Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3138/19.7T8BRG.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora).

1. Age em abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, o demandado que cria uma situação que dá azo à demora na dedução da ação, por tornar incerta a necessidade de a intentar, e após deduz a exceção perentória de caducidade.

2. Se o demandado acorda com o demandante que vai tomar diligências para decidir se este tem razão, com vista a chegar a uma posição que evita a dedução da ação, e o demandante por causa dessa promessa aguarda pela resposta do demandado para a deduzir, há que considerar que aquele que, no fundo, solicitou tempo para decidir se acedia ou não ao peticionado, está a manifestar que não irá contabilizar esse período para efeitos da contagem da caducidade.

3. De outra forma, estar-se-ia a desincentivar a colaboração das partes na regulação do conflito e a permitir que a boa-fé daquele que acredita que o reclamado irá efetivamente efetuar diligências para obter uma solução mais correta, concedendo-lhe tempo para isso, o prejudique, injustamente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Requerentes e Apelados:
- (…) e (…), residentes na Rua (…),Braga

Requeridos e Apelantes:
- (…) e (…), residentes na Rua (…) , … Braga,

Autos de apelação em providência cautelar especificada de embargo de obra nova

1. I- Relatório

Peticionaram os Requerentes que se ordene a suspensão dos trabalhos de construção que os Requeridos se encontram a executar, porquanto estas ocupam parcialmente o prédio dos Requerentes, dando-lhes prejuízo.
Os Requeridos opuseram-se, defendendo, em súmula, quer a caducidade do direito de embargar, quer a falta de razão dos Requerentes, por não estarem a ocupar o seu prédio.
Produzida a prova, foi proferida sentença que julgou procedente por provado o procedimento cautelar intentado, determinando o embargo da obra encetada pelos requeridos, explicitando-se, no entanto, que os requeridos podem prosseguir a obra, na parte do seu prédio que não se mostra em discussão nos autos, devendo sempre salvaguardar a parcela de terreno aludida em 15 dos factos provados.

Não se conformando com esta decisão, foi interposto recurso de apelação pelos Requeridos, os quais formulam as seguintes

conclusões:

