Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1078/14.5T8VCT.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
QUESTÃO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Em sede de aferição do tribunal materialmente competente, se o comum ou antes o administrativo, o que importa é ter em atenção qual a relação jurídica que está na base do litígio e qual a natureza das normas que a disciplinam, e tal como se mostra aquela configurada nos autos pelo requerente.
II - Assim, caso a relação jurídica referida em I diga respeito a um litígio de natureza privada, a decidir por aplicação de normas de direito privado, e ainda que um dos sujeitos seja uma entidade pública, então o tribunal administrativo não é o competente, antes o é o tribunal comum.
III - No processo declarativo, a regra é no sentido de que o tribunal competente para a acção também o é para as questões da competência do tribunal administrativo e cuja apreciação se revele essencial para o conhecimento do objecto da acção, caso em que, pode o juiz suspender o processo antes da decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.- Relatório.
A.., e marido É.., ambos de Ponte de Lima, instauraram acção declarativa de condenação e com processo comum, contra :
N.. e I.., residentes em Ponte de Lima,
V.., LDA., com sede em Sobral, Ponte de Lima,
M.., Engenheira Técnica Civil, residente em Ponte de Lima, e
BANCO .., S.A., com sede em Lisboa.
Peticionam os AA que, sendo a acção julgada procedente e provada:
I - A) Seja declarado nulo ou anulável a escritura pública celebrada entre Autores e 1º Réu, inerente ao prédio urbano identificado no artigo 19º da p.i., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1651º, isto atendendo à impossibilidade legal do seu objecto;
B) Se assim se não entender, que o negócio seja nulo / anulado, atento que os mesmos foram enganados por todos os Réus;
C) Seja declarado resolvido, nulo ou anulável o negócio, sendo os Réus condenados solidariamente em todos os prejuízos sofridos, e desde logo na quantia paga ao Réu Banco.., S.A., inerente às prestações que entretanto se vierem a vencer e às que se vencerão, às despesas com juros, escritura, registo e outras, prejuízos que, por estarem em curso, se relega a sua liquidação para execução de sentença;
D) Venham os Réus a ser solidariamente condenados a pagarem o valor do mobiliário que os Autores adquiriram para o imóvel, e que retirado do mesmo, não tem qualquer uso, e no que gastaram a quantia de € 5.000,00, nomeadamente a mobília de dois quartos, uma cozinha completa, mobiliário de sala de jantar, mobiliário do escritório;
E) Devam os AA ser ressarcidos na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), referente ao montante de obras, benfeitorias efectuadas no imóvel, nomeadamente com a construção de um anexo, pavimentação e ajardinamento do logradouro, e vedações;
II - Se assim se não entender, e não for declarado nulo, anulável o acto de compra e venda celebrado entre Autores e 1º Réu N.., bem como a escritura de mútuo celebrada entre Autores e Réu Banco .., S.A., e atento o imóvel ficar consideravelmente desvalorizado atento os factos descritos na p.i.:
F) Deve ser reduzido o montante a pagar pelos Autores ao 1º Réu, para valor não superior a € 60.000,00 (sessenta mil euros), e, consequentemente,
G) Devem os Réus ser considerados solidariamente responsáveis pelo pagamento, aos Autores, da quantia inerente à diferença entre o valor por estes pago e o valor do prédio atento a desvalorização, ou seja, € 60.000,00 (sessenta mil euros), devendo acrescer a tal valor as despesas de registo, impostos, comissões e outras, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, invocam os AA, em síntese, que :
- Em Julho de 2010 os Autores adquiriram uma moradia nas redondezas da vila de Ponte de Lima, prédio cuja aquisição foi aconselhada pela 2 dª Ré , a qual lhes informou estar legalizado e não sofrer de vícios ou defeitos que o desvalorizem, confrontar com caminho público e que não estar implantado em zona inundável ;
- Logo após a feitura do contrato-promessa de compra e venda, os AA conseguiram obter junto do 4º Réu Banco.., S.A., um financiamento para a aquisição da referida moradia, razão porque, quando do contrato de compra e venda, foi a competente escritura efectuada, em simultâneo, com o mútuo com hipoteca a favor do Banco.., S.A.;
- Acontece que, em Dezembro de 2013, os Autores constataram que o acesso à moradia adquirida não era um caminho público, mas sim um caminho de servidão , o que os indignou, sentindo-se enganados, desde logo, pelos 1ºs. Réus, e pela Ré V.. , pois que, se tivessem tido conhecimento de que o acesso ao prédio não era um caminho público, não teriam adquirido o imóvel;
- Ainda em 2013, os AA , depois o prédio adquirido ter sido invadido pela água de um ribeiro , colocando em perigo pessoas e bens , indagaram junto da Câmara Municipal de Ponte de Lima como ( dado estar implantado em zona onde era impossível a construção, porque inserido em zona inundável ) é que os Réus tinham obtido licença para a feitura da construção do imóvel adquirido, vindo então a apurar que no caso concreto tinha o referido Município a obrigação legal de não ter licenciado, para o local, o referido imóvel e de não ter passado a respectiva licença de utilização [ quer por não ser permitida a construção no local em causa, quer por ter licenciado um prédio em desconformidade com o projecto aprovado, negligenciado os seus poderes de fiscalização ];
- Também a Técnica que fiscalizou a obra, a 3ª Ré M.., ao solicitar para a mesma as respectivas licenças de construção, aceitando a feitura da obra, fiscalizando-a e afirmando que a mesma estava conforme a legislação em vigor, o que não era exacto, veio com tal actuação a causar prejuízos aos Autores ;
- Para além da 2ª Ré V.., Lda., dever ser solidariamente responsabilizada pelos prejuízos causados aos AA , porque afirmou que a casa adquirida confrontava com caminho público, e que estava implantada em terreno onde era para tal possível, bem sabendo que tal não correspondia à verdade, também o 4º Réu Banco.., S.A. deve ser responsabilizado pelos referido prejuízos dos Autores, já que , antes da concessão do mútuo, analisou o pedido de construção, viu o imóvel e a sua localização, analisou o projecto de construção e os documentos que o instruíram, constatou que o imóvel estava edificado em zona inundável e sem acesso deste para a via pública, e , mesmo assim, não advertiu os Autores, concedendo-lhes um empréstimo sobre a transmissão.
