Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1292/15.6T8GMR.S1.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
PERDA DE CHANCE
DANO
PROPOSTA DE INDEMNIZAÇÃO
SEGURADORA
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Não exercendo o lesado, à data do sinistro, qualquer atividade profissional, não podem ser avaliadas as concretas repercussões sobre essa atividade, sob o ponto de vista da incapacidade permanente para a mesma, mas tão só o défice funcional permanente geral com que ficou afetado.
2- A ressarcibilidade por “perda de chance” exige a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil.
3- No âmbito dos acidentes de viação, caso a responsabilidade não seja contestada e o dano seja quantificável, no todo ou em parte, a seguradora responsável pela reparação dos danos deve fazer chegar ao lesado uma proposta razoável de indemnização; ou seja, uma proposta que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.
4- Se o não fizer nos termos e prazo legalmente estabelecidos, são devidos juros ao dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.
5- No caso dos sinistros que envolvam lesões corporais, porém, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efetuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos.
6- Sendo a indemnização por danos futuros e pelos não patrimoniais expressamente atualizada à data da decisão que reconheceu esse direito, os juros de mora não são devidos desde a data da citação, mas apenas desde o dia seguinte ao da prolação dessa decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório
1- A intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Z, e F, alegando, em breve síntese, que, na sequência do embate entre dois veículos automóveis, num dos quais ele próprio seguia como passageiro/ocupante gratuito, sofreu diversos danos de natureza patrimonial e não patrimonial que descreve e pelos quais pretende ser ressarcido pelas Rés, na qualidade de seguradoras de tais veículos.
Mais concretamente, pede:
A- Que a Ré, Z, seja condenada a pagar-lhe:
1- Uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante a 122.732, 93€.
(Posteriormente, ampliou o pedido, o que foi admitido, no que respeita aos danos patrimoniais futuros para 100.000,00€, alterando o valor global para 162.732,93€)
2- Uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais futuros, a liquidar em incidente de liquidação ulterior:
a) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do A., de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas que descreve;
b) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do A., de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Cirurgia Plástica, Psiquiatria, Cirurgia Geral, Neurologia, Neurocirurgia, Ortopedia, Fisiatria e Fisioterapia, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas que descreve;
c) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do A., de realizar tratamento fisiátrico 2 vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas que descreve;
d) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do A., de ajuda medicamentosa - antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas que descreve;
e) decorrentes da necessidade futura, por parte do A., de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e plásticas, nomeadamente para retirar/extrair o material de osteossíntese que tem no fémur, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas que descreve;
3- os juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual em vigor sobre o montante oferecido pela Ré Z ao A., no valor de 23.380,53€ contados a partir do dia 23-07-2014 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial;
4- os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré Z ao A., no valor de 23.380,53€, e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, contados a partir do dia 23-07-2014 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial;
5- ou caso assim não se entenda, os juros vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efetivo e integral pagamento;
B- Subsidiariamente, caso venha a ser considerado culpado no acidente o condutor do veiculo seguro na Ré F, seja esta condenada nos termos já peticionados em A), ou subsidiariamente, na proporção das responsabilidades apuradas por parte de cada um dos condutores.
2- Contestou a Ré, Z, reconhecendo a sua responsabilidade na reparação dos danos emergentes deste sinistro, mas não na medida pedida pelo A.
Daí que peça a improcedência desta ação, salvo na medida do transigido.
3- Por sua vez, a Ré, F, também contestou, impugnando a dinâmica do acidente, os danos alegados pelo A. e a medida da reparação jurídica dos mesmos.
4- No início da audiência final, o A. desistiu do pedido formulado contra a Ré, Fidelidade, desistência que foi homologada.
5- Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, condenou a Ré, Z, “a pagar ao autor a quantia global de 79.826,40 euros (41.826,40+38.000,00) euros para ressarcimento da totalidade dos danos peticionados nestes autos.
Sobre a diferença entre o montante oferecido pela seguradora de 23,380.53 euros e os ora fixados 79.826,40 euros são devidos juros ao dobro da taxa legal prevista desde a data da presente sentença e até efetivo pagamento.
Sobre o valor de 23.380,50 euros são devidos juros à taxa legal dos juros civis também desde a data desta sentença.
Mais vai a ré condenada a pagar ao autor as despesas futuras com tratamentos e cirurgias medicas e mais despesas que se revelarem necessárias à cura das presentes lesões e sequelas.
Do mais, vai a ré absolvida.”.
6- Inconformado com esta sentença, dela recorreu o A. para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1) O Autor/Recorrente não concorda com a não atribuição de um valor indemnizatório a título de “perda parcial de capacidade de ganho” para o exercício da sua atividade profissional habitual decorrente da Incapacidade Permanente Parcial de 17,6057% que lhe foi fixada.
2) O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “Dano biológico” em consequência da perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos que lhe foi fixado.
3) O Autor/Recorrente não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré em pagar ao Autor/Recorrente uma quantia a título de danos patrimoniais, mais concretamente a título de perda de chance, mais concretamente a título de perdas salariais durante o período de tempo em que esteve incapacitado para o trabalho desde 23-11-2013 e até ao dia 22-07-2014, num total de 607 dias, durante os quais esteve totalmente impossibilitado de trabalhar e de procurar qualquer tipo de emprego.
4) O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
5) O Autor/Recorrente não concorda com o momento a partir do qual são devidos juros de mora, quer relativamente aos juros em dobro da taxa legal prevista sobre a diferença entre o montante oferecido pela seguradora de €23,380.53 e o que vier a ser judicialmente fixado em sede de recurso (em 1ª instancia foi fixado o valor de €79.826,40), quer relativamente aos juros à taxa legal dos juros civis sobre o valor oferecido pela seguradora de €23,380.53.
6) Em virtude das lesões sofridas e da irreversibilidade das sequelas atuais e permanentes causadas pelo acidente de viação descrito nos presentes autos, o Autor, padece atualmente de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) fixável em 17,6057%.
7) No âmbito da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, no leque dos danos patrimoniais, destacam-se, os resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho.
8) Em termos de indemnização dos danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes, e sofridos pelo autor em consequência das sequelas que lhe advieram com o acidente dos autos, a mesma pode e deve projetar-se em dois planos:
a) “Perda de capacidade de ganho” proveniente da sua atividade profissional habitual”: decorrente da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir – no caso em discussão nos autos foi atribuída ao autor uma Incapacidade Permanente Parcial de 17,6057%, e
b) “Dano biológico”: decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual - no caso em discussão nos autos foi atribuído ao autor um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos.
9) Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente na alínea T) e nos itens n.ºs 21, 51, 30, 31, 32 e 57, 27 alínea b), 28, 29, 34, 35, 36 e 39 dos factos julgados como assentes e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao Autor/Recorrente a titulo de danos patrimoniais, mais concretamente a titulo de “perda de capacidade de ganho” decorrente da Incapacidade Permanente Parcial que lhe foi fixada de 17,6057%, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 60.000,00€ (Sessenta Mil Euros).
10) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1) Autor tinha 24 anos de idade à data do acidente (nasceu em 21-09-1988).
2) O Autor ficou com as seguintes sequelas definitivas: Cicatriz no couro cabeludo na linha media da região frontal coberta pelo cabelo com 1 cm;Cicatriz com 1 cm na região zigomática direita com pequeno afundamento e visível a pequena distancia, cicatriz com 1 cm na linha média da região oral em localização infra nasal. Cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca direita com ligeiro afundamento com 6 cm de comprimento (sugestiva da colheita de enxerto ósseo) cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca esquerda com 4 cm de comprimento (sugestiva da colheita de enxerto ósseo). Rigidez da anca com flexão a 90º e rigidez dolorosa na rotação interna, atrofia do nadegueiro direito; quatro cicatrizes cirúrgicas lineares nacaradas localizadas na face lateral da coxa com 8 cm, 4 cm, 4cm e 15cm respetivamente direito; cicatriz cirúrgica linear nacarada na linha media da face anterior do joelho com 10 cm, cicatriz nacarada com 2 cm localizada na face anterior do terço distal da perna; atrofia dos músculos da coxa 2,5cm; sem atrofia dos músculos da perna, quando comparadas com o membro contra lateral, sem dismetria aparente dos membros inferiores, joelho em ligeiro valgo (<10º) com arco de mobilidade do joelho em flexão extensão com défice de flexão (possível a 110º dolorosa a partir dos 80º) dor a palpação da rotula e face medial do joelho com clinica e manobras positivas para síndrome femoro patelar com crepitação articular na mobilização; edema ligeiro do tornozelo com mobilidades da tibiotársica e pé conservadas e não dolorosas.
3) Vida profissional: esforços acrescidos em carga e ao subir escadas transporte de pesos vergar-se, acocorar-se, e na execução de tarefas que exijam grandes esforços com o tronco e ou membros inferiores permanecer de pé por períodos prolongados e ou faculdades especiais de equilíbrio.
4) Atos de vida corrente: dificuldades acrescidas nas suas atividades domesticas e exteriores habituais subir, descer escadas, planos inclinados, para utilizar um meio de transporte comum e na condução da sua viatura particular, desconforto no descanso noturno, claudicação moderada na marcha normal.
