eficácia erga omnes, à qual, corresponde um dever geral de abstenção (obrigação passiva universal) de quaisquer atos que ponham em causa o referido “exclusivo de exploração”.
13. Corroborando nesse sentido a interpretação do artigo 184º do CDADC quando conjugada com demais disposições do mesmo normativo legal (artigos 141º4, 150º, 211º.5, 221º), bem como, com o disposto no artigo 6º do Decreto – Lei 333/97 de 27 de Novembro (respeitante à regulação da radiodifusão por satélite e retransmissão por cabo), onde se estabelece o direito exclusivo do autor autorizar a comunicação, direito exclusivo esse que é extensivo aos artistas, executantes e produtores de fonogramas ou videográficos.
14. Acresce que, o legislador sempre que quis retirar determinada utilização ao regime do direito exclusivo, fê-lo quer através do licenciamento compulsivo (cfr. artigos 8º.2, 52º, 70º.3, 144º.1 e 191º do CDADC) quer através do regime das utilizações livres (cfr. artigos 75º e 76º do CDADC).
15. Não se enquadrando a previsão do artigo 184º do CDADC em nenhuma delas.
16. Ora, a ambiguidade que a própria doutrina tradicional encabeçada pelo Prof. Doutor Oliveira Ascensão, reconhece ao artigo 184º.3 do CDADC, não se mostra compatível com o carácter excecional das licenças obrigatórias.
17. Não tendo assim, qualquer sentido, conferir o direito exclusivo de autorizar e mandar aplicar o dispositivo no artigo 184º CDADC e depois interpretar essa aplicação com uma denegação do direito que foi concedido.
18. Decorrendo tal direito exclusivo de um imperativo comunitário – artigo 3º.2 b) da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à harmonização de certos aspetos do Direito de Autor e dos Direitos Conexos na Sociedade de Informação e artigos 20º.1 e 21º da Convenção de Roma para a proteção dos artistas, intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão de 1961.
19. Ora, das fontes comunitárias relevantes a este propósito, resulta o reconhecimento que este direito exclusivo contribui para o fim prosseguido pelas Diretivas Comunitárias nesta matéria - o maior nível de proteção possível tendo em conta o papel que é atribuído pela União Europeia aos bens e serviços culturais como meios do desenvolvimento económico e social.
20. Aí se fazendo, inclusive a apologia da atribuição de direitos exclusivos, nesta matéria, nas legislações nacionais dos Estados membros.
21. Pelo que, é inequívoco a existência do direito exclusivo de autorização na esfera jurídica dos produtores fonográficos/videográficos, sendo que, para que exista utilização é necessário que previamente se tenha verificado a respetiva autorização.
22. Sob pena de ficar vazio de sentido a atribuição do aludido “exclusivo de exploração” à ora Assistente.
23. Cabendo-lhe, por força do disposto no artigo 178º.1 a) e 2 do CDADC, um direito de autorização reforçado (pois engloba não só o seu direito autónomo de autorização como também o direito de autorização dos artistas quanto à comunicação ao público de uma prestação já fixada).
24. Deste modo, constituindo assim elemento do tipo legal do crime em causa (artigo 195º CDADC), a utilização, não autorizada, de uma obra e/ou prestação protegida por direitos de autor e conexos,
25. É exatamente esta vertente do crime de usurpação (execução pública não autorizada/licenciada de fonogramas no estabelecimento explorado pelo arguido) que resulta indiciada da factualidade constante dos autos.
26. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 75º, 141º.4, 195º, 197º, 184º, 211º.5 e 221º, todos do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.”