- Em suma, deve ser declarado nulo e resolvido o contrato-promessa e de compra , por possibilidade legal do seu objecto, ou, se assim se não entender, pretendem os AA que o negócio seja nulo / anulado, atento que foram enganados por todos os Réus, já que, se tivessem ido conhecimento das circunstâncias descritas , não teriam adquirido o imóvel.
1.1. - Após citação dos RR, vieram todos apresentar contestação, deduzindo oposição por excepção ( dilatória e peremptória ) e impugnação motivada, tendo designadamente a Ré :
A) I.., excepcionado a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, considerando para tanto que, ao impugnarem os autores a legalidade do licenciamento da obra pela Câmara Municipal de Ponte de Lima , obrigados estavam a intentar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a competente acção de impugnação dos subjacentes actos administrativos, ou seja, pondo os autores em causa, nos presentes autos, o licenciamento da construção da casa de habitação e a sua utilização para tal fim, a acção deveria ter sido proposta no tribunal administrativo e fiscal de Braga e naturalmente contra o Município de Ponte de Lima, verificando-se assim uma incompetência material deste tribunal para apreciação do pedido formulado na acção de nulidade e anulação da compra e venda em causa com fundamento no licenciamento indevido da respectiva construção e emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal de Ponte de Lima.
1.2. - Seguindo a resposta dos AA, incidindo a mesma sobre as excepções aduzidas pelos RR, foi designado dia para uma Audiência prévia, com os objectivos assinalados no artigo 591º, nº1, als. a), b), c), d), f) e g) , do CPC , sendo que, iniciada a mesma, foi proferida decisão que conheceu da excepção dilatória da incompetência absoluta arguida pelas RR I.. e V.., LDA., sendo a mesma, em parte, do seguinte teor :
“ (…)
Para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelo demandante, pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da sua pretensão.
Quer dizer que, para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante ( cfr. Ac. do S.T.J. de 30/06/09 in www.dgsi.pt e Ac. do S.T.J. de 06/11/08 in www.dgsi.pt. ).
No caso dos autos os AA ,deduziram desde logo a título principal o seguinte pedido:
“Declarar-se nulo ou anulável a escritura pública celebrada entre Autores e 1º Réu , inerente ao prédio urbano identificado no artigo 19º da p.i. inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1651º, atendendo à impossibilidade legal do seu objecto”.
Para o pretendido reconhecimento da impossibilidade legal do objecto alegaram os AA como causa de pedir que o imóvel não deveria ter sido licenciado pela CM de Ponte de Lima, a qual alegadamente tinha a obrigação de, para o imóvel, não ter passado a respectiva licença de utilização. Sendo certo que a CM não só aprovou o projecto de arquitectura do imóvel, como emitiu alvará de construção e posteriormente emitiu alvará de licença de utilização nº 124/03.
Assim sendo, considera-se que o pedido principal formulado pelos AA pressupõe o conhecimento e apreciação de matéria - “a impossibilidade legal do objecto por indevido licenciamento - que não cabe na competência dos tribunais comuns, mas antes na competência dos tribunais administrativos.
Por outro lado, o certo é que o imóvel em causa está licenciado, através de decisão administrativa até agora válida e eficaz, pois não foi posta em causa tal validade e eficácia, repete-se, nos meios ou jurisdição competente.
Entrando agora na análise da legislação aplicável, saliente-se que o artigo 40º da LOSJ ( Lei da Organização do SISTEMA Judiciário – Lei 62/2013) estabelece que as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais. É que os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não discriminada, gozando os demais, competência em relação às matérias que lhes são especialmente cometidas.
A competência dos tribunais judiciais determina-se, pois, por um critério residual, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiveram conferidas aos tribunais de competência especializada.
Tal qualmente, preceitua o artigo 64.º do C.P.C. que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Por seu turno derivava do artigo 3.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ( D.L. n.º 129/84, de 27 Abril ) que compete aos tribunais administrativos e fiscais na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações administrativas e fiscais.
O citado Estatuto foi revogado pelo D.L. n.º 13/2002, de 19/02 (que aprovou o novo ETAF) sendo certo que actualmente, com as alterações que lhe foram sendo introduzidas, o estabelecimento da competência deriva do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do ETAF, sendo que para o caso em apreço relevam as als. a) a c) do citado normativo.
Por outro lado, como supra se referiu, enquanto estiver em vigor no ordenamento jurídico, de forma válida e eficaz o acto administrativo de licenciamento do imóvel em questão, considera-se não poder este Tribunal conhecer e apreciar a sua impossibilidade legal, até porque para tanto é incompetente. Existem acções que só podem ser instauradas se estiver previamente regulada uma determinada situação fáctica ou de direito, sob pena de ausência de utilidade da decisão a proferir na acção judicial. Se porventura a acção for instaurada sem esse pressuposto estar sanado, ocorre excepção dilatória insuprível, operando-se a absolvição da instância.