5) Em virtude das lesões sofridas e da irreversibilidade das sequelas atuais e permanentes causadas pelo acidente de viação descrito nos presentes autos, o Autor, padece atualmente de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) fixável em 17,6057%
6) O referido em 27º traduz a capacidade futura de ganho do Autor ao nível da sua potencialidade física o com uma perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará e eventual redução do período de vida ativa do Autor.
7) Tal agravamento tornará mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam atividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade e ascensão na carreira.
8) O Autor, até setembro de 2011, exerceu como sua última e habitual categoria profissional, a atividade profissional de “Ajudante de Eletricista”, por conta de outrem na firma denominada “Bernardino Castro - Serviços Festivos, Ldª”.
9) auferia um salário médio mensal ilíquido na ordem dos 578,50€ (485,00€ a titulo de vencimento base mensal, e 93,50€ a título de subsídio de alimentação).
11) Em virtude das lesões sofridas e da irreversibilidade das sequelas atuais e permanentes causadas pelo acidente de viação descrito nos presentes autos, o Autor, padece atualmente de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos
12) A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”.
13) Trata-se de um “dano primário”, do qual, podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária.
14) Os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido.
15) A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais.
16) A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …”
17) Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente mais concretamente na alínea T) e nos itens n.ºs 21,, 51, 30, 31, 32 e 57, 27 alínea a), 28, 29, 34, 35, 36 e 39 dos factos julgados como assentes e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao Autor/Recorrente a titulo de danos patrimoniais, mais concretamente a titulo de dano biológico decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos, uma indemnização a qual deverá ser fixada equitativamente em quantia nunca inferior à quantia de €40.000,00 (Quarenta Mil), quantia essa cujo pagamento o Autor/Recorrente desde já peticiona da Ré/recorrida.
18) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1) Autor tinha 24 anos de idade à data do acidente (nasceu em 21-09-1988).
2) O Autor ficou com as seguintes sequelas definitivas: Cicatriz no couro cabeludo na linha media a região frontal coberta pelo cabelo com 1 cm; Cicatriz com 1 cm na região zigomática direita com pequeno afundamento e visível aa pequena distancia, cicatriz com 1 cm na linha média da região oral em localização infra nasal. Cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca direita com ligeiro afundamento com 6 cm de comprimento (sugestiva da colheita de enxerto ósseo) cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca esquerda com 4 cm de comprimento (sugestiva da colheita de enxerto ósseo). Rigidez da anca com flexão a 90º e rigidez dolorosa na rotação interna, atrofia do nadegueiro direito; quatro cicatrizes cirúrgicas lineares nacaradas localizadas na face lateral da coxa com 8 cm, 4 cm, 4cm e 15cm respetivamente direito; cicatriz cirúrgica linear nacarada na linha media da face anterior do joelho com 10 cm, cicatriz nacarada com 2 cm localizada na face anterior do terço distal da perna; atrofia dos músculos da coxa 2,5cm; sem atrofia dos músculos da perna, quando comparadas com o membro contra lateral, sem dismetria aparente dos membros inferiores, joelho em ligeiro valgo (<10º) com arco de mobilidade do joelho em flexão extensão com défice de flexão (possível a 110º dolorosa a partir dos 80º) dor a palpação da rotula e face medial do joelho com clinica e manobras positivas para síndrome femoro patelar com crepitação articular na mobilização; edema ligeiro do tornozelo com mobilidades da tibiotársica e pé conservadas e não dolorosas.
3) Vida profissional: esforços acrescidos em carga e ao subir escadas transporte de pesos vergar-se, acocorar-se, e na execução de tarefas que exijam grandes esforços com o tronco e ou membros inferiores permanecer de pé por períodos prolongados e ou faculdades especiais de equilíbrio.
4) Atos de vida corrente: dificuldades acrescidas nas suas atividades domesticas e exteriores habituais subir, descer escadas, planos inclinados, para utilizar um meio de transporte comum e na condução da sua viatura particular, desconforto no descanso noturno, claudicação moderada na marcha normal.
5) Em virtude das lesões sofridas e da irreversibilidade das sequelas atuais e permanentes causadas pelo acidente de viação descrito nos presentes autos, o Autor, padece atualmente de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 11 pontos
6) O referido em 27º traduz a capacidade futura de ganho do Autor ao nível da sua potencialidade física o com uma perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará e eventual redução do período de vida ativa do Autor.
7) Tal agravamento tornará mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam atividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade e ascensão na carreira.
8) O Autor, até setembro de 2011, exerceu como sua última e habitual categoria profissional, a atividade profissional de “Ajudante de Eletricista”, por conta de outrem na firma denominada “Bernardino Castro - Serviços Festivos, Ldª”.
9) auferia um salário médio mensal ilíquido na ordem dos 578,50€ ( 485,00€ a titulo de vencimento base mensal, e 93,50€ a título de subsídio de alimentação).
19) O autor durante o período de tempo compreendido desde 23-11-2013 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até ao dia 22-07-2014 (dia da consolidação medica das lesões) num total de 607 dias, esteve totalmente impossibilitado de trabalhar e de procurar qualquer tipo de emprego.
20) Atenta à matéria de facto dada como provada no item nº 58 da Douta Sentença, deverá se atribuída ao Autor/Recorrente a quantia de 2.190, 62 (€578,50€: 30 dias x 607 dias de ITA = 11.704,98 – €9.514,36 = €2.190,62) a título de perdas salariais mensais, durante o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho de 23-11-2013 e até 22-07-2014 num total de 607 dias.
21) Estando em causa, relativamente ao autor, a atribuição de uma indemnização a título de danos patrimoniais, mais concretamente a título de perdas salariais durante o período de tempo em que esteve incapacitado para o exercício da generalidade das profissões – IPP geral, como incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimentos -, haverá que considerar essa incapacidade como incidente sobre qualquer profissão acessível ao lesado, sem nenhuma excluir.
22) Para se proceder ao calculo da indemnização a atribuir ao Autor titulo de danos patrimoniais, mais concretamente a título de perdas salariais durante o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho desde 23-11-2013 e até ao dia 22-07-2014, num total de 607 dias, deve ter-se em linha de conta o seu ultimo salário médio mensal ilíquido na ordem dos 578,50€.
23) O Autor, perdeu assim possibilidades de procurar e obter um emprego durante esse tempo de 23-11-2013 e até 22-07-2014, num total de 607 dias, perda de chance essa constitui um dano indemnizável, pelo deverá se atribuída ao Autor a esse titulo a quantia de 2.190,62 (€578,50€: 30 dias x 607 dias de ITA = 11.704,98 – €9.514,36 = €2.190,62, quantia essa que a Autora/Recorrente desde já peticiona da Ré/Recorrida.
24) Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos itens n.ºs 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12,13,14, 15, 16, 17, 18, 21, 51, 33, 25, 26, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58 e com interesse para para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao Autor/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 60.000,00€ (Sessenta Mil Euros).
25) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1) o Autor foi internado e assistido no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E. apresentando diagnóstico de politraumatizado com múltiplas lesões e contusões traumáticas, designadamente: Traumatismo membro inferior direito, Fratura segmentar do fémur direito, Fratura da rotula direita, Traumatismo crânioencefálico, sem perda de consciência: Ferida cortocontusa na região frontal (couro cabeludo), Ferida incisa na região zigomática direita (face), Traumatismo mão direita, com ferida na prega interdigital D4-D5 2) O Autor, no dia 23-11-2012, no Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E., foi submetido às seguintes intervenções cirúrgicas: Osteossíntese da rótula – cerciage. Osteossíntese do fémur direito - encavilhamento endomedular com vareta.
3) ficou internado 6 (seis) dias, tendo alta hospitalar no dia 29-11-2012.
4) após a sua alta hospitalar, esteve 2 (duas) semanas de repouso na cama.
5) Após, passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
6) após alta hospitalar, passou a ser acompanhado e observado por conta e a expensas da 1.ª Ré “Z, no Hospital de Santa Maria no Porto, , de 11-01-2013 e até 22-07-2014.
7) Em 01-05-2013, devido a complicação com pseudartrose do fémur direito, foi operado no Hospital de Santa Maria no Porto: Dinamização da vareta. Descorticação e colocação de enxerto ósseo autolo, colhido do ilíaco direito.
8) Após alta hospitalar, esteve 2 (duas) semanas de repouso na cama, período após o qual passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
9) Em 02-08-2013, devido a manter a pseudartrose do fémur, sem consolidação, foi operado no Hospital de Santa Maria no Porto: a) Descorticação e colocação de enxerto ósseo autolo, colhido do ilíaco esquerdo.
10) Após alta hospitalar, esteve 2 (duas) semanas de repouso na cama, período após o qual passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
11) Em 08-01-2014, por manter intolerância a material de osteossíntese da rótula foi operado no Hospital de Santa Maria no Porto: a) EMOS da rótula direita.