1. Os requerentes da providência e aqui recorridos não agiram dentro do prazo de 30 dias, a que alude o artigo 397.º do Código de Processo Civil, o que, importa desde logo a caducidade do direito de embargar.
2. Tal como resultou da confissão do requerente/recorrido marido e das declarações de parte da recorrente mulher, ficou demonstrado à saciedade que os recorridos tomaram conhecimento da obra efetuada pelo menos no dia 4 de Abril de 2019, data do primeiro telefonema do requerente marido para a requerida mulher.
3. Dispondo do prazo de 30 dias para apresentar em juízo a petição de embargos, a mesma deveria ter dado entrada em juízo até ao dia 4 de Maio de 2019, o que não sucedeu.
4. Desde o início do mês de abril de 2019, altura em que os recorrentes vedaram o seu prédio com malha sol e procederam à abertura da cinta/vala para as fundações do muro de betão, os recorridos, que residem em frente ao local da obra, tomaram conhecimento da obra que aqueles se encontravam a executar.
5. Tendo a petição inicial de embargo de obra nova dado entrada em juízo no dia 04 de Junho de 2019, ou seja, para lá do prazo de 30 dias previsto no artº 397.º nº 1 do CPC, deveria o tribunal recorrido ter concluído desde logo pela caducidade do direito de embargar dos Requerentes/Recorridos e da intempestividade do procedimento intentado.
6. Do depoimento do requerente marido e da requerida mulher, não resulta de forma alguma que os requeridos tenham causado qualquer expectativa aos requerentes, pelo contrário.
7. Determina o artigo 328.º do Código Civil que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine, acrescentando o artigo 329.º da referida disposição legal que, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido.
8. Nos termos do artº 331º, nº 1 do Código Civil, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo. O impedimento corresponde à efetivação do direito, não gerando novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição.
9. Ora, in casu, face aos elementos constantes dos autos, inexistiu qualquer facto impeditivo da caducidade do direito de embargar por parte dos recorridos, uma vez que, os aqui recorrentes não criaram qualquer expectativa nos recorridos de que iriam resolver qualquer situação e/ou assumiram perante os Recorridos que estavam a ofender qualquer direito de propriedade destes.
10. Assim, mal andou o tribunal recorrido ao considerar que os recorrentes criaram qualquer expectativa nos recorridos de que iriam resolver o que quer que fosse, uma vez que, sempre os recorrentes transmitiram a estes últimos, que estavam a atuar dentro da legalidade e que a obra encetada estava a ser efetuada dentro de terreno de sua propriedade.
11. No caso em apreço o prazo para instaurar o procedimento cautelar de obra nova por parte dos recorridos era de 30 dias a contar do conhecimento da obra iniciada por parte dos aqui Recorrentes, pelo que, e tendo o tribunal recorrido concluído que o muro de vedação executado foi do conhecimento dos requerentes no dia 4.4.2018 - cfr artigo 16 da matéria de facto dada como provada, sempre a sentença em crise deveria ter concluído pela caducidade do direito de embargar e a extemporaneidade da providência intentada por parte dos Recorridos, face à inexistência de qualquer causa impeditiva de caducidade por ausência de factos bastantes para o efeito.
12. Mas e mesmo que se dê acolhimento ao entendimento plasmado na sentença em crise, de que o comportamento dos recorrentes para com os recorridos configurou um facto impeditivo da caducidade do procedimento cautelar em virtude dos contactos estabelecidos entre as partes, o que não se concede, atenta a matéria de facto dada como provada, sempre a solução jurídica haveria de ser a mesma, isto é, haveria de ter sido julgada procedente a verificação da exceção de caducidade do direito de embargar e da extemporaneidade da providência.
13. Resulta da matéria de facto dada como provada que “os contactos entre as partes continuaram pelo menos até 15/04/2019” - cfr artigo 19.º da matéria de facto dada como provada.
14. Ora, tendo os contactos entre ambas as partes decorrido até 15/04/2019, os recorridos deviam ter dado entrada em juízo do procedimento cautelar de obra nova até ao dia 15 de Maio de 2019, o que não aconteceu.
15. A partir de 15/04/2019 e não tendo ocorrido mais contactos entre as partes não restava aos requerentes outra alternativa que não fosse a de dar entrada em juízo da providência cautelar, o que deveriam ter efetuado no prazo de 30 dias, ou seja, até 15/05/2019.
16. Nada justifica a concessão aos requerentes da providência de um prazo superior aos 30 dias para além do termo das negociações, sob pena de se afastar o prazo legalmente fixado no artº 397 do CPC.
17. Tal como se verifica da petição inicial, a presente petição de embargos de obra nova só deu entrada em juízo no dia 04/06/2019, muito para além do prazo de 30 dias, quer do conhecimento da obra que os requeridos/recorrentes estavam a levar a cabo (4/4/2019), quer do termo das pretensas conversações que as partes levaram a cabo (15/04/2019), razão pela qual, dúvidas não restam de que o procedimento cautelar intentado pelos requerentes/recorridos é extemporâneo, mostrando-se caduco o seu direito de embargar a obra dos requeridos, razão pela qual, a sentença em crise deve ser revogada e substituída por outra que julgue verificada a extemporaneidade do procedimento cautelar intentado e a caducidade do direito dos recorridos, nos termos do disposto no artº 397 do Código de Processo Civil.
18. Por sua vez, no que concerne à matéria de facto dada como provada por parte do tribunal recorrido no tocante aos pontos 8., 13.º, 14.º e 15.º entendem os aqui Recorrentes que a mesma deveria ter merecido outra resposta por parte do tribunal.
19. Com efeito, não dispunha o tribunal recorrido de elementos bastantes, uma vez que, tal não decorreu do depoimento prestado por qualquer testemunha ou de documento junto aos autos, qual a pretensa área que se encontra a ser ilegitimamente ocupada pelos recorrentes no terreno dos Recorridos, designadamente, que a mesma acontece ao longo de toda a estrema de confrontação dos dois prédios e numa largura não inferior a um metro.
20. Pelo contrário, as próprias testemunhas dos recorridos, cujo depoimento se encontra transcrito supra, transmitiram ao tribunal que a construção levada a cabo pelos recorrentes “começou bem”, na parte de cima, na parte nascente, até respeita o limite do terreno.
21. Por sua vez, os dois antepossuidores do prédio, agora pertencente aos recorrentes, referiram categoricamente que o limite constante do levantamento topográfico junto com a oposição define a área correta do terreno - estrema Norte e Sul e estrema Poente e Nascente - e que a construção levada a cabo pelos recorrentes respeitou e teve em conta tais limites.
22. O depoimento destas duas testemunhas supra transcrito foi absolutamente claro, sendo que nenhuma delas teve qualquer dúvida em afirmar que o marco e a cruz a que os recorrentes fazem referência na sua petição inicial não delimitam a estrema Norte/Sul entre os prédios em questão, estando o marco localizado a nascente do prédio dos recorrentes, bem como, a cruz gravada na pedra a poente, a demarcar as estremas Nascente e Poente deste mesmo prédio, tal como, aliás, consta do referido levantamento topográfico juntos aos autos com a oposição.
23. As testemunhas dos recorridos apenas souberam transmitir ao tribunal, que na sua opinião, que não se encontra alicerçada em quaisquer factos atendíveis, existiu uma ocupação pelos recorrentes no prédio dos recorridos.
24. As testemunhas dos Recorridos J. F. e C. A., referiram mesmo que, na parte de cima do terreno (nascente) está tudo em conformidade, sendo que apenas na parte de baixo do terreno dos recorridos, existe uma “ligeira alteração”, não tendo nunca referido em que parte e em quanto o terreno terá sido ocupado.
25. Da prova produzida em sede de julgamento e dos documentos juntos aos autos resulta demonstrado à saciedade que a obra levada a cabo pelos Recorrentes respeitou todos os limites do seu terreno, não invadindo qualquer parte do terreno dos Recorridos.
26. Ficou demonstrado que o prédio dos Recorrentes confronta na estrema Norte com a estrema Sul do prédio dos Recorridos, encontrando-se a linha divisória ou estrema entre os prédios dos Recorrentes e Recorridos definida desde há muitos anos, há mais de 50 e 70 anos, por alguns marcos e por uma cruz gravada no penedo, sendo que esta divisão, através de marcos e cruzes gravadas na pedra que se encontram no local desde tempos imemoriais, fazem a demarcação de vários prédios.
27. Mais ficou demonstrado que a cinta em betão construída pelos Recorrentes respeita a estrema referida no ponto 9.º da matéria de facto dada como provada e que a mesma não ocupa qualquer parte do prédio dos recorridos.
28. Atendendo ao supra exposto, a sentença em crise não efetuou uma análise crítica, cuidada e ponderada dos documentos juntos aos autos e dos vários depoimentos das testemunhas produzidos em sede de audiência de julgamento, designadamente, os supra transcritos, o que inelutavelmente conduziria a uma resposta diferente e oposta à matéria de facto dada como provada nos pontos 8.º 13.º, 14.º e 15.º da matéria de facto dada como provada, os quais, deveriam ter sido dados como não provados na integra.
29. Da prova documental e testemunhal junta aos autos, a decisão proferida haveria de ter merecido um sentido totalmente oposto e que julgasse totalmente procedente a oposição deduzida.
30. Deve, pois, revogar-se a douta decisão ora em crise, por violar entre outros, o disposto nos artigos 397.º e 662º do CPC.

2. II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar, por ordem lógica, começando pelas que precludem o conhecimento das demais:

-- Da caducidade do direito de embargar;
-- Da impugnação da matéria de facto provada e suas consequências na aplicação do direito.

3. III- Fundamentação de Facto

Aos autos vem com a seguinte matéria de facto provada, sublinhando-se os que se mostram impugnados e apondo-se desde já a decisão que sobre os mesmos se virá a tomar, por simplicidade na futura consulta dos autos:

1. Os Requerentes adquiriram um prédio rústico sito no lugar …, freguesia de …, concelho de Braga, com a área de 1.460 m2, a F. S. e mulher G. R. por escritura de compra e venda outorgada no dia 7 de Agosto de 2009 no Cartório Notarial da Notária Drª M. M., inscrito na matriz no art. 403 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº 144 ( conforme docs. nºs 1, 2 e 3 jutos com a p.i.).
2. Requerentes, por si e anteproprietários, detêm o identificado prédio há mais de 15, 20 e 30 anos, Dele retirando as respetivas utilidades, como lenhas e matos, procedendo à sua limpeza e conservação,
3. O que acontece à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém,
4. Ininterruptamente,
5. E na convicção de quem exerce um efectivo direito de propriedade sobre o referido prédio rústico.
6. Requerentes têm ainda registado em seu nome o referido prédio rústico desde 11 de Agosto de 2009- conforme fls. 9v e 10.
7. Os Requeridos, por sua vez, são proprietários de um outro prédio rústico, sito no mesmo lugar e freguesia, com a área de 349 m2, por aqueles adquirido à “Imobiliária X, Unipessoal, Ldª”, inscrito na matriz no art. 1649 e descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o nº 113, aí averbado em nome dos Requeridos em 23 de Fevereiro de 2016 ( conforme doc. nº 4 junto com a p.i.).
8. O prédio dos Requerentes referido nos arts. 1º e segs. confronta pela respetiva estrema Norte com o prédio dos Requeridos referido no artigo antecedente, numa extensão de cerca de 30 metros. (este facto manter-se-á inalterado infra)
9. A linha divisória entre estes dois prédios encontra-se definida desde tempos antigos por marcos colocados próximo dos respetivos vértices e por uma cruz em pedra gravada num penedo, esta sensivelmente a meio da estrema.
10. Acontece que os Requeridos iniciaram no mês de Março obras no seu referido prédio para aí edificarem um prédio urbano, tendo colocado um placard de licenciamento comprovativo de que àquela foi concedido o alvará nº 175/2019 (cfr. fotografia junto como doc. nº 5 da p.i.).
11. E iniciaram obras de desaterro bem como de construção de maciços em betão armado para posterior fixação de pilares.
12. Construíram ainda os Requeridos uma cinta em betão que alegadamente definirá as estremas do seu terreno (cfr. fotografias juntas como docs. nºs 6, 7 e 8 da p.i.).
13. Mas esta cinta em betão não respeita a estrema referida no ponto 9. (este facto manter-se-á inalterado infra)
14. Antes ocupa parte do prédio dos Requerentes identificado no art. 1º supra, tendo para o efeito sido arrancados ou deslocados os marcos e ocupado o penedo onde estava gravada a cruz. (este facto manter-se-á inalterado infra)
15. A ocupação pelos Requeridos do prédio dos Requerentes acontece ao longo de toda a estrema de confrontação dos dois prédios e numa largura não inferior a 1 metro. (este facto manter-se-á inalterado infra)
16. Os factos aludidos em 12 e ss foram do conhecimento dos requerentes no dia 4.4.2018.
17. Nessa mesma data o requerente marido contactou os requeridos. 18. Que se mostraram disponíveis a conversar e a reunir com os requerentes e quem lhes vendeu o prédio, com vista a esclarecerem se efetivamente estavam a invadir o prédio dos requerentes.
19. Os contactos entre as partes continuaram pelo menos até 15.4.2019.
20. Aguardando os requerentes que fosse agendada a tal reunião.
21. Os requerentes em final de Abril ausentaram-se da sua residência, em férias.
22. Quando regressaram de férias, no final da primeira semana de maio, constataram que a obra prosseguia os seus termos.
23.. Cansados de esperar pela concretização da tentativa de resolução amigável do litigio, que passaria pelo agendamento da já aludida reunião, pelos requeridos, os requerentes intentaram o procedimento a 4.6.2019.
Os demais factos não resultaram provados e/ou não revestem interesse para a decisão a proferir.

4. IV- Fundamentação dos Factos e de Direito

Os factos impugnados em nada contendem com a apreciação da exceção da caducidade, pelo que antes de entrar na apreciação dessa impugnação, importa analisar esta exceção perentória, visto que, se proceder, torna inútil o conhecimento do demais alegado.

a) Da caducidade do Direito

a.a) dos factos relevantes para o apuramento da questão

Para apreciar desta questão importa atentar nos factos provados vertidos nos pontos 16 a 23 da matéria de facto provada.
Resulta do primeiro ponto que, logo em 4 de abril de 2018, os Requerentes perceberam que os Requeridos tinham aposto uma cinta em betão, contornando o que entenderam ser o seu terreno, tendo no mesmo dia o requerente marido contactado os requeridos, os quais se mostraram disponíveis a conversar e a reunir com os requerentes e com quem lhes vendeu o prédio, com vista a esclarecerem se efetivamente estavam a invadir o prédio dos requerentes.
A concretização da tentativa de resolução amigável do litígio, a que ambas as partes acederam, passaria pelo agendamento desta reunião, pelos requeridos; tendo os Requerentes aguardado que a mesma fosse agendada. Os contactos entre as partes ocorreram até pelo menos 15.4.2019; quando os Requerentes regressaram de férias, no final da primeira semana de maio, constataram que a obra prosseguia os seus termos; cansados de esperar, intentaram o procedimento a 4.6.2019.

a.b) do direito relevante e sua aplicação

O artigo 397º nº 1 do Código de Processo Civil é claro ao impor um prazo de caducidade para embargar a obra: 30 dias a contar do conhecimento de que decorre (ou vai decorrer) obra que viola a sua posse ou outro direito real ou pessoal de gozo.
A caducidade tem por fundamento primeiro o valor da certeza e segurança dos direitos e extingue o direito de cujo exercício se trate (no caso, o embargar a obra, não o de, a posteriori, fazer valer o seu direito violado, mormente mediante a ação definitiva).
Assim, o que esta figura visa é propulsionar a segurança jurídica e a pacificação social, não tendo em vista, diretamente, a proteção do sujeito passivo, pelo que os prazos de caducidade legalmente estabelecidos não se suspendem, nem se interrompem (artigos 328º e 330º, nº 2 do Código Civil).
Nos termos do artigo 331º nº 1 do Código Civil, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo; no entanto, relativamente a direito disponíveis, não só a mesma tem que ser invocada para operar, como é impedimento da mesma o reconhecimento (mesmo que tácito) do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Desta forma, visto que o início do prazo de caducidade se deu com conhecimento da construção da cinta em 4.4.2017 e o prazo fixado é de 30 dias, decorrido este, caducou o direito a embargar a obra, a não ser que alguma circunstância afaste a possibilidade de a mesma ser atendida nestes autos, como a defendida na sentença: ao alegá-la os requeridos estarão a agir contra aquilo a que deram azo e incentivaram, agindo contra o Direito.
Há, pois, que verificar se se podem considerar preenchidos os requisitos deste instituto do abuso do direito, na vertente do venire contra factum proprium.

Decorre do artigo 334º do Código Civil a sujeição do exercício de um direito aos “limites impostos pela boa-fé, pelos bons costume ou pelo fim social ou económico desse direito”, exigindo-se, em regra, que o abuso seja manifesto, “clamorosamente ofensivo da justiça”.
Pretende-se evitar que o titular do direito exceda manifestamente as fronteiras que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder, mesmo que o seu comportamento as respeite formalmente.

É também norma chamar á colação o Prof. Baptista Machado, in “Obra dispersa”, vol I, págs. 415 a 418, “o efeito jurídico próprio do instituto só se desencadeia quando se verificam três pressupostos:

1. Uma situação objetiva de confiança; uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
2. Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, tome disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
3. Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá proteção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico”.

Em termos genéricos pode dizer-se que existe abuso do direito sempre que o seu exercício se revela injusto num determinado caso concreto, atentas as circunstâncias ou particularidades da situação.
Mas este instituto só opera em casos excecionais, visto que ocorre aquando do exercício de um direito.
Dentro das classificações que a doutrina tem procedido relativamente aos tipos de comportamentos em que se revela esta figura do abuso do direito, realça-se nesta sede, por mais pertinentes, o exceptio doli, em que se encontra um comportamento fraudulento do titular do direito como fonte do mesmo; o venire contra factum proprium, em que, através da prática de atos contraditórios, se frustam as expectativas da contraparte, a qual legitimamente e razoavelmente confiou em comportamentos do titular do direito; a inalegabilidade, que consiste em impedir que uma pessoa se prevaleça da nulidade de um negócio jurídico causada por vício de forma, a supressio que se traduz no não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal forma longo e em tais circunstâncias que crie na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido e o exercício em desequilíbrio, quando a vantagem dele resultante para o titular é mínima e desproporcionada face ao sacrifício de outrem.

O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole, com a sua conduta, os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.”, como tão explicitamente se disse escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/19/2017, no processo 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1.
Da mesma forma exige-se também como regra “um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma conduta na base ao factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara”. (1)

No presente caso resulta da matéria de facto provada que os Requeridos não aceitaram que estavam a violar o direito dos Requerentes, mas também o não negaram, propondo-se analisar a situação, combinando que se marcaria uma reunião para o efeito, a qual não chegou a ter lugar.

Entendeu-se já no acórdão proferido no processo nº 1857/09.5TJVNF.S1.P1, de 19 Novembro de 2013, que não basta que a parte contra a qual foi proposta a ação se tenha proposto ir averiguar a existência ou causados defeitos para obstar a que a mesma invoque a caducidade da ação, com base no abuso de direito. Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/10/2007, no processo 07A2649, (sendo estes e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt) se considerou que uma manifestação implícita de que se pretende ver o assunto amigavelmente resolvido não implica uma garantia de pagamento, nem a abdicação do direito de invocar a caducidade da ação. No entanto, já aceitando que opere tal caducidade, cf. o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 09/18/2014, no processo 1857/09.9TJVNF.S1.P1 (2), bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/19/2015, no processo 252/10.8TCFUN.L1-1.
Mas a verdade é que é incompatível com o curto espaço de tempo - de 30 dias – para a propositura da ação a realização de conversas e tentativas de obter a resolução amigável do conflito, com reuniões; assim, caso a parte que havia de ser demandada demonstre interesse na resolução não judicial da questão e se proponha à realização de diligências para obter uma solução consensual e extrajudicial, está, necessariamente a criar na contraparte a convicção que enquanto se encontra disposta a tal tipo de diligências para evitar a dedução da ação que esse período, de armistício, não será por si invocado para a contagem da caducidade da ação.

De outra forma, o prolongar de conversas com vista à resolução amigável do conflito, criando na reclamante a convicção de que é possível a resolução da situação de forma extrajudicial, mas que para tanto necessita de determinadas diligências, pode ser usado como uma forma de ”entreter” ou “empatar” a parte lesada que, face à vontade de cooperar expressa pela reclamada para lhe conceder o tempo por si requerido para estudar o problema e obter uma solução mais a seu contento, se veria prejudicada por confiar e dar à parte reclamada o período de tempo por esta solicitado para tal efeito.

Assim se consegue “assegurar desde logo a confiança fundada nas condutas comunicativas das “pessoas responsáveis”, fundada na própria credibilidade que estas condutas reivindicam, e, por outro lado, dirigir e coordenar dinamicamente a interacção social e criar instrumentos aptos a dirigir e coordenar essa interacção, por forma a alterar as probabilidades de certas condutas no futuro” (v. Prof. Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, pags. 346)”.´

Assim, se se demonstrar que o demandado afirmou que iria tomar diligências para decidir se conseguia chegar a uma posição que evitava a dedução da ação, por lograr obter-se uma solução pacífica da questão e o lesado por causa dessa promessa aguarda pela resposta do demandado para a deduzir, há que considerar que aquele que, no fundo, solicitou um período de tempo para decidir se acedia ou não ao peticionado pelo demandante, está a manifestar que não irá contabilizar esse período para efeitos da contagem da caducidade. De outra forma, estar-se-ia a desincentivar a colaboração das partes na regulação do conflito e a permitir que a boa-fé daquele que acredita que o reclamado irá efetivamente efetuar diligências para obter uma solução mais correta, concedendo-lhe tempo para isso, o prejudique, injustamente.
É certo que este entendimento pode reduzir em muito os casos em que podem ocorrer os casos de caducidade das ações, porquanto é usual que as partes antes da dedução da ação visem obter uma solução consensual para o conflito, mas opera de forma mais veemente nos casos em que a parte reclamada não nega á partida o direito do lesado, aceitando fazer diligências para apurar da sua razão, assim o demorando e na feliz expressão do já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo 07A2649, o “entretendo” ou “empatando”, enfim, abusando da sua boa-fé.
Importa, pois, que se apure da matéria de facto provada que os requeridos se ofereceram para obter uma solução consensual do conflito, pedindo tempo para tal efeito ou que se aguardasse a realização de alguma diligência para o efeito e que tal tenha determinado a espera dos Requerentes em deduzir a ação.
Ora, da matéria de facto provada resulta que os requeridos se mostraram disponíveis para conversar e reunir com os Requerentes e quem lhes vendeu o prédio, a fim de apurar da razão da pretensão dos Requerentes e que os Requerentes aguardaram pelo agendamento de uma reunião, a qual não veio a ter lugar.
Ao afirmarem que iriam marcar uma reunião para verificar da sua razão ou falta dela, o que implica exigência de tempo para o efeito, os Requerentes estão implicitamente a peticionar tempo para a realização da mesma e logo a obrigar-se a não usar de tal concessão de tempo contra a parte contrária, que agiu de boa-fé, concedendo-lho e aguardando por tempo razoável pelo agendamento da reunião para a dedução da ação.

“Ou seja, acreditaram os Requerentes na expressão de vontade dos Requeridos de esclarecer previamente se estavam a invadir o seu prédio mediante uma realização de uma reunião e por isso aguardaram a marcação dessa reunião, deixando passar 30 dias desde o conhecimento dos factos, crentes que os requeridos não invocariam contra si esse prazo que lhes foi concedido.”, como se escreveu na sentença recorrida.

Pretendem ainda os Recorrentes que o prazo se reiniciaria na data do último contacto conhecido entre as partes; mas, como se viu, o que inibe as partes de poderem invocar a caducidade não é a existência de simples negociações ou contactos entre ambas, mas o facto de os demandados pretenderem realizar reunião com os Requerentes e quem lhes vendeu o prédio para esclarecer se iriam ou não aceder à pretensão dos requeridos, privilegiando a resolução consensual da questão. Ora, sem que se demonstrasse qualquer facto que alterasse a posição tomada pelos demandados, nem sequer que ocorreu tal reunião, não se vê que como se pode considerar terminada a posição de justificada confiança dos Requerentes.
Mantém-se o decidido pela 1ª instância.

b) Da impugnação da matéria de facto provada e suas consequências na aplicação do direito

a) Dos critérios para a apreciação da impugnação da matéria de facto

Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas.
É à luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada.
É patente que a falta da imediação de que padece o tribunal de recurso limita, por natureza, o acesso a uma mais profunda apreciação da convicção com que são proferidas as declarações dos intervenientes processuais (veja-se que a comunicação humana não é apenas verbal, exigindo a sua correta interpretação que as palavras e inflexões da voz sejam contextualizados com os gestos, a postura corporal, os olhares, todos estes demais elementos, consistentes na comunicação não verbal e tantas vezes afastadas da possibilidade de controlo do declarante e por isso mais fidedignas).

No entanto, como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012 no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt ) “A reapreciação das provas que a lei impõe ao Tribunal da Relação no art. 712.º, n.º 2, do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto que haja sido registada, implica que o tribunal de recurso, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, forme a sua prudente convicção que pode coincidir ou não com a convicção do tribunal recorrido (art. 655.º, n.º 1, do CPC).
A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.”

Visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador.

Este princípio impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, que estes sejam valorados tendo em conta critérios de bom senso, razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.
A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que ponha em causa tal asserção, havendo sempre a possibilidade de duvidar de qualquer facto, mas numa certeza mais relativa, quando se mostra seguro que tal facto ocorreu, por, face a todos os elementos probatórios que foram produzidos ou que era admissível prever que seriam produzidos naquele caso concreto, se concluir pela elevadíssima probabilidade de o mesmo ter ocorrido.

Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014 no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1

A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova por declarações e a fragilidade deste meio de prova.
Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (mesmo Acórdão).
Estamos perante um procedimento cautelar. Por este tipo de providências visa-se garantir o efeito útil da ação e prevenir a ocorrência ou continuação de danos ou antecipar os seus efeitos visados através de medidas definitivas, o que imprime necessariamente urgência aos autos e impõe que a decisão proferida no processo cautelar tenha em regra uma natureza provisória, insuscetível de influenciar a decisão na ação definitiva (principal).
A ameaça do periculum in mora exige que o tribunal aprecie, preliminar e sumariamente, face à urgência e às limitações dos meios de prova possíveis, uma relação jurídica que terá que ser, havendo impugnação, objeto de exame mais profundo e demorado, pelo que é bastante a aparência do direito, a sua forte probabilidade ou verosimilhança, que se costuma enunciar com o brocardo fumus boni iuris.
Desta forma os requisitos da prova são mais reduzidos, exigindo-se, apenas, a prova sumária, a qual, no entanto, nunca se pode traduzir numa discricionariedade por parte do juiz na apreciação dos seus fundamentos.

Isto posto, vejamos se os elementos probatórios produzidos são suficientes para a procedência da impugnação da matéria de facto pugnada pela Recorrente.
Ouvida a prova gravada e analisados os documentos, cumpre concatenar tais elementos, apreciando das razões dos Recorrentes, confrontadas também com a motivação da sentença.
Os Recorrentes afirmam que resulta do depoimento de J. F. (omitindo-lhe o último apelido “da S.”), que “o prédio dos Requerentes confronta na estrema norte com a estrema sul dos requeridos”, mas ouvido o mesmo não se descortina tal entendimento, nem se logra perceber de onde apreendem que tal se encontra expresso. A própria leitura dos trechos do depoimento que foram incluídos nas alegações do recurso também não nos levam a tal poisição. Assim, das transcrições não resulta nada no sentido pretendido pelos Recorrentes, nem estes explicam como vislumbram tal entendimento.
Esta testemunha foi perentória ao afirmar que a obra invadiu o terreno dos Requerentes, explicando cabalmente como sabe tal facto: chegou a planear construir ali a sua casa, falando com o, à data, dono do terreno, que lhe explicou as estremas.
Teve um depoimento desinteressado e totalmente convincente, mas no sentido oposto ao pretendido pelos Recorrentes.
Quanto ao testemunho de A. P. (que no recurso é referido como A. J.), há que ter em conta que este referiu que os limites do terreno foram todos indicados pelo Sr. M. A., referindo que só se lembra de uma cruz, apresentando um depoimento muito pouco consistente, por remeter todo o seu conhecimento para o que lhe foi dito pelo Sr. M. A., também testemunha nestes autos, pouco acrescentando do seu conhecimento direto.

Os Recorrentes também se pretendem fundar no depoimento de D. L. (que denominam D. A., também omitindo o último apelido), mas verifica-se nitidamente a falta de sinceridade deste depoimento, como tão bem salientou a sentença recorrida, ao destacar como a testemunha tentou escamotear a existência de uma segunda cruz, que apenas referiu por acaso, já na segunda metade do seu depoimento, esquivando-se a especificar onde se encontrava e o seu sentido. Não é possível, com base nesse depoimento, o tribunal convencer-se da veracidade do por si afirmado.

Os Recorrentes remetem ainda para o depoimento de “M. R.”, devendo certamente reportar-se a M. V.. O mesmo mostrou-se interessado nas questões em disputa, por ser o vendedor do prédio aos requeridos. Por outro lado, também a negação da conversa com a testemunha J. S. não se mostrou sincera, deslocando a questão para o ano dos acontecimentos, sendo que se compreende que o tribunal a quo tenha entendido, no âmbito do tipo de prova em apreciação, em sede cautelar, que o mesmo não se apresentava o suficientemente espontâneo, nem suportado pelos documentos, para poder pôr em causa o depoimento das testemunhas F. R., C. A. e M. L., com particular relevo para o primeiro.
Estes mencionaram de forma direta a violação dos limites do terreno, e se bem que, como salientam as alegações, o depoimento da testemunha C. A. mostre algum afastamento quanto aos concretos limites do prédio, a mesma demonstrou lembrar-se das suas dimensões, comparando com as demais leiras vizinhas.
Na presente providência cautelar, como é típico deste tipo de procedimentos, não é possível obter a mesma certeza que se obtém numa ação definitiva, desde logo pela restrição do meio de provas que se admitem e a celeridade que se lhe deve atribuir: assim, não era aqui exigível que se conseguisse encontrar todos os exatos limites dos prédios, como se de uma demarcação se tratasse. E desta forma, não era exigível às testemunhas que explicassem todos os limites dos prédios ou os conhecessem de cor, sem ser no local, com a observância dos marcos, mais a mais com as dificuldades de expressão que resultam deste tipo de ações em que as pessoas, em regra, não se norteiam pelos pontos cardeais, mas por pontos relativos à sua posição imaginária, como “ao lado”, “em frente”, “atrás”, como foi patente com o depoimento da testemunha C. A..
Importante era apreciar se o muro estava a interferir já com os limites do prédio dos Requerentes, tendo em conta, sim, esse limite concreto, e tal foi de forma cabal e convicta expresso por estas testemunhas.
Quanto ao levantantamento topográfico, as próprias testemunhas referiram que os levantamentos foram alterados, cabendo-lhes por isso pouca credibilidade até ser efetuada mais profunda análise dos mesmos.
Tudo posto, mais não há que manter a matéria de facto indiciariamente provada tal como se decidiu na primeira instância.
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Da aplicação do Direito aos Factos Apurados

Não é feita qualquer crítica à aplicação do direito à matéria de facto provada pelo Recorrente (para além da decisão de improcedência da exceção perentória da caducidade já confirmada supra) e nada se vê que lhe seja de criticar oficiosamente, fundando-se a restante refutação da sentença apenas na alteração da matéria de facto provada, pelo que se mantém na íntegra a decisão recorrida.

5. V- Decisão:

Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente e em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães, 24 de outubro de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes


1. Embora Menezes Cordeiro in Ordem dos Advogados - Artigos Doutrinais - Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, p. 11, ainda esclareça que “os requisitos descritos se articulam entre si nos termos de um sistema móvel, ou seja, não há entre eles uma hierarquia rígida e sendo a falta de algum deles suprível pela intensidade especial que assumam os restantes”.
2. (“Integra violação das cláusulas gerais da boa fé e do abuso de direito o comportamento do vendedor de coisa alegadamente defeituosa que – embora sem reconhecer inequívoca e expressamente o vício ou defeito denunciado - admitiu como possível a sua existência e tentou, por várias vezes, corrigi-lo - vindo ulteriormente, contra facto próprio, invocar a caducidade, em consequência de o comprador – confiando justificadamente na seriedade do propósito de correcção do vício ou defeito da coisa manifestado pela conduta do vendedor – não ter actuado em juízo antes de se ter revelado na prática o resultado final de tais tentativas de resolução do problema, de modo a excluir quaisquer perspectivas de solução consensual do litígio”)