Nestes termos, em função do exposto, quer por força da incompetência em razão da matéria para conhecer desde logo do pedido principal formulado pelos AA, o que se declara, quer por força da excepção dilatória inominada da falta de pressuposto de prévia acção, decide-se absolver os RR da instância, declarando-a extinta.
Custas a cargo dos AA.
Registe e notifique“.
1.3. - Da decisão indicada em 1.2., porque da mesma discordando, e inconformados, apelaram então os AA A.., e marido É.., formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Mmo. Juiz a Quo, que julgou “quer por força da incompetência em razão da matéria para conhecer desde logo do pedido principal formulado pelos AA, o que se declara, quer por força da excepção dilatória inominada da falta de pressuposto de prévia acção, decide-se absolver os RR da instância, declarando-a extinta”, e, consequentemente, absolveu os RR. dos demais pedidos subsidiários contra si formulados.
2) A sentença recorrida merece censura nos seguintes aspectos: A – Erro na decisão da matéria de Direito; e B - Insuficiente fundamentação da sentença e omissão de pronúncia.
3) Salvo o devido respeito, não tem fundamento a decretada incompetência em razão da matéria, bem como a decretada excepção dilatória inominada da falta de pressuposto de prévia acção.
4) Isto porque os Autores demandam os Réus por actos ilícitos dos mesmos e motivados no facto de terem sido enganados por duas ordens de razões:
a. A primeira: porque os Réus esconderam que o prédio não confrontava com a via pública;
b. A segunda das razões: porque os Réus esconderam que o prédio era alagado pelas águas do ribeiro, e que parte do mesmo estava implantado em zona de protecção, bem como só tomaram conhecimento do facto do prédio estar construído em zona de protecção em finais, de 2013 (art.° 36° da p.i.).
5) Assim, não se vislumbra a incompetência material do tribunal a quo e muito menos da excepção dilatória inominada da falta de pressuposto de prévia acção.
6) O facto de o pedido efectuado a título principal, eventualmente, vir a ser e poder ser considerado por este Tribunal como da competência dos Tribunais Administrativos, não obsta ao conhecimento pelo tribunal a quo dos demais pedidos efectuados na presente acção, que se prendem com a responsabilidade contratual dos réus aqui citados, o que se requer.
7) Caso se entenda que a impugnação da licença de construção e a emissão da licença de utilização relativamente à habitação é matéria reservada ao conhecimento por parte dos Tribunais Administrativos e Fiscais, sempre terá o tribunal a quo de conhecer dos restantes pedidos efectuados na presente acção.
8) Isto porque o pedido de nulidade e anulação não se funda somente no licenciamento da construção, na emissão de licença de utilização, na aprovação do projecto de arquitectura do imóvel, ou na emissão do alvará de construção e posterior emissão da licença de utilização nº 124/03 pela Câmara Municipal de Ponte de Lima, como já se referiu supra.
9) Para além disso, entendem os recorrentes que não tem qualquer sentido e suporte legal o disposto na sentença, segundo a qual: “enquanto estiver em vigor no ordenamento jurídico, de forma válida e eficaz o acto administrativo de licenciamento do imóvel em questão, considera-se não poder este Tribunal conhecer e apreciar a sua impossibilidade legal, até porque para tanto é incompetente .”.
10) Isto porque, os pedidos efectuados não são dependentes e não são consequentes, e a não verificação de um não invalida os restantes, o que no entender dos recorrentes configura uma nulidade de omissão de pronúncia, que desde já se invoca.
11) Mais entendem os Autores que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação da mesma, já que não foram indicados normativos legais que suportem as conclusões da mesma.
12) Deverá assim ser substituída a sentença recorrida por outra que julgue o tribunal a quo competente para conhecer da acção em causa, ou, caso assim se venha a entender que o conhecimento do pedido principal compete, de facto, à jurisdição administrativa, seja julgado que o tribunal a quo deverá conhecer dos restante pedidos efectuados.
13) Violou o tribunal a quo o disposto nos arts. 64º, 66º, 70º, 71º, 615º nº1 b) e d) do CPC.
Nestes termos e demais de Direito, face à errónea interpretação da Lei pelo tribunal a quo, requer-se que seja substituída a decisão recorrida por outra que julgue o tribunal a quo competente para julgar a presente acção, ou, alternativamente, seja decidido que é, somente, competente para julgar os pedidos subsidiários, prosseguindo os demais trâmites até final.
1.4 .- A recorrida I.. , tendo contra-alegado, veio impetrar que à apelação dos AA seja negado provimento, concluindo do seguinte modo :
1 - No entender dos autores/recorrentes existe impossibilidade legal do seu objecto, dado o facto de o imóvel em causa não poder ser licenciado pela Câmara Municipal de Ponte de Lima.
2 - Sucede que, a construção do imóvel em causa foi autorizada, através da respectiva licença emitida pela Câmara Municipal, sob o nº 420, após ter sido aprovada no processo de obras nº 250/98.
3 - Por outro lado, o imóvel construído, destinado a habitação, obteve licença, para esse efeito, com o nº 124/03 de 08/08/2003.
4 - Deste modo, quer a construção do imóvel em causa, quer a sua utilização para habitação encontram-se devidamente licenciados pela Câmara Municipal de Ponte de Lima e nenhum dos actos administrativos que autorizou este licenciamento foi objecto de impugnação no tribunal administrativo competente, em conformidade com o disposto no artigo 40º do C.P.T.A.
5 - Assim sendo, enquanto o licenciamento do imóvel em questão se mantiver válido e eficaz no nosso ordenamento jurídico, não compete aos tribunais judiciais a apreciação e decisão do pedido formulado na acção. Com efeito,
6 - estamos, no caso sub judice, perante uma incompetência absoluta do tribunal judicial, em razão da matéria, conforme o preceituado no artigo 96.º a) do CPC, o que acarreta a imediata absolvição da Recorrida I.. da Instância, como estabelece o artigo 99.º n.º1 do CPC.