12) após alta hospitalar, passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
13) após a sua alta hospitalar e entre as várias operações cirúrgicas a que foi submetido, por conta e expensas da 1.ª Ré Z, teve indicação para tratamento fisiátrico de reabilitação funcional e cumpriu inúmeras sessões de Fisioterapia na “Clínica de Reabilitação Atlântico – Dr. José Melo Monteiro”, desde 19-12-2013 e até 21-07-2014.
14) As lesões do Autor estabilizaram em 22/07/2014.
15) O Autor ficou com as seguintes sequelas definitivas: Cicatriz no couro cabeludo na linha media da região frontal coberta pelo cabelo com 1 cm Cicatriz com 1 cm na região zigomática direita com pequeno afundamento e visível a pequena distancia, cicatriz com 1 cm na linha média da região oral em localização infra nasal. Cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca direita com ligeiro afundamento com 6 cm de comprimento (sugestiva da colheita de enxerto ósseo) cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca esquerda com 4 cm de comprimento (sugestiva da colheita de enxerto ósseo). Rigidez da anca com flexão a 90º e rigidez dolorosa na rotação interna, atrofia do nadegueiro direito; quatro cicatrizes cirúrgicas lineares nacaradas localizadas na face lateral da coxa com 8 cm, 4 cm, 4cm e 15cm respetivamente direito; cicatriz cirúrgica linear nacarada na linha media da face anterior do joelho com 10 cm, cicatriz nacarada com 2 cm localizada na face anterior do terço distal da perna; atrofia dos músculos da coxa 2,5cm; sem atrofia dos músculos da perna, quando comparadas com o membro contra lateral, sem dismetria aparente dos membros inferiores, joelho em ligeiro valgo (<10º) com arco de mobilidade do joelho em flexão extensão com défice de flexão (possível a 110º dolorosa a partir dos 80º) dor a palpação da rotula e face medial do joelho com clinica e manobras positivas para síndrome femoro patelar com crepitação articular na mobilização; edema ligeiro do tornozelo com mobilidades da tibiotársica e pé conservadas e não dolorosas.
16) Vida afetiva e social: limitado nas atividades de lazer como correr andar de bicicleta, futebol que fazia regularmente ao fim de semana, dificuldades acrescidas no ato sexual por limitação dolorosa em certas posições, dores na anca e joelho direitos que se agravam pelas mudanças de tempo, nos primeiros movimentos após períodos de imobilização prolongada.
17) O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro, de ajuda medicamentosa, anti-inflamatórios e analgésicos.
18) O autor terá de se submeter a intervenções cirúrgicas, para retirar/extrair o material de osteossíntese que tem no fémur, com internamentos hospitalares, de efetuar despesas hospitalares, e com deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas.
19) o autor teve dores de grau 5, numa escala crescente de 1 a 7.
20) sofreu angústia.
21) continuará a sofrer no futuro, de fortes dores físicas, incómodos e malestar durante o resto da sua vida, designadamente a nível da anca direita, joelho direito, rótula direita e membro inferior direito.
22) As quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços e que o Autor até à data do acidente de viação descrito nos presentes autos não sentia.
23) tem dificuldades em dormir com as dores.
24) Tem alterações de humor, do sono e alterações afetivas.
25) O Autor, antes do acidente era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora.
26) Era uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
27) O Autor tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
28) O Autor ficou afetado psiquicamente, infeliz, desgostoso da vida, inibido e diminuído fisicamente e esteticamente.
29) Estas Cicatrizes causam ao Autor desgosto e inibição quando vai à praia, quando veste calções, quando se relaciona amorosamente com a sua companheira.
30) As cicatrizes não serão eliminadas na sua totalidade pela cirurgia plástica.
31) O autor teve um dano estético fixável no grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.
32) As lesões e sequelas, do autor prejudicam-no e interferem com a mobilidade no ato sexual em certas posições conferindo-lhe repercussão permanente na atividade sexual” fixável no grau.
33) As referidas queixas, lesões e sequelas supra descritas conferem ao Autor uma “Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer” fixável no grau 5.
26) Quanto aos juros em dobro da taxa legal prevista sobre a diferença entre o montante oferecido pela seguradora de €23,380.53 e o que vier a ser judicialmente fixado em sede de recurso (em 1ª instancia foi fixado o valor de €79.826,40), os mesmos deverão ser fixados desde o termo do prazo previsto no artigo 36.°, n.°s 1 e) e 5 do DL 291/2007, ou seja, desde 29/10/2014 e até integral e integral pagamento.
27) Subsidiariamente e para a hipótese de V.Ex.ªs assim não o entenderem, quanto aos juros em dobro da taxa legal prevista sobre a diferença entre o montante oferecido pela seguradora de €23,380.53 e o que vier a ser judicialmente fixado em sede de recurso (em 1ª instancia foi fixado o valor de €79.826,40), os mesmos deverão ser fixados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
28) Quanto aos juros de mora à taxa legal dos juros civis sobre o valor oferecido pela seguradora de €23,380.53, os mesmos deverão ser contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
29) Nos termos da Jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do S.TJ. nº 4/2002, de 9/5/2002 (in DR, I-A de 27/6/2002), sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do artº 566º nº 2 do Código Civil, vence juros de mora por efeito do disposto nos artºs. 805º nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º nº1 do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.
30) Deste Acórdão uniformizador resulta, tendo em conta o seu conteúdo e o das alegações de recurso sobre as quais se pronunciou, a ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso causador do dano, sob a invocação do artº 566º nº 2 do Código Civil, que consagra o critério derivado do confronto da efectiva situação patrimonial do lesado na data mais recente atendível pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano.
31) A prolação da decisão actualizadora tem que ter alguma expressão nesse sentido, designadamente a referência à utilização no cálculo do critério chamado da diferença na esfera jurídico-patrimonial constante no artº 566º nº 2 do Código Civil e à consideração, no cômputo da indemnização ou da compensação, da desvalorização do valor da moeda.
32) O Tribunal da primeira instância, quanto às indemnizações devidas ao recorrente referiu, em sede de fundamentação de Direito, apenas que “Os montantes ora atribuídos ao autor são atualizados á data da presente sentença.”.
33) A Autor/Recorrente formulou um pedido de condenação no pagamento de juros desde a data do sinistro, não tendo peticionado a sua actualização com base na taxa de inflação, pelo que se entende que renunciou à actualização monetária.
34) E, da leitura da decisão, verifica-se que a mesma teve em conta a referência temporal à data da sentença, sem qualquer actualização.
35) A Douta Sentença Recorrida violou as seguintes disposições legais:
a) artigos 483º, 496.º, n.ºs 1 e 3, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2 e 3, 805º, n.º 3 e 806º todos Código Civil.
b) artigo 38º, n.º 3 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, e
c) Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 09/05/2002”.
Pede, assim, a revogação da sentença recorrida, na parte impugnada, e a sua substituição por outra decisão que condene a Ré em conformidade com o ora peticionado.
7- Também inconformada se mostra a Ré, Z, que recorreu para esta instância, concluindo a sua motivação recursiva nos seguintes termos:
“1ª- O presente recurso versa sobre unicamente a medida da obrigação de indemnizar.
2ª- A compensação fixada a título de dano moral sofrido deve ser reduzida, pois encontra-se muito acima do equitativo, sem quebra de respeito pela dor alheia.
3ª- Para aferir da objectividade do montante fixado pelo tribunal, não há melhor critério que o da comparação com jurisprudência de situações semelhantes.
4ª- Na realidade, a comparação com a Jurisprudência recente, que tem atribuído indemnizações de montante inferior, e a casos bem mais graves, mostra-se decisiva para aferir da bondade da verba concedida pela Exmª Senhora Juíza a quo.
5ª- Assim, se atendermos às compensações fixadas nos Acórdãos do STJ de 08/5/2012 (Proc. n.º 3492/07.3TBVFR.P1) - Eur. 14 000, 00, de 15/3/2012 (Proc. n.º 4730/08.0TVLG.L 1.P1) - Eur. 15 000, 00, da Relação de Guimarães de 16/4/2009 (Proc. n.º 197/2002.G1) - Eur. 15 000,00, do STJ de 6/10/2011 (Proe. n.º 733/06.8TBFAF.G1.S1), o Ac. da mesma Relação de 31/1/2013 (1 a. Secção Cível, Proc. nº.2917/09.8TBVCT.G2), bem como os outros transcritos, conclui-se que o montante fixado a quo se mostra deveras sobredimensionado, devendo assim ser reduzido.
6ª- Atentos os exemplos acima citados, a verba justa, digna e adequada para compensar o dano moral do A. não deve ultrapassar o montante de Eur. 17 500, 00 (dezassete mil e quinhentos euros);
7ª- Trata-se, salvo o devido respeito, de um montante adequado a compensar o dano moral do Autor, e sem qualquer odor a miserabilismo.
8ª- A indemnização pela IPG/IPP fixada ao A. deverá ser igualmente reduzida.
9ª- Neste ponto, a douta sentença recorrida configura um clamoroso erro de julgamento, pois parte de dois pressupostos errados, que influem no resultado final.