Contra-alegou, ainda em 1ª instância, o M.P. Sustenta, em síntese, que o produtor não pode ter direitos penalmente protegidos que o artista não tem, conforme dispõe o art.º 178º/1, a), C.D.A.D.C. Mais, que já não estariam em causa direitos imateriais, mas a defesa penal de meros interesses económicos. Propugna, a final, pela improcedência total do recurso apresentado pelo assistente.
O arguido não contra-alegou.
Já neste Tribunal da Relação foi aberta vista ao Dignm.º Procurador Geral Adjunto. Considera o mesmo que, tratando-se de um fonograma editado comercialmente e como decorre do disposto nos ns.º 2) e 3) do art.º 184º C.D.A.D.C., o produtor apenas tem direito a uma remuneração equitativa, não havendo necessidade de qualquer licença/autorização. Como só nos casos de falta de autorização do autor ou do produtor pode ocorrer o dito crime de usurpação, p. e p. pelo art.º 195º/1 C.D.A.D.C. e no caso apenas há o direito a uma remuneração, considera que o arguido não terá cometido o citado crime. Defende pois e também, a improcedência total do recurso.
Notificados os assistentes (“Empresa A” e “S.P.A.”) e o arguido para responderem, querendo, nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., nenhum o fez.
O recurso vai ser julgado em conferência, conforme dispõe o art.º 419º/3, b), C.P.P.

2 – Fundamentação

Para melhor se apreciar a questão “sub-judice”, transcrever-se-á de seguida, a decisão recorrida:
“ Declaro encerrada a instrução.

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O Tribunal é competente e as partes são legítimas.
Não existem nulidades ou outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
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Findo inquérito o Ministério Público, por despacho de fls. 239 e seguintes, decidiu arquivar os autos.
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Devidamente notificada, a assistente veio requerer a abertura de instrução, pedindo a pronúncia do arguido pela prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195º, nº1, 184º, nº2, e 197º, todos do CDADC.
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Foi declarada aberta a instrução por despacho de fls. 289.
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Posteriormente teve lugar debate instrutório, o qual se realizou e decorreu com observância de todos os formalismos legais.
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Mantendo-se os pressupostos de validade e regularidade da instância cumpre proferir a decisão a que alude o art. 307.º do Código Processo Penal. Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real Juízo Local Criminal de Vila Real Palácio da Justiça - Praça Luís de Camões 5000-626 Vila Real Telef: 259309950 Fax: 259309989 Mail: vilareal.judicial@tribunais.org.pt Proc.Nº 138/14.7GCVRL
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Dispõe o nº1 do art. 286.º do Código Processo Penal que “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.”
Tal operação de sindicância pressupõe a verificação da existência dos pressupostos da punição, ou seja, a verificação da existência do crime e a responsabilidade do seu agente.
Por outra parte, estabelece o art. 308.º, n.º 1, do citado diploma legal, que “se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Assim, para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da infracção, bastando-se com indícios da sua prática, de onde se possa formar a convicção de que existe uma probabilidade razoável de ter sido cometido um crime pelo arguido.
Como salienta o Professor Germano Marques da Silva, “para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido”.
No que concerne ao que deve entender-se por indícios suficientes, o art. 283.º, n.º2 do Código de Processo Penal, aqui aplicável ex vi art.308.º, n.º2 do mesmo diploma legal, refere que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Um indício enquanto meio de prova deve ser um facto certo, claro, inequívoco, que tem uma relação de conexão lógica e perceptível com o facto que se pretende provado. Não é, portanto, uma mera ilação, suposição ou analogia, nem vale sozinho ou isolado, na medida em que é discordante dos restantes indícios.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1/03/2005, disponível in www.dgsi.pt, “o indício é (em si) um facto certo pelo qual se chega à demonstração do facto (ou factos) incerto (s) a provar segundo o esquema do chamado silogismo judiciário. Para que os indícios sejam suficientes, ou seja, para que os indícios tenham um valor probatório, é necessário que sejam precisos, graves e concordantes”, sendo que “por indícios suficientes entendem-se suspeitas, vestígios, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer de que há crime e é o arguido o responsável por ele”.
Por outra parte, como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/2006, proferido no âmbito do processo n.º 06P2315, disponível in www.dgsi.pt., “o juiz só deve pronunciar o arguido, quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido. Os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”.
Assim, sendo este o entendimento legal em que deve assentar a prolação de despacho de pronúncia e de não pronúncia do mesmo resulta que o despacho de pronúncia só deve ser proferido se for possível formular um juízo de probabilidade de aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança.
Atento nos pressupostos enunciados importa averiguar se, no caso em análise, existem indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento neste auto.
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No caso vertente, a questão que se coloca em primeiro lugar é a de saber se a factualidade apurada nos autos constituirá ou não a prática do crime imputado ao arguido.
Assim, e desde logo, na situação concreta, há que ter em conta os seguintes artigos 195º, nº1, 184º, e 197º, todos do CDADC.
Ora, prescreve o artigo 195º, nº1, do CDADC, que “comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.
Por sua vez, prescreve o artigo 184º do mesmo diploma legal que:

“1 - Carecem de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a reprodução, directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, e a distribuição ao público de cópias dos mesmos, bem como a respectiva importação ou exportação.
2 - Carecem também de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a difusão por qualquer meio, a execução pública dos mesmos e a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.
3 - Quando um fonograma ou videograma editado comercialmente, ou uma reprodução dos mesmos, for utilizado por qualquer forma de comunicação pública, o utilizador pagará ao produtor e aos artistas intérpretes ou executantes uma remuneração equitativa, que será dividida entre eles em partes iguais, salvo acordo em contrário.
4 - Os produtores de fonogramas ou de videogramas têm a faculdade de fiscalização análoga à conferida nos n.os 1 e 2 do artigo 143.º.”

Finalmente, prescreve o artigo 197º do mesmo referido diploma legal que:

“1 - Os crimes previstos nos artigos anteriores são punidos com pena de prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias, de acordo com a gravidade da infracção, agravadas uma e outra para o dobro em caso de reincidência, se o facto constitutivo da infracção não tipificar crime punível com pena mais grave.
2 - Nos crimes previstos neste título a negligência é punível com multa de 50 a 150 dias.
3 - Em caso de reincidência não há suspensão da pena.”.
Isto posto, quid iuris no caso dos autos?
Ora, antes de mais, a este propósito, importa salientar que se afigura indubitável a necessidade de se obter licença/autorização dos produtores de fonogramas para a reprodução e distribuição de cópias dos mesmos, nos termos do preceituado no artigo 184º, nº1, do CDADC.

Todavia, tal não implica que seja sempre necessária a obtenção de licença/autorização dos produtores ou das entidades que os representem para a execução pública das obras musicais previamente fixadas nos ditos fonogramas.
Com efeito, da conjugação do disposto no nº2 com o nº3 do artigo 184º do CDADC, resulta que a necessidade de obtenção de licença/autorização dos produtores para a execução pública de obras musicais apenas tem lugar quando o fonograma não tiver ainda sido editado comercialmente, pois que se já o tiver sido, como é precisamente o caso dos autos, então o produtor apenas tem o direito de participar na remuneração prevista no mencionado nº3 do artigo 184º do CDADC (cf. neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Autor e Direitos Conexos, 390/III, Coimbra Editora, 1992, pág. 570).
Trata-se, por conseguinte, de distinguir entre, por um lado, um direito de exclusão, cifrado na possibilidade de impedir que outrem proceda à execução pública de certas obras musicais não editadas comercialmente e, por outro, de um direito de remuneração, decorrente da execução pública de obras já editadas comercialmente.
Neste último caso, que é o dos autos, o produtor não pode, em nosso entender, impedir a execução pública de obra musical, por isso não carecer de licença ou autorização por si emitida, mas já terá o direito de obter compensação económica do utilizador nos termos fixados na lei (nº3).
Trata-se, de resto, de algo semelhante ao que sucede com a tutela reservada aos artistas, onde também se prevê (artigos 178º e 179º do CDADC) um direito de remuneração mais vasto que o direito de impedir a comunicação ao público das obras interpretadas ou executadas, direito este (de exclusão) que também se limita aos casos em que as obras ainda não tenham sido fixadas ou radiodifundidas (cf. OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., pág. 561).

Face ao exposto, é nosso entender que a factualidade imputada no requerimento de abertura de instrução não deverá importar qualquer responsabilidade criminal para o arguido, pois que o tipo criminal de usurpação de direitos de autor (artigo 195º, nº1, do CDADC) apenas tutela, em nosso entender, os casos em que é necessário obter autorização/licença do produtor e já não aqueles em que ele tem apenas o direito a uma compensação patrimonial pela utilização da obra.

Face ao exposto, embora por motivos não totalmente coincidentes, entendemos que não merece reparo a decisão do Sr. Procurador Adjunto ao arquivar os autos.