II - Omissão de Pronúncia:
7 - Os Recorrentes vêm alegar omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC. Ora,
8 - ao contrário do que sustentam os Recorrentes, os pedidos subsidiários encontram-se numa relação de prejudicialidade em relação ao pedido principal, isto é, são dependentes e consequentes do mesmo. Assim,
9 - enquanto estiver em vigor no ordenamento jurídico, de forma válida e eficaz o ato administrativo de licenciamento do imóvel, entendemos não poder o tribunal judicial conhecer e apreciar os pedidos em questão, pois todas as pretensões dos Recorrentes se prendem e estão relacionadas com o indevido licenciamento do imóvel que, como se sabe, não cabe na competência dos tribunais comuns, mas sim na competência dos tribunais administrativos. Pelo exposto,
10 - e uma vez que todos os pedidos estão correlacionados com o indevido licenciamento do imóvel, a decisão dos pedidos subsidiários fica, desde logo, prejudicada pela solução dada ao pedido principal. Deste modo,
11 - não colhe, por total falta de fundamento, a omissão de pronúncia invocada pelos Recorrentes.
III - Da nulidade ou anulabilidade do negócio de compra e venda:
12 - Os recorrentes pretendem a declaração de nulidade / anulabilidade o negócio de compra e venda em questão, alegando, por um lado, a impossibilidade legal do seu objecto e, por outro lado, invocando terem sido enganados pelos Recorridos, por estes lhe terem escondido que o prédio não confrontava com a via pública e que o mesmo era alagado pelas águas do ribeiro, estando parte do mesmo implantado em zona de protecção. Ora,
13 - no que tange à declaração de nulidade por impossibilidade legal do seu objecto (artigo 280.º do CC), o imóvel objecto de compra e venda estava e está devidamente licenciado para habitação, o que determina que pudesse ser, como foi, livremente transaccionado entre as partes. Por outro lado,
14 - no tocante aos demais pedidos de nulidade e anulação do negócio pelas razões invocadas pelos réus / recorrentes (as "cheias" e o caminho público),não se compreende toda a perplexidade dos Recorrentes quanto às particularidades do imóvel, visto que, tiveram acesso a toda a informação e características do mesmo e do respectivo negócio e até visitaram o local, ainda antes de assumir qualquer compromisso de compra e venda. Ademais,
15 - as características do caminho de acesso ao prédio e a sua proximidade em relação ao Ribeiro da Labruja, por serem do conhecimento dos Recorrentes, aquando da celebração da escritura de compra e venda, não consubstanciam fundamento para a sua declaração de nulidade ou anulabilidade.
IV - Da falta de fundamentação da sentença:
16 - Ao contrário do que sustentam os Recorrentes, a douta sentença a quo apresenta, de forma sistemática, os preceitos legais que se revelem necessários e adequados para sustentar as suas conclusões. Com efeito,
17 - no caso sub judice, a fundamentação contida na sentença é suficiente para elucidar as partes sobre o sentido e alcance da decisão, sendo explícitas e perfeitamente inteligíveis as razões que a motivam. Pelo que,
18 - a douta decisão em apreço fez uma correta ponderação dos factos e procedeu a uma correta subsunção dos mesmos à lei aplicável, inexistindo qualquer violação legal, nomeadamente os invocados nos artigos 64º, 66º, 70º,71º, 615º n.º 1 alíneas b) e d) do CPC.
V - Ampliação do objecto do recurso:
19 - Para a hipótese de se entender que este pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade pode ser viável, com vista a evitar mais incidentes processuais desnecessários a Ré, a título subsidiário, vem ampliar o objecto deste recurso, desde logo, para o correcto enquadramento legal deste pedido e apreciação da sua caducidade. Com efeito,
20 - e por mera cautela de patrocínio, importa esclarecer que, a admitir-se a existência de tais vícios apontados pelos autores / recorrentes (as "cheias" e o caminho público), os mesmos apenas teriam a virtualidade de originar a respectiva anulabilidade (artigos 247.º e 251.º do CC). Contudo,
21 - resulta do artigo 287.º n.º 1 do CC que a arguição da anulabilidade tem de ser feita dentro do ano subsequente à cessação do vício. Ora,
22 - tendo em conta que o imóvel em apreço foi adquirido pelos Recorrentes em 20.07.2010, é a partir deste momento que começa a contar-se o prazo para efeitos da arguição da anulabilidade. Acontece que,
23 - à data em que os recorrentes adquiriram o imóvel, isto é, em 20.07.2010, os vícios invocados já existiam e eram, então, do conhecimento dos Recorrentes, daí decorrendo que o seu direito de peticionar a anulação do negócio já caducou (artigo 298.º n.º 2 do Código Civil). Acresce que,
24 - a questão da anulabilidade do negócio jurídico de compra e venda em causa nos remete para o instituto da compra e venda de bens defeituosos, pois sempre que a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias à realização daquele fim, aplica-se o previsto nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil. De resto,
25 - neste sentido, estabelece o artigo 916.º do Código Civil que, no caso de compra e venda de bens imóveis, o prazo para a denúncia do vício é de um ano a partir do seu conhecimento, sendo que, o artigo 917.º dispõe que o prazo para a interposição da acção de anulação é de seis meses após a denúncia. Assim,
26 - tendo em conta que os recorrentes usufruem, usam e habitam no referido imóvel desde 20.07.2010, foi nessa data que o prazo de caducidade começou a contar.