10ª- De facto, e por um lado, o cálculo da indemnização a conceder por via da I.P.P. que afecta o Autor deve contemplar a sua suposta perda de rendimentos, face à incapacidade que o afecta e aos anos de vida activa que lhe restam à data do sinistro, e não o período decorrido até ao limite da esperança de vida, que a Srª Juíza fixou em 80 anos, sendo certo que, para os homens, o I.N.E. fixa um limite inferior (facto notório).
11ª- Na verdade, quando atingir o limite da vida activa, aos sessenta e seis anos, o lesado passa a receber pensão de reforma, pelo que deixa de sofrer dano.
12ª - Assim, o acréscimo de catorze anos (66 a 80) considerado pela Exmª Senhora Juíza a quo no cômputo da indemnização elevou-a de sobremaneira, como é evidente.
13ª- Por outro lado, sucedeu que a Exmª Senhora Juíza a quo nada descontou por via do benefício da antecipação de capital. Ora, se o autor recebe o capital “já”, e não nos próximos quarenta e dois anos (de 24 a 66 anos), então tem SEMPRE de haver lugar a um desconto por via desse benefício económico, mais do que notório.
14ª- A questão é de aritmética pura, não dá lugar a dúvidas, e a própria jurisprudência, de modo unânime, considera que esse desconto tem de existir sempre, ou então tem de ser calculada com base num factor que já contemple esse desconto.
15ª- Deste modo, o cálculo da indemnização partiu de dois pressupostos errados, que elevaram injustificadamente o valor da indemnização.
16ª- No nosso entender, no cálculo da referida indemnização, deve ser utilizado o método utilizado no Acórdão da Relação do Porto de 28 de Abril de 2009, e em muitos outros que se seguiram.
19ª- A única correcção a aplicar diz, naturalmente, respeito à taxa de juro a considerar, a qual, neste momento, é muito mais baixa, o que implica maior dispêndio de capital.
20ª- Deve ser usada uma taxa de juro de 2,5 %, por se aproximar das taxas que o Estado Português, por si e via CTT, e as seguradoras oferecem em aplicações, fundos e depósitos de longo prazo (como é o caso), dos exemplos acima transcritos.
21ª- Assim, tendo em atenção o salário mensal de Eur. 485, 00, o período de vida activa (42 anos), o grau de I.P.P. de 11 pontos em cem: Eur. 485, 00 (rendimento mensal) x 14 (meses) x 11 % (grau de I.P.P.) x 25.6 (factor atendível para um período de vida activa de 42 anos (24-66 anos), considerando uma taxa de juro de 2,5 %) = Eur. 19 120, 64.
22ª- Estes Eur. 19 120, 64 podem ser majorados para Eur. 20.000,00, por via do recurso a juízos de equidade, mas, a indemnização pela incapacidade do Autor deve ser sempre e de qualquer modo reduzida para Eur. 20.000,00,valor digno, justo e actual.
23°- A condenação da Ré no pagamento de juros em dobro da taxa legal não tem a mínima razão de ser. Ocorreu, salvo o devido respeito, um erro de interpretação da norma aplicável.
24ª- Na verdade, para a concreta regularização dos sinistros que envolvam danos corporais, como é o caso dos discutidos nos presentes autos, rege, especificamente, o disposto no art° 39° do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto.
25ª- Ora, a Ré foi condenada, mas não por deixar de assumir a responsabilidade, ou por não ter cumprido prazos. Daí que esteja descartada a aplicação dos nºs 1 e 2 do artº 39° do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto.
26ª- Foi pedida a condenação no pagamento “dos juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela 1.ª Ré Z ao Autor no valor de 23.380,53€ e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial contados a partir do dia 23­-07-2014 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial” - cfr. pedido de fls, na parte final da douta p.i.
27ª- Tal pedido foi apresentado unicamente com base no facto da Ré ter apresentado uma “proposta razoável” tida por insuficiente para ressarcir os danos do Autor.
28ª- Ora, a proposta da Ré foi apresentada no respeito pela Tabela de Incapacidades em Direito Civil, e em observância do disposto na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio.
29ª- Não pode haver qualquer dúvida que a verba proposta pela Ré teve por base um dano biológico de oito pontos calculado pelos serviços clínicos da ré (cfr. Doc. 48° com a douta p.i.) e depois devidamente quantificados nos termos da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (cfr. se explicou nos artºs 6° a 21° da contestação de Fls.).
30ª- E assim, a proposta foi apresentada foi “nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” cumprindo o disposto no nº 3 do artº 39° do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto.
31ª- Deste modo, não há lugar à condenação dos juros no dobro da taxa legal, devendo a douta sentença recorrida ser revogada igualmente nesta parte.
32ª- A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos art.°s 342° nº 1, 388°, 389°,483°,487° nº 2, 563°, 564°, 566° nº 2 e 3, 570° do Código Civil, 607°, 615° n? 1, alínea d), 616°, 637°, 640°, 644°, 645° e 647° do Código de Processo Civil, que deverão ser interpretados de acordo com as presentes conclusões”.
Termina pedindo também que se revogue a sentença recorrida, na parte impugnada, e se profira decisão em conformidade com estas conclusões transcritas.
8- O A. respondeu ao recurso da Ré, Z, esclarecendo que, caso o seu recurso não seja admitido para o Supremo Tribunal de Justiça, pretende que o mesmo seja julgado como Apelação.
No mais, pugna pela improcedência do recurso da Ré/Recorrente.
9- Também a Ré Z respondeu ao recurso do A. pugnando pela improcedência do mesmo e ainda pela contagem dos juros de mora sobre os danos futuros e os danos morais apenas a partir da data da sentença recorrida.
10- Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, foi aí determinado o envio dos mesmos a esta instância.
11- E aqui, depois de apreciados ambos os recursos, importa decidi-los:
*
II- Mérito dos recursos
A- Definição do seu objecto
Antes de mais, importa referir que, embora o A. tenha recorrido inicialmente para o Supremo Tribunal de Justiça, manifestou, na sua resposta ao recurso da Ré, a vontade de que, caso o seu recurso não fosse admissível para aquela instância, fosse apreciado como recurso de Apelação.
Ora, como já vimos, a hipótese conjeturada pelo A. veio a verificar-se.
Assim, respeitando a sua vontade e para evitar maiores delongas, procederá à apreciação conjunta de ambos os recursos.
E o seu objeto, posto que não há questões de conhecimento oficioso, sendo delimitado, como é regra, pelas conclusões apresentadas em tais recursos (artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil), é constituído apenas pelas seguintes questões:
a) Em primeiro lugar, saber qual a medida da indemnização a que o A. tem direito, na parte impugnada;
b) E, depois, determinar se sobre o valor eventualmente atribuído são devidos juros de mora, desde quando e a que taxa.
*
B- Fundamentação de facto
Vem estabelecida, sem impugnação neste recurso, a seguinte factualidade provada:
1- No dia 23 de Novembro de 2012, pelas 5h50m, na Estrada Nacional n.º 101, no Cruzamento ou Entroncamento entre a Rua Santa Eulália e a Rua Professora Aurora dos Prazeres, n.º 979, freguesia de Fermentões, concelho de Guimarães, distrito de Braga, ocorreu um acidente de viação nele intervindo os seguintes veículos:
a) o veículo automóvel ligeiro, misto, de serviço particular, com matrícula AP, de propriedade do “Centro Cultural de Carrazedo de Montenegro”;
b) e o veículo ligeiro de mercadorias, de serviço particular, com matrícula SS, de propriedade da firma “Monte Sano Comércio e Distribuição de Produtos Alimentares, Ldª”.
2- O autor seguia como passageiro gratuito no AP.
3- O AP era conduzido por E por conta, às ordens e sob orientação, instruções e fiscalização do proprietário.
4- O SS era conduzido por J por conta, às ordens e sob orientação, fiscalização e no interesse da proprietária.
5- O SS seguia na Estrada Nacional n.º 101, no sentido Taipas- Guimarães, pela hemi-faixa direita.
6- No mesmo dia, hora e local o AP, seguia na mesma Estrada Nacional, no sentido de marcha Guimarães/Taipas.
7- O AP ao chegar ao cruzamento/entroncamento e sem se aproximar do eixo da via em ato contínuo, de uma forma repentina, brusca e inesperada, procedeu à manobra de mudança de direção à sua esquerda (atento o seu sentido de marcha Guimarães/Taipas), com destino à Rua Professora Aurora dos Prazeres,
8- O AP dispunha de boa visibilidade em relação aos veículos que circulavam em sentido contrário,
9- O AP não verificou previamente se circulava algum veículo automóvel na faixa contrária, nem acionou e sinalizou a sua manobra, através do vulgo “pisca” do lado esquerdo, nem diminuiu a sua velocidade.
12- O AP invadiu e passou a circular total e completamente dentro de toda a hemi-faixa de rodagem contrária (esquerda) àquela que competia à sua mão de trânsito e por onde já circulava o SS.
13- O SS embateu com toda a sua parte frontal na parte na frente direita e parte lateral direita da frente do veículo AP.
14- O embate ocorreu dentro da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º 101, por onde circulava o SS, ficando peças, plásticos, vidros partidos de ambos os veículos intervenientes.