Perante tal, e tratando-se exclusivamente de uma questão de direito, o Tribunal não descrimina os factos indiciados e os não indiciados, não obstante duvidas não existirem que os factos que constam do auto de notícia se encontram suficientemente indiciados.
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Decisão Instrutória:

Face a tudo quanto se expôs, decide-se não pronunciar o arguido R. M. pela prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195º, nº1, 184º, nº2, e 197º, todos do CDADC, ou quaisquer outros, mantendo o despacho de arquivamento.
Sem custas, atento o disposto no artigo 4º, nº1, al. f), do RCP.
Notifique.”

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Do Dever de Obter Autorização do Produtor do Fonograma e do Dever de Pagamento de Remuneração Equitativa;
2.1.2. – Do Crime de Usurpação de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

2.2. - Do Dever de Obter Autorização do Produtor do Fonograma e do Dever de Pagamento de Remuneração Equitativa

Em termos indiciários, não há dúvidas de que:

- o arguido R. M. é sócio e gerente, de facto e de direito, da sociedade “MS, RRM, Lda.”, que explora o estabelecimento de alterne “NC”, em Vila Real;
- no dia 24 de Março de 2 014, pelas 00.52 horas, tocava em voz alta para os clientes um fonograma da coletânea “BL Clube BL”, do artista “BL”, através de um “CD” original;
- no dia 26 de Outubro de 2 014, pelas 00.20 horas, tocava também em voz alta para os clientes do estabelecimento um fonograma da coletânea “Hit Love”, através de um CD original;
- o arguido não tinha autorização dos produtores de fonogramas e videogramas, para efetuar a sua comunicação pública ou difusão, designadamente da “Empresa A”;
- tal como não tinha autorização para o mesmo, por parte dos artistas e/ou seus representantes, designadamente da “G.D.A.”;
- nem tinha pago àqueles ou a estas, qualquer quantia monetária, acordada como justa.
Estes factos são, por todos, admitidos como indiciados.
Questão que se coloca nos autos e em sede de Instrução, é a de saber se os mesmos integram a previsão do crime de usurpação de direitos de autor e direitos conexos, p. e p. pelos arts.º 184º/3, 195º e 197º C.D.A.D.C. Questão que é pois, única e exclusivamente de direito.
De um lado, temos o despacho de arquivamento do M.P. e o de não pronúncia do J.I.C., embora com fundamentações distintas; do outro, o requerimento para abertura da Instrução formulado pela assistente “Empresa A”, que sustenta a pronúncia do arguido, pelo citado crime.
Importa pois e em primeiro lugar definir o que são os Direitos de Autor e os Direitos Conexos e verificar o que visam proteger.
Como diz Menezes Leitão, “Direito de Autor”, Livraria Almedina, 2 011, pág. 45, os direitos de autor “resultam da atividade de criação intelectual e têm por objeto uma obra intelectual”. Refere ainda que “se trata de um direito que incide sobre uma realidade unitária, a qual consiste na obra intelectual”. E, em síntese, que constituem a “permissão normativa de aproveitamento de uma obra intelectual”. Neste caso, o seu beneficiário é ainda o artista ou autor.
Nos termos do disposto no art.º 1º C.D.A.D.C. “consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, que, como tais são protegidas no âmbito deste Código, incluindo-se nessa proteção os direitos dos respetivos autores”.
O respetivo n.º 3) assinala que este direito incorpóreo que se materializa numa obra “é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração”. Com efeito, uma coisa é a materialização da obra num livro ou num fonograma e outra, é a própria obra intelectual em si, que essa mesmo goza da proteção dos direitos de autor.
A par dos direitos de autor e não prejudicando estes (art.º 177º C.D.A.D.C.), protege também a lei os direitos conexos.
“Os direitos conexos pressupõem uma prestação complementar à obra intelectual, que pode consistir na sua execução, na sua produção técnica e industrial ou na sua radiodifusão – Menezes Leitão, op cit., pág. 243.
No caso, está em debate a reprodução por som e ao público, de dois fonogramas autênticos e em que, por isso, já foram pagos os direitos de autor e conexos iniciais.
Nos termos do disposto no art.º 176º/3 C.D.A.D.C., o “produtor de fonograma ou videograma é a pessoa singular ou coletiva que fixa pela primeira vez os sons provenientes de uma execução ou quaisquer outros”.
Ora, a assistente “Empresa A” é uma congénere da “Sociedade Portuguesa de Autores”, que protege os direitos conexos, dos ditos produtores de direitos de autor.
E, nos termos do disposto nos arts.º 108º/2, 149º/3 e 184º/1 e n.º 2), C.D.A.D.C. são os produtores fonográficos e não os artistas, os titulares do direito de autorizar a comunicação pública e a difusão de fonogramas/videogravuras. E que devem também os autores autorizar, por si ou pelos seus representantes (art.º 68º/2, e), C.D.A.D.C.).
Comunicação pública ou difusão que está obviamente em causa, quando num Bar se ouve como música ambiente ou de dança, determinada obra fonográfica.
Diga-se, desde já, que nenhuma da vasta jurisprudência referida pelo recorrente a fls. 351 e 353 do seu recurso (referimo-nos à publicada, obviamente) é aplicável ao caso concreto, pois versa sobre questões civis e não criminais.