27 - Assim, tendo a presente acção dado entrada em 11.11.2014, o prazo para os recorrentes arguirem a anulabilidade do contrato de compra e venda em causa já há muito teria caducado - 20 de Julho de 2011.
VI - Ampliação do âmbito do recurso por ilegitimidade passiva da Ré:
28 - Para a hipótese de o recurso vir a ser julgado procedente, deve apreciar-se subsidiariamente, esta questão da ilegitimidade, dado que a decisão a proferir pode vir a determinar, de imediato, a extinção da instância. Com efeito,
29 - o imóvel em causa foi adquirido pelo ex-marido da Ré, o réu N.., ainda quanto solteiro, concretamente através da escritura publica de compra e venda celebrada em 11 de Setembro de 2003, vide doc. nº 3 junto com a contestação.
30 - A Ré I.. casou com o Réu N.., em 13 de Agosto de 2005, sem convenção antenupcial, isto é, sob o regime da comunhão de adquiridos, conf. Artigo 1717º do Cód. Civil. Ora,
31 - neste regime de bens são considerados próprios dos cônjuges os que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento, conf. artigo 1722º nº 1alínea a) do Cód. Civil. Assim,
32 - tendo este imóvel sido adquirido pelo Réu N.. antes do seu casamento coma Ré I.., ao abrigo daquele normativo legal, o mesmo é propriedade exclusiva dele. Por outro lado,
33 - à data da celebração da escritura de compra e venda em causa, a Ré I.. já se encontrava divorciada do réu N.., desde 7 de Junho de 2010. Acresce ainda que,
34 - o processo de divórcio por mútuo consentimento entre a ré I.. e o réu N.. deu entrada na Conservatória do Registo Civil de Viana do Castelo, em25 de Maio de 2010, Processo 10382/10, e da respectiva relação de bens não constava, como não podia constar, o bem imóvel objecto do contrato de compra e venda em causa. Por isso,
35 - quem interveio na escritura de compra e venda em causa foi o ex-marido da ré I.. e naturalmente foi ele quem recebeu o preço declarado na escritura. Assim,
36 - a ré I.., não tendo intervindo no contrato de compra e venda em causa enão sendo dona ou tendo qualquer direito sobre o imóvel objecto da mesma(compra e venda), não é sujeito passivo da relação material aqui controvertida, conf. disposições combinadas dos artigos 1722º alínea a) do Cód. Civil e 30º do Cód. Proc. Civil. Daí que,
37 - tenha de ser considerada parte ilegítima nestes autos e, consequentemente e também por esta razão, absolvida da instância, conf. disposições combinadas dos artigos 278º nº 1 alínea e), 576º e 577º alínea e) do Cód. Proc. Civil. Deste modo,
38 - a douta decisão em apreço fez uma correta ponderação dos factos e procedeu a uma correta subsunção dos mesmos à lei aplicável, inexistindo qualquer violação legal, nomeadamente os invocados nos artigos 64º, 66º, 70º,71º, 615º n.º 1 al. b) e d) do CPC. Sendo que,
39 - as questões suscitadas pela recorrida na ampliação do âmbito deste recurso às excepções de caducidade e ilegitimidade desta (ré/recorrida), sempre, a título subsidiário, deverão determinar a improcedência do presente recurso.
TERMOS EM QUE:
a) Deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a douta sentença recorrida ou, no caso de assim não entender, subsidiariamente,
b) Para a hipótese da sua eventual procedência, deve ser alargado o respectivo âmbito do presente recurso, às invocadas excepções de caducidade e ilegitimidade passiva da Ré; e,
c) em consequência julgar-se as excepções procedentes e, em consequência, absolver-se a Ré/recorrida da instância.
Assim, se fará JUSTIÇA.
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1.5. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir são as seguintes :
- Aferir se a decisão apelada é nula, nos termos do artº 615º,nº1, alíneas b) e d), do CPC;
- Saber se, in casu, é o tribunal a quo o competente em razão da matéria para conhecer da presente acção , pelos apelantes intentada , ou , ao invés, se para o efeito a respectiva competência incumbe antes ao tribunal administrativo, tal como o decidiu a primeira instância ;
- Se cabe a este tribunal conhecer da ampliação do recurso em face do requerido pela apelada I...
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2.- Motivação de facto
Para efeitos de decisão do mérito da instância recursória, importa atender tão só à factualidade que resulta do relatório do presente acórdão.
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3.Motivação de Direito
3.1 - Da invocada NULIDADE da sentença apelada.
Com referência ao vício de nulidade imputado à decisão/sentença apelada, começam os recorrentes A.., e marido É.., por considerar que enferma a sentença proferida pelo tribunal a quo da causa de nulidade subsumível na alínea b), do nº 1, do artº 615º, do CPC, pois que, na mesma não se mostram indicados quais os normativos legais que suportam as respectivas conclusões, mormente as incompetências decididas .
Para além disso, entendem ainda os recorrentes que, porque não tem qualquer sentido e suporte legal o disposto na sentença, no sentido de que “enquanto estiver em vigor no ordenamento jurídico, de forma válida e eficaz o acto administrativo de licenciamento do imóvel em questão, considera-se não poder este Tribunal conhecer e apreciar a sua impossibilidade legal, até porque para tanto é incompetente ”, então , e porque os pedidos que deduziram não são dependentes e não são consequentes, enferma também a decisão apelada da nulidade de omissão de pronúncia.
Ora Bem.
Como é entendimento uniforme e há muito consolidado, quer na jurisprudência (1) , quer na doutrina (2) , e no que ao vício de nulidade de sentença concerne, por ausência de fundamentação [ subsumível na alínea b), do nº1, do artº 615º ], uma coisa é a falta absoluta de motivação ( quando não existe de todo) , e , outra bem diferente - o que não integra já o vício de nulidade - , é a existência de alguma fundamentação, sendo porém ela escassa, deficiente ou até mesmo pobre.