15- O AP, após o embate, rodopiou para a sua esquerda ficou imobilizado parcialmente com a sua parte lateral esquerda traseira dentro da metade direita da faixa de rodagem da E.N. n.º 101, atento o seu sentido (Taipas/Guimarães).
16- E a uma distância de cerca 2,20 metros da sua roda traseira esquerda, em relação ao eixo da via, ficou imobilizado parcialmente com a sua parte da frente do lado direito dentro da berma direita, atento o seu sentido de marcha.
17- O local onde ocorreu o embate é uma localidade densamente povoada, com grande tráfego de animais, veículos automóveis e ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas diretas para a mesma.
18- Existe no local uma placa indicativa de que se trata de uma localidade e dispunha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito devidamente delimitados entre si por uma linha longitudinal descontínua marcada no pavimento e de cor branca, com marcação de vias e com bastante iluminação pública de carácter permanente.
19- O local configura um entroncamento, em forma de reta, com inclinação descendente no sentido Guimarães/Fermentões, com uma extensão superior a 50/100 (cinquenta/cem) metros, com boa visibilidade, com a via devidamente sinalizada e perfeitamente nivelada.
20- Atento o sentido de marcha do SS, existia uma passadeira destinada à travessia da via por peões, assinalada para os condutores que circulavam em ambos os sentidos pelos sinais A -16 a) (sinal de perigo de aproximação de passagem de peões) e sinal C - 13 (sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 50 Km por hora), colocados a 40/50 metros antes do local onde ocorreu o sinistro dos autos.
21- A EN tinha uma faixa de rodagem em pavimento revestido em asfalto/betuminoso regular e em bom estado de conservação com 6,5 mt de largura e cada hemi- faixa de rodagem com 3,23 de largura e bermas com 0,50 mt de largura.
22- À hora e no local o pavimento estava molhado e escorregadio por causa da chuva que na altura se fazia sentir.
23- A responsabilidade decorrente da circulação rodoviária do AP estava ao tempo dos factos transferida por contrato de seguro, titulado pela apólice nº 004789171 para a 1ª Ré seguradora, Z.
24- A responsabilidade decorrente da circulação rodoviária do SS estava ao tempo do acidente transferida por contrato de seguro, titulado por apólice n.º 751073174 para a 2ª Ré seguradora, F.
25- O Autor nasceu em 21-09-1988.
26- A Ré, Z, pagou ao A. a quantia de 9.514,36€, a título de adiantamentos salariais por conta das perdas salariais; 124.42€, de despesas medico­-medicamentosas e 8.258,30€ para ressarcimento das despesas com deslocações.
27- Em 29.10.2014, por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais a Ré, Z, apresentou por escrito ao A. proposta consolidada de indemnização final no valor global de 23.380,53€.
28- O A. foi internado e assistido no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E., apresentando diagnóstico de politraumatizado com múltiplas lesões e contusões traumáticas, designadamente:
a) Traumatismo membro inferior direito;
b) Fratura segmentar do fémur direito;
c) Fratura da rotula direita;
d) Traumatismo crânio-encefálico, sem perda de consciência;
e) Ferida corto contusa na região frontal (couro cabeludo);
f) Ferida incisa na região zigomática direita (face);
g) Traumatismo mão direita, com ferida na prega interdigital D4-D5.
29- O A., no dia 23-11-2012, no Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E., foi submetido às seguintes intervenções cirúrgicas:
a) Osteossíntese da rótula – cerciage;
b) Osteossíntese do fémur direito - encavilhamento endomedular com vareta.
30- Ficou internado 6 (seis) dias, tendo alta hospitalar no dia 29-11-2012.
31- Após a sua alta hospitalar, esteve 2 (duas) semanas de repouso na cama.
32- Após, passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
33- Após alta hospitalar, passou a ser acompanhado e observado por conta e a expensas da l.ª Ré, Z, no Hospital de Santa Maria, no Porto, de 11-01-2013 e até 22-07-2014.
34- Em 01-05-2013, devido a complicação com pseudartrose do fémur direito, foi operado no Hospital de Santa Maria, no Porto:
- Dinamização da vareta.
- Descorticação e colocação de enxerto ósseo autolo, colhido do ilíaco direito.
34- Após alta hospitalar, esteve 2 (duas) semanas de repouso na cama, período após o qual passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
35- Em 02-08-2013, devido a manter a pseudartrose do fémur, sem consolidação, foi operado no Hospital de Santa Maria, no Porto: Descorticação e colocação de enxerto ósseo autolo, colhido do ilíaco esquerdo.
36- Após alta hospitalar, esteve 2 (duas) semanas de repouso na cama, período após o qual passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
37- Em 08-01-2014, por manter intolerância a material de osteossíntese da rótula, foi operado no Hospital de Santa Maria, no Porto: EMOS da rótula direita.
38- Após alta hospitalar, passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
39- Após a sua alta hospitalar e entre as várias operações cirúrgicas a que foi submetido, por conta e expensas da 1ª Ré, Z, teve indicação para tratamento fisiátrico de reabilitação funcional e cumpriu inúmeras sessões de Fisioterapia na Clínica de Reabilitação Atlântico - Dr. José Melo Monteiro, desde 19-12-2013 e até 21-07-2014.
40- As lesões do A. estabilizaram em 22-07-2014.
41- Em consequência das lesões no dia 22-07-2014, o A. foi submetido a um Boletim de Avaliação de Incapacidade e no dia 08-09-2014, foi submetido a uma perícia de avaliação do dano corporal em direito civil e em direito do trabalho, realizada pelo Dr. Cruz de Melo.
42- O Autor ficou com as seguintes sequelas definitivas:
a) Cicatriz no couro cabeludo na linha media da região frontal coberta pelo cabelo com 1 cm;
b) Cicatriz com 1 cm na região zigomática direita com pequeno afundamento e visível a pequena distancia, cicatriz com 1 cm na linha média da região oral em localização infra nasal;
c) Cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca direita com ligeiro afundamento com 6 cm de comprimento (sugestiva da colheita de enxerto ósseo) cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca esquerda com 4 cm de comprimento (sugestiva da colheita de enxerto ósseo);
d) Rigidez da anca com flexão a 90° e rigidez dolorosa na rotação interna, atrofia do nadegueiro direito; quatro cicatrizes cirúrgicas lineares nacaradas localizadas na face lateral da coxa com 8 cm, 4 cm, 4cm e 15cm respetivamente direito; cicatriz cirúrgica linear nacarada na linha media da face anterior do joelho com 10 cm, cicatriz nacarada com 2 cm localizada na face anterior do terço distal da perna; atrofia dos músculos da coxa 2,5cm; sem atrofia dos músculos da perna, quando comparadas com o membro contralateral, sem dismetria aparente dos membros inferiores, joelho em ligeiro valgo (<10°) com arco de mobilidade do joelho em flexão extensão com défice de flexão (possível a 110° dolorosa a partir dos 80°) dor a palpação da rotula e face medial do joelho com clinica e manobras positivas para síndrome femoro patelar com crepitação articular na mobilização; edema ligeiro do tornozelo com mobilidades da tibiotársica e pé conservadas e não dolorosas.
e) Vida profissional: esforços acrescidos em carga e ao subir escadas transporte de pesos vergar-se, acocorar-se, e na execução de tarefas que exijam grandes esforços com o tronco e ou membros inferiores permanecer de pé por períodos prolongados e ou faculdades especiais de equilíbrio.
f) Atos de vida corrente: dificuldades acrescidas nas suas atividades domesticas e exteriores habituais subir, descer escadas, planos inclinados, para utilizar um meio de transporte comum e na condução da sua viatura particular, desconforto no descanso noturno, claudicação moderada na marcha normal.
g) Vida afetiva e social: limitado nas atividades de lazer como correr andar de bicicleta, futebol que fazia regularmente ao fim de semana, dificuldades acrescidas no ato sexual por limitação dolorosa em certas posições, dores na anca e joelho direitos que se agravam pelas mudanças de tempo, nos primeiros movimentos após períodos de imobilização prolongada.
43- O A. necessita, atualmente, e necessitará no futuro, de vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Ortopedia, Fisiatria e Fisioterapia, de realizar tratamento fisiátrico.
44- O A. necessita, atualmente, e necessitará no futuro, de ajuda medicamentosa, anti-inflamatórios e analgésicos.
45- O A. terá de se submeter a intervenções cirúrgicas, para retirar/extrair o material de osteossíntese que tem no fémur, com internamentos hospitalares, de efetuar despesas hospitalares, e com deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas.
46- Em virtude das lesões sofridas e da irreversibilidade das sequelas atuais e permanentes causadas pelo acidente de viação descrito nos presentes autos, o Autor, padece atualmente de:
a) um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, fixável em 11 pontos;
b) uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP), fixável em 17,6057%.
47- O referido em 46 traduz a capacidade futura de ganho do A,. ao nível da sua potencialidade física com uma perda de faculdades físicas e intelectuais, que a idade agravará e eventual redução do período de vida ativa do A..
48- Tal agravamento tomará mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam atividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade e ascensão na carreira.
49- O A., até setembro de 2011, exerceu como sua última e habitual categoria profissional, a atividade profissional de Ajudante de Eletricista, por conta de outrem, na firma denominada, Bernardino Castro - Serviços Festivos, Ldª.