Porém, a questão sobre que versam os autos é mais específica. Estava em causa a difusão pública de um “CD original”: Ora, a fixação do fonograma e sua difusão já tinham sido, obviamente, autorizadas quando do licenciamento do “CD”. E, com efeito, a compra de um “CD” original não permita a sua retransmissão pública (art.º 141º/4 C.D.A.). Já a sua reprodução ou difusão pública carecem de autorização do produtor (art.º 184º/1 e n.º 2), C.D.A.D.C.).
Porém, já o n.º 3) deste art.º 184º trata de um caso distinto – o do “fonograma ou videograma editado comercialmente”, aliás, como é o caso dos autos. É esta parte, que distingue a previsão deste art.º, dos arts.º anteriores. E, para este caso, o que a lei prevê é o pagamento pelo utilizador, ao produtor e artista de uma “remuneração equitativa”. Nas reproduções secundárias não se fala pois, expressamente, da necessidade de qualquer nova autorização ou licença. Como diz Oliveira Ascensão, a sua comunicação pública não carece de qualquer autorização – em “Direito Civil – Direitos de Autor e Direitos Conexos”, Coimbra Editora, 1 992, págs. 570/571.
Não se desconhece que, recentemente, vem aparecendo doutrina no sentido inverso, nomeadamente depois da publicação na revista “O Direito”, Ano 142º (2 010), n.º 5, do artigo do Professor Menezes Cordeiro, “Da Reprodução de Fonogramas sem Autorização do Produtor perante o Direito Português Vigente”. Diz este insigne Professor, a fls. 861 deste seu artigo,que os ns.º 2) e 3) do art.º 184º C.D.A.D.C.
“deixam claro que quer a reprodução, em qualquer das suas modalidades, quer a difusão, também por qualquer das vias possíveis, carecem de autorização do produtor”.
Esta tese é a sufragada no Parecer que se junta do Senhor Professor Pinto Monteiro e é ainda defendida pelo Professor Menezes Leitão, na obra supra citada sobre Direitos de Autor – cfr. nota de rodapé n.º 323, a fls. 263.
Para estes autores, a difusão secundária teria ainda de ser autorizada pelo produtor do fonograma. A isso obrigavam os referidos ns.º 1) e 2) do art.º 184º C.D.A.D.C. que teriam uma previsão genérica que abrangeria também os casos de fonogramas já editados comercialmente.
Salvo o devido respeito, considera-se porém que esse n.º 3 do art.º 184º C.D.A.D.C. (introduzido pela Lei n.º 114/91, de 3/9) tem como origem o art.º 12º da Convenção de Roma (“Convenção Internacional para a Proteção dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, dos Produtores de Fonogramas e dos Organismos de Radiodifusão”), que também ele fala em “remuneração equitativa” e nunca em autorização ou licenciamento, pelos produtores – de resto, a reprodução daquele normativo é quase integral. Convenção de Roma pois, que não falava em qualquer necessidade de uma nova autorização ou licença.
Mais uma vez, as dificuldades de interpretação do preceito decorrem também do número de alterações infligidas à versão original do C.D.A.D.C. (D.L. n.º 63/85, 14/3, na sua 15ª versão – cfr. site da “pgdl”, em legislação), tantas vezes a reboque de Convenções Internacionais, sem um estudo de adaptação ao que já está legislado.
É que, como se disse, a autorização ou licença já foi dada quando da introdução do fonograma no mercado, naturalmente contra o pagamento dos respetivos direitos de autor. E, o produtor ganha na venda desse mesmo fonograma.
O art.º 184º/3 C.D.A.D.C. prevê assim, um duplo direito a retribuição, quer para o produtor, quer para o autor.
Mas, já não um duplo licenciamento ou autorização da reprodução da obra intelectual. Temos assim, que os ns.º 1) e 2) do art.º 184º C.D.A.D.C. se referem à obrigação de licenciamento e autorização de obras ainda não “editadas comercialmente” e o n.º 3), como ele próprio refere, ao direito à renumeração por reprodução secundária, no caso das obras já comercialmente editadas – neste sentido Oliveira Ascensão, op. cit., págs. 570/571.
Nestes casos, em que se insere o dos autos, há pois o direito a uma nova remuneração para autores e produtores, mas não a obrigação de uma nova autorização ou licenciamento, por parte de ambos.
Tratam-se pois de realidades distintas e que não podem ser confundidas.
De resto e como bem refere o Digno Magistrado do M.P. junto da 1ª instância, mal se compreenderia que aqui o produtor, que seria quem teria de dar a autorização, fosse mais protegido que o próprio autor, que a não teria de dar como dispõe o art.º 178º/1, a), “in fine”, C.P.P. e aliás como o autor do parecer junto reconhece, a fls. 425, nota 3) dos autos.
Ora, deve lembrar-se que os Direitos de Autor têm o seu paradigma nos direitos do autor da obra e não no seu produtor, aliás por isso se denominado respetivamente, de Direitos de Autor e de Direitos Conexos.
Conclui-se pois que, quanto às obras já editadas comercialmente, o direito à “remuneração equitativa” de que trata o art.º 184º/3 C.D.A.D.C. não se traduz em qualquer direito a autorizar ou licenciar reproduções secundárias por parte do produtor, mas num mero direito a receber uma remuneração acrescida. Trata-se pois, de um mero direito patrimonial, aliás e como o próprio dispositivo diz, a dividir em partes iguais entre autor e produtor.
Aqui chegados, importa agora analisar o âmbito da previsão do crime de usurpação de direitos de autor e conexos, p. e p. pelos ns.º 1) e 2) do art.º 195º C.D.A.D.C.

2.3. - Do Crime de Usurpação de Direitos de Autor e Direitos Conexos

O art.º 195º C.D.A.D.C. vem inserido no Título do mesmo Código referente à “violação e defesa do direito de autor e dos direitos conexos”. Trata-se da previsão de tipo criminal, na defesa exatamente dos Direitos de Autor e Direitos Conexos. O crime é o de usurpação desses direitos e é punido nos termos do disposto no art.º 197º/1 C.D.A.D.C. e também a título de negligência (art.º 197º/2 do mesmo diploma).
Sucede exatamente quando alguém utiliza uma obra por qualquer das formas previstas neste Código, sem autorização do autor, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão.
A tónica vem pois, na ausência da referida “autorização” ou licença. Autorização que, naturalmente, tem de ser devida ou obrigatória.
O art.º 195º/1 C.D.A.D.C. traça a tipificação genérica do crime. As três alíneas do seu n.º 2) tipificam taxativamente outros casos de cometimento do crime que não cabem, à partida, na previsão do n.º 1. A previsão é pois mista: por conceito legal e depois, por tipificação taxativa.
No caso, não se está perante qualquer das als. do n.º 2), do referido art.º 195º.
E, quanto ao n.º 1), também não cabe o caso dos autos na respetiva tipificação, pois como se disse, o produtor só teria direito a uma dupla remuneração, mas já não teria de aprovar ou licenciar qualquer desempenho.
Do que resulta que os factos indiciados não merecem censura penal.
Deve, por isso, manter-se o despacho de não pronúncia proferido.
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Termos em que,

3 – Decisão

a) se julga totalmente improcedente, o recurso apresentado pela assistente “Empresa A” e, por via disso mantém-se o despacho recorrido.

b) Custas pela recorrente, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 515º/1, b), C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.

c) Notifique.


(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Bernardes)