Ou seja, para que ocorra o vício de nulidade a que se refere o artº. 615º, nº.1, al. b), do Código de Proc.Civil, seja de facto e/ou de direito, necessário é que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão – em termos de facto e de direito – seja deficiente, apoucada, ou incompleta, vício este último que, podendo é verdade afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, não a fulmina de nulidade. (3)
Por outra banda, já o vício/nulidade subsumível à previsão da primeira parte da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mostra-se em consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença ( cfr. artº 608º,nº2, do CPC ) , resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (4).
Sobre o Juiz recai , portanto, no dizer de Lebre de Freitas e outros (5) , a obrigação de apreciar/conhecer “ todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…), sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento, e , não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “(…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença e que as partes hajam invocado (…) “, então o “ não conhecimento do pedido , causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.
Postas estas breves considerações, e sem necessidade de mais desenvolvimentos, ao analisarmos sem grande profundidade a sentença apelada, manifesto é que não padece a mesma das nulidades que lhes atribuem os apelantes.
Na verdade, e em sede de fundamentação, ainda que não profunda e exaustiva, e ainda que com a mesma não concordem os apelantes, considerando-a errada, certo é que é a mesma existente.
É que, neste conspecto, importante é nunca olvidar que, como é consabido, não faz de todo qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer erro de julgamento ( seja de facto , seja de direito) , sendo de resto prática confrangedoramente recorrente e incompreensível em sede de instâncias recursórias a confusão do mero "error in procedendo" com o "error in judicando", sendo que este último não cabe de todo na previsão do artº 615º, do CPC.
Não padece assim a sentença da nulidade a que alude a alínea b), do nº1, do artº 615º, do CPC.
De igual modo, conhecendo o tribunal a quo, e desde logo ( como o obriga o artº 577º e nº1, do artº 608º, ambos do CPC ) , de questão processual ( excepção dilatória ) , julgando procedente a excepção de incompetência absoluta , é óbvio que o conhecimento/apreciação de todas as demais questões submetidas à apreciação do julgador ficaram prejudicadas ( cfr. nº2, do artº 608º, do CPC).
Não existe, assim, omissão de pronúncia, existindo, quando muito, um erro de julgamento ( que nada – insiste-se - tem que ver com nulidade de sentença ) em relação a concreta excepção dilatória.
Tudo visto e ponderado, temos assim que, in casu, inevitável é a improcedência das conclusões recursórias dos apelantes dirigidas para as invocadas nulidades da sentença apelada.
3.2. - É, ou não, o tribunal a quo o competente em razão da matéria para conhecer da presente acção, pelos apelantes intentada, ou , ao invés, se para o efeito a respectiva competência incumbe antes ao tribunal administrativo, tal como o decidiu a primeira instância.
Como vimos supra, importa tão só apreciar no âmbito da presente instância recursória, da competência em razão da matéria do tribunal a quo para conhecer da acção declarativa de condenação e com processo comum, intentada pelos apelantes, importando pois aferir da efectiva verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta, excepção esta que, devendo é certo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (cfr. artº 97º,nº1, do CPC), foi porém in casu arguida por duas apeladas, e , em sede de despacho proferido, atendida pelo tribunal de primeira instância.
Em rigor, em causa está tão só em aferir se, em razão do pedido deduzido na acção pelos apelantes e da causa petendi que o alicerça/sustenta, deve a decisão apelada manter-se.
Ora Bem.
Como é consabido, a competência dos tribunais, na ordem jurídica interna, reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, e fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei ( cfr. artºs 37º e 38º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO – e artº 60º, do Cód. de Processo Civil).
Por outro lado, como é entendimento uniforme da melhor doutrina (6) e jurisprudência , é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer , sendo para tanto irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente á viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão. (7)
Depois, nos termos do artigo 40º, nº1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, mister é outrossim não olvidar que a competência dos tribunais da ordem judicial é residual ( os tribunais judiciais são competentes para as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional ), sendo que ela - a competência - fixa-se , como vimos já, no momento em que a acção se propõe. (8)
Ou seja, e em sede de síntese conclusiva (9) , sendo em atenção à matéria da lide, ao acto jurídico ou facto jurídico de que a acção emerge, que importará aferir se deve a acção correr termos pelo tribunal comum ou judicial (10) , ou , antes , por um tribunal especial , e sendo o primeiro o tribunal regra [ porque goza de competência não discriminada, incumbindo-lhe apreciar e decidir todas as causas que não forem atribuídas pela lei a alguma jurisdição especial , ou outra ordem jurisdicional ], então a competência dos tribunais judiciais determina-se por um critério residual ou por exclusão de partes [ não existindo disposição de lei que submeta a acção à competência de algum tribunal especial, cai ela inevitavelmente sob a alçada de um tribunal judicial ] .
Isto dito, e importando in casu aferir da competência material dos tribunais administrativos ( em razão do sentido da decisão apelada ) , recorda-se que, do artº 212º, nº 3, da CRP , e do artº 1º, nº1, do ETAF (11) , este último com a redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10, resulta , respectivamente , que “ Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” , e que “ Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Por outra banda, e agora no respectivo artº 4º, identifica o ETAF , em diversas alíneas, diversos tipos de litígios cuja apreciação, em razão do respectivo objecto, incumbe/compete forçosamente aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, sendo que, de entre eles, salientam-se aqueles [ porque referidas pelo tribunal a quo na decisão apelada ] que se prendem, v.g. com a :
- Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal – alínea a) ;
- Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração - alínea b);
- Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública” alínea c).