50- Auferia um salário médio mensal ilíquido na ordem dos 578,50€ (485,00€ a titulo de vencimento base mensal, e 93,50€ a título de subsídio de alimentação).
51- O A., desde outubro de 2011, que está desempregado.
52- Durante o período de tempo compreendido desde 23-11-2012 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até ao dia 22-07-2014 (dia da consolidação medica das lesões) num total de 607 dias, esteve totalmente impossibilitado de trabalhar e de procurar qualquer tipo de emprego.
53- O A. teve necessidade de ser submetido a vários tratamentos, a vários internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, de efetuar vários exames clínicos.
54- O A. teve dores de grau 5, numa escala crescente de 1 a 7.
55- Sofreu angústia.
56- Continuará a sofrer no futuro, de fortes dores físicas, incómodos e mal-estar durante o resto da sua vida, designadamente a nível da anca direita, joelho direito, rótula direita e membro inferior direito.
57- As quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços e que o A. até à data do acidente de viação descrito nos presentes autos não sentia.
58- Tem dificuldades em dormir, com as dores.
59- Tem alterações de humor, do sono e alterações afetivas.
60- O A., antes do acidente era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora.
61- Era uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
62- O A. tomou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
63- O A. ficou afetado psiquicamente, infeliz, desgostoso da vida, inibido e diminuído fisicamente e esteticamente.
64- Estas cicatrizes causam ao A. desgosto e inibição quando vai à praia, quando veste calções, quando se relaciona amorosamente com a sua companheira.
65- As cicatrizes não serão eliminadas na sua totalidade pela cirurgia plástica.
66- O A. teve um dano estético fixável no grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.
67- As lesões e sequelas, do A. prejudicam-no e interferem com a mobilidade no ato sexual em certas posições, conferindo-lhe repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 2/7.
68- As referidas queixas, lesões e sequelas supra descritas conferem ao A. uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 5.
*
C- Fundamentação jurídica
Começa por estar em causa, nos recursos em apreço, a medida da indemnização a que o A. tem direito em virtude de alguns dos danos que sofreu com o acidente de viação de que foi vítima, no dia 23/11/2012.
Essa medida tem como pressuposto que não é viável (jurídica e/ou economicamente) a reparação em substância, imposta pelo artigo 562.º do Código Civil.
E, de facto, não é.
Em tais hipóteses, estipula o artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, que a indemnização é fixada em dinheiro, tendo, em regra, como medida “a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (nº2). Só no caso de não poder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal deve julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº3).
Por regra, pois, há uma simetria ou equivalência entre a patrimonialidade do dano, ou seja, o reflexo que o dano real tem sobre a situação patrimonial do lesado, e a patrimonialidade do direito indemnizatório de que o mesmo lesado é titular.
Mas essa equivalência não significa que todos os danos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária. Como sublinhava Antunes Varela(1), ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação (…) do que uma indemnização”. São os chamados danos não patrimoniais. Isto por contraposição aos danos patrimoniais em que sucede, justamente, o contrário; ou seja, são passíveis de avaliação pecuniária(2).
Ora, cingindo-nos a essas categorias, fácil é compreender que a afectação da integridade produtiva do ser humano é susceptível de contender não só com bens jurídicos de natureza imaterial, mas também patrimonial, posto que pecuniariamente quantificáveis. É o que sucede, por exemplo, quando a incapacidade funcional diminui directamente o rendimento do lesado. Mas é o que sucede também quando o lesado só com um esforço acrescido ou em mais tempo consegue realizar as mesmas tarefas que desempenhava antes do facto danoso. Em qualquer caso, trata-se de danos que são pecuniariamente avaliáveis e que, portanto, têm natureza claramente patrimonial. Mesmo quando falamos de esforço acrescido para realizar as mesmas tarefas, estamos sempre a considerar que a energia inerente à integridade produtiva do ser humano é um bem jurídico susceptível de ser transaccionado e, portanto, passível de expressão pecuniária.
Assim, não podem restar quaisquer dúvidas de que a incapacidade permanente geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, tal como a incapacidade para o trabalho, por atingirem, em regra, aquele bem jurídico, são danos de natureza patrimonial.
Mas isso não significa, que sejam avaliáveis com os mesmos parâmetros.
Efetivamente, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei nº352/2007, de 23 de Outubro, no direito laboral, “está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinando”.
Por isso mesmo, este diploma legal aprovou duas tabelas distintas para avaliação da incapacidade do sinistrado ou doente no âmbito do direito do trabalho e a incapacidade permanente do lesado no domínio do direito civil.
Por outro lado, a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho é também objeto de um regime jurídico específico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, que deve ser exercitado em sede jurisdicional própria; isto é, nos tribunais de trabalho (artigo 126.º, n.º1, al. c), da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto e Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro).
Daqui não decorre, porém, que, se o lesado não estiver a trabalhar, se desconsidere a sua deficiência permanente e as eventuais repercussões negativas da mesma na sua capacidade de ganho. Pelo contrário, devem ser levadas em linha de conta essas repercussões, mas avaliadas sob outro prisma, que não o ditado especificamente para a reparação dos acidentes de trabalho.
Ou seja, no caso presente, posto que o A., à data do sinistro, não exercia qualquer atividade profissional, não podem ser avaliadas as repercussões sobre essa atividade sob o ponto de vista da incapacidade permanente para a mesma, mas tão só o défice funcional permanente geral com que ficou afetado. Significa isto, por outras palavras, que a indemnização pretendida pelo A. em razão da IPP que lhe foi reconhecida não lhe pode aqui ser reconhecida, mas já lhe deve ser reconhecido o direito a ser indemnizado pelo défice funcional permanente com que está afetado, levando em linha de conta, como veremos, além de outros fatores, as repercussões que esse défice tem na sua integridade produtiva.
Pois bem, este dano, quando é perspetivado nesse prisma, é comumente tratado como um dano patrimonial futuro (artigo 564.º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil). Embora gerado por um facto atual, os seus efeitos só no decurso da vida do A. se irão manifestar. Mas, é, desde já, previsível que assim aconteça. Só não se sabe ao certo em que dimensão exata.
Ora, quando assim sucede, determina o artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, que tais danos sejam ressarcidos mediante um montante equitativamente encontrado. Ou seja, mediante um valor pecuniário que, atendendo às especificidades do caso concreto, traduza uma solução justa. E, para o efeito, devem utilizar-se critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal acontecer, com aquilo que em cada caso concreto poderá vir a passar-se, pressupondo, naturalmente, que a vida segue o seu curso normal(3).
Até porque o que está em causa no apuramento da indemnização em apreço, não é a reposição da situação existente antes da perda patrimonial, mas sim a compensação do A. pelo maior esforço que terá de despender sem remuneração acrescida.
Com o intuito, pois, de conferir maior objectividade na fixação deste tipo de indemnização (por danos patrimoniais futuros), a jurisprudência tem-se mostrado favorável à adopção de critérios matemáticos, temperados pela equidade. Obedecendo esses critérios, no essencial, aos seguintes princípios:
1º- “A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida”;
2º- “No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável”;
3º- “As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade”;
4º- “No caso de morte do lesado, deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio gastaria consigo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos)”;
5º- “Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um des­conto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia”;
6º- “E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de traba­lhar por vir­tude da reforma (…)”(4)/(5).
No caso em apreço, de relevante para o cálculo da referida indemnização, apurou-se que:
a) O A., à data do acidente, 23 de Novembro de 2012, tinha 24 anos de idade;
b) Não tinha antes do sinistro, qualquer mazela ou limitação corporal.
c) Encontrava-se, então, à data do acidente, desempregado.
e) Mas, até setembro de 2011, exerceu como sua última e habitual categoria profissional, a atividade profissional de Ajudante de Eletricista, por conta de outrem.
f) Aí auferia uma remuneração base de 485,00€, a título de vencimento, acrescida de 93,50€, a título de subsídio de alimentação.
g) Por outro lado, como já vimos, em razão das sequelas com que ficou afetado, o A. é portador de um défice funcional permanente na sua integridade física, fixável em 11 pontos.
h) Esse défice e a incapacidade permanente para o trabalho (IPP de 17,6057%), como também se apurou, repercutir-se-ão na capacidade futura de ganho do A,. ao nível da sua potencialidade física, com uma perda de faculdades físicas e intelectuais, que a idade agravará e eventual redução do seu período de vida ativa. Aliás, igualmente se considerou demonstrado que tal agravamento tomará mais penoso o desempenho das tarefas diárias pelo A., sejam atividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade e ascensão na carreira.
Em suma, a sua integridade produtiva está substancialmente afetada. O que se repercutirá não só na sua vida profissional, mas também na sua vida pessoal, enquanto vivo for. Por isso se diz que no cálculo desta indemnização deve ser considerada a esperança média de vida, e não o tempo provável de vida activa(6). Por outro lado, não se pode desvalorizar, como já dissemos, também a circunstância da indemnização, a este título, ser recebida pelo A. de uma só vez, podendo a mesma dar-lhe o destino que bem entender.