Finalmente, recorda-se que, rezando o artº 92º, do CPC, sob a epígrafe de “ Questões prejudiciais” , e no respectivo nº1, que “ Se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie” , manifesto é que nada impede/obsta a que em sede de tribunal comum seja a questão prejudicial conhecida e decidida - o juiz tem apenas a faculdade de sobrestar na decisão , suspendendo a instância até que tal questão seja decidida pelo tribunal competente, mas estando obrigado a apreciá-la ele mesmo caso se verifique a situação prevista no nº2 - , ainda que, nessa parte, a decisão não produza efeitos fora do processo (cfr. nº 2 da norma citada).
Ou seja, e v.g., se em acção intentada em tribunal comum ou judicial, o conhecimento do respectivo objecto depender de uma questão que seja da competência do tribunal administrativo [ como o é com segurança o da nulidade de um acto administrativo - cfr. artº 120º, do CPA (12) , em vigor à data da propositura da acção - , sendo que consubstancia também inequivocamente um acto administrativo a concessão pelas Câmaras Municipais de licenças para construção, reedificação ou conservação, bem como para aprovar os respectivos projectos, nos termos da lei - cfr. al. a) do n.º 5, do art. 64º, da Lei das Autarquias Locais, aprovada pela n.º 169/99, de 18 de Setembro ] , inquestionável é que pode o tribunal comum apreciar tal questão ( v.g. desconsiderar um acto administrativo, porque nulo ), não estando obrigado a remeter as partes para a jurisdição administrativa, e ainda que, forçosamente, a decisão proferida na referida parte se restrinja às partes do processo, não produzindo efeitos fora do processo.
Quer dizer (13), a questão incidental [ ou prejudicial, porque constitui pressuposto necessário da decisão de mérito ] é objecto apenas de conhecimento “ incidentaliter tantum e não principaliter, podendo ser objecto de nova acção, embora sem prejuízo da anterior , e , a decisão do juiz e a que alude o nº1, do art.º 92º, do CPC, em rigor, está sujeita ao prudente arbítrio do juiz , integrando um seu poder discricionário. (14)
Isto dito, e começando por caracterizar o objecto do litígio da acção intentada pelos apelantes, parece-nos algo linear que a causa petendi dos pedidos deduzidos pelos apelantes contra os RR ( nenhum deles um órgão da Administração e que, ao abrigo de normas de direito público, são autores/agentes de actos administrativos que produzem efeitos jurídicos numa situação individual e concreta , como v.g. uma Câmara Municipal ) , e por via principal, apenas demanda a apreciação - pelo julgador - e a aplicação de normas do direito privado, que não público ou de natureza jurídica administrativa.
Na verdade, e no essencial, ao analisarmos o quid disputatum ou quid dedidendum da acção intentada pelos AA, e outrossim os pedidos deduzidos, parece-nos manifesto que o julgamento do objecto da acção , não apenas postula a valoração e a aplicação tão só de normas do direito privado, como, por outra banda, está longe ter por desiderato a resolução de um litígio emergente de uma relação jurídico administrativa [ antes entronca em contrato cujo efeito jurídico relaciona-se com a criação/extinção de relação jurídica de natureza real, confinada ao direito civil lato sensu, impondo-se a sua qualificação como sendo de direito privado, que não , de todo, um contrato administrativo (15) ] , e na suposição doutrinalmente aceite de que mais não configura esta última do que uma relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada/disciplinada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. (16) (17) (18)
À partida, portanto, e em razão da causa petendi invocada pelos apelantes e que ancora/suporta os pedidos que formulam na acção, não existe qualquer fundamento pertinente que justifique considerar que o litígio a dirimir na acção intentada se reporta a uma relação jurídico-administrativa, isto por um lado.
Por outro, se atentarmos que in casu, não formulam os AA , por via principal, o pedido de declaração de nulidade de um acto administrativo ( o do licenciamento ), a que acresce que, coerentemente, não demandam também o autor do acto em causa [ como obrigados estavam, caso tivessem deduzido um tal pedido ] , não existe obstáculo adjectivo a que a questão – porque em rigor incidental do objecto da acção – da nulidade do acto administrativo de licenciamento possa ser apreciada e julgada no Tribunal comum, nos termos do artº 92º, do CPC, e em razão do disposto no artº 4º ,nº1, alínea b), do ETAF.
Ademais, estando a decisão a que alude o nº1, do art.º 92º, do CPC, sujeita, como vimos já, ao prudente arbítrio do juiz , integrando um seu poder discricionário, recorda-se que, in casu, a questão da nulidade de acto administrativo consubstancia apenas parte da causa petendi do pedido dos AA, e, de resto, apenas do pedido principal deduzido , que não do subsidiário ( o que justifica, também, que a suspensão do processo seja menos exigível ) .
Assim sendo, porque como vimos supra a competência dos tribunais judiciais determina-se por um critério residual ou por exclusão de partes [ não existindo disposição de lei que submeta a acção à competência intentada pelos AA a algum tribunal especial, cai ela inevitavelmente sob a alçada de um tribunal judicial ] , e porque a questão prejudicial , ainda que da competência do tribunal administrativo, pode ser conhecida/decidida pelo juiz titular da acção, ( nos termos do artº 92º, do CPC ), inevitável é concluir-se que o litígio que opõe apelantes aos apelados há-de forçosamente ser dirimido ( apreciado e julgado ) em tribunal judicial ou tribunal comum.
Em suma, a apelação deve justificadamente proceder, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
3.3. - Se cabe a este tribunal conhecer da ampliação do recurso em face do requerido pela apelada I...
Em sede de contra-alegações, e para a hipótese de a apelação dever vingar, vem a apelada I.., a título subsidiário, suscitar a ampliação do objecto do recurso, impetrando que no mesmo seja apreciada a questão da caducidade, e, bem assim, a da ilegitimidade passiva da Ré.
Ou seja, para a apelada, devendo é certo ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a douta sentença recorrida, deve em todo o caso, a assim não entender, subsidiariamente, conhecer-se das invocadas excepções de caducidade e ilegitimidade passiva da Ré , e , em consequência julgando-se as excepções procedentes , seja a Ré/recorrida absolvida da instância.
Ora bem.
Sob a epígrafe de “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido“, reza o artº 636º, do CPC, no respectivo nº 1, que “ No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Como decorre da disposição legal acabada de transcrever, a pertinência da Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, pressupõe, por um lado, que o recorrido , porque não vencido na decisão apelada, logo não dispõe de legitimidade recursória, possa ainda assim promover a ampliação do objecto do recurso.
Mas, por outra banda, pressupõe também a Ampliação do âmbito do recurso, que o vencedor na decisão recorrida veio porém a decair em algum/s do/s fundamentos invocados, os quais, na referida e mesma decisão, vieram a ser apreciados/conhecidos pelo tribunal a quo, mas, em todo o caso, não foram atendidos, antes vieram a ser rejeitados.
Ora, como é manifesto, as questões que a apelada pretende que o ad quem conheça no âmbito da instância recursória, em rigor, não foram sequer conhecidas pelo tribunal a quo na decisão objecto da apelação, e nem sequer tinham de o ser ( em razão do disposto no artº 608º,nºs 1 e 2, do CPC ), e , consequentemente, a fortiori, não decaiu e/ou ficou vencida a recorrida em tais questões/fundamentos.
Destarte, manifestamente, não se verificando, de todo, a previsão do nº1, do artº 636º, do CPC, vedado está a este tribunal conhecer das questões acima indicadas pela apelada.
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4.- Concluindo e sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC)
1 - Em sede de aferição do tribunal materialmente competente, se o comum ou antes o administrativo, o que importa é ter em atenção qual a relação jurídica que está na base do litígio e qual a natureza das normas que a disciplinam, e tal como se mostra aquela configurada nos autos pelo requerente.
II - Assim, caso a relação jurídica referida em I diga respeito a um litígio de natureza privada, a decidir por aplicação de normas de direito privado, e ainda que um dos sujeitos seja uma entidade pública, então o tribunal administrativo não é o competente, antes o é o tribunal comum.
III - No processo declarativo, a regra é no sentido de que o tribunal competente para a acção também o é para as questões da competência do tribunal administrativo e cuja apreciação se revele essencial para o conhecimento do objecto da acção, caso em que, pode o juiz suspender o processo antes da decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
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5- Decisão.
Pelo exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência dos fundamentos supra aduzidos, em conceder provimento à apelação de A.., e marido É.., e , consequentemente , revogando-se a decisão recorrida :
5.1.- Determina-se o prosseguimento dos autos, pois que, o tribunal recorrido é efectivamente o competente, em razão da matéria, para conhecer da acção pelos AA intentada.
Custas da apelação pela apelada I...
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(1) Cfr. o Ac. do STJ de 5/5/2005, in www.dgsi.pt.
(2) Cfr. o Prof. José Alberto dos Reis, in C. Proc. Civil anotado, V , Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141 ; Prof. Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 687 a 689 e Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36.
(3) Prof. José Alberto dos Reis, ibidem, pág.140.
(4) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(5) In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(6) Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 91, e Artur Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.
(7) Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 9/7/2014, Proc. Nº 934/05.6TBMFR.L1.S1, in www.dgsi.pt.
(8) Cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I , Coimbra 1960 , págs. 146 e segs..
(9) Cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I , Coimbra 1960 , págs. 146 e segs..
(10) Reza o artº 211º,nº1, da CRP, que “ Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais “.
(11) O ETAF - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - foi aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, a qual por sua vez foi sujeita já a diversas alterações, designadamente introduzidas pelas Leis nºs 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, 107-D/2003, de 31 de Dezembro, 1/2008, de 14 de Janeiro, 2/2008, de 14 de Janeiro, 26/2008, de 27 de Junho, 52/2008, de 28 de Agosto, e 59/2008, de 11 de Setembro. DL n.º 166/2009, de 31/07, Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, Lei n.º 20/2012, de 14/05 e DL n.º 214-G/2015, de 02/10.
(12) DL n.º 442/91, de 15 de Novembro, revogado pelo DL n.º 4/2015, de 07/01.
(13) Cfr. Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, 1982, pág. 45.
(14) Cfr. o Ac. do STJ de 29/3/2007, Proc. Nº 07B764, in www.dgsi.pt., e José A. dos Reis, in Comentário, I, pág. 288
(15) O qual, o já revogado Código do Procedimento Administrativo , no respectivo artº 178º, nº1, caracterizava como sendo o acordo de vontades pela qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
(16) Cfr. Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, 2007, págs. 117/118, citado no Ac. do Tribunal de Conflitos de 15/05/2013, Proc. nº 024/13 e in www.dgsi.pt.
(17) No entender de Gomes Canotilho e de Vital Moreira - in “Constituição da República Anotada”, 3ª ed., pág. 815 - , a relação jurídico-administrativa pressupõe duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.
(18) Também para Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 9.ª Edição, Almedina, pág. 55, e na falta de definição legal expressa, prudente é qualificar-se a “relação jurídica administrativa” partindo-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” , ou seja, no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração.
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Guimarães, 17/12/2015
António Santos
Amália Santos
Ana Cristina Duarte