Dentro destes e dos demais parâmetros teóricos já referidos, verificamos também que a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça tem sofrido uma evolução que importa ter presente.
a) Assim, por exemplo, no Acórdão de 16/06/2016, Proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2(7), considerou-se o seguinte:
“Tendo a A. a idade de 40 anos, à data da consolidação das sequelas, e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mormente das lides domésticas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, mostra-se ajustada a indemnização de € 25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial”.
b) No Acórdão do mesmo Tribunal, de 02/06/2016, Proc. 3987/10.1TBVFR.P1.S1, que:
“A partir do rendimento anual de € 7.691,52, atendendo à incapacidade permanente absoluta do autor para o exercício da sua atividade profissional, a uma taxa de juro nominal entre 3% e 4%, a um período de vida ativa previsível de 20 anos e a uma redução de 1/3 do capital desse modo apurado, a título de compensação pelo beneficio da antecipação do mesmo, tem-se por ajustado um valor de capital na ordem dos € 145.000,00 para compensar a perda de capacidade de ganho do autor relativa à sua atividade profissional”.
c) No Acórdão de 07/04/2016, 237/13.2TCGMR.G1.S1, que:
“Tendo ficado provado que a recorrente: (i) à data do acidente tinha 22 anos de idade; (ii) o seu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; e (iii) possuía o grau académico de licenciada, é justa e adequada a fixação de indemnização, a título de danos patrimoniais (perda da capacidade geral de ganho), no montante de € 25 000 (e não de € 15 000 como foi fixado pela Relação)”.
d) No Acórdão de 28/01/2016, Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, que:
“Tendo ficado provado que, em consequência de acidente de viação, o lesado, então com 17 anos de idade, sofreu uma lesão de um membro inferior que o deixou incapacitado para a sua profissão habitual, da qual se reformou, e com uma incapacidade geral permanente de 23%, atenta a esperança de vida média à data do acidente (70 anos para os homens nascidos em 1977), e uma vez que teria ainda pela frente várias décadas com a oportunidade de “progredir na vida” - mesmo desconhecendo-se as suas habilitações, mas havendo indícios de que as mesmas não seriam elevadas - considera-se adequado fixar, a título de indemnização por danos patrimoniais derivados da perda de capacidade de ganho, o valor de €50.000,00, o qual se reduz para €45.186,50, devido à limitação do pedido”.
e) E, no Acórdão de 04/06/2015, Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, que:
“Tendo ficado provado que as sequelas decorrentes de um acidente ocorrido em 2005 determinaram para a autora, então com 17 anos de idade, uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos – e, por isso, com efectiva repercussão na actividade laboral –, nada há a censurar à utilização de tabelas e à introdução das correcções habitualmente citadas na jurisprudência, nem ao recurso ao valor de € 800,00 ilíquido auferido pela lesada a título de salário, a partir de 2013, para fixar o valor da indemnização devida por danos patrimoniais futuros em € 55 000,00, como decidiu a Relação”.
Desta breve resenha jurisprudencial, e de outra que possa fazer-se, resulta que tem havido uma evolução no sentido de atualizar as indemnizações decorrentes de acidentes de viação, no que concerne aos danos patrimoniais futuros.
Assim, dentro deste contexto e ponderando todos os fatores inerentes ao caso concreto, julga-se equitativa uma indemnização de 28.000,00€.
Passemos, agora, à análise dos danos não patrimoniais e da correspondente compensação.
Como já referimos, os danos não patrimoniais, pela sua própria natureza, nem são passíveis de reconstituição natural, nem, por outro lado, em rigor, são indemnizáveis, mas apenas compensáveis pecuniariamente. Isto, em relação àqueles que mereçam, pela sua relevância, a tutela do direito (artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil).
Essa compensação, nunca é demais dizê-lo, não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento. Daí que o valor dessa compensação deva ser obtido, uma vez mais, por recurso à equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil (primeira parte do nº 4, do artigo 496.º do Código Civil) e as especificidades da situação em apreço.
Comecemos, então, por recordar essas especificidades.
Por causa deste sinistro, o A. foi internado e assistido no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E., apresentando diagnóstico de politraumatizado com múltiplas lesões e contusões traumáticas.
Por isso mesmo, logo no dia 23-11-2012, nesse mesmo Centro Hospitalar, foi submetido às seguintes intervenções cirúrgicas:
a) Osteossíntese da rótula – cerciage;
b) Osteossíntese do fémur direito - encavilhamento endomedular com vareta.
Ficou internado 6 dias, tendo alta hospitalar no dia 29-11-2012.
Após a sua alta hospitalar, esteve 2 semanas de repouso na cama e só após se passou a locomover com a ajuda de canadianas.
Passou também, após alta hospitalar, a ser acompanhado e observado no Hospital de Santa Maria, no Porto, de 11-01-2013 e até 22-07-2014.
Em 01-05-2013, devido a complicação com pseudartrose do fémur direito, aí foi operado (Dinamização da vareta e descorticação e colocação de enxerto ósseo autolo, colhido do ilíaco direito).
Obtida a alta hospitalar, esteve 2 semanas de repouso na cama, período, após o qual passou a locomover-se, novamente, com a ajuda de canadianas.
No dia 02-08-2013, porém, em virtude de manter a pseudartrose do fémur sem consolidação, foi operado, de novo, no Hospital de Santa Maria, no Porto (Descorticação e colocação de enxerto ósseo autolo, colhido do ilíaco esquerdo).
Após alta hospitalar, esteve, uma vez mais, 2 semanas de repouso na cama, período após o qual passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
Em 08-01-2014, por manter intolerância a material de osteossíntese da rótula, foi, outra vez, operado no Hospital de Santa Maria, no Porto: EMOS da rótula direita.
E, após alta hospitalar, passou a locomover-se com a ajuda de canadianas.
Quer após a sua alta hospitalar, quer entre as várias operações cirúrgicas a que foi submetido, por conta e expensas da Ré, Z, teve indicação para tratamento fisiátrico de reabilitação funcional e cumpriu inúmeras sessões de Fisioterapia, desde 19-12-2013 e até 21-07-2014.
Só em 22-07-2014, as lesões do A. estabilizaram.
E ficou com as seguintes sequelas definitivas:
a) Cicatriz no couro cabeludo na linha média da região frontal coberta pelo cabelo com 1 cm;
b) Cicatriz com 1 cm na região zigomática direita com pequeno afundamento e visível a pequena distancia, cicatriz com 1 cm na linha média da região oral em localização infra nasal;
c) Cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca direita com ligeiro afundamento com 6 cm de comprimento, cicatriz cirúrgica localizada na região ilíaca esquerda com 4 cm de comprimento;
d) Rigidez da anca com flexão a 90° e rigidez dolorosa na rotação interna, atrofia do nadegueiro direito; quatro cicatrizes cirúrgicas lineares nacaradas localizadas na face lateral da coxa com 8 cm, 4 cm, 4cm e 15cm respetivamente direito; cicatriz cirúrgica linear nacarada na linha media da face anterior do joelho com 10 cm, cicatriz nacarada com 2 cm localizada na face anterior do terço distal da perna; atrofia dos músculos da coxa 2,5cm; sem atrofia dos músculos da perna, quando comparadas com o membro contralateral, sem dismetria aparente dos membros inferiores, joelho em ligeiro valgo (<10°) com arco de mobilidade do joelho em flexão extensão com défice de flexão (possível a 110° dolorosa a partir dos 80°) dor a palpação da rotula e face medial do joelho com clinica e manobras positivas para síndrome femoro patelar com crepitação articular na mobilização; edema ligeiro do tornozelo com mobilidades da tibiotársica e pé conservadas e não dolorosas.
Ao nível da vida profissional: esforços acrescidos em carga e ao subir escadas transporte de pesos vergar-se, acocorar-se, e na execução de tarefas que exijam grandes esforços com o tronco e ou membros inferiores permanecer de pé por períodos prolongados e ou faculdades especiais de equilíbrio.
Nos atos de vida corrente: dificuldades acrescidas nas suas atividades domésticas e exteriores habituais subir, descer escadas, planos inclinados, para utilizar um meio de transporte comum e na condução da sua viatura particular, desconforto no descanso noturno, claudicação moderada na marcha normal.
Em termos de vida afetiva e social: limitado nas atividades de lazer como correr andar de bicicleta, futebol que fazia regularmente ao fim de semana, dificuldades acrescidas no ato sexual por limitação dolorosa em certas posições, dores na anca e joelho direitos que se agravam pelas mudanças de tempo, nos primeiros movimentos após períodos de imobilização prolongada.
O A. teve dores de grau 5, numa escala crescente de 1 a 7.
Sofreu angústia. Continuará a sofrer no futuro, de fortes dores físicas, incómodos e mal-estar durante o resto da sua vida, designadamente a nível da anca direita, joelho direito, rótula direita e membro inferior direito, as quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços e que o A. até à data do acidente de viação descrito nos presentes autos não sentia.
Tem ainda dificuldades em dormir, por causa das dores, bem como sofre ainda de alterações de humor e afetivas.
Ora, antes do acidente, o A. era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora. Era uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
Depois, tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
Em suma, o A. ficou afetado psiquicamente, infeliz, desgostoso da vida, inibido e diminuído fisicamente e esteticamente.
Por isso, as cicatrizes já descritas causam ao A. desgosto e inibição quando vai à praia, quando veste calções, quando se relaciona amorosamente com a sua companheira. E, não serão eliminadas, na sua totalidade, pela cirurgia plástica.
Sofreu um dano estético fixável no grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.
Num outro plano, as sequelas com que o A. ficou afetado prejudicam-no e interferem com a mobilidade no ato sexual em certas posições, conferindo-lhe repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 2/7.
E, as referidas queixas, lesões e sequelas supra descritas conferem ao A. uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 5.
Ora, perante todo este quadro, e tendo presente a necessidade de harmonizar as soluções jurisprudenciais dadas a casos semelhantes, cremos, nos termos conjugados do nº 3 do artigo 496º e do artigo 494º, ambos do Código Civil, que se mostra equitativa uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de 35.000,00€.
Passemos à análise da alegada “perda de chance” e perdas salariais.
Em rigor, ao contrário do que parece depreender-se da alegação do A., estes termos não são equivalentes. E, posto que o A. estava desempregado à data do acidente, é, desde logo, linear que nada lhe é devido a título de perdas salariais efetivas.
E potenciais? Isto é, o A. viu violado o seu direito à “perda de chance” pelo emprego que, no período de incapacidade temporária, eventualmente podia ter encontrado e pelos rendimentos que, por esse motivo, podia ter auferido nesse mesmo hiato temporal ?
Vejamos:
Independentemente da posição que se assuma sobre o enquadramento teórico da ressarcibilidade deste dano(8), certo é que essa ressarcibilidade só pode ser configurada se estiverem verificados, por um lado, o dano, ou seja, a perda ou compressão ilegítima de um direito subjectivo já obtido ou a não aquisição de uma prestação (a lesão efectiva de interesses materiais ou imateriais tutelados pelo direito de que fala o artigo 483.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil(9)), e, por outro, o nexo de causalidade adequada entre esse dano e o evento que lhe deu origem.
Ora, no caso, embora saibamos, que o A., à data deste acidente estava, como já dissemos, desempregado, já se ignora, de todo, se o mesmo diligenciava, então, pela obtenção de um emprego e, na afirmativa, qual ou quais as diligências que já tinha encetado ou se propunha encetar para o efeito. É que, se é certo que o comum dos mortais vive dos rendimentos gerados pela sua força de trabalho, o que se admite, em tese, ser também o caso do A. - até pela atividade que já antes tinha desenvolvido-, já se ignora se, no período concreto em causa, ou seja, entre 23-11-2013 e 22-07-2014, o mesmo se dispôs a procurar emprego. Não porque, em rigor, haja dados para lhe ser imputada qualquer inércia; mas porque, por exemplo, podia ter estabelecido outras prioridades para a sua vida, como, por exemplo, continuar a valorizar-se noutros planos, inclusive ao nível da formação profissional.
De modo que, ignorando nós estas prioridades, é prematuro configurar a violação do exercício do direito à procura de emprego ou mesmo a obtenção de um emprego real, nesse período, como um dano efetivo.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse e o A. se propusesse encontrar emprego, também não é líquido que a incapacidade para o trabalho por ele sofrida lhe tenha determinado, direta e necessariamente, a impossibilidade de o procurar.
Logo, sabendo nós que a procura de emprego não se restringe, nos dias de hoje, aos contactos presenciais, também por esta via seria precipitado estabelecer qualquer nexo causal entre a referida incapacidade e as eventuais oportunidades de emprego que para o A. estivessem disponíveis, na altura.
De resto, ainda aí seria necessário diferenciar também, com rigor, essas oportunidades, objetivamente consolidadas, das meras expectativas subjetivas do A.. É que só a perda daquelas oportunidades poderia ter interferência direta na esfera jurídica do A., em termos patrimonialmente relevantes. As expectativas, nunca; sob pena de alargamento discricionário do nexo de imputação objetivo, que, a nosso ver, o ordenamento jurídico não consente, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.
Por todas as razões expostas, pois, o referido direito indemnizatório não pode ser reconhecido ao A..
Resta a questão dos juros.
Nesta parte, estão em causa duas problemáticas: o momento a partir do qual são devidos e a imposição do pagamento à Ré/Recorrente do dobro da taxa a que são devidos.
Comecemos por abordar esta última questão.
Estabelece o artigo 38.º, nº 1, do citado Decreto-Lei n.º 291/2007, que, no caso da responsabilidade não ser contestada e do dano ser quantificável, no todo ou em parte, a seguradora responsável pela reparação dos danos deve fazer chegar ao lesado uma proposta razoável de indemnização; ou seja, uma proposta que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado (n.º 3).
Se o não fizer nos termos e prazo legalmente estabelecidos, são devidos juros ao dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo (n.º 2).
No caso dos sinistros que envolvam lesões corporais, porém, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos (n.º 3 do artigo 39.º).
Ora o que verificamos no caso presente é que, tendo o A. ficado lesado na sua integridade física, não alegou, como lhe competia (artigo 342.º, nº1, do Código Civil) a inobservância pela Ré, Z, na sua proposta de indemnização, das regras e critérios prescritos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais utilizados na Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
Do que se queixa, tão só, é de lhe ter sido apresentada pela Ré uma proposta manifestamente insuficiente (artigo 155.º da petição inicial), o que não é bastante, por si só, para preencher aquela previsão legal.
De modo que, nesta parte, a pretensão da A. deve ser julgada improcedente.
Vejamos agora a outra questão:
Dispõe o artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil o seguinte: “[s]e o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Na sequência de interpretações contraditórias a respeito deste preceito o Supremo Tribunal de Justiça estabeleceu a seguinte orientação uniformizadora (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9/05/2002, publicado no DR n.º 164, Série 1-A, de 27/06/2002): “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
E bem se compreende que assim seja. Com efeito, visando os juros de mora compensar a depreciação monetária, faz sentido que, nas decisões judiciais em que o capital é atualizado à data em que as mesmas são proferidas, se não estabeleçam esses juros desde data anterior. Como se escreveu no Ac. STJ de 04/06/2015(10), “os juros de mora não podem transformar-se, nem numa elevação indirecta dos montantes indemnizatórios, nem numa duplicação de indemnizações pela demora no pagamento da indemnização”. Caso contrário, haveria uma duplicação de compensações em virtude do mesmo facto: o decurso do tempo.
E deve ser assim em relação a qualquer dano ressarcido em termos equitativos, seja ele de natureza patrimonial ou não patrimonial; incluindo, portanto, a indemnização devida por danos patrimoniais futuros. Na verdade, tal montante é, em regra, calculado segundo variáveis que o julgador considera adequadas ao tempo da decisão, nos termos do já citado artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil. E foi também isso que se passou no caso presente.
De modo que os juros moratórios são devidos, à taxa legal, desde o dia subsequente à data em que foi proferida a sentença recorrida (14/07/2016), que nessa parte não vem impugnada, até integral pagamento.
*
III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em conceder parcial provimento aos recursos em apreço e, consequentemente, altera-se a sentença recorrida, condenando a Ré, Z, a pagar ao A., Artur Jorge Oliveira Cardoso, a quantia de 28.000,00€ (vinte oito mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, e 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo ambas as quantias acrescidas apenas de juros de mora vencidos e vincendos desde o dia 15/07/2016 até integral pagamento, à taxa legal.
No mais mantém-se o decidido.
*
- As custas por cada um dos recursos serão pagas por A. e Ré, na proporção do respectivo decaimento - artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
*
1- Das Obrigações em Geral, 7ª ed., Almedina, pág. 595
2- Repare-se que o conceito de dano patrimonial é aqui empregue com um sentido diferente daquele que já antes aludimos, em que estava em causa a repercussão do dano real na esfera patrimonial do lesado (dano consequencial).
3- Neste sentido, Ac. STJ de 25/11/2009, Proc. 397/03.0GEBNV.S1, consultável em www.dgsi.pt.
4- A esperança média de vida à nascença, dos homens, em 2012, era já de 76,9 anos, segundo os dados publicados pela Pordata.
5- Ac. STJ de 03/03/2009, Proc. 09ª0009, consultável em www.dgsi.pt, e a jurisprudência no mesmo sentido, nele referida.
6- Cfr. Ac. STJ, de 19/02/2009, Proc. n.º 08B3652, Ac. STJ de 08/03/2007, Proc. 06B4320 e de 19/05/2009, Proc. n.º 298/06.0TBSJM.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, sendo que no último Aresto referido se considerou ressarcível o dano futuro de uma lesada já aposentada.
7- Este, tal como os demais, consultáveis em www.dgsi.pt.
8- Cfr., por todos, a resenha jurisprudencial e doutrinal exposta por Rui Cardona Ferreira, “A perda de chance revisitada (a propósito da responsabilidade do mandatário forense)”, consultável em www.oa.pt.
9- Cfr. neste sentido, entre outros, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª ed., Almedina, pág. 591.
10- Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt